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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.34  Porto dez. 2017

https://doi.org/10.21747/08723419/soc34a7 

RECENSÃO

MOTA, Graça e TEIXEIRA LOPES, João (Orgs.), (2017) Crescer e tocar na Orquestra Geração, Vila do Conde, Verso da História.

Irene Serafino

E-mail: irene.serafino85@gmail.com

Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (Porto, Portugal)

Analisar e refletir sobre projetos culturais e artísticos em âmbitos educativos e com grupos de populações vulneráveis torna-se hoje urgente, tendo também em vista o aumento dos discursos e das práticas sobre esta temática. A investigação tratada na obra Crescer e tocar na Orquestra Geração (2017), situada quer na área da música quer na área sociológica, analisa o projeto da Orquestra Geração, implementado em Portugal desde 2007. O estudo interdisciplinar envolveu especialistas de diferentes filiações científicas e institucionais. Compreender a relação entre a música e a inclusão social é o grande objetivo deste escrito, que levanta interessantes questões teóricas e metodológicas.
A obra, subdividida em 4 partes e com um total de 9 capítulos, acompanha o processo de investigação de um estudo de caso. Para o leitor é possível acompanhar os 11 autores das 268 páginas da obra através de um roteiro que sublinha o andamento das diferentes fases do estudo e os seus contributos reflexivos.
O prefácio de Augusto Santos Silva, consultor do estudo que acompanhou a evolução do projeto a partir de um olhar externo, citado ao longo da obra como ponto de referência para uma discussão crítica, aponta algumas questões relevantes que a análise da Orquestra Geração enquanto processo social levanta: a inscrição da música nas nossas práticas sociais, seu valor e sentido e a possibilidade de observar fenómenos de apropriação social da música erudita enquanto recurso e método de integração social.
Na introdução, escrita pelos dois organizadores da obra, se apresenta o contexto do estudo, a sua génese, a constituição da equipa e uma breve descrição da divisão do livro. A primeira parte do volume oferece uma visão panorâmica que permite ao leitor situar-se a nível teórico, metodológico e da especificidade do objeto de estudo.
No primeiro capítulo, escrito por João Teixeira Lopes, Graça Mota, Ana Luísa Veloso e Rute Teixeira, são tratadas as perspetivas críticas sobre música e inclusão social, enquanto contributos para a compreensão do fenómeno das orquestras juvenis. Os autores destacam a importância de compreender a relação entre a música e a inclusão social, que envolve a construção e reconstrução de significados, a criação de comunidades de prática (musical), a aprendizagem não formal, as oportunidades de acesso a ambientes musicais independentemente dos recursos socioeconómicos e culturais dos potenciais participantes, situando-se na abordagem da democracia cultural e cidadania, da arte enquanto forma de integração social.
No segundo capítulo, escrito por Matilde Caldas e Graça Mota, apresenta-se a Orquestra Geração e descreve-se o seu enquadramento, sublinhando a inspiração ao modelo venezuelano “El Sistema (ES) – Sistema Nacional de Orquestras Infantis e Juvenis da Venezuela” (p.49). Evidenciam-se também as especificidades da implementação da experiência portuguesa através de uma visão diacrónica da Orquestra Geração entre os anos 2007 e 2015, passando pela descrição dos primeiros núcleos e até a expansão da experiência no território nacional. O estudo aborda diferentes dimensões como as questões metodológicas e pedagógicas, ligadas ao repertório, à formação dos professores e às atividades, e a estrutura organizativa da Orquestra Geração ao longo das suas quatro fases: 1) a implementação do projeto nas escolas abrangendo até ao 3º ciclo; 2) a constituição das Orquestras Municipais ou Intermunicipais; 3) a criação de orquestras regionais; 4) a criação de uma orquestra nacional.
No terceiro capítulo estão traçadas as opções metodológicas do estudo e o leitor pode acompanhar o processo de aproximação e andamento da investigação. Conforme os autores Graça Boal-Palheiros, Ana Luísa Veloso, Ana Isabel Cruz e Pedro Santos Boia, a investigação assentou em dois pilares: “as possíveis relações entre a música e a inclusão social (…) e as questões que emergem da pedagogia musical implementada” (p.60). Nota-se a importância atribuída à aplicação de abordagens metodológicas complementares através do trabalho de triangulação de várias técnicas de recolha de dados (análise documental, observação, entrevistas, questionários), da confrontação de múltiplas perspetivas e da importância de oferecer um contributo ao desenho e à realização de estratégias de educação e integração de e pela música. Sublinha-se também a centralidade do trabalho de equipa salientando o caráter coletivo da investigação.
A segunda parte do livro apresenta a discussão dos resultados, abordando diferentes níveis de análise. No quarto capítulo, escrito por Ana Isabel Cruz, Graça Mota e Jorge Alexandre Costa, a reflexão move-se a partir da triangulação dos dados recolhidos focando diferentes aspetos. Os autores consideram complementarmente diferentes tipos de dados e analisam as pedagogias musicais em relação com as práticas, as consequências observáveis, os efeitos nas trajetórias dos indivíduos, nos seus percursos familiares e no sistema de educação. Ao focar nas motivações e objetivos do projeto, este capítulo aproxima o leitor às interpretações das questões fundamentais que nortearam a investigação, trabalhando as ambivalências ou as complementaridades existentes entre os dois grandes objetivos da Orquestra Geração: “a inclusão social e a excelência musical” (p.82).
No quinto capítulo Jorge Alexandre Costa, Ana Isabel Cruz e Graça Mota, apresentam uma análise da estrutura organizativa da Orquestra Geração. A análise da Orquestra Geração como um sistema de atividade e seus cinco princípios é acompanhada por um modelo organizacional constituído por 6 partes: o centro operacional, o vértice estratégico, a linha hierárquica intermédia, a tecnoestrutura, a logística e, enquanto quadro de referência das outras 5 partes, a ideologia. Nas reflexões finais do capítulo, os autores discorrem sobre alguns aspetos críticos, como a necessidade de uma maior descentralização do modelo organizativo e a maior distribuição do poder, tal como sobre possíveis linhas de implementação destas recomendações.
Conclui esta segunda parte da obra o sexto capítulo, escrito por Jorge Alexandre Costa, Ana Isabel Cruz, Rui Bessa, Rui Ferreira, Graça Boal-Palheiros e Pedro Santos Boia. A partir do estudo da organização curricular e das orientações programáticas, analisam-se as orientações pedagógicas utilizadas na formação musical com a intenção de compreender como se constrói o significado musical na concretização do «campo de formação sócio musical” (p.131) da Orquestra Geração.
Na terceira parte da obra apresentam-se olhares originais de participantes da Orquestra Geração. No sétimo capítulo, Matilde Caldas, participante da Orquestra Geração e investigadora do estudo contemplado no livro, analisa de forma reflexiva a relação entre o trabalho académico e os problemas sociais específicos estudados, entre a investigação e a prática cultural, a partir de um olhar multidimensional e privilegia- do que a sua experiência lhe proporcionou.
Em continuidade com a apresentação de olhares originais, o oitavo capítulo escrito por João Teixeira Lopes, Pedro Santos Boia, Ana Luísa Veloso e Matilde Caldas, foca-se nos retratos sociológicos de 35 jovens participantes da Orquestra Geração, dos quais 13 apresentados de forma mais extensa, efetuados a partir dos relatos dos próprios entrevistados. Conforme os autores, a metodologia dos retratos sociológicos permitiu dar voz às experiências e aos pontos de vista dos jovens participantes da Orquestra Geração e constituiu um importante contributo original: “Dando espaço às vivências, ideias, opiniões e às trajetórias dos que são eleitos sujeitos-alvo deste projeto de inclusão social através da música, este capítulo pode ser visto, de certo modo como o coração deste livro” (p.173). Evidenciando as singularidades, mas também as regularidades entre os retratos, o esforço de análise dos autores procurou criar um “mosaico de experiências singulares” (p.174) a partir das interpretações e (re)construções biográficas. Apesar de ser apontada a possibilidade de os relatos serem reflexos de um discurso dominante, os autores evidenciam a importância do papel que o discurso dominante pode ter para “antecipar ‘resultados' esperados” (p.250).
Na quarta parte da obra, constituída pelo nono e último capítulo, os organiza- dores João Teixeira Lopes e Graça Mota avançam algumas conclusões em relação à compreensão de como a Orquestra Geração pode atuar enquanto agente de socialização, mecanismo de inclusão e mobilidade social e enquanto comunidade de prática territorialmente enraizada. Discutem, assim, os temas mais relevantes e apontam possíveis caminhos no domínio da investigação, assim como sugestões para a construção de projetos que associam as práticas musicais coletivas à inclusão social. Evidenciam a importância de efetuar estudos multidimensionais e sugerem uma maior atenção às parcerias interinstitucionais com grupos presentes no território, proporcionando um maior envolvimento da comunidade e a superação de uma “excessiva centralização de decisões e procedimentos” (p.261).
De forte atualidade, o livro possui um fio condutor coerente que analisa uma temática complexa e torna-se um exemplo de um esforço de compreensão e reflexão interdisciplinar de projetos artísticos em âmbitos educativos e de integração social. A investigação apresentada, em suma, sugere a importância de estudos interpretativos e reflexivos de boas práticas de trabalhos de inclusão social, assim como uma análise das experiências que considere as peculiaridades do contexto onde as mesmas ocorrem.

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