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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia  no.tematico7 Porto Dec. 2017

https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2017a4 

ARTIGOS

“Terceiro setor”, “economia social” e “economia solidária”: laboratório por excelência de inovação social

"Third sector", "social economy" and "solidarity economy": labs by excellence of social innovation

"Troisième secteur", "économie sociale" et "économie solidaire”: les laboratoires par excellence de l'innovation sociale

"Tercer Sector", "economía social" y "economía solidaria": laboratorios por excelencia de innovación social

1 Naldeir dos Santos Vieira; 2,3Cristina Parente; 4Allan Claudius Queiroz Barbosa

1Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

2 Faculdade de Letras da Universidade do Porto

3Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

4Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço de correspondência

 


RESUMO

Propõe-se uma discussão conceitual das abordagens sobre o “terceiro setor”, “economia social” e “economia solidária” e da contribuição das suas organizações, projetos e atividades para o desenvolvimento de inovações sociais. Demonstra-se que, apesar das diferenciações, os três conceitos remetem para dominios que são caracterizados na atualidade pelo desenvolvimento de inovações sociais por serem espaços de articulações onde se busca a implementação de projetos e práticas orientados para a resolução de problemas sociais e coletivos complexos, que não encontram resposta pelo mercado e pelo Estado.

Palavras chave: inovação social; terceiro setor; economia social; economia solidária.

 


ABSTRACT

Proposes a conceptual discussion of the approaches on the "third sector", "social econom y" and "solidarity economy" and the contribution of their organizations, projects and activities for the development of social innovations. Demonstrates that, despite the differences, the three concepts refer to domains that are actually characterized by the development of social innovations to be communication spaces where one seeks the implementation of projects and practices geared to solving complex social and collective problems, who do not find response by the market and the State.

Keywords: social innovation; third sector; social economy; solidarity economy.

 


RÉSUMÉ

L'article propose une discussion conceptuelle des approches du « troisième secteur », de « l'économie sociale » et « l'économie solidaire » ainsi que de la contribution de ces types d'organisations et de leurs activités au développement d' innovations sociales. Il est montré que, malgré les différences, les trois concepts nous remettent à des domaines empiriques qui se caractérisent aujourd'hui par le développement d' innovations sociales, dans la mesure où ils constituent des espaces d'articulation qui mettent en œuvre des projets et des pratiques qui visent la solution de problèmes sociaux et collectifs complexes, qui ne trouvent pas de réponse dans le fonctionnement du marché ou des politiques publiques. Mots-clés: innovation sociale; troisième secteur; économie sociale; économie solidaire.

 


RESUMEN

El artículo propone una discusión conceptual de los enfoques para el "tercer sector", "economía social" y "economía solidaria" y la contribución de sus organizaciones y actividades para desarrollar innovaciones sociales. Se demuestra que a pesar de las diferencias, los tres conceptos se refieren a campos empíricos, que se caracterizan actualmente por el desarrollo de innovaciones sociales porque son espacios de articulaciones donde implementan proyectos y prácticas orientadas a la resolución de problemas sociales y colectivos complejos, que no encuentran respuesta por parte del mercado y por parte del Estado.

Palabras clave: innovación social; tercer sector; economía social; economía solidaria.

 


Introdução

Diante de necessidades sociais não atendidas a nível global, a bandeira do desenvolvimento passou a ser amplamente defendida por uma diversidade de instituições e atores sociais e abordada sob diferentes perspetivas económica, social, ambiental e política. Porém, as ações desenvolvimentistas ora implementadas não foram suficientes para que antigos problemas sociais fossem resolvidos, quando considerada a garantia de quantidade e qualidade de vida das populações. Além disso, muitas ações refletiram-se diretamente na ampliação das desigualdades sociais e na degradação ambiental (Dowbor, 2007).
Problemas apontados por Moulaert, MacCallum e Hillier (2013), como pobreza, conflitos, prisão política, poluição, analfabetismo, opressão económica, racismo, diferenças entre classes sociais, discriminação de género e alterações climáticas surgem a todo o momento, apesar das formas tradicionais de inovação. Face à complexidade dos problemas apontados, intensificou-se o debate sobre a necessidade de se rever o modelo de desenvolvimento. O lócus deste debate extrapola as fronteiras das organizações privadas e do Estado, ganhando intensidade na esfera pública, no sentido dado por Habermas (1984), palco para ações de natureza propositiva e/ou reivindicatória, surgindo naquele espaço as Organizações Não Governamentais (ONG), de natureza privada, que desenvolvem atividades pautadas pela defesa de interesses coletivos. São estas organizações que, entre outras, passam a ser chamadas de organizações sociais - as quais estão na origem do conceito de economia solidária na América Latina. Remetem para o setor não lucrativo norte-americano ou para a economia social na Europa Continental, ou ainda para terceiro setor em ambos os continentes (europeu e americano), por não objetivarem a maximização de lucros sobre o capital investido, mas a defesa de interesses coletivos e a inclusão de sujeitos vulneráveis envoltos por problemas sociais complexos.
Tais organizações passam a ser consideradas um importante “laboratório” para o desenvolvimento de inovações sociais. Por influência da abordagem transdisciplinar resultante de filiação dos autores na gestão e na sociologia, as inovações sociais são compreendidas neste trabalho como todos os novos processos, intervenções e abordagens, ou ainda todos os novos produtos e serviços desenvolvidos para melhorar uma situação ou solucionar um problema social que se estabeleceu no nível das organizações e das comunidades (CST, 2000). Dentre as potencialidades das inovações sociais está a sua articulação com o desenvolvimento sustentável, com forte impacto social, por relacionarem satisfação de necessidades básicas, melhoria da qualidade do meio-ambiente, inovação nas relações sociais, governança, empoderamento e justiça social (Mehmood e Parra, 2013).
Apesar do avanço nos estudos sobre as inovações sociais (nomeadamente do CRISES no Canadá e da Young Fundation e NESTA na Inglaterra), enquanto processos permanecem pouco estudados, principalmente quando comparados ao quantitativo de estudos sobre os processos de inovação em negócios. Na visão de Mulgan (2006), a ausência de uma análise sustentada e sistemática está a atrasar as práticas da inovação social. O pouco conhecimento é um dos factores que dificulta a visualização das principais lacunas na provisão de financiamento e consultoria de suporte. Ademais, a lacuna no conhecimento sobre os padrões comuns torna mais difícil para os próprios inovadores serem eficazes na implementação de ideias sustentáveis.
Ao considerar-se o estudo da inovação social no domínio das organizações da sociedade civil sem fins lucrativos (OSC), como problemática inicial apresenta-se a sua amplitude e diversidade, sendo as OSC observadas sob diferentes perspetivas, resultando numa multiplicidade de abordagens e em diferentes escolas de pensamento que buscam compreender a dinâmica destas organizações.

Procuramos, neste artigo, articular o debate sobre a delimitação dos construtos “terceiro setor”, “economia social” e “economia solidária”, por meio dos estudos dos principais pesquisadores da área e analisar como as organizações, projetos e atividades destes domínios podem estar vinculados ao desenvolvimento de inovações sociais. Com a incorporação do construto “inovação social”, este trabalho avança no debate apresentado por França-Filho (2002) e Lechat (2002) sobre as diferenças entre terceiro setor, economia social e economia solidária, ao questionar a articulação com uma nova categoria de análise.

1. O conceito de “terceiro setor” nos contextos norte-americano e europeu

O debate sobre o chamado terceiro setor tem a sua génese nas ações assistenciais, como as desenvolvidas pelas Santas Casas de Misericórdia e por outras instituições criadas pelas igrejas e por várias OSC com finalidade pública. Foi a partir de mudanças estruturais que resultaram na ampliação das desigualdades sociais que o protagonismo dos movimentos sociais ganhou notoriedade (Manãs e Medeiros, 2012). Nos EUA, tal protagonismo tomou impulso nos anos de 1970 e acelerou-se na década seguinte, face ao crescimento do número de organizações voluntárias, o que desencadeou o interesse pela investigação das causas inerente à sua expansão, na tentativa de explicar as variações em seu número e porte em diferentes países (Kim, 2011). Assim, as análises sobre o terceiro setor foram fortemente influenciadas pelos “estudos sobre o setor voluntário da economia estadunidense como provedor de bens e serviços em situações inadequadas para uma coordenação pelo mercado” (Sobottka, 2002: 87).
Essa perspetiva internacionalizou-se nos anos de 1990, por meio doThe Johns Hopkins Comparative Nonprofit Setor Project, da The John Hopkins University. Com a crescente importância das organizações de caráter associativo e não lucrativo em áreas como Educação, Saúde, Serviços Sociais, Culturais e Recreativos, o projeto da John Hopkins surge numa versão tida como funcionalista, inspirada numa perspectiva económica do papel destas organizações nas sociedades atuais. Aplicado em vários países, possibilitou as primeiras comparações internacionais. Como contribuição, estes estudos permitiram maior visibilidade do setor em termos “económicos e políticos, na medida em que possibilitaram a quantificação do número de trabalhadores (remunerados ou voluntários), horas de trabalho, receitas e peso das diversas fontes de financiamento (governo, filantropia, vendas)” (Parente e Quintão, 2014: 15).

Porém, por mais que a expressão de terceiro setor seja herdeira de uma tradição anglo-saxónica fortemente ancorada na ideia de filantropia (França-Filho, 2002) e de ter sido cunhada por Etzioni e Levitt (1973 apud Ferreira, 2009: 323) “para descrever iniciativas, entre o público e o privado, desde as organizações de caridade e associações populares até aos sindicatos e às organizações dos novos movimentos sociais”, a divisão da ordem social em três partes, na visão de Sobottka (2002), é uma tradição europeia antiga, que pode ser identificada na filosofia grega e na filosofia moral escocesa de Adam Smith, em Marx, Durkheim e Mauss, entre outros. A designação de terceiro setor na Europa surge também na década de 1970, como uma via alternativa para a teoria social de raiz marxista, permitindo-lhe conceber um projeto que não se reduz aos cenários do neoliberalismo e do estatismo social (Lopes, Parente e Marcos, 2014). Ainda que usada principalmente no mundo anglófono, a expressão também é adotada na Europa Continental e em outras partes do mundo como sinónimo de economia social (Campos e Ávila, 2012). Se, por um lado, o terceiro setor pode ser visto como resultante da redução da intervenção direta do Estado, por outro, a sua abordagem reflete o novo impulso nas atividades de missão social e de maior protagonismo da sociedade civil, que surge com um novo potencial promissor de resposta às necessidades sociais, no contexto da crise de regulação do final do século XX (Parente e Quintão, 2014). Deste modo, o conceito de terceiro setor tornou-se um ponto de encontro de diferentes conceitos, fundamentalmente, do conceito de setor sem fins lucrativos norte-americano e de economia social europeia, que, apesar de descreverem esferas com grandes áreas de sobreposição, não são exatamente coincidentes (Campos e Ávila, 2012).
Grande parte das abordagens sobre o terceiro setor segue a orientação norte-americana do setor não lucrativo (non-profit sector) e a delimitação apresentada por Salamon e Anheier (1992), que considera que são cinco as características essenciais das organizações deste campo (organizações formais, privadas, independentes, não distribuidoras de lucros e com certo nível de participação voluntária). Para Fernandes (1994), esta definição torna-se limitada para pensar a realidade latino-americana pela heterogeneidade que carateriza a sua configuração, com destaque para a desconsideração do critério de informalidade que exclui uma diversidade de iniciativas não governamentais e não mercantis que desempenham um papel fundamental para amplas fatias da população que assim evitam a exclusão económica e social. O conceito de economia solidária afirma-se pela integraçao deste tipo de iniciativas de cariz individual, familiar e/ou comunitário orientados para a criação de rendimento económico, ausente de apropriação de forma privada e lucrativa.
Sobottka (2002) argumenta que, por ter um caráter residual, ao agrupar todas as organizações não mercantis que não estão sob o guarda-chuva do Estado, a expressão terceiro setor abarca uma infinidade de organizações heterogéneas, sendo esta uma limitação para que se defina o seu objeto de análise. Este é um dos motivos apontados por Kim (2011) para o facto de mesmo diante dos grandes esforços de pesquisa, os cientistas sociais não terem sido bem sucedidos em obter maior conhecimento sobre as explicações causais do terceiro setor. Falta consenso sobre o tipo de organizações que deve ser considerado no seu seio, sendo as cooperativas umas das figuras mais contundentes. Assim, o tamanho do setor tem variado dependendo do tipo e do número de indicadores utilizados. Outro obstáculo é a falta de dados históricos comparáveis que permitam a pesquisa quantitativa ou qualitativa rigorosa, de modo a garantir comparatibilidade.

Campos e Ávila (2012) observam que a essência da abordagem sobre o terceiro setor abrange apenas organizações privadas que não distribuem excedentes aos seus fundadores, membros ou financiadores. Tal orientação tem raízes históricas ligadas à ideia de filantropia e de caridade da Grã-Bretanha do século XIX e países por ela influenciados. Estas raízes deram origem a termos como setor de caridade e setor do voluntariado, que estão incluídos no conceito mais amplo do setor sem fins lucrativos. Além disso, os antecedentes citados resultam na exclusão das cooperativas, mutualidades ou das empresas sociais, por não serem consideradas sem fins lucrativos.
Investigadores europeus têm criticado a exclusão destas organizações como campo de pesquisa por considerarem que ficam negligenciados e excluídos tipos historicamente importantes de organizações sociais, como as cooperativas e as mutualidades focadas no benefício de seus membros (Kim, 2011). Campos e Ávila (2012) apontam uma importante corrente que na economia social considera as cooperativas e sociedades mútuas como sem fins lucrativos, por aplicar limites restritivos aos montantes de distribuição entre os seus membros e por prestar serviços aos seus membros sem objetivo de auferir lucro por meio deles. Como detalha Cançado, Souza, Carvalho e Iwamoto (2013), os resultados auferidos pelos atos cooperativos e redistribuídos após a aprovação do balanço financeiro nã o podem ser chamados de lucro, mas de sobra1 , uma vez que não se trata de retorno sobre o capital investido, mas da devolução da contribuição dada antecipadamente para cobrir os custos e despesas operacionais e administrativas do empreendimento. Além disso, no caso de liquidação da organização, não recebem qualquer lucro referente às suas contribuições para o capital social. São reembolsados apenas pelo seu valor nominal, embora possivelmente atualizado para manter o seu valor e correlato poder de compra. Deste modo, a abordagem da economia social considera que as cooperativas e as mutualidades são corpos sem fins lucrativos, ou seja, eles são criadas para resolver necessidades e oferecer serviços a indivíduos ou famílias, em vez de remunerar os proprietários ou investidores.

No entanto, diante das divergências sobre a natureza (não) lucrativa das organizações citadas, estas ora são incluídas, ora excluídas pela definição de terceiro setor. Este facto levou militantes e académicos europeus a adotarem um conceito mais adequado à realidade europeia - a economia social - que abarca as atividades desenvolvidas pelas cooperativas, associações e mutualidades, e ainda, na proposta desenvolvida no âmbito da European Research Network (EMES), as empresas sociais.
Outra contestação à expressão terceiro setor prende-se com a sua origem anglosaxónica, onde a solidariedade é pensada, sobretudo, em termos de filantropia. A crítica resulta do facto da filantropia ser considerada como apenas mais uma das formas de manifestação solidária, que abarca outras formas de autoajuda e de reciprocidade em diversos contextos (Lechat, 2002).
Parente e Quintão (2014) evidenciam, ainda, as limitações relacionadas ao facto de o terceiro setor pressupor uma hierarquia entre setores e de se prestar a equívocos, ao tender a confundir-se com o setor terciário entre a linguagem do senso comum em Portugal. No Brasil, a confusão dá-se com a noção de terceirização.
Apesar das limitações, a expressão terceiro setor é a que alcança maior consenso ao nível internacional, argumento reforçado desde 1992 com a criação, nos EUA, da International Society for Third Sector Research (ISTR) (Lechat, 2002). Além disso, por ter sido usado como fórmula genérica para uma realidade complexa, o termo tornou-se útil na investigação comparativa internacional (Ferreira, 2009). No entanto, em algumas regiões, como América Latina e Europa Continental, sob a influência de outras escolas de pensamento, os termos economia social e economia solidária também são adotados para delimitar o domínio das OSC.

2. A contribuição europeia para o conceito de economia social

O termo economia social tem origem europeia no século XVIII, diante das condições de pauperização de parcelas da população como resultado da exploração do trabalho, estando associado diretamente às atividades desenvolvidas pelas associações populares, cooperativas, mutualidades e, mais recentemente, fundações (França-Filho, 2002; Campos e Ávila, 2012). Além das experiências do movimento operário inglês da primeira Revolução Industrial, que resultaram na constituição da conhecida Cooperativa de Rochdale, o mesmo movimento foi intenso na Alemanha, em meados do século XIX; em Espanha, com o associativismo popular, mutualismo e cooperativismo, influenciado por grupos de trabalhadores, tais como os tecelões de Barcelona; em Itália, com sociedades de assistência mútua; e, em França, com a manifestação de movimentos associativos populares que tiveram um papel central na constituição de cooperativas e sociedades mútuas durante a primeira metade do século XIX (Campos e Ávila, 2012).

Campos e Ávila (2012) afirmam que a designação economia social apareceu, provavelmente, na literatura económica pela primeira vez em 1830, num tratado sobre economia social publicado pelo economista liberal francês Charles Dunoyer, o qual defendia uma abordagem moral para os economistas. No período de 1820 a 1860, desenvolveu-se em França uma escola heterogénea de pensamento económico, constituída por “economistas sociais”. A maioria deles foi influenciada pelas análises de T. R Malthus e S. de Sismondi, no que se refere tanto à existência de falhas do mercado que podem levar a desequilíbrios quanto à delimitação do homem, ao invés da riqueza, como o verdadeiro sujeito da economia.

O modelo de crescimento na Europa Ocidental no período 1945 a 1975, caracterizado principalmente pelas atividades do setor capitalista privado tradicional e do setor público, foi a base do Estado Providência, que, ao reconhecer as falhas do mercado, implantou um pacote de políticas que provaram ser altamente eficazes em corrigi-las: redistribuição de rendimentos, alocação de recursos e políticas anticíclicas. Todas baseadas no modelo keynesiano, em que os grandes atores sociais e económicos eram as federações patronais e sindicatos, em conjunto com o governo (Campos e Ávila, 2012).

Entretanto, “à medida que o mercado e o Estado foram assumindo suas funções de geração de riqueza e de assistência social, a solidariedade de tipo associativo recuou para um papel subsidiário” (Gaiger, 2009: 83). A partir dos anos 1970, com o enfraquecimento do Estado Providência, há uma nova pujança de uma série de experiências da economia social que se renovam com as iniciativas locais no campo dos serviços sociais e de assistência a pessoas necessitadas, novas cooperativas, empresas de inserção, finanças solidárias, comércio justo e empresas em processo de falência transferidas para as mãos dos trabalhadores (Gaiger, 2009). O peso da economia social no desenvolvimento económico e social concedeu-lhe legitimidade nos círculos políticos e jurídicos europeus. No entanto, como observa França-Filho (2002: 12), se, de um lado, o reconhecimento e o apoio legal garantiu a existência formal das organizações da economia social, de outro, refletiu uma tendência ao isolamento, ao se fecharem nos seus estatutos jurídicos, ao mesmo tempo que passam a integrar o sistema económico dominante. Em decorrência, as cooperativas inserem-se amplamente na economia de mercado, ocupando principalmente os espaços deixados pelas organizações mercantis. Aos poucos, “os militantes políticos, embalados pelos ideais de um vigoroso movimento operário, (...) são substituídos por profissionais de forte caráter tecnoburocrático, cuja presença passa a ser hegemónica nessas organizações” (França-Filho, 2002: 12). Passa- se a dar um maior valor à dimensão técnica, ou funcional, da organização em detrimento de um projeto político.

O conceito de economia social surge na Europa continental como alternativa ao conceito de terceiro setor. Ferreira (2009) argumenta que enquanto a abordagem do setor não lucrativo centra-se na lucratividade, a economia social centra-se nos direitos de propriedade, sendo esta coletiva, já que o conceito de terceiro setor exclui as cooperativas e associações mutualistas que admitem uma redistribuição de excedente dentro de determinados limites entre os membros cooperantes ou associados se assim por eles for decidido, caraterísticas que se integram no conceito de economia social. Ancorada no trabalho de Laville et al. (2000), Ferreira (2009) considera que a linha de demarcação não se deve prender à separação entre organizações lucrativas e não lucrativas, mas sim, entre organizações capitalistas e organizações da economia social, uma vez que nestas últimas há a geração de riqueza coletiva em detrimento do rendimento de um investimento individual.

3. O conceito da economia solidária forjado entre a Europa do Sul e a America Latina

A noção de economia solidária forjou-se de um contexto europeu mais geral, com destaque para a França, no último quarto do século XX e foi marcada pelas experiências associativas (sociedades de socorro mútuo, que posteriormente foram apropriadas pelo Estado) da primeira metade do século XIX, tendo em vista a proteção social dos envolvidos (França-Filho, 2002; Campos e Ávila, 2012). As noções de economia social e de economia solidária têm como origem comum o movimento associativista operário europeu, “que foi traduzido numa dinâmica de resistência popular, fazendo emergir um grande número de experiências solidárias largamente influenciadas pelo ideário da ajuda mútua (o mutualismo), da cooperação e da associação” (França-Filho, 2002: 11).

O termo economia solidária tornou-se mais utilizado em alguns países da América Latina, que a veem como uma força para a mudança social, no bojo de um projeto para uma sociedade alternativa à globalização neoliberal (Lechat, 2002). Em relação ao seu uso, Laville e Gaiger (2009) identificam-no na década de 1990, quando despontam inúmeras atividades económicas organizadas por iniciativas de cidadãos, produtores e consumidores, com suporte nos princípios de cooperação, autonomia e gestão democrática.

No caso europeu, a expressão complementa a designação da economia social, ao reforçar e dar visibilidade a novas formas de se fazer economia, tomando como base os princípios da solidariedade e da reciprocidade. Em países da América Latina, a expressão suplanta ou concorre com a da economia social (Parente e Quintão, 2014). Ao contrário de algumas das abordagens europeias, que consideram a economia solidária como compatível com o mercado e o Estado, como é o caso português, a abordagem latino-americana vê-a como uma alternativa global ao capitalismo (Campos e Ávila, 2012). Algumas experiências do sul da Europa seguem esta mesma tendência progressista e de rutura com o sistema capitalista vigente, onde assume especial destaque a Catalunha (Parente, 2017).

A economia solidária pode ser definida como um modo de produção que tem como característica central a igualdade. Pela igualdade de direitos, os meios de produção são de posse coletiva dos que com eles trabalham. Outra caraterística central é a autogestão, sendo as organizações geridas pelos próprios trabalhadores de forma coletiva e democrática (Singer, 2008).

Considerada como uma hibridação de economias por França-Filho (2002) e Laville (2009), a economia solidária resultou da combinação de uma economia mercantil, não mercantil e não monetária. Nessas iniciativas, existe, em geral, ao mesmo tempo a venda de “um produto ou prestação de um serviço (recurso mercantil); subsídios públicos oriundos do reconhecimento da natureza de utilidade social da ação organizacional (recurso não-mercantil); e trabalho voluntário (recurso não-monetário)” (França-Filho, 2002: 13). Nela é encontrada “uma pluralidade de princípios económicos, uma vez que os recursos são oriundos do mercado, do Estado e da sociedade, via uma lógica de dádiva” (França-Filho, 2002: 13).

São considerados como solidários apenas os empreendimentos que, além de possuírem relações de trabalho autogestionárias, solidárias e democráticas entre seus membros, envolvem a comunidade por meio da solidariedade, demonstrando uma vontade política de transformação das relações sociais e, por consequência, da sociedade (Arruda e Quintela, 2000: 325 citado por Lechat, 2002). Como é destacado por Laville (2009), além da dimensão socioeconómica, outro aspecto-chave está na sua dimensão sociopolítica.

 

 

Estão incorporados na economia solidária apenas os empreendimentos geradores de trabalho e rendimento ou aqueles ligados diretamente a esses, como as cooperativas de consumo e as de crédito solidário, ou, ainda, os clubes de troca. Excluem-se as associações sem fins lucrativos que não produzem renda para seus sócios e as organizações cujo objetivo se limita ao bem-estar deles, faltando-lhes a dimensão política para produzir novas relações na busca por mudanças sociais (Lechat, 2002) baseadas na capacitação e empoderamento das pessoas. Nesta dimensão, excluem-se as chamadas “cooperativas tradicionais”, limitando-se às cooperativas populares2 .
A economia solidária é formada por uma diversidade de organizações com destaque para as associações, cooperativas, empresas autogestionárias, movimentos sindicais, instâncias governamentais ligadas à Federação, Estado e Municípios, redes, ligas ou uniões, entidades de apoio e fomento, e fóruns (Lechat, 2002).
Apesar da mesma origem histórica, Campos e Ávila (2012) consideram que, quando comparada aos agentes clássicos da economia social, a economia solidária tem três características distintivas: a das necessidades sociais a que tenta responder; os atores que desenvolvem essas iniciativas; o desejo explícito de mudança social.
Nem todos os tipos de organizações da chamada economia social na Europa são consideradas como integrantes da economia solidária latino-americana, como é o caso das empresas sociais e cooperativas tradicionais, mas as organizações da economia solidária da América Latina compõem o que os francófonos chamam de “économie sociale et ou solidaire”. “A diferença situa-se nos conteúdos semânticos dos termos economia, social e político, usados pelos primeiros num sentido amplo e pelos segundos com um significado muito específico” (Lechat, 2002: 134). É a ausência da dimensão política na ação da economia social que a demarca da noção de economia solidária. Tais experiências apoiam-se no desenvolvimento de atividades económicas para a realização de objetivos sociais em consonância com o fortalecimento da cidadania, procurando o envolvimento dos cidadãos. Deste modo, a economia solidária pode ser vista como um movimento de renovação da economia social (França-Filho, 2002). Parente e Quintão (2014) destacam o facto de esta vertente ser mais politizada, ao enfatizar o princípio da autogestão, o que pode possibilitar a confiança e reciprocidade entre os membros da organização. No intento de gerar rendimentos para a população em situação de pobreza e exclusão social, reivindicam ao Estado condições propícias ao seu desenvolvimento económico, por meio de “políticas de apoio e medidas de discriminação positiva, e condições para a auto-organização da sociedade civil, bem como o reconhecimento das suas experiências bem sucedidas” (Parente e Quintão, 2014: 41).

4. A inovação social: o horizonte em foco nos três domínios

A abordagem da inovação social adquiriu relevo na última metade do século XX. Foi reforçada pelas falhas e inconsistências do modelo de crescimento neoliberal, que se alargou a todo o mundo, desde 1980 (Klein, 2013), e pelas novas abordagens sobre o processo inovativo, tendo em vista o estímulo ao desenvolvimento social (Bignetti, 2011). A inovação social responde a um contexto de crise ou à incapacidade do quadro institucional para encontrar respostas satisfatórias para os problemas agudos ou para situações inteiramente novas (Klein et al., 2012). Como resultado, o termo inovação social passou a fazer parte das agendas governamentais e de alguns investigadores/grupos de pesquisa, multiplicando-se hoje as abordagens à temática.
O aspecto distintivo do conceito de inovação social diz respeito às “novas formas de fazer as coisas com o fim explícito de rearranjar os papéis sociais ou de dar outras respostas para situações sociais insatisfatórias e problemáticas” (Rodrigues, 2006: 3). O foco de análise é nas ações que objetivam satisfazer as necessidades humanas ainda não supridas pelos sistemas públicos ou privados.
Observam-se duas principais vertentes na definição do construto inovação social. Autores como Mulgan (2007), Pol e Ville (2009) e Ezponda e Malilos (2011) centram-se na finalidade da inovação. O que define a adjetivação “social” da inovação é o seu fim - resolução de problemas coletivos - independentemente da forma que foi desenvolvida e da sua origem. Nesta perspectiva, há uma concentração em modelos e programas replicáveis. Por sua vez, autores como Klein (2013) e Moulaert, MacCallum e Hillier (2013) abordam o construto de forma diferente ao usarem o termo para se referirem, principalmente, a processos de inovação que, além do seu objetivo social, resultam de atividades desenvolvidas por redes colaborativas.
Inicialmente a noção de inovação social estava associada às ações dos domínios do terceiro setor, economia social e solidária, porém atualmente tem sido usada igualmente no setor público e, também, em empresas mercantis. Apesar das diferentes abordagens, de modo geral, acredita-se atualmente que em qualquer setor se pode gerar inovação social, principalmente quando os mesmos colaboram entre si (Ezponda e Malilos, 2011). Contudo, o conceito de inovação social remetendo para ações bottom up, por meio de grupos colaborativos, visando “encontrar soluções aceitáveis progressivas para toda uma gama de problemas de exclusão, privação, alienação, falta de bem-estar e também para aquelas ações que contribuam positivamente para o progresso e desenvolvimento humano significativo” (Moulaert, MacCallum e Hillier, 2013: 16) encontra nas OSC um campo mais propicio pelo menos no que se refere ao centramento no Homem e para o Homem.
Lévesque (2006) é um dos principais autores que buscam esclarecer o papel da “nova economia social” (entendida no sentido da economia solidária tal como a definimos) no desenvolvimento de práticas socialmente inovadoras. Na sua perspectiva, ela tem contribuído grandemente para suavizar a destruição causada pelas inovações de um modelo de crescimento baseado no esgotamento dos recursos, participando mais do que antes na reconfiguração do Estado Social e no surgimento de um modelo de desenvolvimento em que a inovação se torna permanente e sustentável.
Este argumento de Levesque (2006) é reforçado por Bouchard (2012) ao considerar que a economia social oferece oportunidades para atores excluídos ou relativamente dominados e estimula um conjunto de empreendedores sociais ou coletivos (novas organizações), contribuindo para a institucionalização de normas e regras no nível das práticas de cooperação intra e interorganizacional. Na medida em que a economia social se caracteriza pela inter- relação entre sujeitos e organizações no desenvolvimento de projetos sociais, otimiza a capacidade de inovação orientada para a transformação social.
A empresa social é segundo Levesque (2006) uma matriz onde a inovação pode surgir em pelo menos três direções: têm a capacidade de envolver o empreendedor em novos projetos sociais; desenvolver novas atividades ignoradas pelo mercado ou pelo Estado e, por fim, integrar novas regras de funcionamento. Considera que a economia social é um laboratório de inovação social, e Comeu, Favreau, Lévesque e Mendel (2001), bem como Laville, Levesque e Mendel (2005) enfatizam a proximidade dessas organizações com as comunidades locais, permitindo o agrupamento de pessoas, os ajustes constantes que levam à inovação contínua, a cogestão das externalidades sociais e a implementação de estratégias voltadas para o longo prazo, ao pensar-se conforme a lógica do desenvolvimento sustentável.
Campos e Ávila (2012) destacam o pioneirismo das organizações de ajuda mútua na oferta de respostas às necessidades da nova sociedade industrial ao cobrir riscos com saúde da população trabalhadora desprotegida. Essas profundas inovações sociais foram precursoras da criação de sistemas públicos de segurança social na Europa e da profusão destes modelos. Como factor-chave destaca-se a aliança entre os diferentes atores de uma região envolvida na promoção da economia social, como as lideranças, as universidades, as associações e o setor empresarial. São citados como exemplo as experiências associativas de Quebec (Canadá), a Corporação Cooperativa de Mondragon no País Basco e o sistema CEPES-Andaluzia, ambos em Espanha.

Segundo Bouchard (2012), dois tipos de factores explicam o potencial de inovação da economia social. O primeiro está associado à limitação ou proibição da distribuição de excedentes ou ativos financeiros. Esta restrição torna as organizações da economia social particularmente mais aptas a desenvolver produtos com forte componente de bem público no que diz respeito a qualidade, valor ou utilidade. O segundo está relacionado com o facto de as organizações da economia social serem mais capazes que o Estado de atender a certas necessidades, respondendo mais rapidamente a procuras específicas por mobilizarem recursos voluntários (trabalho voluntário, doações etc.) e por serem orientadas e governadas pelos stakeholders com essas necessidades. Além disso, elas criam espaços democráticos na busca pela defesa dos direitos sociais e da integração social. Assim, a economia social tem a tendência a repensar as instituições, em especial quando estas são incapazes de responder às novas exigências sociais.
Lévesque (2006: 32) entende que economia social também contribuiu para o acumular de experiências e para o desenvolvimento de mecanismos e abordagens que foram aplicados e replicados. “De forma mais ampla, a economia social, provavelmente, desempenhou um papel na redistribuição dos respectivos papéis de Estado, mercado e sociedade civil no domínio dos serviços sociais, incluindo o nível de benefícios”. No entanto, Lévesque (2006) aponta que, por vários motivos, deve-se admitir que é difícil identificar nessas pesquisas conclusões muito firmes sobre o potencial de inovação da economia social. É apontada a debilidade relacionada com o facto de poucos estudos terem tentado definir a inovação social de forma específica.
Identificam-se, todavia, estudos que questionam o potencial inovador das OSC (Meneses, 2010; Bouchard, 2012; Chalmers, 2012). Grande parte desses autores, na visão de Lévesque (2006), argumentam que este potencial é reduzido, pelo facto de as suas organizações não terem um proprietário (individual ou coletivo) capitalista, com a ausência de uma estrutura de propriedade que incentive a inovação e a tomada de risco; de não terem incentivos adequados para inovar e correr riscos, incluindo a maximização do lucro; e de surgirem em áreas negligenciadas pelo mercado ou pelo Estado, de modo que a maioria delas opera em setores de pouca rentabilidade ou nichos pouco competitivos.
Com maior ênfase no terceiro setor, Chalmers (2012) cita como obstáculo o facto das organizações não governamentais e filantrópicas serem avessas ao risco e, em grande medida, tenderem a rejeitar soluções disruptivas - ou seja, as inovações que irão alterar os sistemas sociais e as estruturas - em favor de melhorias incrementais.
Como resposta ao argumento de que as OSC têm sérias limitações à inovação social, apoiado nas ideias de Defourny (2000) e Laville e Nyssens (2001), Levesque (2006) afirma que do ponto de vista teórico é possível argumentar que ao empreendedor social e coletivo não faltam incentivos à inovação, já que o que os motiva não é o retorno financeiro, mas sim a geração de valor social. Se a economia social pode ser considerada inovadora é porque é fundada na interação, desde sua criação, de um grupo de pessoas e uma organização capaz de mobilizar recursos financeiros e humanos para produzir bens ou serviços. Assim, as inovações marginais ou incrementais e ampliam-se com base na cooperação dos inúmeros stakeholders.

Se, de um lado, o financiamento das autoridades públicas e das instituições privadas continua a orientar-se preferencialmente para a inovação tecnológica, em vez de outras formas de inovação, de outro, podem-se identificar notáveis sistemas de inovação ligados a áreas geográficas específicas que alimentam as suas próprias cadeias de inovação, como os consórcios cooperativos italianos, as cadeias agroalimentares de cooperação em vários países da Europa ou o exemplo do grupo cooperativo de Mondragón. Este último modelo inovador de governança (mais participativa e democrática) permite aos trabalhadores maior compromisso com a organização. Como resultado da propriedade partilhada, têm sido mostradas experiências que ajudam a suportar melhor a crise económica (Campos e Ávila, 2012). Por influência da sua missão diferenciada, Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010) afirmam que este campo tem maior facilidade de atuação de forma holística do que os demais no que diz respeito à defesa de interesses coletivos.
No entanto, situar a prática da inovação social no terceiro setor”, tomando como base a abordagem do setor não lucrativo, torna-se mais desafiante face às diferentes formas organizacionais que compõem este domínio. Do mesmo modo que pode ser identificado um conjunto de organizações cuja natureza está diretamente ligada ao desenvolvimento de ações com amplo impacto na melhoria da qualidade de vida de uma coletividade, como no caso das ONG voltadas para o desenvolvimento sustentável, são comuns organizações consideradas como não lucrativas, mas que desenvolvem ações voltadas pela defesa de interesses apenas de seus membros, como no caso das associações profissionais, sindicais e patronais. Além disso, muitas são as organizações cuja atividade se restringe ao desenvolvimento de ações filantrópicas e/ou de cunho reivindicatório, nem sempre propositivas, como no caso dos partidos políticos, movimentos sociais e associações comunitárias. Apesar da reivindicação se configurar como um patamar inicial para o desencadeamento de mudanças no âmbito societal, ficar apenas nesta etapa torna-se uma fragilidade em termos de práticas. Diante das especificidades apontadas resultantes da diversidade de organizações que integram o terceiro setor, considerações gerais sobre a prática de inovação social abarcando todas as organizações deste campo parecem prematuras e superficiais.
Ao situar a inovação social no domínio da economia solidária, as observações apontadas anteriormente sobre estas ações no campo da economia social também parecem válidas. No entanto, as caraterísticas que diferenciam a economia solidária da economia social permitem novas reflexões. No que diz respeito à caraterística de inovação social apontada por Hubert (2010: 7) - “cria novas relações sociais ou colaborações” – é possível destacar o envolvimento e a autogestão defendidos pela economia solidária, como de vinculação direta ao desenvolvimento de ideias, processos colaborativos e de replicação de inovações. Ademais, a afirmação da luta política, coloca como foco principal a procura de melhorias e ações com impacto na comunidade como um todo, indo além da defesa de interesses restritos aos seus associados. Este projeto político vincula-se diretamente à proposição e implementação de ações com impacto alargado. A ausência desta característica parece ser obstáculo para a prática da inovação social em parte das organizações da economia social (tais como as cooperativas de cariz mais tradicional), por, muitas vezes, se restringirem à obtenção de resultados económicos (apesar de não-lucrativo) para seus associados.
Além disso, se, de um lado, o desenvolvimento de inovações sociais requer parcerias entre organizações mercantis, Estado e sociedade civil organizada (Mulgan, 2007, Pol e Ville, 2009), de outro, a natureza híbrida da economia solidária destacada por França-Filho (2002) e Laville (2009), só reforça o quanto esses dois construtos estão imbricados, uma vez que este tipo de economia potencia a inovação social ao possibilitar a junção de esforços públicos e privados para o trabalho desenvolvido no âmbito comunitário. Do lado da economia social, reivindica-se uma parceria com o Estado assente numa verdadeira cooperação que ultrapasse a mera execução regulada e regulamentada pelo Estado. Propõe-se uma partilha da conducente a um novo modelo de governação no âmbito das políticas sociais, em que os actores da economia social são considerados como iguais e onde a transferência de responsabilidades e competências não se limita à implementação, mas estende-se do diagnóstico à conceção, bem como à própria definição da regulação num trabalho de médio e longo prazos que os problemas sociais complexos exigem (Parente, 2014a, p. 417 e ss; Parente, 2014b, p. 421 e ss).

Considerações finais

Apesar de não ser consensual, observa-se que a teoria sobre o terceiro setor propõe a existência de três setores independentes, sendo as ações desenvolvidas pelo Estado voltadas para o público, as ações desenvolvidas pelo mercado voltadas para o privado e as ações desenvolvidas pelo terceiro setor, de ordem privada, mas voltadas para o público. Por sua vez, a abordagem da “economia social”, apesar de não abarcar organizações não lucrativas que não possuem características como a gestão democrática e o desenvolvimento de atividades produtivas, incorporam as organizações cooperativas, associações produtivas e mutualidades, situadas pela maioria das pesquisas sobre o terceiro setor como parte do mercado. Já o domínio da economia solidária extrapola a noção de fronteiras entre setores específicos, por ser considerada como um campo de uma economia plural com ações desenvolvidas tanto pelo Estado, quanto pela sociedade civil organizada, como no mercado de trocas. Trata-se de um domínio mais restrito por abarcar apenas as organizações cujos objetivos são económicos, porém voltadas para a prática da gestão democrática e com forte apelo político. Observa-se que os três construtos dizem respeito a um espaço voltado para a geração de trabalho e renda e, em decorrência, fundamentais para o desenvolvimento social. Do mesmo modo, tratam-se de espaços férteis ao desenvolvimento de inovações voltadas para a resolução de problemas coletivos.
Em relação ao contexto geopolítico de desenvolvimento das teorias, observa m-se claras distinções entre os construtos, estando o terceiro setor, apesar de não limitado, fortemente vinculado à realidade anglo-saxónica, o construto economia social à realidade europeia, a economia solidária à realidade latino-americana.
Como o impacto social é objetivado pelas ações que compõe todos os construtos analisados, a busca por ações inovadoras para o atendimento das necessidades coletivas coloca a inovação social como horizonte dos três construtos. É por isso que, recentemente, alguns autores têm procurado associar os principais contributos europeus e americanos ao estudo do empreendedorismo social, ressalvando, de um lado, a natureza dos elementos organizacionais e os princípios da economia social e, por outro, os contributos da inovação social americana, discernindo o espaço de uma nova organização socialmente empreendedora (Parente e Barbosa, 2011).
Não obstante a isto, algumas ponderações tornam-se necessárias quando se situa a inovação social nos campos analisados. Destaca-se o domínio da economia social como, por natureza, voltado para o desenvolvimento deste tipo de inovação. Tal deve-se ao facto das suas organizações realizarem articulações com empresários para a implementação de projetos, desenvolverem práticas inovadoras ignoradas pelo mercado ou pelo Estado e por estarem abertas a novas regras de funcionamento, já que são articuladas no âmbito local, diante de necessidades, recursos e interações sociais inerentes a cada território. Este quadro não pode ser generalizado para todas as organizações do chamado “terceiro setor” pela diversidade das organizações que o compõe, mas é reforçado no domínio da economia solidária, cujo projeto político torna a inovação social um dos seus principais objetivos.

 

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Endereço de correspondência: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Campus do Mucuri - Rua do Cruzeiro, nº 01, Bairro Jardim São Paulo, Teófilo Otoni, Minas Gerais, CEP: 39803-371 Brasil. E-mail: naldeir.vieira@gmail.com

 

Artigo recebido em 20 de fevereiro de 2017. Publicação aprovada em 1 de julho de 2017.

 

Notas

1 Maiores detalhes sobre as diferenças entre lucros e sobras (excedentes) podem ser obtidos em Chaves e Monzón (2001 apud Campos e Ávila, 2012) e em Cançado et al. (2013).

2 Maiores detalhes sobre as diferenças entre cooperativas tradicionais e populares podem ser obtidos em Cançado e Vieira (2013).

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