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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia  no.tematico6 Porto dez. 2016

https://doi.org/10.24747/0872-3419/soctema6 

NOTA DE APRESENTAÇÃO

 

A seu tempo: um estudo sobre transições familiares precoces em Portugal no contexto Europeu

In due time: A study on early family transitions in Portugal in the European context

En son temps : une étude sur les transitions familiales précoces au Portugal dans le contexte européen

A su debido tiempo: un estudio sobre las transiciones familiares tempranas en Portugal dentro del contexto europeo

Diana Carvalho

Universidade de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) (Lisboa, Portugal). Endereço de correspondência: Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP), Rua Almerindo Lessa -1300-663 Lisboa, Portugal. E-mail: dianadiascarvalho@gmail.com

 


RESUMO

Este artigo explora criticamente as narrativas das transições para a vida adulta e centra-se nas ocorrências mais precoces das transições da esfera privada em Portugal. A partir de dados do European Social Survey (2006), conclui que coexistem perspetivas concorrentes sobre o curso de vida. As análises de sobrevivência permitem atestar o efeito significativo das gerações, embora não seja observada uma tendência constante para um maior adiamento. As regressões revelam que as raparigas são associadas a transições familiares mais precoces e a origem escolar só é relevante para a geração mais nova.

Palavras-chave: juventude; transições familiares; temporalidade.


ABSTRACT

This paper critically explores the narratives associated with transitions to adulthood and focuses on the earliest occurrences of the private sphere transitions in Portugal. Using data from the European Social Survey (2006), the conclusion is that life course competing perspectives coexist. Survival analysis allows testing the significant effect of generations, although a steady trend towards greater postponement is not observed. Regressions reveal that girls are associated with earlier family transitions and educational background is only significant for the younger generation.

Keywords: youth; family transitions; timing.


RÉSUMÉ

Cet article exploite de manière critique les récits des transitions à la vie adulte et est centré sur les événements les plus précoces des transitions de la sphère privée au Portugal. À partir des données de l'European Social Survey (2006), nous concluons que des perspectives concurrentes coexistent sur le cours de la vie. Les analyses de survie permettent de prouver l'effet significatif des générations, bien qu'une tendance constante à un report supplémentaire ne soit pas observée. Les régressions révèlent que les filles sont associées aux transitions familiales plus précoces et que l'origine de l'école n'est pertinente que pour la jeune génération.

Mots-clés: jeunesse; transitions familiales; timing.


RESUMEN

Este artículo explora críticamente las narrativas de las transiciones hacia la vida adulta y se concentra en las primeras apariciones de las transiciones de la esfera privada en Portugal. A partir de los datos de la European Social Survey (2006), se concluye que coexisten perspectivas concurrentes sobre el transcurso de la vida. Los análisis de supervivencia permiten acreditar el efecto significativo de las generaciones, aunque no se observe una tendencia constante para un mayor aplazamiento. Las regresiones muestran que las niñas están asociadas con las transiciones familiares más precoces y el origen escolar solo es relevante para la generación más joven.

Palabras clave: juventud; transiciones familiares; sincronización.


 

Introdução

Na sociologia da juventude, as transições familiares são analisadas à luz da discussão sobre as transições para a vida adulta. A partir da identificação dos jovens que fazem as transições familiares mais cedo pretende-se adotar uma abordagem crítica às teorias que se focam na natureza cada vez mais tardia, prolongada e unívoca das transições, examinando também a estratificação social associada às mesmas. Esta análise põe em causa, desta forma, a validade e a intensidade de algumas das teses já enraizadas para as transições para a vida adulta.

Utilizando os dados do European Social Survey 6 referentes à cronologia da ocorrência dos eventos transicionais, o contexto português (n=2.222) é enquadrado comparativamente à totalidade dos países europeus (n=43.000). A análise tem em conta três coortes geracionais (indivíduos nascidos até 1949, entre 1950 e 1969 e a partir de 1970) de forma a atestar questões de mudança social. São aqui consideradas transições familiares todos os primeiros eventos transicionais ocorridos no âmbito da esfera privada da vida; a saída de casa dos pais, a vivência da conjugalidade, o casamento e o nascimento de um/a filho/a.
No primeiro ponto apresentam-se os principais debates em torno das narrativas que enquadram os estudos das transições para a vida adulta, e no segundo explora-se o timing das transições para a vida adulta como fenómeno social. A metodologia e as limitações da média são descritas no ponto três. Através de análises de sobrevivência, o ponto quatro descreve os ritmos das transições familiares em Portugal, por geração. No ponto cinco são caracterizadas as transições precoces, em termos de limites etários, singularidade do contexto português em relação ao europeu, acumulação e interdependência, e origens sociais (género, escolaridade dos pais e escolaridade do próprio).

1. As grandes narrativas das transições para a vida adulta e suas potenciais limitações

A noção de mudança social está presente na maioria dos estudos sobre transições juvenis. Desde as últimas décadas, as sociedades ocidentais têm documentado as transformações nos diferentes contextos juvenis, desde a educação, ao trabalho, às esferas mais privadas da vida. Tem havido um enfoque analítico, nos estudos sobre a juventude, nas idades médias a que as transições ocorrem, o que tem revelado a natureza tardia das transições para a vida adulta, em particular nos países do Sul europeu, onde os Estados Providência disponibilizam de forma mais escassa recursos de incentivo à autonomia (Buchmann e Kriesi, 2011). Os atuais e novos padrões de transição para a vida adulta têm então sido caracterizados como mais tardios, prolongados e complexos (Billari e Liefbroer, 2010) do que no passado recente (segunda metade do século XX). Tem sido tomado como garantido que hoje as transições para a vida adulta são adiadas, dissociadas, e mais difíceis de definir, tendências especialmente associadas a países da Europa do Sul (Buchmann e Kriesi, 2011). Como resultado, muita da heterogeneidade social que advém ou explica esse adiamento ou complexidade está longe de ser um tema esgotado.
Estas tendências são frequentemente enquadradas e associadas às teorias da modernidade tardia, por via dos conceitos de “sociedade de risco” e “individualização” de Beck (1992), Beck et al. (2000) e Giddens (1994), em que o indivíduo é o centro da ação da sua própria biografia e as trajetórias juvenis são descritas como imprevisíveis, fragmentadas e autónomas (Pais, 2001). Assim como pela noção de “des-estandardização” do curso de vida, que se baseia na ideia que eventos transicionais ou sequências particulares de eventos são cada vez menos experienciados e ocorrem em idades mais dispersas e de forma mais durável (Bruckner e Mayer, 2005).
Há, no entanto, quem questione a validade e aplicabilidade totalizantes destas teorias para interpretar as experiências juvenis contemporâneas, questionando as mudanças sociais e salientando as continuidades e a persistência das desigualdades. Furlong e Cartmel (1997) falam de uma “falácia epistemológica da modernidade” para se referirem ao encobrimento das desigualdades sociais como consequência do reforço dos valores individualistas e sua análise. O uso do conceito de “agência” é criticado quando ignora o enquadramento estrutural de recursos em que as escolhas e oportunidades individuais são feitas. Neste âmbito, surgem os conceitos de “agência estruturada” ou “agência delimitada” (Evans, 2002) para enquadrar socialmente a individualização. Salienta-se a continuidade das influências de “velhas” clivagens sociais, como as de classe ou género, e como os recursos diferenciados condicionam a forma como as escolhas aparecem aos indivíduos (Henderson et al., 2007).

Outros enfatizam a persistência do ciclo de vida. Por um lado, desconstroem a visão romantizada do passado, demonstrando que gerações anteriores também experienciaram transições individualizadas, complexas, não lineares e imprevisíveis (Goodwin e O'Conner, 2005). Por outro, reconhecem que ainda há quem siga padrões de transição suaves, lineares e tradicionais (Furlong e Cartmel, 1997). Aliás, em larga medida, na Europa, persiste uma realidade sequencial e tradicionalmente ordenada das transições para a vida adulta (Ferreira e Nunes, 2010).
Adicionalmente, há uma generalização da estandardização normativa do curso de vida, uma vez que os ideais revelam uma visão bastante linear e sequencial do curso de vida (Aboim, 2010), nomeadamente entre os jovens (Elchardus e Smits, 2006). Com efeito, há uma consistência nos futuros imaginados dos jovens, que assentam em modelos tradicionais, normativos e homogéneos “da coisa certa a fazer” (Henderson et al., 2007). Um estudo recente mostra como a vontade de progressão na carreira, de ter casa própria e constituir família são fatores motivadores para a emigração (Lopes, 2014). Esta ideia parece ser ainda mais forte no contexto português, o qual, comparativamente aos restantes países europeus é associado a atitudes mais normativas, padronizadas, famililistas e estandardizadas, em relação à entrada para a idade adulta (Ferreira e Nunes, 2010).
Mas não se pode associar mudanças observadas no curso de vida a questões meramente culturais ou valorativas. A propósito, Furlong e Cartmel (1997) referem-se ao maior sentido de risco entre os jovens como sendo sobretudo construído subjetiva e culturalmente e consequência de uma incorporação da individualização.
Não deixa, no entanto, de ser um paradoxo, que ao mesmo tempo que se reconhecem a natureza plural das trajetórias juvenis, se realcem características generalizadas para a definir, enfatizando o prolongamento das transições como o grande padrão nas sociedades contemporâneas ocidentais. De forma a revelar a diversidade é necessário ultrapassar uma conceção única e homogénea de juventude. Não é possível falar de transições juvenis padrão, particularmente em sociedades socialmente diversas e desiguais, mas sim numa diversidade de caminhos para a vida adulta (Henderson et al., 2007; Guerreiro e Abrantes, 2003). As grandes narrativas correm o risco de encobrir a diversidade de experiências juvenis, implicando limitações conceptuais e empíricas na análise das experiências e transições juvenis, como referem Shanahan e Longest (2009), sugerindo que sejam utilizadas conceptualizações específicas, de forma a cobrir a multiplicidade das experiências juvenis.

2. A relevância social do timing das transições para a vida adulta

A perspetiva do curso de vida pode ser vista como um quadro de referência que permite ter em conta as teorias da individualização e da modernidade tardia, ao mesmo tempo que dá espaço às teorias geracionais e de reprodução social (Nico, 2011). É uma perspetiva que enquadra os períodos de vida a partir de experiências anteriores assim como das aspirações futuras dos indivíduos (Mortimer e Shanahan, 2003). A temporalidade, ou a natureza temporal da vida, é então um dos elementos centrais, permitindo articular os tempos individual, social e histórico (Mitchell, 2007). O tempo histórico refere-se ao contexto específico e às mudanças sociais, enquanto o tempo individual se refere ao desenvolvimento cronológico do indivíduo, que é também socialmente definido (tempo social).
Mais especificamente, o timing, um dos princípios orientadores do curso de vida, refere-se à conjugação entre o tempo social e individual, enquadrado no contexto sócio- histórico. A premissa é de que os antecedentes e as consequências dos eventos variem de acordo com o seu timing na vida dos indivíduos, fazendo com que um mesmo evento possa ter efeitos diferentes dependendo de quando ocorrem no curso de vida Elder et al, 2003).
A transição, como um dos conceitos da perspetiva do curso de vida, define-se pelo momento em que há mudanças no estado ou na identidade, pessoal ou socialmente revelando oportunidade para mudanças comportamentais (Elder et al., 2003). As transições para a vida adulta muitas vezes referem-se a um período denso onde correm mudanças, como a saída de casa dos pais, a entrada no mercado de trabalho, a formação de uma união conjugal ou o iniciar da parentalidade.
Seguindo esta perspetiva, transições precoces têm implicações nas trajetórias de vida e moldam experiências, eventos e transições posteriores.

Poucos estudos têm dado atenção aos jovens que fazem as suas transições residenciais ou familiares cedo ou mais cedo, com exceção dos trabalhos que traçam diferentes perfis onde estes casos os ilustram, ou nos que seguem abordagens sobre situações desviantes e se focam nos problemas da gravidez adolescente ou outros comportamentos considerados de risco. Jones (2002) refere-se ao “youth divide” para designar que os jovens que fazem mais rapidamente as transições para o mercado de trabalho, parentalidade e vida independente, enfrentam maiores riscos e exclusão social. O impacto negativo da maternidade e paternidade precoces, que se traduz na vulnerabilidade social e condena oportunidades e caminhos alternativos futuros é documentado (Machado e Silva, 2009).
As características de timing das transições para a vida adulta podem também ser vistas como um fenómeno socialmente estratificado. As construções de percursos para a transição para a vida adulta estão longe de ser opções disponíveis para todos, entrelaçando- se com as origens sociais, a escolaridade, as oportunidades e condições de emprego, os papéis de género e as redes de apoio informal (Guerreiro e Abrantes, 2003).
Os jovens que experienciam as suas transições mais cedo estão tendencialmente associados a contextos desfavorecidos, vulneráveis e de risco. Estão largamente relacionados a um diminuto investimento escolar (Osgood et al., 2005) e ao sexo feminino (Ramos, 2015; Guerreiro e Abrantes, 2003). Em Portugal, há evidências da continuidade frequente da entrada precoce de alguns jovens na conjugalidade e parentalidade, nomeadamente entre as raparigas, provenientes de classes desfavorecidas e com menor capital cultural, mas que ocorrem em condições distintas, com apoio ou então num contexto de risco em que a situação de desfavorecimento é intensificada. (Guerreiro e Abrantes, 2003).

3. Metodologia

São utilizados dados transnacionais provenientes do projeto European Social Survey1 , que corresponde a uma inquirição realizada de dois em dois anos à população europeia com mais de 15 anos sobre os seus comportamentos, atitudes e valores. Neste trabalho são utilizados dados da sua terceira aplicação que decorreu em 2006, por conter um módulo de indicadores sobre o tempo e a organização do percurso de vida. Esta edição contou com a participação de 23 países (Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Reino Unido, Alemanha, França, Áustria, Holanda, Bélgica, Suíça, Irlanda, Hungria, Polónia,Eslovénia, Eslováquia, Estónia, Bulgária, Chipre, Espanha, Portugal, Ucrânia, Rússia), com um n total de 43000 inquiridos, 2222 em Portugal.
A análise centra-se na idade de ocorrência das transições familiares, calculada através do ano de acontecimento declarado para a primeira experiência de cada transição, recolhido através das seguintes perguntas: Em que ano iniciou, pela primeira vez, um trabalho com essas características (trabalho ou um estágio remunerado de pelo menos 20 horas semanais, durante um mínimo de 3 meses); Em que ano, saiu pela primeira vez de casa dos pais (ou equivalente) por um período igual ou superior a 2 meses, para ir viver separado(a) deles?; Em que ano começou a viver, pela primeira vez, com um cônjuge/companheiro(a) por um período igual ou superior a 3 meses?; Em que ano casou pela primeira vez?; Em que ano nasceu o seu primeiro filho ou filha?.

Foi tida em conta a geração dos inquiridos a partir do agrupamento das suas datas de nascimento. Foi definida uma primeira geração mais velha com os que nasceram até 1949, ou seja, indivíduos que na altura do inquérito teriam 57 anos ou mais (correspondendo a 29,8% da totalidade dos inquiridos e 35,6% dos portugueses); uma intermédia, que abarca os nascidos entre 1950 e 1969, com 37 a 56 anos de idade (representando 35,9% da população europeia e 33,1% da amostra portuguesa); e uma geração mais nova, nascida a partir de 1970, com os inquiridos até aos 37 anos (34,1% da totalidade e 31,3% em Portugal). Não se seguiram pretensões de identificação de “unidades geracionais” mas apenas de criação de um instrumento que permitisse comparabilidade geracional ou temporal.
Utilizaram-se ainda indicadores correspondendo à caracterização social dos indivíduos, como o sexo (59% feminino), o nível de escolaridade da mãe e do pai, recodificado em “nenhum e básico”, “secundário ou superior” (56,0% e 64,9%), e os anos completos de escolaridade do próprio (média 7,40), para o contexto português.

4. Os ritmos das transições familiares

As médias associadas às idades de transições familiares em Portugal (Tabela 1)2 sugerem uma sequência de transição - saída de casa dos pais (21,55), conjugalidade (23,42), casamento (23,63), parentalidade (25,40) – sendo que estas vão aumentando, e isto acontece em todas as gerações. A geração mais velha, dos nascidos até 1949, destaca-se por ter uma maior distância das médias entre a saída de casa dos pais (21,69) e a conjugalidade (24,11), por um lado, e por outro, a conjugalidade estar mais próxima da transição para o casamento (24,30). Estas tendências são semelhantes ao que acontece no contexto europeu.

Observando estas médias ao longo das gerações, ao contrário do esperado, a média de idades vai diminuindo à medida que as gerações avançam, em todas as transições, tanto em Portugal, como nos países europeus em estudo. No entanto, a estes valores estão associadas várias limitações. A média, como medida descritiva de tendência central, é altamente afetada por valores extremos ou distribuições dispersas ou enviesadas e não capta a variação. Para além disto, a média tem ainda o problema de não ter em consideração os casos de não ocorrência, podendo assim revelar uma análise distorcida dos dados (Nico, 2011). Aqui a geração com menos de 37 anos apresenta as médias de idade mais baixas em todas as transições, tanto em Portugal, como no conjunto dos países europeus, mas isto terá sido devido às elevadas percentagens de “não ocorrência” (Tabela 1), na medida em que se encontram numa fase do ciclo de vida em que ainda não as experienciaram. Verificamos que, de facto, a grande maioria das pessoas (sempre superior a 75%) pertencente a esta geração ainda não realizou estas transições. É relevante acrescentar que entre a geração nascida até 1949 e a nascida entre 1950 e 1969 aumenta a proporção de não ocorrências de todas as transições.
Torna-se necessário explorar outras medidas para analisar o timing das transições. De forma a captar o ritmo da ocorrência de eventos, poderemos dar preferência aos percentis, que permitem identificar a idade média a que uma certa percentagem da população experiencia essa ocorrência. Por outro lado, abordagens como a Event History Analysis permitem analisar o tempo de ocorrência de eventos. No caso de modelos estatísticos de sobrevivência como o utilizado kaplan meier, têm a vantagem de incluir na sua análise tanto a idade como a ocorrência dos eventos. É um método que estima uma função de distribuição no tempo até à ocorrência de um determinado evento, possibilitando ainda a comparação entre grupos.

Apresentam-se as curvas de sobrevivência por geração3 para cada transição familiar ao longo do tempo, que corresponde à idade em anos dos inquiridos (Figura 1). Para melhor visualização dos gráficos e comparabilidade das curvas, a janela de observação foi limitada e excluíram-se os indivíduos que declararam efetuar a transição antes dos 10 anos, por serem casos atípicos, e os que o fizeram depois dos 35 anos. Podemos verificar que o efeito geracional é sempre significativo, principalmente devido à geração nascida a partir de 1970, que apresenta um ritmo de ocorrências ao longo do tempo mais lento. Devido à janela de observação, esta é no entanto a única que apresenta não ocorrências e, como verificado anteriormente, bastante elevadas, tornando mais arriscada a sua comparabilidade com as restantes. Podemos, no entanto, verificar que esta diferença da geração mais nova em relação às mais velhas é mais acentuada na transição para o casamento e comporta-se numa distribuição de ritmo mais semelhante em relação à saída de casa dos pais.
As gerações nascidas até 1949 e a de 1950-1969, que são mais diretamente comparáveis, mostram ritmos de ocorrência de transições familiares bastante semelhantes. Em relação à saída de casa dos pais destaca-se uma percentagem relevante de pessoas da geração com 57 anos ou mais que sai mais cedo de casa dos pais mas, a partir dos 17, 18 anos, a proporção estimada de pessoas que faz esta transição é muito semelhante entre as duas gerações. Já em relação às transições relacionadas com a formação de família, constata-se em todas uma tendência de ritmos de transição próximos; no entanto ao longo de uma grande parte do tempo, a geração intermédia apresenta transições mais rápidas do que a geração mais velha, revertendo-se esta situação com a aproximação aos 30 anos.
Comparando a temporalidade das transições, podemos constatar que a saída de casa dos pais ocorre mais cedo, seguindo-se depois a conjugalidade e o casamento, que nas duas gerações mais velhas parecem apresentar ritmos muito semelhantes, e por fim, a parentalidade, que se inicia um pouco mais tarde. Sendo esta tendência verificada para todas as gerações, sublinha-se assim uma certa normatividade e estabilidade ao longo do tempo histórico nas sequências transicionais familiares em Portugal.

5. A caracterização social das transições precoces

Os gráficos anteriores revelam ainda que, globalmente, as diferenças entre gerações nas ocorrências precoces (o primeiro quarto, que correspondente aos 0.77 da proporção estimada) parecem ser menores. Foi definido o limite dos 25% para considerar as transições como “precoces”. Este termo não é atribuído com sentido valorativo, mas sim relativo, na medida em que representa o primeiro quarto. Explorámos os valores correspondentes ao percentil 25 das distribuições traçadas na análise anterior e a sua variabilidade4. A Figura 2 revela-nos que a definição de idade de precocidade depende da esfera de vida associada a cada transição, da geração e também do país, assim como depende da interação das transições entre si.

Podemos verificar que em Portugal não há diferenças de idade dos primeiros 25% para as gerações mais velhas, sendo que a saída de casa dos pais corresponde aos 19 anos e a conjugalidade e o casamento aos 20. A geração nascida a partir de 1970 regista uma idade de percentil 25 mais próxima das outras gerações na saída de casa dos pais e mais afastada e tardia nas restantes. A transição precoce para a parentalidade é onde se verificam maiores diferenças entre as gerações.
Comparando com o cenário europeu, vemos que Portugal se distingue por apresentar marcadores precoces de transição familiar mais próximos, com menor amplitude entre eles, resultado da combinação de saída de casa dos pais mais tarde e de experiências de conjugalidade, casamento e parentalidade mais cedo. Em relação às sequências das transições precoces, em ambos os contextos também estas se comportam de forma semelhante com as tendências gerais já identificadas, nomeadamente em relação à simultaneidade da conjugalidade e do casamento.

De forma a identificar a interdependência e acumulação das experiências de transições mais precoces (Tabela 2) verificamos que a situação mais frequente é haver uma só transição precoce (12,62%), situação que está mais representada nos que saíram de casa dos pais mais cedo (67,07%); logo de seguida, porém, a situação mais frequente é ter a acumulação da totalidade dos quatro eventos precoces (10,39% dos inquiridos), o que reflete, por um lado, uma certa independência da transição residencial precoce na contaminação das outras, e, por outro, uma forte interdependência de todas as transições familiares quando ocorre alguma das transições relacionadas com a formação de família mais cedo.
Para traçar origens e perfis sociais associados às transições mais precoces foram explorados os efeitos do sexo, nível de educação da mãe e do pai, e anos de escolaridade do próprio na probabilidade de experienciar ou não cada transição familiar mais cedo em Portugal.

A partir dos resultados obtidos pelas regressões logísticas binárias (Tabela 3) realizadas por transição, compararam-se os que as experienciaram “mais cedo”, ou seja os que fazem parte dos primeiros 25% que transitaram, com os que as experienciaram “mais tarde” ou nunca as chegou a experienciar. E porque as diferenças entre gerações se mostraram relevantes, o limite para considerar “cedo” foi adaptado por geração e atribuído em função da geração do individuo, utilizando os valores anteriormente apresentados do percentil 25. Esta análise permitiu concluir que as mulheres são sempre associadas às transições mais precoces na esfera familiar, sendo essa relação mais significativa nas transições relacionadas com a formação da própria família (conjugalidade, casamento e parentalidade). À medida que a escolaridade aumenta, diminui a possibilidade dessas transições serem precoces. O efeito da escolaridade não se verificou na explicação da transição residencial precoce. O capital escolar dos pais não tem influência na precocidade das transições, com exceção da mais elevada escolaridade da mãe, para uma menor propensão para a saída de casa dos pais mais precoce.

As regressões foram também realizadas por transição e por geração. O sexo feminino tem sempre impacto significativo nas transições familiares precoces, exceto para a geração nascida até 1949 na transição saída de casa dos pais. O impacto do nível de escolaridade da mãe só é significativo para a geração nascida a partir de 1970, diminuindo a possibilidade de saída de casa dos pais, conjugalidade ou parentalidade precoce. Os anos de escolaridade do próprio não tiveram efeito significativo para a transição precoce para a parentalidade nas duas gerações mais velhas, somente na mais nova. Na geração intermédia, o menor nível de escolaridade do pai e o maior nível de escolaridade do próprio aumentam a possibilidade de uma saída de casa dos pais mais cedo.

Discussão e notas conclusivas

A análise apresentada centrada nas transições familiares em Portugal possibilitou uma série de reflexões que espelham a coexistência de perspetivas concorrentes sobre o curso de vida e as transições para a vida adulta.
Se por um lado verificámos sinais de uma geração mais nova (abaixo dos 37 anos) que se destaca por apresentar transições mais lentas e tardias, por outro, esta tendência não é uniforme: é particularmente acentuada no que se refere à experiência do casamento, mas ritmo bastante semelhante às outras gerações em relação à saída de casa dos pais. E por um lado, este efeito geracional é significativo, por outro, as duas gerações mais velhas, correspondendo às coortes de 1950-69 e até 1949, apresentam ritmos de ocorrência semelhantes: a geração mais velha apresenta idades relativamente mais tardias em relação às transições da conjugalidade, casamento e parentalidade do que a geração intermédia. De facto há evidências na realidade portuguesa de que os sinais de mudanças sociais geracionais são mais ténues na esfera familiar e mais fortes na esfera profissional (Ramos, 2015).
Focando as transições mais precoces, estas demonstraram uma menor diferença entre gerações do que as transições não precoces, mas refletem tendências semelhantes: similitudes entre as duas gerações mais velhas e destaque da geração mais nova com transições precoces mais tardias e afastadas, com a exceção da saída de casa dos pais, que apresenta valores mais próximos.

E se, por um lado, há sinais de mudança social através do adiamento das transições na geração nascida a partir de 1970, esta análise reforça que há uma continuidade de uma sequência linear e tradicional de experienciar as transições familiares para a vida adulta; iniciando-se pela saída de casa dos pais, passando depois pela conjugalidade e pelo casamento, e por último, pela parentalidade. Tendência que se confirma com dados recentes (Ramos, 2015), embora se observe um desfasamento entre a conjugalidade e o casamento que não se registava nas gerações mais velhas, em que elas eram experienciadas em simultâneo.
Portugal revelou idades médias às transições semelhantes ao contexto europeu, mas, no que se refere às transições precoces, demonstrou uma maior proximidade e simultaneidade entre as transições familiares, com um total europeu a apresentar uma saída de casa dos pais mais precoce e uma formação de família mais tarde. É provavelmente reflexo de uma maior interdependência das transições familiares em Portugal, e talvez especialmente nas transições mais precoces.
Já em relação à caracterização social dos que experienciaram transições precoces, os dados revelaram um forte efeito de género, com as raparigas a serem associadas às transições familiares mais precoces. Também normativamente é associada às mulheres uma entrada mais cedo na “idade adulta” (Ferreira e Nunes, 2010). O impacto da escolaridade para as transições familiares precoces não é generalizado, expressando-se apenas na geração nascida a partir de 1970, através da escolaridade da mãe. Mesmo para jovens em condições sociais desfavorecidas, a origem social não explica a totalidade das trajetórias de vida, e outros fatores como ruturas e perdas familiares parecem ter um grande impacto (Machado e Silva, 2009). Já a escolaridade do próprio contribui na generalidade para diminuir a possibilidade de transições familiares precoces. Estes resultados desafiam, por um lado, a unívoca associação de transições precoces a contextos de origem desfavorecidos, e, por outro, o esbatimento das desigualdades sociais ao longo do tempo.
A saída de casa dos pais revela consistentemente padrões distintos das restantes transições de âmbito privado, demonstrando também na análise das transições precoces uma ocorrência mais frequentemente realizada de forma singular, contrastando com a forte interdependência da ocorrência das transições precoces para a conjugalidade, o casamento e a parentalidade. Esta “independência” da saída de casa dos pais é reflexo da sua ocorrência nem sempre estar associada a questões de âmbito familiar, podendo ser motivadas por outros fatores como os relacionados com o percurso escolar ou profissional.
Conclui-se, então, que é limitado adotar visões generalizadas ou dicotómicas, tanto da natureza temporal, como social, das transições para a vida adulta e para o curso de vida. É importante quando se fala em “mais tardio” ou “mais precoce”, diferenciar a esfera de vida e definir o tempo comparativo. É importante também explorar as origens e os contextos distintos que enquadram a temporalidade das trajetórias.
Explorações futuras deste trabalho passarão por atestar os efeitos do timing das transições para a vida adulta nos posteriores eventos e oportunidades de vida, utilizar dados qualitativos para melhor desconstruir as diferentes condições e contextos sociais das transições mais e menos precoces, e utilizar dados de coorte para avaliar a importância do fenómeno das reversibilidades das transições nesta dinâmica.

 

Referências bibliográficas

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Artigo recebido a 1 de março de 2016. Aceite para publicação a 5 de agosto de 2016

 

Notas

1 Para mais informação http://www.europeansocialsurvey.org/

2 Para o cálculo destes valores foram ativados os ponderadores dweight para analisar o caso Português, que corrige desvios de seleção amostral, e o pdweight para a totalidade da Europa, que ajusta os tamanhos das amostras dos países à sua proporção na população europeia.

3 Não foi possível ativar os ponderadores por o método não conseguir trabalhar com valores fracionados.

4 A análise kaplan meier foi repetida para a totalidade dos países para aceder aos valores do percentil 25 para a Europa.

5 Foi ativado o ponderador dweight, que corrige desvios de seleção amostral.

6 Foi ativado o ponderador dweight, que corrige desvios de seleção amostral. Não se registaram problemas de multicolinearidade entre as variáveis independentes.

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