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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.31  Porto jun. 2016

 

ARTIGOS

Políticas de reabilitação urbana e recomposição do tecido social no centro histórico do Porto: representações e discursos de moradores sobre a respetiva evolução recente

Urban rehabilitation policies and social change in Porto's historic center: residents' perspectives on their recent evolution

Politiques de réhabilitation urbaine et recomposition du tissu social au centre historique de Porto: représentations et discours des résidents sur leur évolution récente

Políticas de rehabilitación urbana y cambio social en el centro histórico de Oporto: representaciones y discursos de los moradores sobre su evolución reciente

João Queirós5
Endereço de correspondência: Investigador do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Via Panorâmica, s/n, 4150-564 Porto, Portugal, E- mail:jqueiros@letras.up.pt
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto


 

RESUMO

Decorridos dez anos sobre o arranque da estratégia de reabilitação urbana do centro do Porto posta em marcha pela Câmara Municipal através da Porto Vivo, Sociedade de Reabilitação Urbana, o presente artigo propõe alguns resultados de uma investigação sociológica de terreno dedicada à evidenciação das principais transformações físicas e sociais resultantes da aplicação daquela estratégia. No texto, é dado destaque quer à leitura das principais tendências de recomposição do tecido social registadas no centro histórico do Porto, quer ao modo com os moradores de longa data deste território percebem e interpretam as implicações dos processos de reabilitação-gentrificação da sua área de residência.

Palavras-chave: Reabilitação urbana; gentrificação; moradores; centro histórico do Porto.


ABSTRACT

A decade has passed since Porto's city council, through its “urban rehabilitation agency”, put forward a renewed strategy aiming at the urban “rehabilitation” of the city's historic center. This paper presents some of the results of a field research willing to highlight the main physical and social transformations resulting from the materialization of that strategy. The paper scrutinizes some of the major changes in the social fabric of Porto's historic center and analyzes how longtime residents interpret and deal with the implications of the rehabilitation-cum- gentrification of their place of residence.

Keywords: Urban rehabilitation; gentrification; longtime residents; Porto's historic center.


RÉSUMÉ

Dix ans depuis le commencement de la stratégie de réhabilitation urbaine du centre-ville de Porto conçue par la mairie, à travers son « société de réhabilitation urbaine », cet article présent quelques résultats d'un enquête de terrain sur les transformations physiques et sociales engendrées par l'a:lication de cette stratégie. L'article propose une lecture des principales tendances de recomposition sociale observées au centre historique de Porto et analyse aussi le mode dont les résidents interprètent les implications de la réhabilitation-gentrification de leur place de résidence.

Mots-clés : Réhabilitation urbaine ; gentrification ; résidents ; centre historique de Porto.


RESUMEN

Transcurridos diez años sobre el inicio de la estrategia de rehabilitación urbana del centro histórico de Oporto concebida por el ayuntamiento y su “sociedad de rehabilitación urbana”, este artículo presenta algunos resultados de una investigación sociológica de terreno dedicada à la identificación de las más importantes transformaciones físicas y sociales producidas por aquella estrategia. El artículo propone una lectura de las principales tendencias de cambio del tejido social observadas en el centro histórico de Oporto y aun un análisis sobre el modo como los moradores interpretan las implicaciones de los procesos de rehabilitación-gentrificación de su territorio.

Palabras clave: Rehabilitación urbana; gentrificación; moradores; centro histórico de Oporto.


1. Introdução1

Volvida uma década sobre o arranque da estratégia de reabilitação urbana do centro do Porto proposta pela Câmara Municipal através da Porto Vivo, Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), afigura-se sociologicamente oportuno procurar naquele território as evidências das transformações físicas e sociais que da aplicação dessa estratégia possam ter resultado.
Num artigo dedicado à apreciação crítica das mudanças legislativas, institucionais e programáticas naquela altura observáveis na cidade nos domínios do planeamento e da gestão das operações de reabilitação do centro urbano (Queirós, 2007), foi possível evidenciar o que parecia ser o avanço, na transição do primeiro para o segundo quinquénio da década de 2000, de um processo de significativo reforço da centralidade e proatividade do Estado, e em particular da administração local, na constituição de uma estratégia de intervenção vocacionada para a promoção do “regresso à Baixa”. Tal como sublinhava o então presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, em discurso proferido na cerimónia de constituição formal da SRU portuense, realizada em 27 de novembro de 20042 :

No programa com que nos apresentámos aos portuenses fomos sempre bem claros no que concerne à nossa estratégia para o Porto. Não entendemos que uma cidade que tem uma Baixa com a riqueza da nossa a possa abandonar; muito menos por contraposição a um crescimento urbanístico exagerado nas freguesias mais afastadas do Centro. Por isso, desde o novo PDM, passando pela política fiscal e por outros incentivos de diversa natureza, tudo tem apontado para o regresso à Baixa. O regresso ao Porto que o distingue das restantes cidades. O Porto que todos sentimos de forma muito especial.

O propósito genérico de promoção do “regresso à Baixa”, a que neste discurso se referia o presidente da Câmara Municipal do Porto, e que seria colocado no âmago da estratégia vertida no Masterplan da recém-constituída SRU, traduzia-se, entretanto, numa multiplicidade de vertentes de atuação, que colocavam o seu alcance para além da simples pretensão de atrair novos residentes. Na verdade, se a “reabitação da Baixa” aparecia como o primeiro dos objetivos fundamentais da nova entidade responsável pela dinamização da reabilitação urbana no centro do Porto, na lista de prioridades estratégicas da SRU figuravam também, para além de ações de “qualificação do espaço público”, o “desenvolvimento e promoção do negócio”, a “revitalização do comércio” e a “dinamização do turismo, cultura e lazer” (SRU, 2005, :. 4-18; Queirós, 2007; 2014;2015). Novos residentes, investidores e empresários, consumidores de índole diversa, turistas: em 2005, eram estes os principais grupos sociais visados pela estratégia preconizada pela sociedade de reabilitação urbana criada no Porto por impulso da Câmara Municipal.
A partir da leitura crítica dos documentos orientadores dessa estratégia e dos discursos políticos que a seu propósito então começavam a ser veiculados, o artigo anteriormente citado concluía que a reabilitação urbana do centro do Porto começava a alinhar pelo diapasão do “novo urbanismo neoliberal”, assumindo contornos de “gentrificação conduzida pelo Estado” (Queirós, 2007: 104 e seguintes; vd. também, a propósito, Hackworth e Smith, 2001; Hackworth, 2002; Smith, 2002; Uitermark, Duyvendak e Kleinhans, 2007). No mesmo artigo, sublinhava-se ainda a periferização ou mesmo invisibilização a que a estratégia de reabilitação proposta parecia votar a população autóctone (Queirós, 2007: 112-113).
O objetivo fundamental do presente artigo é prolongar e aprofundar, mais de dez anos volvidos sobre a criação da SRU do Porto, as principais pistas de análise incluídas no texto a que vem sendo feita menção. Para tal, dois trilhos analíticos serão percorridos. O primeiro, vertido na terceira secção deste texto, procura nas estatísticas oficiais e nos discursos de representantes das autoridades locais informações capazes de objetivar e discutir as principais tendências de recomposição do tecido social registadas ao longo dos últimos anos no Porto, com o fito de contribuir para a identificação e medição indiciária dos processos de gentrificação que possam estar a ocorrer na cidade em resultado da materialização da estratégia de reabilitação urbana proposta para o seu centro. O segundo trilho analítico, desvendado nas quarta e quinta secções do artigo, explora as representações e discursos que, a propósito da reabilitação-gentrificação da sua área de residência, podem ser encontrados no seio dos moradores de longa data do centro histórico do Porto. Recolhidos através de entrevistas realizadas no quadro de um exercício de pesquisa de terreno desenvolvido em 2011 e 2012 naquela área da cidade, os discursos dos moradores citados dão voz a perspetivas geralmente arredadas quer da representação que dominantemente é feita da configuração e implicações dos processos de “reabilitação”, “revitalização” ou “regeneração” de centros urbanos, quer da própria análise sociológica da gentrificação.

2. Para uma reorientação do foco das pesquisas sobre gentrificação: pistas teórico-metodológicas

No horizonte de preocupações deste artigo não está incluído o propósito de desenvolvimento de um trabalho de revisão bibliográfica conducente à apresentação de um balanço teórico sobre a noção de gentrificação – entendida aqui como a “produção do espaço para utilizadores progressivamente mais afluentes”, para recorrer à sucinta, porém certeira, definição de Hackworth (2002: 815). O estado atual do conhecimento em ciências sociais dispensa, aliás, a realização de um tal exercício, dado que inclui quer um conjunto de relevantes retrospetivas e sínteses teóricas sobre o tema, quer um vasto manancial de estudos empíricos que testam, especificam e enriquecem o debate concetual que a propósito vem sendo desenvolvido desde que em 1964 Ruth Glass cunhou o termo3 .
As próximas páginas deste artigo serão, pois, aproveitadas não para retomar disputas teórico-concetuais sobre o tópico, mas antes para discutir alguns resultados de um exercício de pesquisa de terreno realizado em 2011 e 2012 no centro histórico do Porto com o objetivo de responder ao desafio que Slater (2006; 2008) e, na senda deste, Wacquant (2008) lançaram para que se restituísse à investigação sobre gentrificação o espírito e olhar críticos que, segundo estes dois autores, vêm faltando ao tratamento deste objeto de estudo sociológico.
De acordo com Slater (2006: 737), a tónica que caracteriza a maioria das pesquisas recentes sobre gentrificação revela uma perda da “orientação crítica” que esteve na génese da própria investigação sobre o tema: incapaz de se libertar das disputas teórico-ideológicas sobre a “natureza” da gentrificação (“económica” ou “cultural”?), negligente relativamente à centralidade do problema do desalojamento, dominada pela agenda político-ideológica do “equilíbrio” e da “mistura social”, a investigação sobre gentrificação tem vindo a perder, segundo Slater, capacidade para perspetivar de forma crítica as injunções das políticas e dos discursos dominantes e para avaliar de forma rigorosa os efeitos – e as vivências dos efeitos – resultantes das transformações físicas e sociais a que os espaços urbanos vêm sendo submetidos. Quando não se deixam simplesmente subordinar à lógica autorreferenciada do debate escolástico e das disputas académicas ou à ideologia moralmente persuasiva dos discursos sobre a necessidade de promover a “mistura” e o “reequilíbrio social” de territórios “degradados” e “empobrecidos”, os estudos sobre esse fenómeno de apropriação de um dado território por representantes de grupos sociais mais capitalizados do que aqueles que tradicionalmente o ocupam, com tendencial remoção e/ou circunscrição territorial e social destes últimos, refugiam-se em argumentos de índole metodológica para justificar o seu tendencial centramento nos “promotores”, em detrimento da observação e escuta daqueles que sofrem as respetivas consequências (Slater, 2006: 746-751).
Sem negligenciar o peso que na explicação do tipo de orientação hoje prevalecente nos estudos sobre gentrificação deverá ter a “afinidade eletiva”, nascida da proximidade ou mesmo da concomitância social, entre “académicos” e “gentrificadores” (Allen, 2008), Wacquant (2008: 199) realça que essa orientação se insere num padrão mais amplo de “invisibilização” das classes populares na esfera pública e na investigação social, tendência reforçada nos últimos anos por uma heteronomia dos processos de definição de temas e objetivos da pesquisa urbana que cresce à medida que se circunscrevem as funções sociais do Estado e se ampliam no seu seio as preocupações com a “economia” e, enfim, com as necessidades e interesses dos grupos sociais dominantes (em desfavor das necessidades e interesses das classes populares).

Ora, o que a leitura crítica da evolução das políticas urbanísticas e habitacionais na cidade do Porto evidencia (Pereira e Queirós, 2012; Queirós, 2007; 2015) é precisamente o modo como o Estado, também no nosso país, e em particular depois do final da década de 1990, tem vindo a direcionar muitas das suas preocupações e recursos para o incentivo à “revitalização” e à promoção do “crescimento económico” das cidades, designadamente através da promoção da “reabilitação urbana” e do que ela pode representar enquanto “oportunidade de negócio” para investidores e enquanto oportunidade de desenvolvimento e realização pessoal para turistas, consumidores e novos residentes dos territórios a transformar. Com efeito, o reforço assinalável da importância da intervenção do Estado na conceção de dispositivos legais e institucionais, instrumentos de política e programas de intervenção urbanística e habitacional direcionados para os centros das cidades – uma das expressões do processo de “neoliberalização do espaço” em curso nas últimas décadas (Peck e Tickell, 2002) – tende a submeter-se quase sempre ao objetivo da gentrificação destas áreas, isto é, à sua configuração para apropriação e usufruto por parte dos ditos grupos sociais “progressivamente mais afluentes”. Um “Estado local empreendedor”, desafiado pela tendencial diminuição do financiamento proveniente de transferências da administração central e pela consequente necessidade de alargar o leque de fontes de receita próprias, associa-se de forma cada vez mais próxima às forças de mercado e aos interesses daqueles grupos, quer através da disponibilização de formas variadas de “incentivo” ao investimento, quer através da assunção parcial ou mesmo total dos riscos ligados ao alargamento da “fronteira” da gentrificação para territórios onde o retorno do investimento apresenta menores garantias, quer através da privatização de áreas de domínio público ou ocupadas por habitação pública, quer ainda através da disponibilização de incentivos fiscais e “amenidades” urbanas de diversa ordem, quer, finalmente, através da circunscrição ou eliminação dos mecanismos de proteção social e dos canais institucionais de participação cívica e política ao dispor daqueles que residem nos centros urbanos e que poderiam opor-se e resistir às mudanças pretendidas (vd., sobre isto, Hackworth e Smith, 2001: 469-470; vd. ainda Smith, 1996; 2002; Squires, 1996; Hackworth, 2002).
Dulcificado pelo discurso moralmente persuasivo da “mistura” e do “(re)equilíbrio social”, o modelo de produção e apropriação do espaço que a reabilitação-gentrificação significa tende a aparecer desprovido da sua dimensão classista e da política de vencedores e perdedores que efetivamente lhe subjaz (Smith, 2002: 445). A restituição de uma “orientação crítica” ao estudo deste fenómeno significará, neste sentido, revelar a agenda ideológica, política e económico-social associada a esse modelo de produção e apropriação do espaço, em particular através do escrutínio dos discursos e das práticas emanadas da instância que o configura e legítima, o Estado, significando também – como as próximas secções deste artigo pretendem – o recentramento das atenções nos efeitos urbanos e sociais da gentrificação, em especial naqueles que afetam a vida dos grupos sociais que residem nas áreas “em processo de gentrificação” ou “a gentrificar” – e que, quase nunca ouvidos ou considerados, são quase sempre arredados do controlo do processo e das “vantagens” que o mesmo afirma aportar.

3. Processos de recomposição social no centro histórico do Porto: leitura de algumas tendências de evolução recente

A análise que a disponibilização dos dados definitivos do recenseamento geral da população de 2011 permite elaborar a propósito da evolução do panorama sociodemográfico da cidade do Porto ao longo da primeira década do século XXI revela não ter ocorrido no decénio em causa inversão das principais tendências observáveis neste território desde pelo menos finais dos anos 1970. Com efeito, o processo de perda populacional verificado ao longo dos últimos vinte anos do século passado teve continuidade nos primeiros anos do novo milénio, fazendo recuar o número de portuenses até valores idênticos aos que podiam ser encontrados na cidade no início da década de 1930 (pouco mais de 235 mil residentes). O conjunto de habitantes perdido entre 2001 e 2011 – mais de 25 mil – ombreia com a perda registada no período de 1981 a 1991, mas fica ainda assim longe dos 60 mil residentes a menos da década de 1990. A performance demográfica da cidade contrasta visivelmente com a da respetiva área metropolitana, cuja densidade populacional tem aumentado de forma continuada ao longo dos últimos cinquenta anos (Quadro A-1 , em anexo).

Mesmo se o decréscimo do número de residentes constitui um fenómeno comum à larga maioria das freguesias portuenses, é sobretudo no centro da cidade que se observam as mais fortes quebras populacionais. Esta é, de resto, outra das tendências que repete o observado nas décadas precedentes. Enquanto a faixa atlântica e a periferia citadina registam taxas de variação das respetivas populações menos negativas do que a média concelhia, concentrando uma proporção crescente de portuenses, a área central e o núcleo antigo continuam a verificar níveis de retrocesso demográfico mais acentuados do que os reportados por aquela média. Na maior parte do território situado no interior dos limites do centro histórico, o cenário é, com efeito, de claríssima rarefação populacional: em 2011, o somatório dos habitantes das quatro freguesias do núcleo antigo não chegava sequer a dez mil (caiu para metade em vinte anos), correspondendo a menos de 4% da população total da cidade (Quadro A-2, em anexo).

O “centro histórico” – área que neste artigo recebe também a designação de “núcleo antigo” – corresponde aqui ao entendimento comum (que é também o entendimento político- mediático dominante) que na cidade do Porto há várias décadas se tem deste território e que o identifica com um semicírculo que tem na Ribeira e na avenida dos Aliados as extremidades do seu raio, englobando aquelas que eram, até à reorganização administrativa de 2013, as freguesias de Miragaia, S. Nicolau, Sé e Vitória.

 

 

Berço da cidade, objeto de todos os louvores quando o que está em causa é evidenciar, junto do forasteiro, aquilo que de mais típico e distintivo o Porto tem, e ao mesmo tempo um dos territórios portuenses que mais imagens negativas e representações estereotipadas ao longo dos tempos conotou (e conota), o centro histórico assiste há várias décadas a um processo de perda da sua relevância demográfica. Se o Porto é uma cidade que se esvazia e “encolhe” do ponto de vista populacional – qual “buraco do dónute metropolitano” –, é no centro histórico que podem ser encontrados os mais evidentes sinais deste declínio. Espaço outrora sobrelotado, ponto de confluência de indivíduos e famílias provenientes de outros pontos da cidade e, muito em especial, de cidades, vilas e aldeias espalhadas um pouco por todo o norte do país, o centro histórico é hoje um território pouco atrativo (talvez devesse dizer-se mesmo repulsivo) do ponto de vista residencial e, por isso, escassamente povoado, ainda que não deixe de ser uma área muito frequentada, dada a centralidade que assume, às escalas local, regional, nacional e internacional, enquanto polo de interesse patrimonial, cultural e turístico. Dados do INE referentes a final de 2014 estimavam em pouco mais de 218 mil os indivíduos residentes à data na cidade do Porto, o que significaria muito provavelmente um valor de população residente no centro histórico pouco superior a 8.500 pessoas. Cinquenta anos antes, o número de habitantes aparecia multiplicado quatro vezes e meia, o que atesta bem a velocidade e intensidade do processo de esvaziamento da função residencial observado no núcleo antigo do Porto ao longo das últimas décadas.

Não surpreendentemente, este território – que não chega a ter 1,5 quilómetros quadrados de área, mas que apresenta uma significativa densidade construtiva (5.280 alojamentos por quilómetro quadrado, contra 3.320 alojamentos por quilómetro quadrado, em média, na cidade, em 2011) – ostenta uma elevadíssima proporção de fogos vagos, grande parte dos quais em acentuado estado de degradação. De acordo com o censo de 2011, os alojamentos vagos correspondiam naquele ano a quase 20% do parque habitacional da cidade e a quase 40% do parque habitacional das quatro freguesias do núcleo antigo. Segundo a mesma fonte de informação, 7% dos edifícios da cidade estavam muito degradados ou precisavam de grandes reparações, valor que subia para 15% no centro histórico.

Uma história das principais transformações económicas, sociais e urbanas do Porto, da Idade Média aos nossos dias, com referências bastante desenvolvidas à evolução do centro histórico da cidade, pode ser encontrada em Ramos (1995). O mais detalhado estudo sociológico disponível sobre a estrutura social e classista da cidade do Porto é o de Pereira (2005). Em Queirós (2015), é possível obter uma apreciação sócio-histórica e sociológica dos efeitos urbanos e sociais das intervenções urbanísticas e habitacionais promovidas pelo Estado no núcleo antigo da cidade ao longo do último meio século.

Refletindo as transformações que a saída de um grande número de pessoas (na sua maioria jovens e adultos relativamente jovens) operou na estrutura da pirâmide etária e nas dinâmicas do crescimento natural da cidade ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000, os índices de envelhecimento e de renovação da população em idade ativa registados no Porto em 2011 revelavam um significativo reforço do peso da população situada nos escalões etários mais elevados. No ano do último recenseamento geral da população realizado até esta altura em Portugal, por cada cem portuenses com idade inferior a 15 anos, quase duzentos dos seus conterrâneos tinham 65 ou mais anos. Contrastando com os valores registados na faixa atlântica e na periferia citadina – estes claramente mais próximos da média nacional –, os índices de envelhecimento revelavam-se na área central e no centro histórico especialmente carregados: em 2011, havia aqui, em média, entre 260 e 270 indivíduos com 65 ou mais anos por cada cem indivíduos com menos de 15 anos, o que juntava ao quadro de acentuada perda populacional um cenário de profunda desvitalização sociodemográfica (Quadro A-3, em anexo). Os números do envelhecimento populacional, em especial aqueles que reportam uma diminuição do potencial de renovação da população em idade ativa, encontram inevitável correspondência na evolução das taxas de atividade, que entre 2001 e 2011 decaem no Porto de forma significativa. Traduzindo, como não poderia deixar de ser, os efeitos da insuficiente renovação de gerações e, bem assim, da saída continuada da cidade de indivíduos em idade ativa, o declínio das taxas de atividade reflete também o processo de perda de vitalidade económica e de destruição de emprego que nela tem vindo a ocorrer, em especial depois do final da primeira metade da década de 1990. Produto das transformações por que têm passado as estruturas produtivas locais – no seio das quais as atividades industriais e outras atividades grandes empregadoras têm vindo a perder muito do seu tradicional peso –, a diminuição do volume de emprego que a cidade do Porto tem observado vem forçando à inatividade um número crescente de trabalhadores (Quadro A-4, em anexo; Varejão, 2008: 26 e seguintes; 111-112). Os dados referentes à evolução das taxas de desemprego são especialmente reveladores desta trajetória de perda do potencial empregador que a cidade tem vindo a percorrer. Ainda que a conjuntura económica do país explique parte do crescimento muito acentuado que o peso dos ativos desempregados observou recentemente no Porto, o cenário que os dados em causa retratam é o de uma cidade a braços com grandes dificuldades para garantir emprego a importantes segmentos da sua população residente. Em especial nos contextos onde se concentram o operariado, os segmentos menos qualificados dos empregados de execução e, em geral, os grupos socioprofissionais com menores credenciais escolares, como são os casos do centro histórico e da periferia oriental da cidade, as taxas de desemprego tendem a apresentar valores entre cinco a dez pontos percentuais acima da média concelhia, e entre dez a quinze pontos acima da média nacional, não sendo improvável encontrar, no limiar da segunda década do século XXI, freguesias onde um em cada quatro ativos está oficialmente desempregado (Quadro A-4, em anexo).
Não obstante estes factos, verifica-se que o Porto tem conseguido manter, e até reforçar, o seu estatuto enquanto polo residencial de profissionais qualificados. Por um lado, porque a evolução do perfil produtivo da cidade, ao privilegiar atividades exigentes em qualificações escolares e profissionais, contribui para o reforço da atratividade deste território enquanto espaço de residência especialmente adequado para indivíduos com aquelas características; por outro lado, porque é nele que se concentram as famílias com maior capacidade para competir no mercado imobiliário local. Com efeito, se a perda de alguma capacidade de polarização do emprego (em especial nos segmentos de média e menor qualificação) constitui uma das causas da persistente saída de residentes que a cidade tem registado, não há dúvida de que parte muito importante da explicação deste último fenómeno está diretamente associada à exiguidade do mercado de arrendamento e aos elevados preços da habitação (nova ou arrendada) característicos do Porto. Em especial quando comparados com os de diversas localizações da coroa suburbana, tais preços não só impõem a saída dos grupos domésticos com menores rendimentos que procuram uma habitação (grupos domésticos que noutras condições poderiam ficar no Porto), como mantêm afastados da cidade os indivíduos e famílias com interesse em nela residir, mas sem poder de compra para concretizar uma tal trajetória de mobilidade residencial (Varejão, 2008: 111-112).

Não surpreende, neste sentido, que os indicadores de processos de recomposição do tecido social portuense recrutados no quadro da presente análise sugiram a prossecução de um processo local de reforço do peso dos agentes sociais com maiores volumes de capital escolar e económico. O ritmo de crescimento da importância relativa daqueles que possuem ensino superior e daqueles que ocupam as categorias socioprofissionais mais qualificadas observado ao longo dos últimos vinte anos não difere significativamente do registado no conjunto do país, mas o que isso quer dizer é que a cidade tem mantido – e nalgumas zonas acentuado – o perfil de sobrequalificação da sua população. Presentemente, o peso da população residente empregada nos grupos profissionais mais qualificados é, no Porto, duas vezes superior ao verificado no conjunto do país, havendo freguesias onde essa proporção triplica a do todo nacional.

Os dados compilados no Quadro 1 revelam que é na área central, precisamente o conjunto de freguesias que compõe o contexto de intervenção definido como prioritário pelas políticas públicas de reabilitação urbana postas em marcha no Porto em meados da primeira década do século XX (a “Baixa”), que mais elevadas se revelam as proporções de residentes que antes de 2006 residiam noutros concelhos. Nesta zona, a atração de novos residentes apresenta valores consistentemente acima dos valores médios concelhios, destacando-se, no seu interior, a freguesia de Santo Ildefonso, onde 16% da população residente em 2011 proveio, durante o quinquénio precedente, de locais de residência exteriores à cidade do Porto. No restante território concelhio, apenas Nevogilde, na faixa atlântica, regista valores de atração de novos residentes superiores à média global da cidade. Não sendo possível, em face da informação disponível, determinar o que nestes números se fica a dever de forma direta àquilo que no Porto recentemente tem sido feito em matéria de promoção da reabilitação urbana e de incentivo à reabitação do centro da cidade, a simultaneidade dos dois fenómenos – aposta estratégica na reabilitação desta área e reforço da respetiva atratividade residencial – sugere não ser descabido um seu relacionamento.

 

 

Apesar de muitas das operações previstas pela SRU permanecerem ainda em fase de projeto ou longe da sua plena realização – e de, também por isso, persistirem nesta área da cidade, de acordo com as autoridades locais, importantes desafios de índole urbanística e socioeconómica (vd. SRU, 2008, volume I) –, e mesmo se a “crise económica e financeira” do país obrigou ao refreamento das ambições contidas na estratégia daquela entidade, informações recolhidas no final de 2010 apontavam para um reforço paulatino da procura de algumas zonas do centro histórico e da respetiva envolvente próxima por parte de novos residentes e investidores e para um aumento do número de proprietários interessados em reabilitar os seus edifícios. As palavras são de uma profissional da SRU então entrevistada:

[Os privados, neste momento, querem reabilitar os prédios, têm os inquilinos e andam à procura da solução alternativa para o realojamento temporário, mesmo na zona, através de casas que são privadas. (…) [N]ós, neste momento, temos um número considerável de projetos em fase de licenciamento, mesmo na zona da Sé, nestas ruas um pouco mais problemáticas, temos o seguinte: há muito privado a adquirir – a altura é boa para adquirir – e os processos de licenciamento a aparecer. (…) [N]ós temos muitos prédios a serem transacionados aqui na zona da Sé, muitos mesmo, muitos, muitos. (…) Eu penso que a Ribeira, neste momento, está a querer levar uma volta, e os proprietários que lá têm prédios, e com os hostels, que estão a entrar aí com força, principalmente na zona da Ribeira, Mouzinho… Aqui na Sé ainda é o privado, para reabilitar, mesmo para habitação, uma habitação pequena, um T1, um T2, são esses projetos que têm entrado [ED24, 54 anos, engenheira, trabalha no centro histórico do Porto desde a década de 1970].

Perante estas indicações, não causava estranheza que o presidente da Câmara Municipal do Porto fizesse nesta mesma altura um balanço positivo dos resultados da estratégia de reabilitação urbana posta em marcha depois da sua primeira vitória autárquica, no início da década de 2000. No editorial da edição da revista oficial da edilidade publicada em outubro de 2010, o destaque era dado à conclusão das obras de requalificação do “Ferreira Borges”, um antigo mercado municipal do centro histórico transformado em equipamento lúdico-cultural e concessionado a uma empresa privada (Hard Club); Rui Rio admitia que “falta[va] reabilitar muitos prédios” e que “falta[va] trazer gente para viver na Baixa”, mas não deixava de manifestar “orgulho e contentamento” por “tudo o que se consegui[ra]” (CMP, 2010, p. 3):

Quando em 2002 tomei posse, pela primeira vez, como Presidente da Câmara, assumi o compromisso de iniciar a reabilitação da Baixa do Porto. A Baixa estava abandonada, com o parque habitacional a cair de podre, arrasada pela “Porto 2001”, e sem que alguém quisesse olhar estrategicamente para ela. (…) Começámos por criar um novo modelo, assente no investimento privado, e não apenas nos dinheiros públicos. De seguida, fundámos a sociedade de reabilitação urbana, a Porto Vivo, SRU. Fizemos um Masterplan. Iniciámos o “namoro” aos investidores. E arrancámos com a reabilitação da grande maioria das ruas e praças do centro da cidade. Em paralelo, foi preciso um discurso político firme, convicto e coerente, que levasse os interessados a acreditar no nosso projecto. (…) Mas falta ainda fazer muito pelo centro da nossa cidade. Falta reabilitar muitos prédios e falta, acima de tudo, trazer gente para viver na Baixa. Aceitarão, no entanto, todos, que chegados até aqui, seja humano manifestar o orgulho e o contentamento por tudo o que já se conseguiu. Aliás, são estes resultados já obtidos, graças ao mérito e capacidade de muita gente, que devem constituir, para todos nós, um elemento de confiança no futuro.

 

 

Um dos “pioneiros” do propalado “regresso ao centro da cidade”, citado numa edição anterior da revista oficial da Câmara Municipal do Porto, parecia autorizar a confiança no sucesso da estratégia de reabilitação urbana da SRU demonstrada por Rui Rio:

Comprei, em Dezembro [de 2008], um T1 na Rua de S. João, no coração da Ribeira, porque acredito no trabalho da Porto Vivo, SRU, que desde sempre acompanhei. Trata-se de um projecto bastante aliciante e, também, de uma oportunidade de investimento. Estou convicto de que a Baixa do Porto, designadamente a Ribeira, que é um “ex libris” da cidade, será uma das zonas privilegiadas em termos habitacionais, à semelhança do que sucede na generalidade das capitais europeias. Vai ser um privilégio poder viver naquela zona, devido ao seu peso histórico e patrimonial, bem como à qualidade de vida que, no futuro, eu penso que terá [Paulo Lima Carvalho, 27 anos, solteiro, gestor de recursos humanos, citado em CMP (2009, p. 23)].

Seja porque a população ativa que permanece denota um peso crescente dos academicamente mais instruídos e profissionalmente mais qualificados, seja porque muitos daqueles que entretanto chegaram são detentores destas propriedades, a verdade é que a população do centro histórico do Porto apresentava, no início da segunda década do século XXI, num quadro de evolução demográfica muito desfavorável, proporções de população residente com instrução superior e emprego nos grupos profissionais mais qualificados significativamente mais elevadas do que dez ou vinte anos antes. Permanecendo, é certo, ainda abaixo dos valores que estes indicadores assumiam para o conjunto da cidade, os números relativos às freguesias do centro histórico estavam em 2011 mais próximos das médias concelhias, tendo inclusivamente convergido com os valores do todo nacional (Quadro 1).
Alicerçada na defesa da promoção de um “(re)equilíbrio social” que só a atração de população jovem e qualificada poderia, segundo esta perspetiva, oferecer a contextos socioterritoriais demograficamente deprimidos, envelhecidos e empobrecidos como estes, a estratégia de reabilitação urbana promovida pelas instâncias estatais no centro do Porto depois de 2004 parecia poder começar a reivindicar os primeiros frutos. Mas o que pensaria nesta altura a população autóctone desta área da cidade acerca das transformações urbanas e sociais em curso?

4. Representações e discursos de moradores sobre a configuração e implicações das operações de reabilitação urbana em curso no centro histórico do Porto: alguns resultados de uma investigação de terreno

Em 1981, 1982, [o então presidente da Câmara Municipal do Porto, Alfredo Coelho de Magalhães,] já nos alertava para essa situação, que mais tarde as pessoas seriam, digamos, escorraçadas daqui pra fora. É o que acontece. As pessoas aqui, nós podemos dizer que há para aí quarenta apartamentos aqui, propriedade da Câmara, renovados, prontos a habitar, que estão fechados há anos. (…) Todos nós sabemos porquê, porque a experiência diz-nos isso, que é exatamente para um certo tipo de pessoas com poder económico mais elevado. (…) Há pessoas que são convidadas, mesmo o proprietário não sendo a Câmara Municipal, isto é, senhorios particulares, esses indivíduos, logo que morem virados para o rio, por exemplo, são convidados a sair para um bairro municipal pela própria Câmara. Então pergunto eu: “Qual é o interesse da Câmara em servir um senhorio particular?”. Mas, efetivamente, se alguém aqui precisar duma casa e for lá, eles negam-lhe o acesso, não é? [ED38a, 63 anos, morador do centro histórico do Porto, dirigente associativo, artesão e pequeno comerciante].

É nestes termos que um morador de longa data da Ribeira, coração do centro histórico do Porto, resume a sua posição relativamente à configuração e implicações das operações de reabilitação urbana que nos últimos anos a sua área de residência vem registando. Um antigo dirigente associativo, o morador em causa, entrevistado no quadro da investigação a que o presente artigo se refere, fala no que se lhe afigura ser a crescente proatividade das instâncias estatais, designadamente da Câmara Municipal, em matéria de criação de condições para uma apropriação deste território por “pessoas com poder económico mais elevado”, quase sempre alóctones. O morador mais jovem presente na mesma entrevista concorda com este ponto de vista:

[E]stá-se a virar esta zona mais para o turismo e mais para um certo tipo de população que o poder político pretende aqui, o poder político e económico, e esquece-se que, se calhar, o segredo do centro histórico é esta gente. Quando esta gente não estiver aqui disponível para ter este tipo de conversa e para contar esta história… Os edifícios são muito bonitos, mas eles não falam, nem têm as suas tradições… O centro histórico, para mim, também são essas tradições [ED38b, 27 anos, morador do centro histórico do Porto, empregado de escritório].

Concordantes, as perspetivas destes moradores sobre a estratégia de reabilitação urbana que na última década vem sendo desenvolvida no centro histórico do Porto colocam em destaque dois aspetos cruciais na análise das transformações por que passam hoje as áreas centrais de um grande número de cidades por todo o globo: por um lado, a relevância que o Estado assume, direta ou indiretamente, na (re)estruturação física e social do território; por outro lado, o significado e consequências que, para os residentes tradicionais destas áreas, habitualmente têm os processos de gentrificação que quase sempre decorrem das intervenções urbanísticas e habitacionais que nelas são promovidas.
O que as próximas páginas do presente artigo desejam é precisamente aferir essas consequências, tal como propostas pelos moradores de longa data do centro histórico do Porto. Através da recolha e enunciação das suas representações e discursos, pretende-se, por um lado, notar o que tem sido a elisão de tais representações e discursos do imaginário que dominantemente é produzido e veiculado a propósito deste assunto e, por outro lado, sublinhar a relevância potencial da respetiva inserção na reflexão e no debate sobre as políticas de reabilitação urbana projetadas e postas em prática por estes dias no território portuense a que vem sendo feita alusão.
Há que considerar, ademais, que a própria evolução sociodemográfica de contextos como o núcleo antigo da cidade do Porto tende a funcionar como ecrã impeditivo de uma apreciação nítida do processo de aprofundamento da relegação política dos grupos sociais mencionados. A “saída” continuada de população, em especial de população jovem, contribuindo para esmorecer a “voz” dos que permanecem (recorde-se, a propósito, a terminologia de Hirschman, 1970; 1978), limita significativamente a capacidade de mobilização, reivindicação e conquista de um lugar no processo de definição da situação e projeto de áreas urbanas com as características de um centro histórico do Porto. Como numa profecia que se cumpre a si mesma, o diagnóstico de “desertificação” e “ apatia” que desta realidade frequentemente se faz funciona como justificação quer para a desconsideração das dinâmicas associativas locais que possam, não obstante, subsistir, quer para a intensificação da proatividade das políticas públicas, traduzida na generalização de processos top-down de idealização de propostas e de tomada de decisões.

Os moradores já são poucos e, quando há muito pouca gente, o poder reivindicativo também é pouco, não é? Entretanto, depois, o que é que fizeram? Deixaram de auscultar esses organismos populares de base, esses organismos populares deixaram de ser auscultados. Não fazia sentido estarmos ali a olhar uns para os outros! E, quando tiraram por outras medidas e por outros métodos, tiraram poder reivindicativo às associações de moradores, não eram ouvidas mais. Não fazia sentido… (…) A população, sendo cada vez menos… Esta é uma das causas, não é? E nós vimos, como já acabei de explicar há bocado, qual é o futuro que eles pretendem para isto. É esvaziar daqui a população, meter outro género de pessoas cá, com poder económico mais elevado, financiar… os homens do capital investirem aqui para o turismo e pontapear daqui as pessoas, que muitas já foram pontapeadas [ED38a, 63 anos, morador do centro histórico do Porto, dirigente associativo, artesão e pequeno comerciante].

Não surpreende, perante um cenário como este, que, para além da erosão da capacidade para reivindicar a permanência no local de residência e para alcançar melhorias no quadro habitacional e de vida, se observe também no centro histórico do Porto uma certa erosão do gosto pela área e mesmo do desejo de nela continuar a viver. Ainda que a maioria dos moradores de longa data entrevistados no âmbito deste estudo não desaproveite a oportunidade para sublinhar a força do laço afetivo que a liga ao centro histórico, a saída de muitos conterrâneos e a colonização dos espaços e tempos da sua vida quotidiana pelo turismo, pelas novas procuras residenciais ou, pior ainda, pelas atividades associadas à economia do tráfico e consumo de drogas produzem sentimentos de desgosto pela zona e expressões denunciadoras de perda de referências, nostalgia e desalento (“quando há pouca gente, o poder reivindicativo é pouco”; “isto agora está vazio”; “a gente só vê as pessoas em casamentos, batizados e funerais”; “estão cá pessoas que não são daqui”; “já não há aquela convivência”).

Os mais novos que saíram daqui foram com os pais, outros casaram, foram para outros lados, compraram apartamento, foram para outros lados, mas se eles fizessem obras aqui na zona… Isto antigamente tinha muita gente, a maior parte, que isto era cheio, agora a maior parte está vazio, que eles vêm fazer obras pràqui e as pessoas vão pròs bairros, vão pràli, vão pracolá… e desaparecem daqui. A gente só vê as pessoas antigas quando é um casamento, quando é um batizado, e é assim que as pessoas se unem todas; quando morre qualquer pessoa é que a gente vê então essas pessoas antigas que vêm aqui à zona da Sé e [é aí] que a gente vê adonde é que essas pessoas estão. E a maior parte do povo que daqui saiu toda a gente gosta da zona da Sé [ED55, 64 anos, moradora do centro histórico do Porto, vendedora no mercado].

Reportando-se às movimentações do setor imobiliário e ao que elas sugerem quanto ao avanço iminente de processos de transformação física e social no “morro” da Sé, outrora um sobrelotado, pitoresco e popular núcleo residencial do centro histórico do Porto, um outro morador de longa data serve-se da ironia para exprimir o seu ponto de vista sobre o acossamento a que a zona começa a estar sujeita por parte das novas procuras residenciais:

[E]u vejo pessoas, não uma só, a comprar um prédio para ela ou para a família dela, vejo uma pessoa a comprar vários, inclusive por trás tem algumas pessoas conhecidas que estão a empurrar isso, exatamente para essa especulação imobiliária, e as pessoas que saíram da Sé, pra já, nunca vão ter hipótese de voltar, porque, de certeza absoluta… Eu aqui há dias – desculpe lá este aparte –, aqui há dias ouvia uma pessoa influente aí a dizer que vai ser chique viver na Baixa. De certeza que também ouviu isso, eu ouvi e captei! E na Sé é que eu estou a ver disso, vai ser muitos chiques naquela Sé, é por isso que eu não saio de lá! (…) E se, em vez de – e aí é que vem a falação da especulação imobiliária –, se, ao fazer as casas, as fizessem de tal maneira e a pensar em determinado valor, que depois até podiam pôr no mercado do arrendamento a preços – eu não digo por dez reis de mel coado, não senhor! –, [mas] a preços acessíveis ao comum dos mortais, de certeza absoluta que alugavam as casas. E daí eu dizer que a especulação imobiliária está ali pra ele… direitinho e certinho! [ED56, 62 anos, morador do centro histórico do Porto, artesão e pequeno comerciante].

A opinião é idêntica à de outra moradora da Sé entrevistada no quadro da investigação a que o presente artigo se refere. Neste caso, porém, a tónica é colocada de forma explícita na responsabilidade que a Câmara Municipal e a SRU do Porto vêm tendo no esvaziamento da zona e na criação de condições para a apropriação futura do espaço por grupos sociais que lhe são exteriores:

[O Rui] Rio não deixa ir pràli, até ajeitava aquelas casinhas e fazia ali casas novas, sim senhor, acredite! Eu tenho um filho [que saiu da Sé] e ele disse que queria vir prà ruinha dele. (…) E agora, na Porto Vivo, eles tiram as casas às pessoas… Olhe, a casa em frente a mim estava uma categoria, eu não me importava de viver lá, mesmo em frente a mim, e eles tiraram [as pessoas] da casa e botaram a casa abaixo. Porque há casas lá boas! Eu acho que a ideia era ajeitar as casinhas prà gente ir pra lá. Mas não se pode. Temos que ir pròs bairros. Eu não vou, comprei a minha casinha, vou morrer ali. (…) Haviam de fazer obras naquela rua, nas ruas, pràs pessoas ir pra lá viver. A Porto Vivo não deixa. A Porto Vivo compra as casas todas. (…) De caminho, não está lá ninguém, está lá pessoas que não é dali, estão lá pessoas, assim rapaziada, que não são dali [ED53, 62 anos, moradora do centro histórico do Porto, vendedora no mercado].

 

 

O turismo e as atividades que lhe estão associadas têm maior expressão, a realidade difere da que acaba de ser retratada, mas nem por isso os moradores que permanecem deixam de expressar um sentimento de perda do espaço de autoctonia, reconhecimento mútuo e sociabilidade outrora representado pelo seu local de residência (vd., a propósito, Queirós, 2013; 2015).

A Ribeira hoje não tem nada a ver com a Ribeira dos meus tempos de miúdo. A Ribeira hoje perdeu muita da sua identidade, com a saída de população para o Bairro do Aleixo e com a reconstrução das casas, perdeu muita da sua identidade. (…) E acontece que aquela população, que era genuína, e que era solidária, tinha uma maneira de viver comunitária… (…) As pessoas tinham uma vida associativa ligada, as pessoas estavam ligadas, isso não é mal nenhum, pelo contrário, isso é bom, porque assim vão-se sabendo das dificuldades, das facilidades… (…) Ainda existe esse espírito em algumas pessoas – já não são muitas, são poucas –, mas eu tenho, por exemplo, alguns amigos por quem passo e eles estão no tasco a beber o seu copo de vinho. E eu também já fiz isso muitas vezes, por isso… essas coisas ainda não desapareceram totalmente… [ED64, 63 anos, morador do centro histórico do Porto, operários industrial reformado].

Mesmo que nem tudo aquilo que a população autóctone conota com a “identidade” local tenha “desaparecido”, o panorama é o de um espaço progressivamente tomado por restaurantes e hotéis, turistas e investidores – “pessoas de fora”:

Portugal está em andamento para turismo, de resto não temos mais nada, a bem dizer, que dê muito dinheiro, e estão-nos a ultrapassar em várias coisas, e então acho que a cidade do Porto… não deviam tirar o pessoal da cidade do Porto, os habitantes, deviam-nos manter aqui. Os que estão em casas, deixá-los estar, e ocupar estes espaçozinhos; só há restaurantes, restaurantes, restaurantes, e eu penso que deviam deixar… os sapateiros que havia, deixava-os estar, os funileiros que havia, deixava-os estar, os picheleiros que havia, deixava-os estar. Tiraram-nos, porque há pessoas de fora, que não são daqui da zona, que dão o dobro ou o triplo do dinheiro pelas casas e a gente perde, os daqui perdem, porque as pessoas têm muito mais dinheiro que a gente e compram as casas. (…) Admite-se que indivíduos que vieram para aqui há vinte anos, mais ou menos, sejam donos de metade da rua? Admite-se que indivíduos que têm dinheiro comprem tudo? Tudo que está à venda eles compram? Têm dinheiro… O pessoal daqui não tem [ED39, 65 anos, morador do centro histórico do Porto, artesão e pequeno comerciante].

O turismo, apontado como força desorganizadora dos padrões típicos da vida local, como responsável pelo aumento tendencial dos preços dos bens e serviços disponíveis na área e como elemento exponenciador das pressões do setor imobiliário sobre os moradores e os proprietários tradicionais, transforma-se, entretanto, muito frequentemente, na própria justificação de um direito a ficar. Como se pressentissem a impossibilidade prática de travar o curso da mudança, muitos moradores tentam encontrar nas lógicas associadas ao turismo a justificação para a garantia de um lugar nesse processo (“o segredo do centro histórico é esta gente”; “se isto não serve, tanto não serve para mim, como não serve para os turistas”). A produção pelos moradores de uma imagem de singularidade, virtuosidade e genuinidade para representar o “caráter” da população local surge, neste sentido, como uma espécie de racionalização ideológico-discursiva perante a ameaça do desalojamento e da saída forçada e, enfim, perante a redução notória das possibilidades de definição e controlo autónomos da respetiva situação e futuro. Através da eufemização identitária, a necessidade transmuta- se em virtude – a virtude que o centro da cidade, polo turístico por excelência, não poderá dispensar.

Já tenho dito que o que era preciso era que houvesse um misto, mas que esse misto não fosse feito à custa da retirada das pessoas que ainda existem no centro histórico, que preservam a história daquilo… Aliás, isso até devia de ser acarinhado e devia de ser cuidado, não é?, para que isso não se perca, porque eu tenho três filhos, dois rapazes e uma rapariga, que tiveram que abalar; agora vai a rapariga abalar, para fora do Porto, para fora da Ribeira, porque não tem lugar na Ribeira… [ED64, 64 anos, morador do centro histórico do Porto, estivador reformado].

5. Gentrificação: “fronteira urbana” em irresistível expansão?

Acento tónico de muitos dos discursos político-institucionais produzidos a propósito da reabilitação urbana do centro do Porto, que nele encontram a justificação para o incentivo à atração e à introdução na zona de novas categorias sociais – “mais jovens” e “mais qualificadas” –, o propósito de promoção da “mistura” é apropriado, por moradores acossados pela gentrificação, como argumento de “resistência” à expulsão4. A voracidade da transformação urbana e social associada às dinâmicas público-privadas da reabilitação e ao crescimento do turismo não parece, contudo, sensível a esta linha argumentativa, nem especialmente preocupada com tal questão, como realça este morador do Barredo, velho núcleo residencial da frente ribeirinha:

Agora, o que acontece é: vêm pessoas de fora doutro estrato social e as daqui são forçadas a sair, não só pela Câmara, mas pelas situações, ou porque não têm possibilidades de viver aqui com as rendas que se praticam aqui, porque um prédio, depois de requalificado aqui, perto do rio, um T1, vale 500 euros, arrendado, não é? (…) [H]avia de se olhar para isto como um caso mais específico de habitação para as pessoas, mas não é isso que acontece. Há uma opção de virar esta zona mais para o turismo. [As pessoas que vivem em más condições, a] Câmara realoja. Mas realoja em bairros na periferia. Nunca aqui. Estas casas, a opção qual é? Vender aquilo depois aos privados, para ser exploração privada (…). A meu ver, [a estratégia de reabilitação urbana] é só direcionada para os privados e para beneficiar quem quer comprar a preços altos ou, neste caso, quem quer reabilitar para depois vender aquilo a preços altíssimos [ED38b, 27 anos, morador do centro histórico do Porto, empregado de escritório].

Perante tais dinâmicas, crescem visivelmente no seio da população autóctone sentimentos de temor e angústia relativamente à perspetiva – percebida por muitos como inevitável ou iminente – da saída. Entrecortados por expressões ocasionais de indignação quanto aos “políticos” e à “política” vigente na cidade, tais sentimentos veem-se reforçados pelos relatos – produzidos em nome próprio ou transmitidos por outrem – dos efeitos pessoais e familiares negativos do desalojamento e da transferência para fora da área.

Vou-lhe dizer: o pior momento que nós tivemos foi a nossa saída. A minha mãe sofreu muito… (…) A minha mãe, só em pensar que ia sair do bairro, deu-lhe um enfarte. A minha mãe teve um enfarte mesmo na Sé. A minha mãe morreu no sítio onde nasceu, no bairro da Sé. (…) Eu tive que sair porque a minha casa estava degradada e estava… (…) E nunca me deram a opção [de ficar perto]. (…) [Os meus filhos s]aíram comigo. O meu filho mais velho foi para as Fontainhas, o meu mais novo vive comigo, também já está junto, mas até porque o meu filho nunca teve um amigo no bairro [onde presentemente reside]. Os meus filhos, quando foram daqui da Sé, nunca tiveram um amigo no bairro. Eu dizia: “Vocês querem passear? Eu dou-vos as senhas para irem para a terra onde vocês nasceram!” [ED62, 40 anos, antiga moradora do centro histórico do Porto transferida para um bairro camarário da periferia citadina no final da década de 1990, vendedora no mercado].

Fazendo contrastar o quotidiano relativamente atónico do bairro camarário com o interconhecimento e a convivialidade característicos da Sé, a realidade que esta antiga moradora do centro histórico do Porto retrata é também a de um “mundo” de certo modo mitificado, um “mundo” que talvez já não exista verdadeiramente ou que, pelo menos, desaparece à medida que saem, envelhecem ou morrem os seus residentes tradicionais.

As pessoas metem-se em casa, no bairro, não há bairrismo – coisa que na Sé existe –, não há bairrismo, as pessoas não dizem “Bom dia”, “Boa tarde”, não tem nada a ver. Não há convívio, não há convívio. (…). Na Rua Escura falamos com toda a gente, toda a gente nos conhece, nós conhecemos toda a gente. [Se tivesse oportunidade de regressar à Sé, e]ra na hora, era na hora. (…) O meu bairro [da Sé] é o meu mundo. Só posso dizer isso. E já disse isto: se um dia tiver que morrer, que seja no meu bairro. Morrer era onde eu nasci. (…) Eu sou daquelas pessoas que amamos mesmo, mas mesmo, o nosso bairro [ED62, 40 anos, antiga moradora do centro histórico do Porto transferida para um bairro camarário da periferia citadina no final da década de 1990, vendedora no mercado].

Se, como todas as fronteiras, também a “fronteira” da gentrificação distingue dois campos, duas realidades (Smith, 1996), o que as transformações a que o centro histórico do Porto tem sido sujeito pelos efeitos da perda e do envelhecimento populacionais, da dominação ideológica e cultural e da relegação sociopolítica da sua população autóctone sugerem é que são cada vez mais reduzidas as condições objetivas e subjetivas que estes agentes sociais têm ao seu dispor para continuar a suportar o seu bastião, o “seu mundo”. Perante a aparentemente irresistível expansão do campo dos “vencedores da gentrificação”, que possibilidades restam a uma perspetivação alternativa, com fundamento e suporte local, das políticas de reabilitação urbana direcionadas para o centro histórico do Porto?

 

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Artigo recebido a 16 outubro de 2015. Publicação aprovada a 28 de dezembro de 2015

 

Notas

1 O presente artigo reproduz alguns resultados de um estudo de caso desenvolvido no quadro do projeto de investigação de doutoramento do autor (Projeto SFRH/BD/46978/2008, financiado ao abrigo do programa de bolsas de formação avançada da Fundação para a Ciência e a Tecnologia do Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior e cofinanciado pelo Fundo Social Europeu, no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano do QREN 2007-2013). Vd. Queirós (2015).

2 Informações diversas sobre a génese, estrutura, objetivos e atividade da SRU do Porto podem ser encontradas online em http://www.portovivosru.pt A versão integral do Masterplan da instituição está disponível em http://www.portovivosru.pt/pt/area-de-atuacao/enquadramento

3A produção teórica e empírica sobre gentrificação remonta, efetivamente, ao trabalho seminal de Glass et al. (1964). O crescimento exponencial dos estudos sobre gentrificação deu-se, porém, sobretudo depois da publicação dos trabalhos pioneiros de Hamnett (1984), Marcuse (1985) e Smith e Williams (1986). Em Slater (2006), é possível encontrar não apenas uma proposta de reposicionamento teórico e metodológico dos estudos sobre gentrificação – à qual o presente artigo procura dar seguimento –, como também uma lista de bibliografia muito relevante sobre o tema. Em Portugal, o trabalho de Rodrigues (2010) procede a uma revisão detalhada da noção, optando pelo recurso ao termo “nobilitação”, em detrimento do neologismo “gentrificação”, e referenciando-a empiricamente ao caso lisboeta.

4 Como bem revelaram Chamboredon e Lemaire (1970) num artigo tornado clássico da sociologia, a proximidade espacial de grupos sociais diferenciados não se traduz necessariamente em aproximação social ou miscigenação cultural. Em Pereira (2008), pode encontrar-se uma interessante crítica da ideologia do « mix social». Sobre o tema, vale a pena ler também os trabalhos de Tissot (2005), Musterd e Andersson (2005), Donzelot (2006) e Stébé (2007).

João Queirós. Professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (Porto, Portugal). Investigador do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (Porto, Portugal).

 

 

Anexos

 

 

 

 

 

 

 

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