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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia  no.tematico5 Porto dez. 2015

 

ARTIGOS

O consumo de espaços residenciais para além dos valores económicos

Consuming residential spaces beyond economic values

La consommation d'espaces résidentielles au-delàdes valeurs économiques

El consumo de espacios residenciales alláde los valores económicos

Maria Assunção Gato19

DINÂMIA'CET e Instituto Universitário de Lisboa


 

RESUMO

À semelhança de outros bens de consumo, o espaço residencial também pode ser compreendido enquanto objeto-mercadoria, passível de ser valorizado, consumido e usado enquanto elemento importante na identificação, diferenciação e negociação de pertenças sociais entre indivíduos e grupos. Com base numa análise comparativa entre dois espaços residenciais localizados em Lisboa –Príncipe Real e Parque das Nações – este artigo visa explorar o consumo e a valorização dos espaços residenciais enquanto produtos socialmente produzidos e cujo valor vai para além da dimensão económica.

Palavras-chave: espaços residenciais; consumo; produção de valor.


ABSTRACT

Like other consumer goods, residential spaces can also be understood as an object which can be valued, consumed and used as an important element in the identification, differentiation and negotiation of social belonging among individuals and groups. Based on a comparative analysis between two residential areas located in Lisbon – Príncipe Real and Parque das Nações –this article aims to explore the consumption and the valuation of residential space as products socially produced and whose value goes beyond the economic dimension.

Keywords: residential spaces; consumption; production of value.


RÉSUMÉ

Comme d'autres biens de consommation, l'espace résidentiel peut aussi être compris comme un objet qui peut être évalué, consomméet utilisé en tant qu'élément important dans l'identification, différenciation et négociation d'appartenance sociale entre les individus et les groupes. Basé dans une analyse comparative entre deux zones résidentielles situées à Lisbonne – Príncipe Real et Parque das Nações – cet article vise à explorer la consommation et la valorisation de l'espace résidentiel en tant que produit fabriquésocialement et dont la valeur va au-delàde la dimension économique.

Mots-clés: espaces résidentiels; consommation; production de valeur


RESUMEN

Como otros bienes de consumo, el espacio residencial también se puede entender como un objeto que puede ser valorado, consumido y utilizado como un elemento importante en la identificación, la diferenciación y la negociación de pertenencia social entre individuos y grupos. Con base en un análisis comparativo entre dos zonas residenciales ubicadas en Lisboa – Príncipe Real y Parque das Nações – este artículo se propone explorar el consumo y la valoración del espacio residencial como producto socialmente producido y cuyo valor trasciende la dimensión económica.

Palabras clave: espacio residencial; consumo; producción de valor.


 

Introdução

As sociedades contemporâneas capitalistas e ocidentais continuam a ser sociedades de consumo. Iniciado na década de 1980, este debate centrado no consumo – seus efeitos e significados sociais – tornar-se-ia parte integrante de uma discussão mais vasta sobre um tempo definido como pós-modernidade (Lyotard, 1989; Featherstone, 1991; Jameson, 1995; Eagleton, 1996; Harvey, 1998) ou como modernidade tardia (Giddens, 1997). Entre outros fatores, tal traduz-se numa economia estruturada em torno da venda e promoção de bens, com a consequente secundarização da produção (Campbell, 1995), deixando os objetos de estar exclusivamente ligados ao valor de troca e utilidade para adquirirem um novo protagonismo enquanto produção e expressão de significados sociais (Baudrillard, 1995). Significa isto que, através do consumo,é posto em prática um sistema de significações que extravasa a simples aquisição passiva de objetos e serviços, passando eles a expressar relações sociais, a evocar espacialidades e temporalidades diversas, a participar na produção da realidade em que se inserem, sofrendo constantes reajustamentos, reutilizações e tornando-se instrumentos centrais nos processos de composição identitária (Campbell, 1995).
Destacando-se o valor de significação social em detrimento do valor de troca, tanto os objetos, como as práticas quotidianas, como ainda os espaços e lugares onde as mesmas acontecem passam a partilhar a mesma lógica de estilização, podendo ser manipulados pelos consumidores com vista a negociar identidades, pertenças sociais e a compor determinados estilos ou modos de vida. Pelo que, tão ou mais relevante do que o consumo de lugares ou produtos, é a fruição estética de cenários espaciais e as experiências que os mesmos proporcionam (Cachinho, 2006).
Focando a atenção sobre o espaço enquanto objeto-mercadoria de consumo, importa ter em conta que a relação que os indivíduos desenvolvem com o espaço não é só uma garantia universal da particularidade das identidades. O espaço também contém indícios que norteiam os comportamentos, as identidades e as negociações sociais (Paul- Lévy e Segaud, 1983), sendo através dele que se produz e reproduz um tempo social que importa compreender e valorizar (Lefebvre, 1986), quer enquanto forma de chegar àqueles que o produzem e consomem, quer enquanto forma de compreender as forças e efeitos espaciais exercidos pelo consumo (Goodman, Goodman e Redclift, 2010).
De entre o amplo conjunto de produtores e consumidores do espaço, as novas classes médias têm merecido algum destaque (O'Connor e Wynne, 1996; Zukin, 1995 e 2010; Atkinson e Bridge, 2005; Lees, 2000 e 2008; Rodrigues, 2010), quer enquanto impulsionadoras de importantes transformações sociais, quer enquanto mediadoras simbólicas e intérpretes dessas mesmas transformações, que têm privilegiado sobremaneira os espaços urbanos. Não menos relevante tem sido o protagonismo das classes médias enquanto consumidoras, quer de novos produtos imobiliários (Salgueiro, 1994), quer de novas centralidades (Bógus, Ferreira e Gagliardi, 2012).
Contudo, nem a significativa mudança observada nas últimas décadas ao nível do regime de propriedade1 é uma característica portuguesa, nem a proliferação do mercado imobiliário por via do consumo de espaços residenciais é uma prática imputada exclusivamente às classes médias. A compra quase generalizada de casa própria diluiu bastante as questões classistas suportadas num capitalismo clássico e simplista em termos de divisões por classes, com correspondências previsíveis ao nível das capacidades e hábitos de consumo.
Mas, em simultâneo, não só o mercado imobiliário foi desenvolvendo produtos dirigidos à procura de espaços residenciais por parte dos diversos segmentos socioeconómicos que foram surgindo, como o próprio território urbano foi sendo fracionado em conjuntos de lugares com rotulagens variadas e, de alguma forma, seletivas (Watt, 2009). A questão do valor e da forma como estes lugares e produtos imobiliários são valorizados torna-se igualmente transversal nesta análise, que não deixa de conceber a Lisboa contemporânea enquanto produto de um sistema capitalista (Lefebvre, 2012).
Em suma, se o capitalismo também é um processo que controla o espaço e as suas constantes reconfigurações na incessante busca da diferença, competitividade e acumulação (Louçã, Lopes e Costa, 2014), o consumo do espaço – e dos espaços residenciais em concreto – não deixa de ser um dos principais símbolos sociais e identitários numa sociedade capitalista, cujo valor e respetiva valorização vão muito além da objetividade da dimensão económica. Com efeito, a localização da residência é um fator cada vez mais valorizado nas sociedades contemporâneas. Mas se o custo económico é uma variável incontornável na equação valorativa, o mesmo não deixa de refletir o peso das dimensões sociais, culturais e simbólicas que são inerentes aos lugares e que lhes imprimem uma marca distintiva face aos demais territórios urbanos.
Com base neste enquadramento teórico serão apresentados dois casos de estudo localizados na cidade de Lisboa – Príncipe Real e Parque das Nações – com o objetivo de, através de entrevistas em profundidade2 realizadas juntos de um grupo de residentes, demonstrar de que forma a valorização e o consumo dos espaços residenciais se articula com os processos de significação social e pertença identitária junto de novas classes médias urbanas.

1. Do consumo do espaço urbano

De entre os múltiplos estudos que vêm explorando dinâmicas urbanas contemporâneas, podem ser destacadas temáticas ligadas àconversão do espaço urbano numa fragmentação de lugares para serem consumidos enquanto cenários estéticos e culturais proporcionadores de múltiplas experiências, o papel dos diferentes públicos e o leque variado de interesses que os movem, a produção e promoção de novas formas de habitar, as recomposições sociais e os efeitos de revitalização e nobilitação em determinadas áreas, as estratégias de composição identitária e de diferenciação social entre indivíduos, grupos sociais e espaços.
No fundo, todas estas temáticas confluem no grande denominador comum que é a sociedade de consumo e as referências sociais e temporais para com uma pós- modernidade que a contextualiza. Tal traduz-se numa lógica de estetização da vida quotidiana, em que a avidez do consumo, a necessidade de afirmação identitária e de distinção social conduzem os indivíduos a centrarem-se sobre os espaços que promovem experiências de consumo e alguma diferenciação social (Featherstone, 1991; Campbell, 1995; Lury, 1997; Harvey, 1998).
Um outro fator atribuído ao consumo conotado com uma sociedade pós-industrial e pós-moderna é a obtenção do prazer associado à procura da novidade e que se reflete na curta duração dos produtos e das experiências, nas mudanças rápidas nas modas, na transitoriedade das imagens, na expressividade simbólica de objetos e lugares. Relativamente aos lugares, importa desde já sublinhar a centralidade teórica que assumem na conceptualização do consumo, não só devido à sua inevitável espacialização, mas sobretudo pelos efeitos que o consumo exerce na produção, transformação e promoção dos espaços e lugares (Goodman, Goodman e Redclift, 2010).

Tanto a reorientação da cidade enquanto espaço privilegiado de consumo, como a reconfiguração funcional de territórios urbanos podem ser relacionadas com a necessidade de reinventar a cidade pós-industrial (Miles, 2010). Um processo que, entre outros aspetos, tem-se pautado pela criação de identidades e particularismos diferenciadores, pela produção de imagens e narrativas territoriais que promovem determinados aspetos temáticos ou culturais, ou pela criação de ambientes “mágicos” e de vivências socialmente mais exclusivas.
Miles (2010) afirma que a cidade, além de ser um espaço onde se consome é, sobretudo, um espaço para consumo, assistindo-se por toda a Europa a “rotulagens” e reclassificações das cidades enquanto lugares destinados a serem consumidos como destinos turísticos, centros de cultura e lugares dignos das “cultas”classes médias. Esta leitura surge contextualizada naquilo que o autor define como “urban renaissance”, um rótulo cada vez mais usado para perspetivar mudanças sociais regenerativas nas cidades, surgidas a reboque da pós-industrialização e que suscitam nele um conjunto de inquietações: 1) serão essas mudanças algo mais do que puramente simbólicas?; 2) serão elas substancialmente representativas da forma como os indivíduos se estão a relacionar com a cidade?; 3) estará a alma das cidades contemporâneas a ser vendida aos consumidores que mais pagam por ela?; 4) que impacto teráesse facto na sustentabilidade das cidades, a longo prazo? Qualquer tentativa de responder a uma destas questões deverá entrar em linha de conta com todas elas, tal é a sua correlação interna, por um lado e, tal é o domínio do consumo sobre as sociedades e sobre as cidades, por outro.
É reconhecido que o conjunto de mudanças atribuídas às sociedades de consumo pós-modernas vieram acrescentar à dimensão espacial novas componentes de índole valorativa e de significação social, que muito contribuíram para converter as cidades em sistemas de lugares fragmentados, conotados com determinadas vivências e relações de classe, com conteúdos proporcionadores de múltiplas experiências. Neste cenário, a cultura surge como um dos principais elementos de renovação e modernização das cidades (Zukin, 1995), quer por via da produção cultural seguindo uma lógica de mercadorização (Harvey, 1998), quer por via da promoção e projeção das cidades através da realização de grandes projetos ou eventos (Roberts e Sykes, 2000; Carrière e Demazière, 2002).
Com efeito, as estratégias de marketing apensas à mercadorização espacial não manipulam apenas as imagens concebidas para um consumo externo. Ao mesmo tempo que os residentes perdem algum protagonismo face aos visitantes por via de um turismo urbano em expansão, existe a preocupação de promover diferentes lugares da cidade à escala interna, exortando um conjunto de valores, traços de autenticidade e de diferenciação que visam atrair determinados grupos sociais. Consequentemente, muitos destes lugares resultam em fraturantes e segregadores face à diversidade de residentes, utilizadores e consumidores existentes na cidade. Contudo, e tal como afirma Miles (2010), os consumidores não são vítimas da sociedade de consumo mas sim cúmplices, sendo essa cumplicidade igualmente reveladora do tipo de relação que desenvolvem com a cidade, com as imagens que se vão criando sobre determinados lugares que a compõem e com os grupos sociais que os habitam.
Como tal, a massificação do consumo tornou-se num modo de nobilitação e de composição de identidades pessoais e sociais, em que o ser depende cada vez mais do ter para, em conjunto com o parecer, determinar a identidade de quem possui os bens (Santos, 2001). Entre estes bens está o espaço, também ele convertido em bem de consumo essencial na identificação social dos indivíduos, visto as relações com o espaço através dos modos de habitar serem parte integrante dos processos de constituição da consciência de classe (Louçã, Lopes e Costa, 2014), bem como de um posicionamento social e identitário.

2. O protagonismo das novas classes médias urbanas

Enquanto produto de um sistema capitalista, a cidade contemporânea tem sido produzida pelo mercado, para o mercado e com vista à obtenção de lucro (Lefebvre, 2012). Ainda na perspetiva lefebvriana, esta preponderância do valor económico em detrimento de valores sociais e humanos acentuou desigualdades sociais, retirou democraticidade no acesso àcidade, reduziu a diversidade social e fragmentou o espaço urbano de acordo com uma hierarquia de lugares categorizados, tanto em termos económicos como em termos sociais. Estes não deixam de ser alguns dos efeitos colaterais resultantes da conversão do espaço urbano em mercadoria. Uma mercadoria que, de certo modo, também contribuiu para o fracionamento das classes sociais, numa configuração que é já de capitalismo tardio (Gottdiener, 1993).
De um modo geral, as classes médias urbanas têm vindo a ser apresentadas na literatura dedicada às cidades (Zukin, 1995 e 2010; Atkinson e Bridge, 2005; Lees, 2000 e 2008; Thomas e Pattaroni, 2012; Cusin, 2012; entre outros) como alvos preferenciais de uma seletividade e dirigismo social dos mercados imobiliários e dos promotores privados, associando-se a elas uma certa ideia de revitalização do espaço e da vida urbana, tanto no centro das cidades, como noutras localizações mais periféricas mas igualmente valorizadas. As capacidades económicas que lhes são atribuídas – e que resultam quer das elevadas qualificações obtidas, quer do tipo de profissões desempenhadas – também potenciam comportamentos de consumo diversificados, regulares e até diferenciadores. A escolha e o consumo do espaço residencial é um dos bens mais significativos em termos de instrumentos privilegiados de diferenciação e identificação social das classes médias. Daí a sua ligação a processos de nobilitação e/ou gentrificação (Smith, 2002; Lees, 2003; Authier e Bidou-Zachaniasen, 2008; Rodrigues, 2010) em espaços revitalizados e revalorizados nos centros das cidades, como a novas produções urbanas concebidas em espaços mais periféricos geograficamente – como é o caso de frentes de água, antigas áreas industriais e portuárias –, mas não menos valorizados em termos sociais, económicos e simbólicos (Sieber, 1993 e 1999; Zukin, 1995).
Se o desejo de diversidade e diferenciação não deixa de ser inerente a qualquer ato de consumo, a multiplicidade de bens e respetivos custos existentes no mercado obriga não só a uma racionalização de tais desejos, como a refrear os mesmos em função de várias condicionantes, de entre as quais se destaca a disponibilidade económica para consumir. A compra de um espaço residencial é sempre um processo complexo em si e que envolve uma série de escolhas igualmente complexas. Contudo, as mesmas poderão ser relativamente facilitadas quando se conjugam capacidades económicas para consumir com produtos atrativos e que respondem a “modas” e desejos que, em cada época, marcam tendências entre os vários grupos sociais.
Enquanto os grupos economicamente mais poderosos têm liberdade de escolha, os mais carenciados veem-se bastante condicionados e limitados em termos de produtos disponíveis no mercado e respetivas localizações. No meio fica a classe média, um enorme grupo social de implantação maioritariamente urbana, cuja heterogeneidade – social, cultural e económica – preenche um campo bastante significativo em termos de consumo, designadamente no consumo de produtos imobiliários.
Continuar a tomar como base de referência uma estratificação social por classes afigura-se algo contraditório face à múltipla segmentação social que marca as sociedades contemporâneas e respetivos padrões de consumo. No entanto, a dimensão subjetiva contida em segmentações complementares – como os estilos de vida ou modos de vida – não tem tido reflexos notórios ao nível dos espaços urbanos e seu consumo, pelo que a designação classe média continua a ser recorrente, salvo a pequena variação para novas classes médias, que a multiplica em vários segmentos e a renova em permanência.
As novas classes médias urbanas estão no epicentro da competição social, uma vez que não gozam da segurança económica e social que tipifica os mais privilegiados, nem apresentam as mesmas restrições dos mais carenciados. Esta posição intermédia justifica não só um maior dinamismo social dentro de uma designação que não é consensual e não traduz a diversidade que a mesma encerra, como também a permanente necessidade de a atualizar ante as suas capacidades de interpretar e transformar os respetivos cenários de atuação.
De uma forma geral, as novas classes médias urbanas correspondem a grupos sociais mais escolarizados por via do processo de democratização do ensino, mas não necessariamente aos que detêm maior capacidade económica. Profissionalmente exercem um conjunto muito alargado de profissões, sobretudo ligadas à produção de bens e serviços simbólicos, partilham um modo de trabalhar que permite alguma inovação mas, acima de tudo, partilham uma cultura ou um modo de vida que constitui uma identidade distintiva face a outros fragmentos de classe (Lury, 1997). Entre elas podem-se reconhecer os gentrificadores (Smith, 1996), os bobos ou burgueses boémios (Brooks, 2000), artistas e criativos (Florida, 2005), entre outros.
Em Portugal, a expansão da classe média – e consequentemente, das novas classes médias urbanas – deu-se tardiamente mas de um modo relativamente rápido e de forma muito instável relativamente aos critérios que a definem, não se verificando unanimidade quanto à dimensão da classe média ou quanto à sua solidez objetiva (Estanque, 2012). A heterogénea classe média portuguesa é, na realidade, composta por grupos sociais com uma espacialização predominantemente urbana, profissionalmente muito diversos e mais escolarizados por via do processo de democratização do ensino, ocorrido já depois da revolução de 1974. A sua relativa consolidação está estreitamente vinculada ao projeto democrático pós-revolução e a alterações profundas na estrutura do emprego e dos perfis socioprofissionais3 de topo, designadamente (e por ordem de predominância) profissionais técnicos e de enquadramento (PTE), empresários, dirigentes e profissionais liberais (EDL) e trabalhadores independentes (TI).
Enquanto produto da escolarização, da democratização e da urbanização, as novas classes médias foram, simultaneamente, as maiores impulsionadoras desses mesmos processos e, consequentemente, de importantes transformações sociais. Por isso, é mais expressivo o seu papel em termos de movimentos e dinâmicas sociais do que propriamente enquanto classe, à qual tanto falta profundidade histórica como cultural. Talvez também por isso, as novas classes médias urbanas continuam a ser um grupo muito pouco estudado em Portugal – no âmbito das ciências sociais de uma forma geral e no âmbito dos consumos residenciais em particular – não obstante os processos de gentrificação a acontecer no centro histórico de Lisboa (Mendes, 2006 e 2013) e os de seletividade social a acontecer na frente de rio (Gato, 2014), por exemplo.

 

 

A seleção dos dois casos de estudo que se seguem pretende exemplificar lugares e modos de habitar seletivos e que traduzem a forma como os mesmos são produzidos e valorizados com vista a um consumo socialmente dirigido. Se o Príncipe Real parece apresentar indícios de uma certa nobilitação (Rodrigues, 2010) numa área histórica e central que, na verdade, nunca deixou de ser “burguesa”, o Parque das Nações é a frente de água que confirma um modo contemporâneo e seletivo de projetar cidade. Em termos de valor económico – ou de troca – está-se perante dois espaços onde a propriedade atinge preços bastante elevados, o que condiciona sobremaneira o tipo de residentes.
Como tal, e mesmo admitindo a presença de outros extratos sociais, estabelece-se uma equivalência predominante dos residentes destes espaços com as novas classes médias urbanas, verificando-se a importância das mesmas quer enquanto referencial identitário, quer enquanto valor social acrescentado ao valor do espaço residencial e respetivo consumo.

3. Príncipe Real

3.1. Breve caracterização

O espaço aqui definido como Príncipe Real corresponde a um recorte territorial definido com base num conjunto de subsecções estatísticas. A seleção das mesmas procurou obedecer a uma relativa uniformidade social e urbanística, à qual é atribuída uma designação de lugar, reconhecida e partilhada no coletivo de forma mais ou menos consensual. Assim, o Príncipe Real corresponde ao território delimitado a norte pela Rua da Escola Politécnica, a sul pela Rua Academia das Ciências, a nascente pelas Ruas da Imprensa Nacional e de São Bento, a poente pela Rua de O Século.

 

 

A designação deste lugar deriva do nome dado, em 1855, à enorme praça-jardim pela Rainha D. Maria II, em homenagem ao seu filho D. Pedro V, o Príncipe Real. Em torno desta praça-jardim construíram-se vários palacetes e casas apalaçadas de proprietários ricos, comerciantes bem-sucedidos, descendentes de nobres e governadores (Costa, 1959), bem como outros aristocratas e burgueses que se foram aproximando e fixando pelas ruas adjacentes àpraça.
Na atualidade, a memória da presença e passagem dessas elites pelo Príncipe Real permanece visível através de vários imóveis com valor histórico e patrimonial localizados à volta da praça-jardim. Os mais significativos4 (de um conjunto de 20) pertencem à empresa de promoção e gestão imobiliária norte-americana EastBanc, que elegeu o Príncipe Real como alvo para empreender um enorme e ambicioso plano de reabilitação e revitalização urbana. O objetivo é converter uma série de palacetes e outros imóveis distintivos em edifícios de habitação coletiva dirigida a estratos socioeconómico elevados, articulando esta seletividade habitacional com a seletividade comercial – de lojas, produtos e consumidores –já em curso.
Menos visíveis são, contudo, as características sociodemográficas da população presente neste recorte territorial. Dando uma panorâmica geral5, dos 3761 residentes 44% são homens e 56% são mulheres. Em termos de idades predomina a população adulta em idade ativa (56% com idades entre 25 e 64 anos), destacando-se a população idosa (26% com 65 e mais anos) sobre as crianças e jovens (18% entre os 0 e 24 anos). A percentagem de residentes com ensino superior é de 31%. Das 1912 famílias residentes, 76% correspondem a famílias com 1 ou 2 pessoas e 21% a famílias de 3 ou 4 pessoas. Dos 2918 alojamentos familiares existentes, 63% correspondem a residências habituais e 24% encontram-se vagos. Quanto ao regime de propriedade, 60% corresponde a alojamentos arrendados e 34% a alojamentos próprios.
A realidade dos números parece apresentar um Príncipe Real socialmente mais diversificado do que certas imagens construídas à volta da “nobreza” deste espaço e respetivos residentes. Mas apesar dos dados censitários não permitirem avançar com uma caracterização socioeconómica dos mesmos, são percetíveis algumas dinâmicas populacionais que confirmam dados resultantes da observação espacial e das entrevistas realizadas aos residentes. É o caso de uma relativa renovação populacional devido à presença de novos residentes em idade ativa, formando núcleos familiares restritos ou unipessoais, cujas qualificações de nível superior remetem para profissões e estilos de vida enquadráveis no cenário das novas classes médias urbanas.
O grupo de seis residentes entrevistados permite ilustrar esse enquadramento de uma forma mais objetiva. Com idades compreendidas entre os 35 e os 43 anos, os três homens e as três mulheres integram unidades familiares que vão da ausência de filhos (2), a um filho (2) e dois filhos (2) com idades inferiores a 6 anos e cujo tempo de residência no Príncipe Real varia entre os dois e os doze anos. Em termos de qualificações apenas um dos entrevistados não possui ensino superior, repartindo-se os restantes entre a licenciatura e o doutoramento. Quanto às profissões, existem dois arquitetos, um produtor artístico, um tradutor, um professor universitário e um professor do ensino secundário. Relativamente àsituação na profissão, metade trabalha por conta de outrem e a outra metade por conta própria, encaixando todos nas duas categorias de topo da estrutura definida pelo indicador socioprofissional de classe. Em termos de rendimentos mensais líquidos auferidos, os valores apontados variam entre os 2500€e os 3500€.
Numa autoclassificação social que se baseia sobretudo nos rendimentos disponíveis e respetivo estilo de vida, os entrevistados recorrem a uma representação de classe que se reparte entre aquilo que designam por “classe média”e “classe média-alta”, sendo de referir que o mesmo rendimento mensal de 2500€tanto justifica a inserção de L. na classe média, como a de J. na média-alta:

“Eu insiro-me na classe média. Ainda não sou pobre mas também não sou rica.” (L. tradutora, 43 anos) “Eu insiro-me na classe média-alta porque sinto que tenho uma vida muito folgada e não tenho qualquer dificuldade financeira. Isso tem muito a ver com questões familiares… com o facto de a minha família me meter numa boa situação financeira e que me permitiu comprar este apartamento sem empréstimo.” (J. professor, 43 anos)

Se está relativamente comprovada a tendência generalizada de os indivíduos sobrevalorizarem a sua posição social face àestrutura existente, as entrevistas permitiram verificar que o espaço residencial também funciona enquanto identificador e “categorizador” social, legitimando laços de pertença espaciais e identitários que, podendo ser condicionados por valores económicos, vão para além deles.

“Eu diria que pertenço àclasse média-alta porque acho que nós temos um padrão de vida acima da média. Vivemos em condições ótimas, numa zona ótima da cidade, muito apetecível e em que o preço médio por m2 é enorme e nós temos a possibilidade de estar aqui.” (P. arquiteta, 35 anos)

3.2. O valor de uma centralidade cosmopolita

Partindo da citação anterior, é sabido que o valor económico (ou de troca) do espaço urbano varia de acordo com vários fatores, de entre os quais se destaca a localização. Acontece que essa localização faz-se acompanhar de um determinado contexto histórico e patrimonial, de um capital humano e social, de uma vitalidade ou ambiência própria, ou, por outras palavras, de um sistema de valorizações sociais e de uso apoiado em fatores internos, de natureza qualitativa, mas não necessariamente incomensurável. Com efeito, todas estas condicionantes apresentadas pelo espaço urbano acabam por ter um impacto objetivo, quer no seu valor económico (de troca e utilização), quer na sua valorização simbólica por via de imagens promocionais, experiências de consumo, grupos sociais e estilos de vida, identidades e autenticidade nas formas de habitar, etc.
Como tal, e para os entrevistados, viver no Príncipe Real não estáao alcance de qualquer um e é encarado como uma espécie de “privilégio” de acesso condicionado, sendo que o custo elevado da habitação6 compensa claramente o facto de se estar num dos lugares mais centrais e prestigiados de Lisboa7, usufruindo de uma qualidade de vida única. Essa qualidade de vida decorre, essencialmente, da condição de centralidade oferecida pelo próprio território e das vantagens da mesma em termos de rotinas quotidianas8.
São também essas rotinas que, em boa parte, levam os entrevistados a identificar no Príncipe Real uma “vida de bairro”. Apesar das dificuldades em definir o conceito de ‘bairro'de forma exata, a sua ampla utilização remete para um espaço de investimento afetivo, onde se desenvolvem sociabilidades, relações de interconhecimento e também de controlo social (Rémy e Voyé, 1994). Ou seja, bairro é:

“Aquilo de ir à mesma pastelaria, ter um sapateiro, ter determinados serviços de bairro e que eu uso neste bairro e não noutros bairros. E conhecer a vizinhança. Abrir a porta da rua e fazer um percurso daqui ali e ver 4 caras conhecidas e com quem me cruzo frequentemente e com quem falo aquela conversa do ‘bom dia'.” (P. arquiteta, 35)

Como tal, é consensual que no Príncipe Real:

“Ainda há bairro As pessoas conhecem-se na rua e falam… e os velhotes ainda tomam conta dos miúdos. Se veem algum miúdo sozinho, sabem quem ele é e se veem alguém estranho a falar com ele, tomam conta. Ainda não éum sítio onde as pessoas não se conhecem e não se falam.” (L. tradutora, 43)

Entretanto, estas sociabilidades de bairro também permitem aos residentes reconhecer diferenças e semelhanças entre si e, consequentemente, posicionar-se em função dos grupos sociais observados. Significa isto que, não obstante os entrevistados caracterizarem a população residente do Príncipe Real como uma grande mistura social e de essa realidade até ser reconhecida como uma marca de autenticidade, os posicionamentos adotados confluem para uma representação social ancorada no espaço de residência e na seletividade dos grupos sociais que lhe conferem uma identidade própria.
De uma forma geral, os entrevistados posicionam-se em contraponto aos residentes “mais populares”e que se distinguem pela maneira como se vestem, falam e comportam no espaço público, ou seja:

“Eu sinto-me parte de uma metade deste bairro, pois este bairro tem claramente duas metades. Isto que eu estou a dizer ésentido por todas as pessoas do meu prédio. E elas dizem-me que todas as pessoas que conhecem aqui do bairro têm exatamente essa sensação. Ou seja, há claramente aqui duas camadas sobrepostas de pessoas neste bairro, que têm muito pouco contacto. Portanto, não existe uma integração entre estas duas partes.” (J. professor, 43)

Assim, quer os entrevistados quer os respetivos grupos sociais que lhes servem de suporte e referência no espaço de residência caracterizam-se como:

“Pessoas que têm trabalhos interessantes… existe um conjunto de figuras que são pessoas mais exóticas dentro da nossa sociedade, mas que têm uma voz e que têm uma presença e que têm uma coisa a dizer sobre o que vivem, onde vivem, o país, a política… têm um papel cultural importante e eu acho que aqui se encontra isso com mais facilidade do que, por exemplo, no sítio onde vivia antes… (aqui). Deve haver uma mistura de classes económicas. Mas o tipo de pessoas com quem nós convivemos e com quem a nossa filha convive são pessoas diferentes, pessoas engraçadas…” (P. arquiteta, 35)

Em suma, a par do cosmopolitismo que os entrevistados atribuem ao Príncipe Real (traduzido na diversidade de pessoas e nas experiências variadas que as mesmas já viveram), de uma certa cultura alternativa e de sofisticação (em boa parte atribuída à presença de uma população gay, cuja capacidade de consumo e gostos mais exigentes interferem no tipo de comércio local) e do ambiente de charme que resulta da urbanidade que mistura o tradicional com o contemporâneo, existe uma “classe cultural”9 a residir no Príncipe Real e que serve de referência identitária aos entrevistados. Como tal, entre eles existe não só a predisposição para pagar um valor acrescido pelo espaço de residência para ter acesso a essa “classe”e ao seu estilo de vida distintivo, como a consciência clara de que o Príncipe Real resulta mais valorizado economicamente devido à presença de pessoas como eles10 . Esta conclusão reflete bem a relação inextrincável entre as dimensões económicas e sociais em termos da produção e consumo do espaço e a forma como ela conduz a uma “pertença seletiva” (Watt, 2009 e 2010) que produz valores acrescidos na valorização do Príncipe Real.

4.Parque das Nações
4.1.Breve caracterização

O Parque das Nações éum território urbano muito recente e bastante periférico se comparado com a centralidade histórica e geográfica do Príncipe Real. Mas não deixa de ser a “nova centralidade” de uma Lisboa contemporânea e representativa de características urbanísticas que se dizem excecionais. Construído de raiz ao longo de cinco quilómetros de frente de rio11 em pouco mais de 10 anos, este novo pedaço de cidade resulta de um processo urbanístico muito particular proporcionado pela realização de um megaevento, a Exposição Mundial de Lisboa –Expo'98. Do somatório das marcas deixadas pelo evento, com a localização geográfica, as composições arquitetónicas, o desenho urbano e a qualidade dos espaços púbicos resulta um território com características únicas e socialmente dirigido a determinados estratos económicos, incluindo também as novas classes médias urbanas.
Atéfinais de 2012, o Parque das Nações encontrava-se dividido entre os concelhos de Lisboa e Loures, não obstante a empresa responsável pela sua construção e promoção imobiliária (Parque Expo S.A.) ter continuado a gerir todo o território. Atualmente, o Parque das Nações já se encontra totalmente integrado no concelho de Lisboa e numa nova freguesia com o mesmo nome, agregando territórios adjacentes à zona de intervenção da Expo'98. Esses novos territórios não foram considerados para este estudo, pelo que os dados apresentados reportam-se ao Parque das Nações na sua formação territorial original.

 

 

Assim e de acordo com os dados censitários de 2011 recolhidos à subsecção estatística, os 14000 residentes repartem-se em 50% de homens e 50% de mulheres. Em termos de idades predomina a população adulta em idade ativa (64% com idades entre 25 e 64 anos), destacando-se claramente a percentagem de crianças e jovens (30%) sobre a de população idosa (6% com 65 e mais anos). A percentagem de residentes com ensino superior éde 53%. Das 5552 famílias residentes, 53% corresponde a famílias com 1 ou 2 pessoas e 42% a famílias com 3 ou 4 pessoas. Dos 8181 alojamentos familiares existentes, 68% correspondem a residências habituais e 18% encontram-se vagos. Quanto ao regime de propriedade, 10% corresponde a alojamentos arrendados e 86% a alojamentos próprios.
Comparativamente ao Príncipe Real, o Parque das Nações representa não só um território mais extenso e densamente povoado, como a sua população residente é das mais jovens no contexto da cidade de Lisboa. Este facto está relacionado com uma consolidação urbana ainda muito recente e com o perfil dos residentes de primeira geração que láse encontram. Segundo a caracterização dos entrevistados, os residentes correspondem maioritariamente a “casais jovens com filhos, com idades entre os 30 e os 45 anos, com licenciaturas e bons empregos”. Com efeito, a percentagem de residentes com graus de ensino de nível superior não só é bastante expressiva, como indicia a grande homogeneidade social que caracteriza este território.

Os seis residentes entrevistados são um bom exemplo dessa homogeneidade. Com idades compreendidas entre os 30 e os 53 anos, os três homens e as três mulheres integram unidades familiares que vão da ausência de filhos (1), a um filho (1) e dois filhos (4) com idades superiores a 6 anos e cujo tempo de residência no Parque das Nações varia entre os sete e os doze anos. Em termos de qualificações todos os entrevistados possuem ensino superior (entre a licenciatura e o doutoramento) e profissionalmente existe um arquiteto, um engenheiro, um gestor, um consultor, um professor universitário e um professor do ensino secundário. Relativamente àsituação na profissão predominam os trabalhadores por conta de outrem, encaixando todos nas duas categorias de topo da estrutura definida pelo indicador socioprofissional de classe (PTE e EDL). Quanto aos rendimentos líquidos mensais do agregado, os valores variam entre os 2500€e os 4500€.
À semelhança do verificado no Príncipe Real, a autoclassificação social dos entrevistados do Parque das Nações também se reparte entre uma “classe média” (que pode apresentar rendimentos na ordem dos 4500€ mensais) e uma “classe média-alta” (com rendimentos na ordem dos 2500€). Mas não obstante algumas discrepâncias individuais face ao posicionamento e respetivos rendimentos, verifica-se entre os entrevistados a partilha de uma ideia mais ou menos coincidente sobre a forma como são classificados socialmente a partir do exterior, com repercussões óbvias a nível interno. A base dessa classificação é o seu espaço de residência, categorizado desde o início através de um marketing territorial e imobiliário assente numa perspetiva de filtragem social:

“Uma coisa éa forma como nos vemos e outra éa forma como nos veem a nós e, eu acho que nos veem como uma classe média-alta.” (V. gestor, 43) “A maior parte das pessoas que mora aqui são de uma classe média-alta.” (J. arquiteto, 46) “Sob o ponto de vista económico, os residentes têm de ser pessoas com um determinado nível económico… Tem de ser uma classe média-alta.” (S. professora, 53)

4.2.O valor de um espaço prestigiante

Em termos urbanístico, o espaço Parque das Nações corresponde a uma unidade territorial bastante homogénea e, também por isso, tão facilmente destrinçável dos territórios envolventes. Tanto esse facto como o perfil de residentes em presença contribuem para a formação de uma identidade coletiva interna e para um sentido de pertença espacial que se opõe claramente ao exterior. Neste caso, o exterior significa não só os territórios circundantes (com destaque para os de Loures, vistos como desprestigiantes) e a quantidade “desmesurada” de visitantes que deles provêm, como também o facto de esses visitantes contrastarem com o perfil socioeconómico e cultural traçado pelos residentes para se autoclassificarem12.
O prestígio que os residentes atribuem ao território onde vivem e, consequentemente, a si próprios leva-os a desenvolver algumas estratégias de evitamento face a “outros”que invadem o seu espaço e perturbam a qualidade de vida que o mesmo lhes proporciona. Neste contexto, no Parque das Nações é possível identificar não só a capacidade de satisfazer necessidades de promoção social de uma classe média que se sente em ascensão por via da sua pertença a um espaço de residência tão seletivo13, como também a existência de um “evitamento seletivo”14 dirigido àqueles que, não pertencendo ao Parque das Nações, constituem uma espécie de ameaça aos valores sociais e simbólicos que ele representa.
Se os residentes parecem formar um grupo identitário coeso e homogéneo perante o exterior, uma observação focada no espaço interno permite verificar a existência de várias demarcações sociais e identitárias. Antes de 2012, a pertença ao concelho de Lisboa ou ao concelho de Loures era uma questão de grande relevância para os residentes, sobretudo para os que residiam na zona norte, na parte que pertencia ao concelho de Loures15. Tendo em conta a desvalorização territorial e social aplicada a Loures, essa situação de pertença administrativa não só colidia com o prestígio social inerente ao facto de residirem no Parque das Nações, como contrariava o sentido de ascensão social por via da valorização do espaço de residência.
Com a integração de todo o Parque das Nações no concelho de Lisboa16, esta divisão de caráter administrativo-identitário deixou de se verificar. Entretanto, a pertença à zona norte ou à zona sul continua a remeter para a existência de identidades sociais diferenciadas e que tanto se prendem com os valores económicos atribuídos ao espaço e refletidos pelo mercado imobiliário, como em valores simbólicos associados à
proximidade a determinados equipamentos de prestígio, como é o caso da marina17. A localização da residência em frente ao rio éoutro elemento diferenciador àescala interna, funcionando a primeira linha de rio como uma espécie de marca social que, localizando uma “classe alta”18, acaba por situar e classificar as restantes.
Em suma, o caráter discricionário e seletivo intrínseco à conceção urbanística do Parque das Nações determinou o perfil socioeconómico dos residentes, refletindo-se as suas características relativamente homogéneas numa identidade social coletiva cuja base éo espaço residencial de pertença. Mas é no confronto com o exterior que esta identidade social coletiva ganha especial significado, surgindo como uma espécie de proteção dos valores excecionais de um espaço que, por si só, confere prestígio aos residentes, não obstante as várias demarcações sociais observadas àescala interna.

Conclusão

O espaço urbano e, mais especificamente os espaços urbanos residenciais, podem ser entendidos enquanto objetos-mercadoria de consumo, integrando igualmente os processos de significação social e de composição identitária dos residentes, podendo ser manipulados com vista a negociar diferenças, pertenças e valores. De entre um conjunto de valores, o económico ganha uma óbvia preponderância em termos de efeitos provocados num mercado imobiliário discricionário, que fraciona os consumidores e limita as suas escolhas. Contudo e no contexto destas escolhas, os valores sociais e simbólicos também se afiguram incontornáveis em termos de diferenciação e categorização social dos espaços residenciais, assistindo-se a uma espécie de estratificação espacial que remete para as classes sociais.
De acordo com uma estratificação social por classes, as novas classes médias urbanas continuam a ser apontadas como as principais impulsionadoras de importantes transformações sociais e respetivos impactos ao nível da produção e vivência urbana. Para isso muito contribui o seu papel enquanto intermediárias culturais e produtoras de códigos de significação, no âmbito de um paradigma social que ainda se diz de consumo. No entanto, quer a ampla heterogeneidade das novas classes médias, quer as múltiplas dinâmicas a que estão sujeitas por via da posição intermédia que ocupam, têm dificultado a sua objetificação em termos de estudos sociológicos.
A escolha do Príncipe Real e do Parque das Nações enquanto exemplos de espaços residenciais associados maioritariamente à classe média procura, de alguma forma, contribuir para esse objetivo, partindo das escolhas residenciais e respetivos processos de valorização espacial. É certo que as entrevistas realizadas junto de um pequeno grupo de residentes localizados nos dois casos de estudo apresentam um quadro social relativamente homogéneo e não permitem fazer generalizações. Mas através das mesmas é possível exemplificar como é que a rotulagem dos espaços urbanos concorre para as formas de seletividade social e composição identitária, com implicações diretas ao nível dos valores que lhe são atribuídos e, sobretudo, perceber que esses valores resultam de um processo relacional interativo entre pessoas e respetivos espaços.
Em ambos os espaços verifica-se que o valor económico é uma variável condicionadora e incontornável em termos da seletividade social existente e reconhecida pelos residentes. No entanto, esse valor económico não deixa também de refletir o peso das dimensões sociais, culturais e simbólicas inerentes a cada um dos espaços. No Príncipe Real éreconhecido que a presença de residentes com determinado perfil cultural e económico representa um valor acrescido no preço a pagar para ali residir e assim aceder à identidade cosmopolita que o diferencia no contexto da cidade de Lisboa. No Parque das Nações evoca-se sobretudo o prestígio e a excecionalidade do espaço construído para reclamar as pertenças identitárias face ao mesmo e, simultaneamente, reforçar as diferenças face ao exterior e àvariedade social que o caracteriza.
Apesar da existência de maior diversidade social no Príncipe Real, tanto as aspirações de aceder a um espaço seleto como o reconhecimento de estar “entre iguais” acabam por ser coincidentes com o verificado no Parque das Nações, não obstante os preços praticados pelo mercado imobiliário determinarem, em ambos os casos, uma diferenciação social espacializada à escala interna. Mas enquanto as composições identitárias e as estratégias de partilha espacial dos entrevistados do Príncipe Real sugerem alguns indícios condizentes com um processo de nobilitação, a seletividade social prévia do Parque das Nações não só motiva uma confrontação dos entrevistados com o exterior, como sustenta a partilha de uma identidade social interna.
Em suma, tanto a “cidade espetáculo”, que parece ter sido projetada no Parque das Nações, como a “cidade autêntica e com alma”, alegadamente sentida no Príncipe Real, poderão ser entendidas como exemplos de um processo de mercadorização, que fragmenta a cidade de Lisboa em diversos espaços seletivos e dirigidos a quem estiver disposto a pagar por eles para, entre outros aspetos, aceder aos valores sociais e simbólicos que os caracterizam.

 

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Artigo recebido a 1 de fevereiro de 2015. Artigo aprovado a 1 de agosto de 2015.

 

Notas

1 Em Portugal e de acordo com os dados censitários, a percentagem de alojamentos familiares clássicos ocupados pelos proprietários evoluiu de 65% em 1991 para 76% em 2001, decrescendo para 73% em 2011. No que diz respeito aos alojamentos arrendados, de 18% em 1991 passou-se a 20% em 2001, mantendo-se a mesma percentagem em 2011. Relativamente à cidade de Lisboa, a percentagem de alojamentos familiares clássicos ocupados pelos proprietários em 1991 era de 34%, passando a 48% em 2001 e a 52% em 2011. Quanto aos alojamentos arrendados, em 1991 era 31%, passando a 48% em 2001 e a 42% em 2011. A realidade dos números mostra que o regime de propriedade continua a refletir uma clara prevalência dos proprietários em detrimento dos arrendatários, apesar da recente inversão verificada à escala nacional e que não é alheia à conjuntura económica e financeira atual. À escala da cidade de Lisboa observa-se não só o aumento continuado na percentagem de proprietários, como o decréscimo de arrendatários, num cenário que parece passar à margem da conjuntura atual.

2 Para este artigo foram consideradas as 12 entrevistas realizadas até ao momento nestes dois casos de estudo, que fazem parte de um projeto comparativo que contempla mais dois espaços predominantemente residenciais em Lisboa e que ainda se encontra em desenvolvimento. Tanto a amplitude temática das entrevistas como a necessidade de realizar as mesmas na casa dos entrevistados (devido a um conjunto de questões que se prendem com o espaço e consumos domésticos) justificaram a opção de selecionar os entrevistados de acordo com o método de amostragem em “bola de neve” (Burgess, 1997), procurando diversificar os perfis tanto quanto possível. Mais à frente é apresentada a caracterização dos entrevistados. Refira-se ainda que este artigo apenas explora as questões relacionadas com o consumo e valorização do espaço residencial.

3 É tomado como referência o Indicador Socioprofissional de Classe (Almeida, Costa e Machado, 1988, 1994; Costa et al., 2000; Machado et al., 2003). Trata-se de uma variável derivada que complementa a utilização do indicador profissão com o indicador situação na profissão, integrando também informações sobre a condição perante o trabalho, qualificação profissional, posição hierárquica e setor de atividade. Na versão atual, este indicador contempla sete modalidades – Empresários, dirigentes e profissionais liberais (EDL); profissionais técnicos e de enquadramento (PTE); trabalhadores independentes (TI); agricultores independentes (AI); empregados executantes (EE); operários (O); assalariados agrícolas (AA).

4 Palacete Castilho, Palacete Anjos, Palacete Ribeiro da Cunha e Palácio Faria.

5Dados relativos aos Censos 2011, recolhidos e trabalhados àescala da subsecção estatística.

6 “Tenho a perceção que o Príncipe Real édas zonas mais caras de Lisboa. Se me pedissem para dizer qual éa zona mais cara de Lisboa, eu diria que éo Príncipe Real, sem saber de números” (L. professora, 40). “Da parte de quem vem morar para aqui existe a noção que vão pagar mais para estar aqui…As que vêm estão dispostas a pagar mais. É um acréscimo de preço para usufruir da envolvente social” (N. produtor artístico, 43).

7 “Sinto que estou no centro ou no meu centro de Lisboa. Há outros centros, outras pessoas terão outros centros, mas eu sinto que estou no meu centro de Lisboa” (J. professor, 43). “Aqui éum centro de charme…aqui e no Chiado éum centro de charme. Éisso que faz com que os preços sejam tão elevados, aliado ao facto de não se poder construir por mais lado nenhum, porque isto écidade antiga e estáconfinada”(V. arquiteto, 35).

8 “Tenho esta vantagem fantástica de que sópreciso de usar o carro para ir para o trabalho. De resto, não uso o carro, ou seja, os sítios para onde eu vou, onde eu vou jantar fora… faço isso sempre a pé. Nem preciso dos transportes públicos, vou a pé. Isso éum luxo…éde facto um privilégio” (J. professor, 43). “Eu aqui faço tudo a pé…levo as miúdas àescola a pé, vou para o metro a pé, vou ao Chiado a pé, vou às lojas a pé, vou aos jardins a pé…” (L. tradutora, 43). “Para mim, qualidade de vida éacordarmos numa casa muito confortável, que énossa e onde nós gostamos de tudo o que háaqui em casa. Não temos de andar em transportes públicos, a apanhar chuva e a ficar à espera dos transportes ou no trânsito. Largamos a miúda aqui na escola (em frente de casa) e vamos trabalhar (a pé) pelo caminho que queremos e ainda podemos passar pelo miradouro de S. Pedro de Alcântara e olhar para Lisboa a acordar” (P. arquiteta, 35).

9 “Aqui háimensos designers e arquitetos. Háartistas e pessoas ligadas àarte. Háuns atores de teatro e de cinema… sei que são atores mas não sei os nomes… hámuitos músicos também a morar aqui nesta zona… sim, são as classes intelectuais” (N. produtor artístico, 43).

10 “O tipo de pessoas que vive no Príncipe Real influencia nos preços. Quando eu estava a falar da localização, estava a falar do valor do bairro e éclaro que o valor do bairro inclui as pessoas, sem dúvida nenhuma” (J. professor, 43).

11 O Parque das Nações édelimitado a poente pela linha de caminho de ferro do Norte, a sul pela Avenida Marechal Gomes da Costa, a norte pela foz do rio Trancão e a nascente pelo rio Tejo.

12 “Aos fins de semana vem para aqui muita gente, sobretudo àtarde. Quando saio de bicicleta éao sábado ou domingo de manhã, porque de tarde hámuita gente” (S. professora, 53). “Eu distingo os residentes dos visitantes pela maneira de vestir, de falar e de estar…Basta uma expressão para se perceber se são pessoas que têm cultura ou não”(V. gestor, 43). “Os visitantes são um bocadinho o oposto (dos residentes)…Éessencialmente uma classe média que gosta de andar de bicicleta e passear ao ar livre (…). Aíos moradores talvez estejam num patamar social acima dos visitantes”(I. professora, 42).

13 “Agrada-me partilhar o espaço com o tipo de pessoas que aqui vive. É um espaço com estatuto social elevado e, na faculdade ou aqui em casa, dou-me com pessoas formadas e gosto também que os meus vizinhos sejam esse tipo de pessoas” (R. engenheiro, 30). “Esta éa nossa terceira casa e temos vindo a subir. A primeira era na Arroja (Loures) e, se calhar, na Arroja eu era classe média. Agora jáme considero um bocadinho mais”(I. professora, 42).

14 “Prejudicar talvez seja um termo um bocado forte, mas, por vezes, os visitantes acabam por condicionar a minha vivência” (A. consultora, 47). “Os visitantes perturbam-me às vezes (…) às vezes quero dar um passeio e, se calhar, hágente a mais… para ter mais calma vou quase ànoite”(R. engenheiro, 30).

15 “Nós não queremos ficar a pertencer ao concelho de Loures porque não temos rigorosamente nada a ver com aquilo e não éuma questão elitista porque gosto imenso de Moscavide” (S. professora, 53). “Existe de facto aquela questão de ‘ser de Lisboa'ou ‘ser de Loures'e para mim –tenho que ser honesto – faz um bocadinho de diferença e acaba por ser a questão do prestígio”(V. gestor, 43).

16 Lei nº56/2012, de 8 de novembro.

17 “Na zona da marina as casas são caríssimas e não compensa. Na zona norte édiferente, as casas são mais baratas e hámaior mistura social” (A. consultora, 47).

18 “Há realmente um extrato social que pertence a uma classe com um enorme poder económico. Certamente que étoda aquela zona em que as casas dão para o rio, são as mais caras” (S. professora, 53). “Na primeira linha de rio vive a classe alta. São claramente as pessoas que têm mais dinheiro, pois as casas são muito caras”(I. professora, 42). “Eu privilegio muito a questão da vista e aqui não tenho essa sorte…”(J. arquiteto, 46).

19 Maria Assunção Gato (A autora agradece aos referees todas as sugestões e comentários) . Investigadora de Pós-Doutoramento do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território (DINÂMIA'CET-IUL) (Lisboa, Portugal). Bolseira de pós-doutoramento da FCT, financiada por fundos nacionais do Ministério da Educação e Ciência. Endereço de correspondência: DINÂMIA'CET-IUL, Edifício ISCTE, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. E- mail: magoo@iscte.pt.

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