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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.28  Porto Dec. 2014

 

ARTIGOS

Da Geração à Rasca ao Que se Lixe a Troika. Portugal no novo ciclo internacional de protesto

From Geração à Rasca to Que se Lixe a Troika: Portugal in the new international cycle of protest

De la Geração à Rasca au Que se Lixe a Troika: Portugal dans le nouveau cycle international de protestation

De Geração à Rasca a Que Se Lixe a Troika. Portugal en el nuevo ciclo de protestas internacionales

José Soeiro1

Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra


 

RESUMO

Desde os finais de 2010, assistimos a uma nova vaga internacional de mobilizações que revela uma crise de legitimidade dos agentes políticos, um descontentamento generalizado com as respostas face à crise económica e uma contestação dos processos de precarização laboral. Em Portugal, esse ciclo de ação coletiva teve o seu acontecimento fundacional na manifestação da Geração à Rasca e a sua expressão mais recente nos protestos convocados pelo grupo Que se Lixe a Troika, a partir de 2011. Neste artigo, procuramos explicitar o pano de fundo destas mobilizações, identificar as suas principais características e avançar com uma série de hipóteses de interpretação do seu significado sociológico.

Palavras-chave: ciclo de ação coletiva; austeridade; movimentos sociais.


ABSTRACT

Since the end of 2010 we have witnessed a new wave of international protest that reveal a crisis of legitimacy of political agents, the widespread dissatisfaction with the responses to economic crisis and a challenge to the processes of labour precarisation. In Portugal, this cycle of collective action had its foundational event in the “Geração à Rasca” demonstration and its most recent expression in the protests called by the “ Que se Lixe a Troika”. In this article, we try to explain the background of these mobilizations, to identify their main features and present a number of hypotheses to interpret its sociological meaning.

Keywords: cycle of collective action; austerity; social movements.


RÉSUMÉ

Depuis la fin de l'année 2010 on assiste à une nouvelle vague internationale de protestations qui révèle une crise de légitimité des agents politiques, l'insatisfaction généralisée par rapport aux réponses face à la crise économique et une opposition au processus de précarisation du travail. Au Portugal, ce cycle d’action collective a eu son événement fondateur dans la manifestation de la “Geração à Rasca” et son expression la plus récente dans les mobilisations convoquées par le groupe “Que se Lixe a Troika”. Dans cet article, nous essayons d’expliquer l'arrière-plan de ces mobilisations, d'identifier leurs principales caractéristiques et de proposer un certain nombre d'hypothèses pour l'interprétation de sa signification sociologique.

Mots-clés: cycle d’action collective; austérité; mouvements sociaux.


RESUMEN

Desde finales del año 2010 asistimos a una nueva ola internacional de protestas que revela una crisis de legitimidad de los agentes políticos, la insatisfacción generalizada con las respuestas frente a la crisis económica y una contestación a los procesos de precarización del trabajo. En Portugal, este ciclo de acción colectiva tuvo su acto fundacional en la manifestación de la “Geração à Rasca” y su expresión más reciente en las protestas convocadas por el grupo “Que se Lixe a Troika”. En este artículo se intenta de explicitar el trasfondo de estas movilizaciones, de identificar sus principales características y se presenta una serie de hipótesis de interpretación de su significado sociológico.

Palabras clave: ciclo de acción colectiva; austeridad; movimientos sociales.


 

Introdução

As mobilizações sociais que têm eclodido desde 2011, de que são exemplo a Geração à Rasca ou o protesto Que se Lixe a Troika, evidenciaram que a cidadania potencialmente ativa vai muito para além das formas mais clássicas de organização de interesses nas sociedades contemporâneas – partidos, sindicatos, movimentos sociais, Organizações Não Governamentais. Estes acontecimentos contestatários parecem assumir um caráter fundacional, criando uma cultura e uma marca identitária próprias. Em função da comunicação em rede e da difusão na Internet, eles produziram um certo sentido de “comunidade imaginada global”, através do qual as experiências de diferentes países se contaminam e inspiram. Sendo certo que se tratam de fenómenos com motivações, características e modalidades de ação diversificadas, podemos encontrar elementos comuns: um discurso centrado na denúncia do sistema económico e na captura das instituições e agentes políticos pelo poder financeiro; a exigência de “mais” ou de uma “verdadeira” democracia; a juventude precarizada como catalisador de lutas sociais mais amplas; uma certa recusa da delegação e um ceticismo mais ou menos ressentido com a ação institucional; a produção de novas referências plásticas e estéticas; a ocupação transgressiva do espaço público; a valorização da diversidade de expressão nos protestos de rua; o uso intensivo das redes sociais; a importância da cultura audiovisual e das novas tecnologias de informação e comunicação; a busca de formas tendencialmente horizontais de organização (Hughes, 2011; Pinto, 2011; Taibo, 2011; Writers for the 99%, 2011; Pickerill e Krinsky, 2012)
Apesar de frequentemente celebrados como sendo uma absoluta novidade, por contraste com outras formas de protesto e de organização, um estudo mais cuidado destes fenómenos revela uma disposição para a articulação entre diferentes atores sociais e uma trajetória de polienvolvimento entre os protagonistas destes movimentos, que circulam entre velhas e novas militâncias e acumulam experiências em novas e velhas formas de organização. Neste ensaio, procuraremos discutir estes fenómenos de mobilização que têm tido lugar em Portugal, enquadrando-os no contexto da crise capitalista e de instalação das políticas de austeridade, bem como no ciclo internacional de protesto que se tem desenvolvido desde o final de 2010 e cujas diferentes expressões têm simultaneamente pontos de contacto e elementos de diferenciação.

1. Um novo ciclo internacional de protesto

Desde final de 2010 e início de 2011, temos vindo a assistir a um novo ciclo internacional de mobilizações. Com diferenças significativas nos contextos em que ocorrem, nas agendas e nas formas de ação, vários dos protestos que têm eclodido em diversos países partilham um conjunto de características e estão interligados entre si. Eles revelam, de modo diferenciado, uma crise de legitimidade dos agentes políticos, um descontentamento generalizado com as respostas face à crise económica e uma preocupação relativamente aos processos de precarização laboral que são hoje uma tendência forte à escala global, com uma expressão muito relevante entre a juventude da Europa do Sul e dos países árabes.
De formas diversas, a combinação de uma degradação das condições materiais de uma parte significativa da população, aliada à crise de legitimidade das instituições políticas responsáveis pela gestão da vida coletiva, é o pano de fundo desta vaga de mobilizações que teve a sua origem nos países árabes e o seu começo simbolicamente associado à imolação de um jovem tunisino em dezembro de 20102, mas que percorreu desde então diferentes países em várias partes do globo. A experiência da Tunísia e, de modo diferente, a experiência da Islândia e da sua wikiconstituição3, foram inspiradoras e tornaram-se referenciais para as mobilizações que se seguiram, porventura também porque, ao conseguirem uma mudança institucional concreta, mostraram que era possível vencer.
Num livro recente sobre os “movimentos sociais na era da Internet”, o sociólogo Manuel Castells tenta identificar os fatores da emergência da revolta na Tunísia, sugerindo três elementos essenciais: (1) a existência de um contingente de jovens qualificados e desempregados, capazes de liderarem a revolta dispensando as tradicionais estruturas de poder e representação; (2) a existência de uma cultura de ciberativismo muito forte, que permitiu criar um espaço público crítico do regime ditatorial e com autonomia relativamente à repressão do Estado; (3) uma taxa de difusão do acesso à Internet significativa, seja em postos domésticos, seja em cibercafés ou espaços educativos o que, combinado com a existência de setores juvenis com altas qualificações e sem emprego, fez da juventude um ator central da revolução (Castells 2012: 28-29).
No caso tunisino, a primeira das revoluções da Primavera Árabe, não é difícil aceitar a ideia segundo a qual a existência de uma “cultura de Internet” feita de blogs, redes sociais e ciberativismo, foi crucial na capacidade de derrubar uma ditadura que parecia imutável. Não porque esse processo de mobilização se tenha desenvolvido apenas no espaço virtual das redes, mas precisamente porque, ainda seguindo o argumento de Castells, “a ligação entre comunicação livre no Facebook, no YouTube e no twitter e a ocupação do espaço urbano criaram um espaço público híbrido de liberdade que foi uma característica fundamental da rebelião tunisina, prenunciando os movimentos que teriam lugar noutros países” (Castells 2012: 23). Os telemóveis e as redes sociais desempenharam um papel vital na difusão de imagens e de mensagens que foram importantes para a mobilização. Mas a rebelião explodiu através da passagem do ciberespaço para o espaço físico, fazendo com que aquelas ferramentas fossem um meio de expressão e comunicação da revolta contra o desemprego, a carestia, a desigualdade, a pobreza, a brutalidade policial, o autoritarismo, a censura e a corrupção. No mundo árabe, uma nova era de turbulência e sublevação revolucionária teve lugar e a aspiração democrática levou milhares de pessoas a tomar o destino nas suas mãos (Khosrokhavar, 2012).
A celebrada “Primavera Árabe” marcaria assim o início de um conjunto de mobilizações que começaram na Tunísia, e um pouco antes na Islândia, mas que depois tiveram expressão no Egito e na sua revolução, em Portugal com a Geração à Rasca e o que se seguiu, em Espanha com as Acampadas e os Indignados, na Grécia com o movimento das Praças, nos Estados Unidos com o movimento Occupy, entre outros. Estas mobilizações não parecem ser apenas uma sequência de acontecimentos, mas um conjunto de protestos em interligação e comunicação, onde os efeitos de contágio e de inspiração se revelam evidentes. Quando propôs a noção de ciclo de mobilização (cycle of protest ou cycle of collective action), Sidney Tarrow (1995) identificou cinco elementos que dariam corpo ao conceito: uma intensificação do conflito; a sua difusão geográfica; o desencadeamento de ações inorgânicas mas também de novas organizações; a emergência de novos símbolos, interpretações do mundo e ideologias; o alargamento, em cada ciclo de protesto, do repertório de ação disponível. Ora, parece ser razoável o entendimento de que vivenciamos um processo deste tipo. Em qualquer um dos casos – da Tunísia ao Egito, da Grécia aos Estados Unidos da América, passando por Portugal ou Espanha –, a ação coletiva intensificou-se, difundiu-se, apareceram novas modalidades de ação e novas organizações, com referências comuns a um nível global e dinâmicas de solidariedade que ocorrem à escala do Estado-Nação, mas se mantêm conectadas à escala internacional em tempo real pelo espaço da Internet. Desse ponto de vista, parece existir uma espécie de efeito de ciclo que agiu pelo contágio e onde as diferentes escalas geográficas – local, nacional, regional e global – se articularam. Na Tunísia, na praça do Governo para onde confluíram os manifestantes nos primeiros dias de 2011, havia palavras de ordem em árabe, inglês e francês, revelando uma certa disposição internacionalista do protesto, que parece não estar desligada da consciência da importância do apoio da comunidade internacional. Por sua vez, nas primeiras ocupações da praça Tahrir, na capital do Egito, gritava-se “Tunísia é a solução”. Nos Estados Unidos da América, a primeira convocatória online que daria origem ao movimento Occupy, que data de julho de 2011, incitava à ocupação de uma praça na baixa nova-iorquina, coração do capitalismo financeiro, perguntando “Are you ready for a Tahrir moment?”. Nas mobilizações europeias, a silenciada “revolução islandesa” servia como exemplo de resistência cidadã ao ataque do setor financeiro sobre os estados: “Menos Irlanda, mais Islândia”, podia ler-se em cartazes durante as mobilizações em Portugal. Em meados de fevereiro de 2012, em mais de uma dezena de países houve concentrações cuja palavra-de-ordem era “Somos todos gregos”.
2013 assistiu à continuação destes processos. No Egito, no verão deste ano, uma nova vaga de manifestações pôs em causa o regime autoritário apoiado pelas potências ocidentais, que foi a solução política que sucedeu aos protestos anteriores. Na Europa, as mobilizações continuam ao ritmo de novos pacotes de austeridade. Mas este ano viu também emergir mobilizações inéditas em países cujas condições económicas e políticas são bastante diferentes das que existiam quer nas ditaduras árabes quer nos estados europeus mergulhados na austeridade.
Em maio, na Turquia – país recorrentemente louvado, na Europa, pela sua “prosperidade económica” e pelo seu “islamismo moderado” –, o abate de centenas de árvores e a destruição de um jardim para construir um centro comercial no centro de Istambul motivou um ato de resistência que foi a faúlha que incendiou a revolta. Erguendo-se contra a comercialização do espaço público, ela rapidamente se transformou num amplo movimento contra o autoritarismo político e religioso, de oposição ao primeiro-ministro Erdogan e pela defesa da liberdade de expressão.
No verão de 2013, no Brasil, mobilizações de centenas de milhares de pessoas ocuparam as ruas das principais cidades. Iniciado pelo Movimento Passe Livre, que contestava o aumento do preço dos transportes públicos e reivindicava o direito à mobilidade no espaço urbano, o movimento foi o espaço de expressão de outras agendas relacionadas com a questão urbana – como a segregação espacial, a política dos mega- eventos (no caso, em particular, os Jogos Olímpicos), as lógicas de gentrificação – ou com a crítica da representação política. Tendo lugar num país em pleno crescimento económico, onde se assiste à expansão da classe média e onde, na última década, se ampliaram alguns direitos sociais, os protestos parecem ter acontecido de surpresa, pelo menos para os mais desatentos. Para Ruy Braga (2013), tratam-se de revoltas de quem está empregado, mas não vê associadas a esse trabalho perspetivas para o futuro, em resultado dos baixos salários, das precárias condições de vida nas periferias da cidade, da perseguição policial às famílias trabalhadoras, o que faz com que, como afirmou na apresentação do livro4, uma “vitória individual” da conquista de um emprego formal se transforme num “alarmante estado de frustração social”. Com uma forte presença dos jovens, as denominadas “jornadas de junho” brasileiras têm em comum com os outros acontecimentos a que nos vimos referindo não só esse protagonismo mas também a centralidade da ação direta e da ocupação do espaço público (Harvey et al., 2013), bem como terem-se feito à margem das estruturas tradicionais. Mas os significados destes protestos, que abalaram o aparente clima de prosperidade e paz social naquele país, estão obviamente ainda em disputa, não apenas no campo sociológico mas no próprio campo dos agentes que os protagonizaram5.
Em qualquer um destes exemplos, a ação coletiva não nasceu espontaneamente do agudizar das dificuldades e do agravamento das condições de vida, mas precisou de aproveitar momentos e oportunidades políticas, implicou uma mobilização emocional capaz de transformar o desespero em raiva e a revolta em entusiasmo e espaços de comunhão e de reconhecimento coletivo. O “espaço público híbrido” (Castells, 2012) constituído neste ciclo de protesto, formado da articulação entre a ação nas redes sociais online e a ocupação do espaço público físico das cidades, deu origem a novas escalas de ação, a novas formas de mobilização e organização, marcadas pela cultura da rede, pela comunicação horizontal, por mecanismos colaborativos de trabalho, pela tentativa de evitar lideranças, pela mistura e combinação de referências internacionais. Para Slavoj Zizek, estes diferentes movimentos têm a uni-los uma oposição a diferentes aspetos e configurações do capitalismo global, que expande o reino do mercado através da mercantilização do espaço público e dos serviços sociais (saúde, educação...) e que se apoia em formas de poder político autoritário. Na sua opinião, todos estes protestos lidam com pelo menos duas questões: “uma económica, de maior ou menor radicalidade (de temáticas que variam de corrupção e ineficiência até outras francamente anticapitalistas), e outra político-ideológica (que inclui desde reivindicações pela democracia até exigências para a superação da democracia multipartidária usual)” (Zizek, 2013). Será que estes elementos comuns nos permitem falar de um novo tipo de ação coletiva?

2. Portugal: precarização, sociedade da austeridade e desafeição pelas instituições políticas

Em Portugal, este ciclo teve o seu momento fundacional com a manifestação do 12 de março de 2011. Organizada a partir de um apelo inicial no espaço dos fluxos da Internet, foi o primeiro protesto convocado fora de qualquer estrutura tradicional que encheu as ruas de várias cidades do país, tendo tido a adesão de cerca de meio milhão de pessoas. A identificação de uma condição comum associada à precariedade entre os jovens – a denominada Geração à Rasca – produziu um sentimento de união e de reconhecimento que ultrapassou o ciberespaço e se materializou na ocupação do espaço público urbano. Essa manifestação foi intergeracional na sua composição e muito diversa no tipo de reivindicações que ali se exprimiram, com as questões do trabalho e do emprego a terem predominância, mas onde o descontentamento face ao Governo, aos agentes políticos em geral e à corrupção tiveram também um peso relevante6.
No contexto internacional, o caso português tem especificidades relacionadas com a condição semiperiférica do país, com os ritmos próprios do seu processo político, da sua história e da sua estrutura institucional. Há todavia um conjunto de características que aproximam a manifestação do 12 de março de outros fenómenos que compõem este ciclo de ação coletiva, designadamente a informalidade, a procura de horizontalidade, a presença de lógicas de contaminação e fluxos transnacionais, o protagonismo da juventude qualificada e precária ou desempregada, a utilização intensiva das redes sociais, a criação desse “espaço público híbrido” que combina online e offline, bem como uma certa fluidez programática e um desejo de experimentação democrática.
Este ciclo de protesto iniciado em Portugal a 12 de março de 2011 tem tido uma sequência feita de altos e baixos, mas é possível e útil identificar algumas das datas mais marcantes. Por ordem cronológica, o 15 de outubro de 2011 (Dia de Ação Global), a greve geral de 24 de novembro de 2011 (organizada conjuntamente pela CGTP e pela UGT), a Primavera Global de 12 de maio de 2012, o 15 de setembro de 2012 (Que se Lixe a Troika), o 13 de outubro de 2012 (manifestações culturais do Que se Lixe a Troika) e a greve geral com dimensão europeia de 14 de novembro de 2012 (que aconteceu em Portugal, Grécia, Espanha, Malta e Chipre). Trata-se de uma dinâmica marcada por diferentes lógicas e acontecimentos, cuja importância para cada mobilização é diversa e cuja temporalidade nem sempre é coincidente. Todavia, e numa tentativa de sistematização, poderíamos caracterizar o pano de fundo no qual irrompe esta onda de ação coletiva a partir de três grandes tendências: (1) a precarização do trabalho e a instalação em força do desemprego de massa, nomeadamente entre os mais jovens; (2) a crise económica e a estratégia austeritária; (3) a des-democratização da democracia e a desafeição relativamente à representação política e institucional.
Comecemos pelo primeiro. Desde há mais de uma década, o desemprego estrutural e a precariedade vêm-se instalando como um regime permanente e como a tendência dominante de evolução do capitalismo (Castel, 2009). O processo de precarização é uma das tendências mais fortes da “grande transformação” (para retomar a expressão celebrizada por Karl Polanyi) que está em curso no regime do capitalismo, que afeta as suas formas de produção, de troca e o seu modo de regulação. Na última década, em Portugal, ele acentuou-se e ganhou novos contornos. O desemprego era, no início deste ciclo de protesto, superior a 14%. No quarto trimestre de 2012, atingia já 16,9%, ou seja, cerca de um milhão de pessoas, e entre os jovens (15 a 24 anos) era de 40% (INE, 2013). No nosso país, a percentagem de trabalho precário é próxima dos 30% do volume global de emprego. De acordo com fontes oficiais, em 2010 havia 37,6% de trabalhadores na faixa etária dos 15-34 anos com contratos a prazo e, se considerarmos o grupo etário de 15-24, esta percentagem passa para perto de 50% (Carmo, 2010; Estanque, Costa e Soeiro, 2013). O trabalho temporário foi o que mais cresceu neste período, com maior expressão nos trabalhos desqualificados no setor dos serviços e do comércio. De acordo com os dados do IEFP (2011), abrangia 280 mil trabalhadores em 2010, mas é provável que chegue hoje, na realidade, a quase meio milhão pessoas e a tendência é que este enquadramento se vá expandindo, dado que tem sido a única modalidade de emprego a aumentar em termos absolutos em contexto de crise. Entre os jovens, a pluriatividade e o trabalho informal ou clandestino são um fenómeno de larga escala (Guerreiro e Abrantes, 2007; Alves, Cantante, Baptista e Carmo, 2011), multiplicando-se os famosos “ganchos” e “biscates” (Pais, 2001).

Por outro lado, o peso da economia informal e subterrânea e a persistência de traços característicos dos regimes pré-fordistas de organização do trabalho não são em Portugal um mero resquício do passado, mas um fator estrutural e estruturante das relações económicas e sociais, justamente responsáveis por uma parte não negligenciável das situações de subemprego e de emprego desprotegido e sem fatores de satisfação e reconhecimento ao nível do seu conteúdo (Pinto, 2005). Esta desregulação de facto cria também verdadeiras zonas francas do direito laboral e é uma das “patologias da democracia laboral” em Portugal (Ferreira, 2009).
A massificação da precariedade tem consequências relevantes em termos de modo de vida, nomeadamente para a juventude, particularmente exposta ao fenómeno. Ela significa, entre outros processos, (1) uma maior vulnerabilidade a processos de exclusão persistentes, (2) o alongamento, a deslinearização e a complexificação das transições juvenis, (3) a generalização de estados de stand-by em termos de projetos de vida, (4) a dificuldade de emancipação e ausência de autonomia habitacional (com o prolongamento – e mesmo o regresso – a casa dos pais), (5) o desfasamento entre as expectativas de mobilidade social associadas a maiores níveis de qualificação e a estrutura objetiva de oportunidades do mercado de trabalho, (6) a sobre-exposição ao subemprego e à ausência de acesso a proteção social, (7) a emigração forçada, (8) o esgotamento emocional resultante da permanente imprevisibilidade do futuro (Alves, Cantante, Baptista e Carmo, 2011; Soeiro, 2012; Nico, 2012).
Para além da precarização, a segunda grande característica deste tempo é a crise financeira, rapidamente transubstanciada em crise das dívidas soberanas em resultado da recapitalização, pelo Estado, do setor financeiro, cujo efeito foi transferir para os cidadãos os custos dessa recuperação (Reis e Rodrigues, 2011). Estas orientações fazem parte de uma estratégia de austeridade, que corresponde a uma espécie de “política de requisição civil”, segundo a qual as soluções para a crise se encontram “através dos indivíduos e das suas privações subjetivas e objetivas” (Ferreira, 2011: 119). Assim, como defende Casimiro Ferreira (2011) a “sociedade da austeridade” opera através da combinação de atores eleitos e não eleitos (no caso português, o Governo e a Troika), recorrendo a um direito de exceção e a uma forma de governação orientada por um processo de legitimação baseado no medo. Os seus efeitos políticos são o desmantelamento do Estado Social, pela tripla via da privatização dos bens públicos, da individualização dos riscos sociais e da mercadorização da vida social. Na sociedade da austeridade, “à fórmula conhecida de contenção das despesas do Estado, privatização do setor público, aumento dos impostos, diminuição dos salários e liberalização do direito do trabalho corresponde uma lógica sociológica de naturalização das desigualdades” (Ferreira, 2011: 120). Deste modo, é invocado um “Estado de Emergência Social” cuja retórica assenta no clamor pelos sacrifícios em nome do bem comum, resultando contudo evidente que são precisamente as classes subalternas e os escalões mais pobres aqueles que têm sido os sacrificados neste processo de transferência massiva de rendimentos do trabalho para o capital. Os resultados económicos das políticas de austeridade são, por isso, a compressão forte da procura e do poder de compra, a recessão, a descida de salários, o acréscimo de assimetrias na relação laboral, a redução da capacidade produtiva e o aumento das desigualdades (Reis, 2012: 33-34).
A esta dinâmica de austeridade soma-se uma outra, aliás reforçada pela instalação deste “estado de exceção”: a desafeição e um distanciamento relativamente à representação política e às suas instituições. Em Portugal, um recente estudo sobre a qualidade da democracia revelava que 78% dos cidadãos inquiridos estavam de acordo ou muito de acordo com a ideia segundo a qual “os políticos preocupam-se apenas com os seus próprios interesses” e “as decisões políticas no nosso país favorecem sobretudo os grandes interesses económicos”, sendo evidente a desconfiança face aos partidos políticos pela cartelização do Estado e aparecendo os movimentos sociais de protesto acima destes enquanto capazes de dar voz às preocupações populares (Pinto, Magalhães, Sousa e Goburnova, 2012: 35). Ao mesmo tempo, as expectativas em relação ao Estado e à democracia enquanto sistema de redistribuição de bens são muito altas, o que reforça as frustrações face à incapacidade das políticas públicas responderem aos principais problemas identificados nesse mesmo inquérito, a saber, o desemprego (37%), a pobreza e a exclusão (16%), a dívida do Estado (13%) e o crescimento económico (11%) (Pinto, Magalhães, Sousa e Goburnova, 2012: 29). No contexto europeu – e tivemos os exemplos eloquentes da Grécia e da Itália – não apenas fica a sensação de impotência ou da complacência dos poderes eleitos em relação às lógicas dos mercados financeiros, mas foi possível assistir a uma espécie de “golpes de estado pós-modernos” através dos quais, no período imediatamente posterior à eclosão da crise, a sua gestão passou por uma estratégia “pós-democrática” que operou através da nomeação ou imposição de governos tecnocráticos não eleitos (Sevilla, Fernandes e Urbán, 2012).
O exemplo português é pois interessante para refletir sobre as condições da ação coletiva em sociedades marcadas, do ponto de vista económico, pela recessão e por um processo galopante de precarização, do ponto de vista político pela fragilização da democracia face às agendas das instituições internacionais e dos mercados financeiros e do ponto de vista social por lógicas fortes de individuação.

3. Do 12 de março à greve geral europeia: retomando a cronologia dos acontecimentos

Algumas perspetivas sociológicas mais estruturalistas tendem a desvalorizar as abordagens centradas no “acontecimento” ou na exploração de episódios concretos, como se estas estivessem mais próximas da arte do que da ciência. Ora, como defende Luc Boltanski num artigo recente acerca das teorias da revolta, a reabilitação do acontecimento e do episódico é uma tarefa importante para as ciências sociais (Boltanski, 2012: 108). Com efeito, o momento em que se desencadeia uma revolta é sempre do domínio do imprevisível, é sempre uma singularidade. Os acontecimentos catalisadores das mobilizações podem ser tão diversos quanto a representação de uma música (no caso português ou no caso islandês), um ato desesperado (a autoimolação no caso tunisino) ou a indignação face à violência da repressão policial (como aconteceu em junho de 2010 no Egito, ou um ano e meio antes, na Grécia, com o assassinato do jovem Alexis Grigoropoulos). Por isso, os fenómenos de protesto e os seus ciclos devem ser apreendidos levando em linha de conta quer os contextos históricos e as tendências de longa duração que ajudam a explicá-los (no caso, por exemplo, as transformações no trabalho, a imposição da austeridade e o esvaziamento da democracia), quer a densidade dos episódios concretos que, como diria Walter Benjamin, “fazem explodir a continuidade da história”, introduzindo o acontecimento de forma disruptiva no “tempo homogéneo e vazio” dos relógios (Benjamin, 2012:139).
Em Portugal, mais do que movimentos sociais – que implicariam a existência de um adversário claramente identificado, de um objetivo comum, de formas de mobilização de recursos capazes de sustentar uma luta prolongada e de modos de organização com alguma continuidade – este ciclo de ação coletiva tem sido marcado sobretudo por grandes manifestações e acontecimentos contestatários. Vale por isso a pena tentar enumerá-los brevemente, tentando identificar a estrutura de oportunidades políticas que os explica e procurando reconstituir as ligações entre essas mobilizações e o ciclo internacional nas quais parecem integrar-se, quer do ponto de vista das suas referências quer relativamente ao seu repertório de ação.
O 12 de março correspondeu a uma gigantesca manifestação onde convergiram a juventude atingida pela precarização, as gerações mais velhas também precárias ou solidárias, organizações sociais (feministas, LGBT, entre outros), setores organizados da esquerda anticapitalista (como o Bloco de Esquerda), alguns setores da direita (como a JSD), e onde marcaram também presença, por exemplo, o líder à época da maior central sindical portuguesa (CGTP), Carvalho da Silva, e até alguns elementos de extrema-direita. Essa amplitude na rua não significa que a convocatória do protesto não tivesse contornos definidos ou que os seus organizadores – os quatro jovens que criaram o evento no Facebook – não tenham insistido nessas características, a saber: uma manifestação democrática, “laica, apartidária e pacífica”, centrada em torno da exigência de maior transparência e de respostas contra o desemprego e a precariedade da juventude, rejeitando apropriações, combatendo o discurso antissindical ou a narrativa liberal da “guerra de gerações”. O 12 de março teve a capacidade de marcar a agenda política e determinar os temas do debate público, sobretudo em torno das questões da precariedade. Contudo, vale a pena discutir a sua eficácia na marcação dos termos desse debate. A fluidez programática foi frequentemente considerada simultaneamente a sua força e a sua fraqueza, na medida em que as consequências imediatas destas mobilizações ficam dependentes do modo como reagem os agentes institucionais e como se redefinem as relações de força no campo político.
A 15 de maio de 2011, mais de 100 mil pessoas responderam ao apelo da Democracia Real Ya!, um pouco por todo o estado espanhol, com manifestações expressivas em Barcelona, Madrid ou Sevilha. Na sequência destas manifestações de 2011, cerca de 200 pessoas decidem acampar na Puerta del Sol, dando origem às Acampadas, que se estenderiam depois a várias cidades espanholas (Granada, Barcelona, Sevilha, Bilbao, Compostela, entre outras). Em Portugal, houve uma tentativa de replicar este fenómeno, mas as acampadas não tiveram uma expressão forte como no Estado vizinho. A acampada do Rossio, em Lisboa, começou no dia 20 de maio e contou, nessa noite, com 37 pessoas que dormiram na praça. Durou 12 dias, mas nunca atingiu uma dimensão próxima da que teve em Espanha, e os grupos que se assumem da sua continuidade (como os Indignados Lisboa) têm uma dimensão muito reduzida do ponto de vista numérico. Em 10 de julho, elementos das acampadas promoveram uma reunião internacional em Lisboa que juntou 130 ativistas e cujo principal resultado prático foi a convocação da jornada de 15 de outubro.

A 15 de outubro teve lugar uma “manifestação internacional pela mudança global”, também chamada Global Day of Action. A data coincidia, propositadamente, com os cinco meses da primeira acampada em Espanha. O protesto teve lugar em 951 cidades em 82 países do mundo. Na Europa, as maiores manifestações foram em Espanha, Portugal e Itália. Em Madrid, estiveram cerca de 500 mil pessoas segundo os organizadores, em Barcelona 250 mil, em Sevilha 50 mil, em Bilbao mais de 10 mil. Em Portugal, o 15 de outubro beneficiou não apenas da sua dimensão de convocatória internacional, mas ainda de outros dois fatores. Por um lado, o anúncio feito pelo primeiro ministro, nas vésperas da manifestação, de um novo programa de austeridade que implicava o corte do subsídio de férias e de natal (isto é, na prática, de dois salários). Por outro, a visibilidade e o novo fôlego trazido pelo movimento Occupy Wall Street, que tivera início em meados de setembro no coração do bairro financeiro de Nova Iorque, um dos centros nevrálgicos do sistema capitalista global, e que adotou essa data como sua também. Em relação ao 12 de março, destacam-se duas diferenças importantes. Por um lado, uma convocatória mais definida politicamente. Por outro, a presença forte de setores politicamente organizados, sendo o manifesto assinado não por alguns indivíduos mas sim por 41 associações ou coletivos, sobretudo ligados às organizações que protagonizam uma parte importante dos movimentos sociais existentes no país (GAIA, Umar, Panteras Rosa, SOS Racismo, Zeitgeist, Opus Gay, Pagan, Associação José Afonso, entre outras) e organizações ligadas à esquerda radical (nomeadamente à esquerda extraparlamentar). A manifestação teve lugar em várias cidades, entre as quais Angra do Heroísmo, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Ponta Delgada e Santarém e Porto. Em Lisboa a organização apontou para 100 mil o número de pessoas que desfilaram pelas ruas.
A 24 de novembro ocorreu a greve geral convocada pelas duas centrais sindicais, CGTP e UGT (a sétima greve geral desde 1974 e a terceira convocada em conjunto por ambas as centrais). As principais razões invocadas prendiam-se com as medidas de austeridade contidas na proposta de Orçamento de Estado anunciada pelo Governo em meados de outubro de 2011, em particular os cortes de salário, a eliminação de feriados e o aumento do horário de trabalho (através, por exemplo, do aumento de meia hora por dia de trabalho). Com uma adesão significativa, sobretudo no setor dos transportes e nos serviços públicos, a greve foi considerada pelos porta-vozes sindicais como “a maior Greve Geral de sempre”, com os trabalhadores a demonstrarem “a sua indignação e o seu protesto pelo brutal ataque que o governo e agentes estrangeiros estão a fazer aos seus direitos, à democracia e à liberdade” 7. Um dado relevante foi o facto de a greve ter contado com o apoio explícito e a mobilização de alguns dos movimentos envolvidos na convocatória do 15 de outubro. Nesse dia, houve pela primeira vez uma manifestação convocada pelas organizações sindicais. Essa decisão inédita, que permitiu que a greve tivesse uma expressão de rua, não é estranha à pressão dos próprios movimentos e à sua insistência na ocupação do espaço público. A convergência, ainda que não isenta de tensões, do movimento sindical e de outros protagonismos sociais, como estudantes e movimentos de trabalhadores precários, que se juntaram frente à Assembleia da República, foi o testemunho de uma aliança concreta entre os chamados “velhos” e “novíssimos” movimentos, contrariando a ideia de uma absoluta concorrência ou incomunicação.
A 12 de maio de 2012 teve lugar a Primavera Global, um protesto “Pela Democracia Global e pela Justiça Social”. Juntando alguns dos protagonistas das anteriores mobilizações, e em face de divergências internas e de um certo esvaziamento da plataforma 15 de outubro, criou-se uma nova plataforma para convocar este protesto, que aconteceu em Braga, Coimbra, Évora, Faro, Porto, Santarém e Lisboa. Com uma adesão muito mais modesta, em termos quantitativos, que os protestos anteriores, esta data coincidiu com o aniversário do movimento das praças em Espanha.
15 de setembro de 2012 é a data de um novo protesto. Um grupo de 29 cidadãos lançou uma convocatória nas redes sociais para uma manifestação nesse dia sob o lema Que se lixe a Troika! Queremos as nossas vidas de volta!. No manifesto da iniciativa podia ler-se um diagnóstico muito crítico sobre as escolhas políticas recentes: “depois de mais um ano de austeridade sob intervenção externa, as nossas perspetivas, as perspetivas da maioria das pessoas que vivem em Portugal, são cada vez piores” porque “ a austeridade que nos impõem e que nos destrói a dignidade e a vida não funciona e destrói a democracia”. O apelo à insubmissão cidadã – “se nos querem vergar e forçar a aceitar o desemprego, a precariedade e a desigualdade como modo de vida, responderemos com a força da democracia, da liberdade, da mobilização e da luta” – acabou por ter eco e materializar-se em mais de 30 manifestações que terão juntado cerca de um milhão de pessoas em várias cidades portuguesas.
Esta data foi aquela que teve uma participação mais massiva desde o início deste ciclo de protesto iniciado em 2011, quer em termos de extensão territorial quer de adesão, ultrapassando, segundo vários analistas, as manifestações ocorridas no 1.º de maio de 1974. Uma das razões que explica o sucesso da mobilização prende-se com o anúncio, pelo Governo, de alterações à Taxa Social Única, reduzindo as contribuições patronais para a segurança social, aumentando a proporção das contribuições dos trabalhadores e tendo associado um aumento do IVA. Esta medida gerou uma onda de indignação muito expressiva, merecendo a oposição de setores que tradicionalmente se opunham à estratégia e ao programa político do Governo (centrais sindicais, partidos da oposição), mas também de outro tipo de atores sociais, como os representantes dos comerciantes (por exemplo, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal), alguns grandes empresários e várias figuras destacadas do bloco social que apoia o Governo das Direitas, entre as quais dirigentes e ex-dirigentes do PSD e do CDS. Na sequência desta manifestação e de um aparente esboroamento do apoio social do Executivo, é convocado um Conselho de Estado, de onde saem indicações, por parte do Governo, de uma disponibilidade para estudar alternativas à medida, nomeadamente sob a forma de aumento de impostos.
Na sequência do sucesso desta mobilização, o grupo Que se Lixe a Troika convocou para 13 de outubro novos protestos, desta vez sob a forma de “manifestações culturais”, que acabariam por ocorrer em 23 cidades (nomeadamente Porto, Coimbra, Braga, Aveiro, Viseu, Faro, Viana do Castelo, Beja, Portimão e Lisboa), contando com a adesão de figuras muito significativas do mundo das artes do espetáculo e do audiovisual. No manifesto, lido no próprio dia pelos organizadores, afirmava-se “No dia 15 de setembro, rompemos o silêncio e enfrentámos o medo. O Governo tremeu. O povo derrotou a política da Troika e a TSU, mas ainda não vencemos a guerra” e lançava-se um apelo à participação “em todas as formas de resistência e pressão que nos próximos 15 dias vão tomar forma, até derrubarmos este orçamento, esta política e este governo”. A escolha do dia teve também uma simbologia no quadro das referências transnacionais do protesto, dado que, nesse mesmo dia, em centenas de cidades do mundo, teve lugar o Ruído Global (Global Noise) contra as políticas de austeridade.
A primeira greve geral com dimensão europeia aconteceu a 14 de novembro de 2012. Organizada pela Confederação Europeia dos Sindicatos sob o lema «Pelo emprego e a solidariedade na Europa, não à austeridade», mobilizou cerca de 40 organizações sindicais, através da paralisação em Portugal, Grécia, Espanha, Malta e Chipre e de protestos e manifestações importantes em vários outros países como França ou Bélgica. Em Portugal, juntaram-se aos sindicatos no apelo à mobilização organizações e movimentos como os Precários Inflexíveis, os Intermitentes do Espetáculo, os Estudantes pela Greve, a Plataforma 15 de outubro, os estivadores, os Cidadãos pela Dignidade ou o Movimento 12 de março. A greve ficou marcada pela intervenção policial realizada frente ao Parlamento, com a detenção de centenas de manifestantes em condições de legalidade duvidosa, no que foi considerado pelos movimentos como “uma operação política e policial”, que pretendeu por “em causa o direito de manifestação, criminalizar a contestação social e fazer esquecer as medidas de austeridade imposta”8.

4. Hipóteses prévias de interpretação sociológica sobre o atual ciclo de ação coletiva em Portugal

A mera descrição deste conjunto de acontecimentos e de experiências de mobilização seria insuficiente para construir uma interpretação sobre o seu significado sociológico no quadro do ciclo de ação coletiva a que nos vimos referindo. Assim, pretendemos de seguida, a partir deles, identificar algumas características e enunciar de modo provisório e aproximativo alguns debates, procurando salientar os elementos latentes, as emergências, as potencialidades e as tendências que estas mobilizações parecem revelar.

1. Naquele que acabou por tornar-se o paradigma dominante de interpretação dos novos movimentos sociais (Touraine, 1978; Melucci, 1980), vingou a ideia segundo a qual os valores pós-materialistas e as questões identitárias estariam, desde as décadas de 1960 e 1970, no centro das novas formas de mobilização social. Na análise da ação coletiva da juventude, essa centralidade das questões pós-materiais foi várias vezes enfatizada. Contudo, um dos elementos mais fortes do atual ciclo de protesto é o regresso das questões materialistas, nomeadamente relacionadas com o trabalho e o emprego, ao topo das preocupações e das causas da indignação das pessoas, constituindo-se como poderosos fermentos da ação coletiva.
Nos dias anteriores à manifestação do 12 de março, os organizadores fizeram um apelo para que cada participante levasse consigo, no próprio dia da manifestação, uma folha A4 ou um cartaz que identificasse um problema e apresentasse uma solução. Estes documentos seriam depois remetidos aos responsáveis políticos. Cerca de 2 mil pessoas entregaram esses papéis aos organizadores, que os depositaram no Parlamento para que os deputados pudessem consultá-los. Dados preliminares de um estudo que realizei a partir das folhas entregues na Assembleia da República revelam alguns elementos interessantes9. Em primeiro lugar, os temas sócio-laborais são, de longe, aqueles que mereceram mais referências nos protestos da Geração à Rasca. Cerca de metade das referências (49%) são sobre trabalho, sendo que, dentro desta categoria, os recibos verdes, a precariedade em geral, os estágios não remunerados e o desemprego são as categorias mais presentes. Estes documentos revelam também que as questões do sistema político (14%) e da transparência e combate à corrupção (9%) estão entre as mais mencionadas sendo que, dentro destas, a crítica ao nepotismo e às “cunhas”, aos “privilégios dos políticos” e a “redução do número de deputados” são das mais frequentes.
Este mesmo elemento pode ser encontrado nas outras mobilizações. No 15 de outubro e na greve geral de novembro de 2011, teve centralidade a rejeição dos cortes salariais anunciados e das políticas de austeridade. No 15 de setembro, foi muito relevante, em termos da mobilização, a oposição à perda de salário e de rendimento para os trabalhadores que implicava a proposta governamental de alteração das contribuições para a segurança social. A primeira característica deste ciclo parece ser, assim, o regresso das questões materiais como os elementos centrais da mobilização política e da construção de identidades de luta. Às transformações associadas ao trabalho, caracterizadas sobretudo pela instalação de taxas de desemprego inéditas e por um galopante processo de precarização das relações laborais, somam-se as dinâmicas introduzidas pelas políticas de austeridade, cujos efeitos passam pelo corte de salários e apoios sociais, pelo encolhimento das funções sociais do Estado e pelo agravamento do problema do endividamento, resultado da transformação da crise do sistema financeiro numa crise de dívidas soberanas dos Estados.

2. Estes protestos não se dirigem apenas ao funcionamento da economia, mas são reveladores, também, de uma crise de legitimidade das instituições políticas. Com efeito, se este ciclo de mobilizações se iniciou com movimentos democráticos em países do chamado mundo árabe cujos regimes políticos eram claramente autoritários, a sua expressão nos países do Sul da Europa ou o modo como emergiu do outro lado do oceano, nos Estados Unidos da América, faz transparecer uma desconfiança dos cidadãos relativamente aos responsáveis políticos e a exigência de uma “democracia real” (para recorrer à expressão dos Indignados espanhóis). A diversidade em termos políticos e até uma certa fluidez programática podem ser identificados em vários destes protestos. Percorre-os, sem dúvida, um descontentamento acentuado com as formas amputadas da democracia atual, que se dirige em relação ao Estado e às instituições. Mas estas mobilizações trouxeram uma dimensão nova, que é um desejo de experimentação democrática. Em espaços de autonomia e com práticas assembleárias e horizontalistas, essa experimentação tenta prefigurar no presente o tipo de democracia de alta intensidade pela qual se luta, numa tensão por vezes problemática por vezes criativa entre o agora e o futuro, o institucional e as práticas insurgentes e disruptivas.

3. Ainda que de forma diferenciada, a Internet e os dispositivos de comunicação sem fios desempenharam, neste ciclo de lutas, um papel fundamental, não apenas como meios de comunicação, mas como elementos que prefiguram as formas de organização, de deliberação e de participação políticas, dando lugar a novas práticas colaborativas, à reinvenção democrática e à abertura de novos horizontes políticos (Alcazan et al., 2012). A reapropriação multitudinária das redes sociais e da comunicação sem fios pode ser caracterizada como um mecanismo de “auto-comunicação de massas” (Castells, 2012). A produção da mensagem é decidida autonomamente pelo emissor, mas este comunica com muitos, potencialmente com milhões. Dependendo da difusão através da Internet e das redes sem fio, utilizadas como plataformas de comunicação digital foi possível criar, em muitas circunstâncias, fenómenos virais.
As redes de comunicação virtual permitiram que se organizassem protestos de massa à margem das estruturas tradicionais pré-existentes e que se construíssem espaços públicos autónomos, constituindo-se como fatores determinantes do empoderamento dos indivíduos. Foram, além disso, uma condição indispensável da contaminação internacional de uns movimentos por outros. A ocupação de espaços públicos como ruas, praças, edifícios simbólicos ou outros, aliada aos espaços virtuais – redes sociais, fóruns participativos, aplicações de telefones ou outros dispositivos – criou novas esferas públicas. Estas, seja nas redes de Internet seja nos espaços libertados das praças ocupadas ou das Acampadas, foram uma fonte de autonomia imprescindível, ao potenciar processos de comunicação que escapavam ao controlo daqueles que detêm o poder institucional.

4. À semelhança de outros países, a juventude portuguesa tem estado entre os segmentos da população que mais se ressente com um contexto de recessão económica e encontra-se particularmente desprotegida, do ponto de vista sócio-laboral, para poder enfrentar esta conjuntura com um mínimo de segurança. Não surpreende, por isso, que os jovens, em particular os jovens com altas qualificações e com uma inserção subalterna no mercado de trabalho, estejam entre os mais ativos protagonistas das primeiras mobilizações e que tenham conseguido ser catalisadores de um descontentamento geral. O sentimento de perda de qualidade de vida, seja em relação a níveis anteriormente experimentados, seja tomando por referência as expectativas ou aquilo que legitimamente se esperaria dado o acréscimo e o investimento em qualificação, é um dos fatores que ajuda a explicar o atual ciclo de mobilizações. Mas a tendência é para que os próprios organizadores dos protestos sejam crescentemente diversos, nomeadamente do ponto de vista geracional. Estes segmentos escolarizados e precários, cujos limites etários se vão estendendo cada vez mais, têm revelado uma desconfiança em relação a formas tradicionais de organização, como os sindicatos e os partidos.

5. A eclosão de fenómenos de mobilização inorgânica com grande capacidade de atração da massa dos descontentes tem reconfigurado o campo do protesto, obrigando partidos e organizações sindicais a posicionarem-se, numa relação marcada por ambiguidades, tensões e disputas. Como salienta Boaventura Sousa Santos (2011: 106), estes fenómenos evidenciaram que “as formas de organização de interesses nas sociedades contemporâneas (partidos, sindicatos, movimentos sociais, ONG) não captam senão uma pequena faixa da cidadania potencialmente ativa” e inauguraram por isso um novo pólo de contestação. Este facto coloca desafios importantes aos atores sociais que tradicionalmente representam os interesses dos grupos subalternos, como sindicatos ou partidos de esquerda. Além disso, desafia a sociologia a interpretá-los à luz das contradições da sociedade portuguesa e das teorias sobre movimentos sociais e ação coletiva.

6. Um dos debates estratégicos mais importantes passa por saber que tipo de convergências existem ou podem desenvolver-se entre estas novas dinâmicas de mobilização e as organizações e movimentos existentes, sejam os sindicatos, seja o que se convencionou designar de “novos movimentos sociais”. Em Portugal, muitos dos principais dinamizadores da Geração à Rasca (M12M, Precários Inflexíveis e outros) e do 15 de outubro participaram em ações com a CGTP e apelaram à presença dos “jovens indignados” na greve geral de novembro de 2011. O apelo por parte desses movimentos para que houvesse manifestações no dia da greve foi aliás um fator de condicionamento da central sindical, que acabou por decidir, pela primeira vez, que as greves gerais teriam de ter uma expressão de rua para além dos piquetes.
É evidente que nem todas as relações são fáceis. Ao disputar aos “velhos movimentos” e até a alguns dos chamados “novos movimentos” e às suas organizações o monopólio da mobilização social, estes “novíssimos” movimentos suscitam também reações adversas entre setores políticos e sindicais cuja atitude oscila entre a cooptação e a tentativa de isolamento. Por outro lado, da parte da multidão dos indignados há também, por vezes, alguma hostilidade, desconfiança, vontade de diferenciação ou de demarcação em relação a outras formas de organização, sejam elas associações ou sindicatos e, acima de tudo, como é óbvio, em relação aos partidos. Entre os que defendem uma diferenciação absoluta, estão os que consideram que os movimentos devem esgotar-se nos espaços libertados de sociabilidade que geraram e que isso é diametralmente oposto a qualquer lógica das organizações ou de representação10. Estão, ainda, alguns setores anarquistas que rejeitam o diálogo com as principais organizações sindicais. Exemplos de convergência com tensão e conflito existiram na greve geral portuguesa de março de 2012. Mesmo havendo uma convergência na data – a plataforma 15 de outubro convocou uma manifestação no dia da greve para que as duas dinâmicas coincidissem – o resultado acabou por ser uma manifestação partida em dois e confrontos entre manifestantes – nomeadamente, entre o cordão de segurança da central sindical e membros de outros movimentos. A favor da convergência têm estado muitas das organizações políticas e sociais com maior continuidade, havendo recentemente também uma maior abertura do discurso sindical em relação a estes fenómenos.

7. Algumas análises sociológicas tendem a salientar aquilo que distingue, em termos de características e protagonistas, os “velhos”, os “novos” e os “novíssimos” movimentos. Contudo, para compreender o atual ciclo de ação coletiva, é importante problematizar estas tipologias e questionar a heuristicidade e a operacionalidade destas categorias. Em particular no caso português, esta distinção é contrariada por alguns elementos importantes. O primeiro é de ordem histórica. Como explica Santos (2012:693), no nosso país, os “velhos” e os “novos” movimentos surgiram praticamente ao mesmo tempo. Do mesmo modo, as diferentes gerações de direitos conceptualizados por Marshall (2009 (1950)) – cívicos, políticos e económicos – nasceram todos no mesmo período, com 25 de Abril de 1974.
O segundo é de ordem prática. Estudos realizados noutros países demonstraram a existência de uma importante circulação de ativistas entre “velhos”, “novos” e “novíssimos” movimentos sociais, facto que uma análise das trajetórias longas de militância e das dinâmicas de “polienvolvimento” revela (Sawicki e Siméant, 2009:100). Em Portugal, o campo dos movimentos sociais é particularmente diminuto e constituído por um número relativamente escasso de agentes. O que temos verificado, no caso português, é que grande parte dos organizadores destas mobilizações adquiriram as suas “competências militantes” em organizações sindicais e/ou partidárias, por terem sido, no passado, membros dessas organizações ou por acumularem, no presente, diferentes tipos de compromisso militante. Esse facto, em si mesmo, nada diz da autonomia dos movimentos relativamente à agenda de determinada organização, mas desmente uma interpretação dos diferentes “movimentos” como pertencendo a esferas e universos sociais estranhos e paralelos. Contrariando algumas simplificações do senso comum e do discurso mediático, uma análise sociológica mais fina desvenda que existe, entre as diferentes modalidades de militância, um contato muito mais estreito do que por vezes se afirma.

 

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Artigo recebido a 1 de março de 2013. Publicação aprovada a 24 de outubro de 2013.

 

Notas

1 Sociólogo. Doutorando na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC) / Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) (Coimbra, Portugal). Endereço de correspondência: Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal. E-mail: josemourasoeiro@gmail.com

2 A 17 de dezembro, um jovem vendedor tunisino imolou-se pelo fogo frente a um edifício governamental. Poucas horas depois desse acontecimento, centenas de jovens que sofriam o mesmo tipo de humilhações concentravam-se em protesto frente ao mesmo edifício. O primo de Mohamed Bouazizi fez um vídeo desses protestos que se tornou viral e, nos dias que se seguiram, várias manifestações tiveram lugar de forma espontânea um pouco por todo o país. A partir de um acontecimento catalisador, desenvolveu-se um processo de mobilização revolucionária.

3 A Islândia assistiu, desde janeiro de 2009, a um processo inédito de mobilização popular contra o resgate das dívidas da banca privada e as decisões das instituições políticas. O protesto cidadão conduziria à nomeação, pelo Parlamento, de um grupo de 25 cidadãos independentes para fazerem o projeto de uma nova constituição. Esta comissão lançou um processo participativo, através das redes sociais e da Internet que recolheu mais de 16 mil sugestões. Ao fim de 4 meses, aquele grupo apresentou um projeto de Constituição, que ficou conhecido como uma “wikiconstituição”, dado que foi feito recorrendo às plataformas interativas e colaborativas permitidas pelo ciberespaço.

4 Cf. http://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-341-7

5 De acordo com Raquel Rolnik (2013: 19), estes protestos não tiveram nem uma causa nem uma voz unificada, sendo antes um “concerto dissonante, múltiplo, com elementos progressistas e de liberdade mas também de conservadorismo e de brutalidade”. Reivindicações associadas ao direito à cidade, ao combate às desigualdades no território, às dinâmicas de exploração no trabalho ou à defesa do investimento público na educação e na saúde juntaram-se a outras mais relacionadas com a ausências de canais de representação ou com a identificação, de forma frequentemente conservadora, dos “políticos” como sendo a origem do mal, numa narrativa construída, geralmente, a partir dos escândalos de corrupção. O episódio da agressão de militantes de partidos políticos por outros manifestantes ficaria marcada como uma das expressões das grandes contradições que atravessaram as mobilizações.

6 No último ponto apresentamos os dados preliminares de uma investigação em curso que demonstra o peso relativo de cada um destes temas nas folhas e cartazes dos manifestantes do 12 de março.

7 De acordo com a declaração feita pela CGTP na sua página oficial no Facebook no dia 24 de novembro de 2011, num post publicado às 18h40.

8Cf. Jornal i, “Movimentos sociais condenam ‘violência gratuita e indiscriminada’ da polícia no dia 14”, 20 de novembro de 2012.

9 Este levantamento reporta-se às folhas entregues na Assembleia da República no dia 25 de março de 2011 pelos organizadores da manifestação. Incide sobre a totalidade dos documentos entregues e registou um total de 2083 referências. A partir de uma grelha de análise categorial, classificaram-se as referências e fez-se um tratamento quantitativo e qualitativo, distribuindo-as pelas categorias de “Educação”, “Ética, Transparência e Combate à Corrupção”, “Sistema Político”, “Fiscalidade” e “Outros”. Este trabalho é realizado no âmbito de um projeto de doutoramento “Geração Precária? Trajetórias, vivências, subjetividade coletiva e discurso público sobre a precariedade dos jovens em Portugal”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH / BD / 48470 / 2008).

10Seria interessante analisar, a este nível, o ressurgimento de coletivos libertários, nomeadamente vinculados a determinadas subculturas musicais e urbanas.

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