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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.27  Porto jan. 2014

 

ARTIGOS

A economia social como setor empregador nos distritos de Viseu e da Guarda

The social economy as an employer sector in the districts of Viseu and Guarda

Le secteur de l’économie sociale en tant qu’employeur dans les districts de Viseu et Guarda

El sector de la economía social como empleador en los distritos de Viseu y Guarda

Maria Teresa de Sousa1 Ilona Kovács2

Instituto Piaget de Viseu e Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações
Instituto Superior de Economia e Gestão e Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações


 

RESUMO

Desde há duas décadas que a economia social constitui objeto de análise e discussão nos meios académicos e políticos. Porém, não há consenso sobre a sua definição e funções. O artigo inicia-se com o debate em torno da economia social e seu papel na solução da crise do emprego. A segunda parte incide sobre a caracterização da economia social como empregadora, ou seja, como espaço de inserção e de integração no mercado de trabalho. Esta caracterização é feita com base em alguns resultados de um projeto de investigação sobre o trabalho e o emprego na economia social, ainda que geograficamente delimitado (o estudo abrange concelhos de dois distritos: Viseu e Guarda). Conclui-se com uma reflexão sobre as potencialidades e os limites da economia social como empregadora.

Palavras-chave: economia social; emprego; distritos de Viseu e da Guarda.


ABSTRACT

For two decades the social economy is the subject of analysis and debate among academics and politicians. However, there is no consensus on its definition and functions. The article begins with the debate on the social economy and its role in solving the employment crisis. The second part focuses on the characterization of the social economy as an employer, or as a space for insertion and integration into the labor market. This characterization is based on some results of a research project on labor and employment in the social economy, although geographically delimited (the study includes municipalities in two districts: Viseu and Guarda). It concludes with a reflection on the potentialities and limits of the social economy as an employer.

Keywords: social economy; employment; districts of Viseu and Guarda.


RESUMÉ

Depuis deux décennies, l’économie sociale fait l’objet d’analyses et de débats dans les milieux universitaires et politiques. Cependant, aucun consensus sur sa définition et ses fonctions. L’article commence par le débat sur l’économie sociale et son rôle dans la résolution de la crise de l’emploi. La deuxième partie se concentre sur la caractérisation de l’économie sociale en tant qu’employeur ou en tant qu’espace pour l’insertion et l’intégration dans le marché du travail. Cette caractérisation est basée sur des résultats d’un projet de recherche sur le travail et l’emploi dans l’économie sociale, bien que géographiquement délimité (l’étude comprend des municipalités de deux districts: Viseu et Guarda). On conclut avec une réflexion sur les potentialités et les limites de l’économie sociale en tant qu’employeur.

Mots-clés: économie sociale; emploi; districts de Viseu et Guarda.


RESUMEN

De dos décadas la economía social es el objeto de análisis y debate en el ámbito aca- démico y político. Sin embargo, no hay consenso sobre su definición y funciones. El artículo comienza con el debate sobre la economía social y su papel en la solución de la crisis del empleo. La segunda parte se centra en la caracterización de la economía social como empleador, o como un espacio para la inserción y la integración en el mercado laboral. Esta caracterización se basa en los resultados de un proyecto de investigación sobre el trabajo y el empleo en la economía social, aunque geográficamente delimitado (el estudio incluye municipios en dos distritos: Viseu y Guarda). Se concluye con una reflexión sobre las potencialidades y los límites de la economía social como empleado.

Palabras clave: economía social; empleo; distritos de Viseu y Guarda.


 

Introdução

Apesar de alguns avanços significativos e recentes na conceptualização da economia social, este conceito ainda hoje permanece sujeito a diferentes entendimentos. A comprová-lo, estão, aliás, as várias designações a ele associadas: terceiro setor, terceiro sistema, setor não lucrativo, economia popular, economia comunitária, economia solidária, nova economia social, etc. Estes termos questionam a tradicional dicotomia entre o setor privado lucrativo e o setor público (Defourny, Develtere e Fonteneau, 1999: 11). A economia social nos diferentes países revela perfis diferenciados de acordo com as diferentes histórias nacionais e formas de desenvolvimento social e económico (Uralde, 2008: 12). Trata-se de uma realidade plural que não tem a mesma denominação em todos os países e as definições do conceito também sofrem variações. Optámos pelo termo economia social3 que compreende as cooperativas, as mutualidades, as associações e também as fundações, ou seja, organizações que se caracterizam, entre outros aspetos, pelos seguintes: uma das finalidades principais é servir os seus membros e a coletividade; os objetivos económicos são secundários; os processos de decisão são democráticos e a valorização das pessoas e do trabalho sobre o capital.
Ao longo da história, a economia social teve épocas de maior visibilidade e outras em que tal não aconteceu. O modelo de crescimento da Europa Ocidental durante o período de trinta anos pós-guerra teve como protagonistas o setor privado e o setor público. Foi uma época de crescimento baseado na convergência entre a procura, a produção e o emprego. Nesta fase, pertencendo quase todo o protagonismo ao Estado, a economia social praticamente desapareceu (Defourny e Favreau, 1996; Demoustier, 2001; Alcolea-Bureth, 2004; CIRIEC, 2007). Contudo, com a crise dos anos 70, iniciou-se um processo de transformação económica, institucional e político profundo, colocando novos desafios à economia social. Para isto muito contribuiu a incapacidade do Estado e do mercado em darem resposta às novas procuras sociais, fundamentalmente ao nível do emprego, da participação e da proteção social. A transformação da economia mundial, favorecida pelo neoliberalismo, rompe com o modelo de desenvolvimento fordista e o Estado intervencionista. O aumento do desemprego, da exclusão e da pobreza são algumas das consequências dessa transformação. Se a economia social fora, no século XIX, simultaneamente, uma resposta inédita e uma adaptação funcional à economia de mercado, neste início do século XXI, a nova economia social (ou economia solidária) é uma resposta inovadora à incapacidade conjunta do mercado e do Estado em assegurar proteção social e pleno emprego nas mesmas bases do período de expansão de uma economia mista (Favreau, 2003: 9-10).
Um dos grandes trunfos atribuído à economia social é a sua contribuição na procura de soluções para a crise do emprego, quer seja facilitando o acesso ao mercado de trabalho, à formação, à reconversão ou à inserção ou, ainda, explorando novas oportunidades de emprego e de atividades, quer seja na satisfação da procura e na estruturação da oferta ou, também, suscitando o aparecimento de novos empregadores coletivos (Demoustier e Pezzini, 1999). Mas as relações entre a economia social e a problemática do emprego/desemprego são múltiplas e complexas e não podem ser abordadas de forma unilateral (Defourny, Develtere e Fonteneau, 1999). Contudo, apesar do consenso considerável sobre a importância da economia social em matéria de emprego, estamos na presença de uma “performance curiosamente mal reconhecida” devido à falta de estudos (Demoustier, 2001: 98). Acresce que, em Portugal, existem poucos dados/informações sobre o emprego na economia social.

1. A economia social e o seu papel na solução da crise do emprego

As grandes transformações ocorridas nas últimas décadas implicam a crise do pleno emprego, do trabalho assalariado (ou emprego) e da integração social pelo emprego. Há um conjunto de fatores em interação que provocam a crise do emprego, nomeadamente a globalização da economia com a preponderância do capital financeiro, a difusão das tecnologias de informação e comunicação, o predomínio da política económica neoliberal, a divisão internacional de trabalho, a reestruturação das empresas na lógica da racionalização flexível, bem como a debilidade dos sindicatos e o desequilíbrio de forças no mercado de trabalho e nas relações laborais (Kovács, 2002, 2009). No contexto da globalização e das tecnologias de informação e comunicação, são as práticas inspiradas na ideologia dominante do livre mercado que levam ao desemprego maciço, ao subemprego, à insegurança, à precariedade e à degradação do emprego (Beck, 2000; Kovács, 2009; Kovács e Chagas Lopes, 2009). Esta evolução provém “da reestruturação actual que sofre a relação capital e trabalho, ajudada por poderosas ferramentas que proporcionam as novas tecnologias da informação e facilitada por uma nova forma de organização, a empresa rede” (Castells, 1998: 303).
A crise do emprego está em interação com a crise do Estado-providência e das formas da regulação social do mercado de trabalho, com a crise da regulação política do mercado nacional e com a crise do compromisso capital-trabalho que, até aos meados dos anos 70 do século XX, permitiu a redistribuição dos ganhos de produtividade. A fragilização ou a remoção das instituições de regulação do mercado de trabalho e a maior liberdade das empresas na utilização do trabalho levam à proliferação de empregos precários (mal pagos, incertos e sem perspetivas de progresso profissional). A crise do emprego, juntamente com outras crises, ameaça a coesão social e a cidadania. Segundo Fitoussi e Rosanvallon (1997: 17), estamos perante uma nova era das desigualdades, onde surge uma crise antropológica, no sentido civilizacional, a crise do próprio indivíduo.
É neste contexto que a economia social suscita um crescente interesse nos meios académicos e políticos, depois de um certo adormecimento nos trinta anos pós-guerra (Lipietz, 2001; Laville, 2007). A crescente atenção prestada à economia social relaciona-se com as crises interligadas da economia, do Estado e do ambiente. Segundo Bouchard (2006: 6), se se fizer uma análise histórica é possível ver que, a cada crise económica, sucede uma vaga de emergência da economia social e que, ao mesmo tempo ela se vai desenvolvendo, adaptando e respondendo às novas questões. Desta forma, a economia social desempenha uma função amortecedora da crise, por duas razões essenciais e que estão relacionadas com a especificidade das suas organizações: as suas normas particulares e os seus compromissos sociais. Consequentemente, a economia social poderá ser considerada uma saída adequada às múltiplas crises que enfrentamos na base de uma nova relação – entre os indivíduos e a sociedade, a autonomia e a interdependência e a responsabilidade individual e coletiva – cumprindo uma função anticiclíca e inovadora na atual época de mal estar económico e social (CIRIEC, 2012).

O aumento do desemprego, do risco de marginalização e de pobreza, ameaçando a coesão social, têm impulsionado políticas de apoio à economia social e incentivado a inovação social, com particular relevo para o empreendedorismo social. Trata-se de um setor com singularidades ligadas a especificidades organizacionais, relações particulares com o mercado e com o Estado. Um conjunto de autores sublinham que este setor contribui não apenas para a produção da riqueza, a satisfação das necessidades dos indivíduos, das famílias e das comunidades locais, mas também para a promoção de valores como a democracia participativa e a resolução de problemas sociais, nomeadamente pela criação de emprego e pela integração de grupos desfavorecidos no mercado de trabalho (Defourny e Monzón Campos, 1992; Browne, 1999; Demoustier, 2004; Bouchard, Ferraton e Michaud, 2006; CIRIEC, 2007). A economia social tende a ser encarada como um dos meios para responder à crise do emprego, pela criação de empregos, manutenção de empregos em setores ameaçados pela crise, inserção no mercado de trabalho de grupos vulneráveis, redução do desemprego e da precariedade do emprego, promoção da empregabilidade e diminuição das desigualdades (CIRIEC, 2000, 2007, 2012). Acresce, ainda, a sua contri- buição para a valorização do trabalho socialmente útil e também do trabalho remunerado (Ferreira, 2006).
Os efeitos da crise económica e financeira sobre o emprego na Europa foram, em geral, mais moderados na economia social do que nas empresas privadas tradicionais. Assim, o emprego na economia social resistiu melhor na primeira fase da crise (2008-2012), comparativamente ao emprego do setor privado tradicional, ainda que posteriormente, como consequência da gravidade da situação, as organizações da economia social também tenham perdido empregos (CIRIEC, 2012).
As origens do emprego na economia social podem ser diversas, tais como: a necessidade de assegurar a concretização dos objetivos e das atividades; as exigências associadas à importância de deter competências específicas; a passagem de trabalhadores voluntários a trabalhadores assalariados; a razão de ser do próprio projeto; a substituição de voluntários que, por questões de tempo ou disponibilidade, não podem continuar; a pressão de financiadores; as exigências de qualidade; entre outras. Na maior parte dos casos, o emprego surge como resultado do desenvolvimento de cada organização e não como um fim em si mesmo, é um subproduto do que é feito e das respostas que se desenvolvem para responder às mais diversificadas necessidades (Archambault, 1999). Importa registar também que a criação do emprego se faz quer em áreas habituais, quer em novos domínios, como o ambiente. O crescimento do emprego que daqui possa resultar pode assumir formas diversas e a sua expressão qualitativa e quantitativa variar consoante a realidade dos países. A criação de novos empregos através do desenvolvimento de novas atividades é, pois, um dos grandes desafios da economia social (Demoustier, 2004).

Importa também ter em consideração que a economia social é, muitas vezes, recetora de medidas públicas de emprego e de inclusão, sendo um espaço privilegiado de experimentação e de reflexão, bem como de preservação de certas profissões, ofícios e tradições. A economia social pode, igualmente, participar na recomposição do emprego, não só pela luta contra as suas transformações menos positivas e a sua desqualificação, mas também pelo estabelecimento de novas relações com o emprego: encorajando uma relação coletiva no mercado de trabalho; iniciando novas formas de negociação de emprego no seio das empresas da economia social e estimulando a reintegração e afirmação da formação no trabalho; promovendo e apoiando a criação de novos empregos simultaneamente pela inscrição no desenvolvimento local e consolidação intercooperativa global e reforçando a importância da associação. Para que as organizações da economia social criem empregos de qualidade é importante que ela ultrapasse o registo da urgência e da natureza transitória para se afirmar numa perspetiva de inovação social e de longo prazo (Demoustier e Pezzini, 1999).
A importância dada à economia social na criação do emprego manifesta-se, por exemplo, no lançamento da Ação-Piloto “Terceiro Sistema e Emprego”, em 1997, pela Comissão Europeia sob a iniciativa do Parlamento Europeu. O maior potencial de crescimento de emprego refere-se aos serviços de proximidade, ao desenvolvimento local e às iniciativas de emprego (CIRIEC, 2000: 244). De facto, nos últimos anos, aumentou a atenção das autoridades europeias relativamente à economia social. A Comissão Europeia, na Estratégia Europa 2020, considera que a economia social pode contribuir para as prioridades do crescimento inteligente, sustentável e integrador (CIRIEC, 2012).
A economia social, como referimos anteriormente, além de ser encarada como um amortecedor dos efeitos negativos da crise, também é considerada no seu potencial de transformação da sociedade. É neste sentido que Rifkin considera a economia social ou o terceiro setor como lugar privilegiado para o desenvolvimento de um novo tipo de sociedade, no qual o político e o social não se subordinam à economia e no qual o trabalho remunerado já não constitui o principal fator de integração. Ao mesmo tempo, através de um conjunto de incentivos, este setor cria uma alternativa de emprego para aqueles cujo trabalho já não é requerido pela economia do mercado (Rifkin, 1995). As pessoas terão os seus papéis e responsabilidades, encontrarão um sentido para as suas vidas. O terceiro setor englobará, além dos desempregados ou subempregados, todos aqueles que queiram canalizar o seu tempo livre (voluntariado) para estas atividades (serviços) úteis à comunidade (cuidados de saúde, apoio aos carenciados e aos idosos, educação, investigação, arte, cultura). Não se trata da partilha do emprego e de reconversão das pessoas com vista ao emprego no setor formal, mas do desenvolvimento de um setor específico orientado para os serviços e laços comunitários e guiado pela ética da utilidade social, capaz de contrariar as forças e a ética do mercado. Este setor, para além de ocupar as pessoas garantindo rendimento, permite fortalecer a integração social, libertando, ao mesmo tempo, o Estado de um conjunto de tarefas. Por sua vez, a globalização da economia social fará um contrapeso à globalização da economia do mercado.
Porém, há autores que chamam a atenção para um conjunto de riscos que a economia social corre nos nossos dias no sentido de perder a sua especificidade. Um dos riscos é a estigmatização por empregar apenas pessoas com dificuldades tornando-se numa espécie de “desterro” para as pessoas incapazes de aceder ao mercado de trabalho clássico e muito pouco atrativo para aqueles que estão destinados a nele trabalhar. Um outro risco reside na criação de atividades artificiais não orientadas para necessidades reais com o objetivo de empregar estas pessoas em situação desfavorável. Também existe o risco de oferecer um serviço público, mas em condições de emprego menos favoráveis do que a função pública. Existe ainda a ameaça de instrumentalização por parte dos poderes públicos, nomeadamente pela mobilização das organizações da economia social no quadro das políticas de emprego (públicos definidos; domínios reservados; perda da força de referência dos valores originais da economia social, do significado da autonomia e da coesão). Trata-se do perigo de criar uma economia de segunda zona com salários e proteção social inferiores ou constituir um setor de utilidade coletiva que está reservado aos desempregados (Eme e Laville, 1995; Enjolras, 1998; Laville e Roustang, 1999; Laville, 1999; Monteiro, 2002; Demoustier, 2004).
Sem dúvida, a aposta no desenvolvimento da economia social pode constituir uma alternativa na procura das soluções para a crise do emprego, uma alternativa oposta às práticas neoliberais inseridas numa crescente desregulação do mercado de trabalho, redução da proteção do trabalho e da proteção social (que são entendidos como obstáculos à competitividade). Porém, existe o risco de a economia social se tornar num setor residual com uma missão social e num gueto daqueles que são menos empregáveis, ou seja, dos grupos em situação desfavorável. A economia social também corre o risco de ser utilizada pelos governos como uma espécie de substituto do Estado de bem-estar nas suas funções, para responder a necessidades sociais insatisfeitas e como amortecedor dos efeitos negativos da economia do mercado e da crise do Estado-Providência. Ao institucionalizar-se, este setor poderá correr o risco de ficar bastante dependente dos governos em termos de subsídios aceitando as regras, orientações e critérios por eles definidos.

2. A economia social como empregadora – caracterização

Antes de iniciarmos a caracterização do emprego na economia social traçamos um breve retrato desta realidade em Portugal. Destaca-se a sua diversidade não só quanto às formas que pode assumir, mas também às atividades que pode desenvolver (agricultura, silvicultura e pescas; atividades de produção e transformação; comércio, consumo e serviços; desenvolvimento, habitação e ambiente; atividades financeiras; ensino e investigação; saúde e bem-estar; serviços de ação e solidariedade social; cultura; desporto e recreio/lazer; etc.). O INE (2012) apresenta a seguinte classificação e quantificação da economia social: cooperativas (2260); mutualidades (119); misericórdias (381); fundações (537) e associações e outras organizações da economia social (52086). Isto é, um total de 55383 organizações. Relativamente ao emprego, e de acordo com o estudo desenvolvido pelo CIRIEC (2007), trabalhavam na economia social em Portugal mais de 210 mil pessoas (dados relativos a 2002-2003), destacando-se o papel das associações enquanto empregadoras. Os dados mais recentes (relativos a 2009-2010) indicam 251098 trabalhadores na economia social, o que representa um aumento de 19,03% (CIRIEC, 2012: 48-50).
A caracterização da economia social como empregadora é baseada nos resultados do projeto de investigação4, subordinado ao tema “Os Contornos do Emprego e do Trabalho na Economia Social – Estudos de caso nos distritos de Viseu e da Guarda”. Os resultados apresentados dizem principalmente respeito ao inquérito por questionário realizado junto aos trabalhadores da economia social entre finais de setembro de 2008 e julho de 2009 (foram recebidos 323 questionários). O âmbito geográfico da investigação foi constituído por vinte e um concelhos (de dois distritos: Viseu e Guarda), contemplando uma dupla vertente no que diz respeito ao objeto de estudo: a componente social (instituições particulares de solidariedade social) e a componente cooperativa (diferentes ramos cooperativos). São também apresentados alguns resultados das entrevistas efetuadas aos trabalhadores destas organizações (realizadas entre fevereiro e junho de 2009).

2.1. O perfil dos trabalhadores da economia social

Uma das características é a predominância feminina no emprego (75,2%). Grande parte dos trabalhadores (67%) deste setor vive com o seu agregado familiar, situando-se o rendimento médio mensal da maioria dos agregados familiares abaixo de 1500€. A idade média destes trabalhadores é de 39 anos e a maior parte reside nos concelhos onde trabalha, o que indica a importância da economia social na absorção da mão de obra local.
Quanto ao nível de habilitações a maior proporção tem o 1º ciclo do ensino básico (41,5%), 24,8% concluiu o ensino secundário e mais de 30% o ensino superior. Podemos constatar que os níveis de habilitação dos inquiridos são mais elevados do que a média nacional. De acordo como os dados do INE, em 2009, 63,7 % da população ativa situa-se a nível do ensino básico, 21,5% no nível secundário e 15,3% no nível superior de ensino (INE, 2010). A proporção daqueles que têm o nível de ensino secundário é 24,8% (superior à média nacional 21,5%). Em relação à elevada proporção (30,3%) de licenciados (média nacional, 15,3%) tem de ser feita uma chamada de atenção: apesar de todos as precauções com os trabalhadores a inquirir, a provável maior facilidade e disponibilidade dos trabahadores com um nível de habilitações mais elevado pode ter contribuído para esta percentagem elevada. A maior presença de licenciados encontra-se entre aqueles trabalhadores para quem o emprego atual foi o primeiro emprego, entre os jovens e entre aqueles que têm um contrato a termo.

 

 


Grande parte dos trabalhadores inquiridos (59,7%) é pouco ou nada qualificada (
Quadro 2). Esta proporção é muito mais elevada do que a média nacional (29,2%) e também é muito elevada em relação aos níveis relativamente elevados de habilitações. Por sua vez, a proporção de quadros superiores (0,9% face à média nacional 7,0%) (MTSS, 2009), bem como a dos trabalhadores qualificados é muito baixa (5,3% face à média nacional 39,8%). O peso dos altamente qualificados pode ser considerado elevado (28,2% – média nacional 7,8%).

 

 


A maior parte dos inquiridos trabalha em instituições particulares de solidariedade social. No entanto, 13,9% tem outro emprego para além do atual, por vários motivos, tais como completar o rendimento familiar, ter horário favorável, desenvolver competências e adquirir mais experiência.
Como indicam os dados relativos à antiguidade dos trabalhadores (
Quadro 3), transparece uma aposta na estabilidade dos recursos humanos, uma vez que mais de metade dos trabalhadores inquiridos está pelo menos há cinco anos no seu emprego atual. É de notar que, a nível nacional, mais de metade (53,3%) dos trabalhadores por conta própria têm uma antiguidade até 4 anos e destes 20,8% estão na empresa há menos de um ano (MTSS, 2009).

 

 


Daí que os dados sobre a situação contratual não ofereçam grandes surpresas: prevalecem os contratos sem termo (77%). Esta leitura é comum a todas as organizações da economia social estudadas e em todos os níveis de habilitações dos trabalhadores. Dos 323 trabalhadores, 14% tem um contrato a termo, são sobretudo mulheres com nível de habilitação superior e para uma parte substancial trata-se do primeiro emprego.
A presença do contrato a tempo parcial é insignificante (apenas três inquiridos), tal como a situação dos recibos verdes (nove trabalhadores).
Como indica o
Quadro 4, os salários dos trabalhadores da economia social são baixos. A grande maioria (59,7%) ganha entre 400 e 700 € e cerca de um quarto entre 701 e 1000 €. São muito poucos (0,6%) aqueles que se situam no nível salarial mais alto (2001 a 2500 €).

 

 

Os baixos salários constituem um dos principais fatores de insatisfação dos trabalhadores. Acrescente-se que, na política salarial seguida pelas organizações da economia social, não há espaço para uma componente variável ou para grandes benefícios adicionais/vantagens sociais além dos salários.

O nível de satisfação geral com o emprego não é elevado (que seria acima de 4, se atendermos à escala utilizada) e é menor (3,27) do que o nível de satisfação geral com o trabalho (3,53). Porém, os níveis de satisfação em relação aos aspetos concretos são ainda mais baixos. Os valores médios mais elevados dizem respeito ao “sentimento de ser útil” (3,52); “relações com colegas, subordinados e superiores” (3,40) e “autonomia, isto é, a possibilidade de decidir a maneira de realizar o seu trabalho e ter iniciativa” (3,26). Os aspetos menos satisfatórios dizem respeito à remuneração (2,42) e às políticas de promoções e de carreiras (2,57), como indica o quadro seguinte:

 

 

2.2. O percurso laboral/profissional dos trabalhadores da economia social

Os trabalhadores inquiridos começaram a trabalhar na economia social (emprego atual) com a média de 29 anos de idade. No entanto, a média de idade na altura do primeiro emprego foi de 27 e, desde já, é de referir que a economia social é uma importante primeira empregadora. Foi o que aconteceu precisamente a 31,3% dos inquiridos5. Uma percentagem próxima (33,7%) diz respeito aos trabalhadores que tiveram um emprego antes do emprego atual. No entanto, no percurso de alguns destes trabalhadores, houve quem tivesse tido dois (14,9%), três (11,5%), quatro (5,0%) e mais de cinco empregos (3,7%).6
Mas, independentemente do número de empregos tidos, a avaliação que estes tra- balhadores fazem do seu percurso é bastante positiva, uma vez que 64,9% o considera em “evolução contínua” e apenas uma proporção muito pequena o avalia como estando em “regressão”:

 

 

Nas entrevistas realizadas aos trabalhadores, analisámos os fatores que, na sua opinião, foram importantes na sua evolução profissional. Registámos alguma unanimidade nas respostas: o interesse, a humildade e o empenho; a disponibilidade; a maneira de ser; a vontade de aprender; a formação; o apoio familiar e os contactos estabelecidos. Os entrevistados não assinalaram obstáculos significativos ao seu percurso. Uma parte substancial (44,6%) considera que os empregos anteriores foram importantes para a obtenção do emprego atual.

Registe-se que 38,6% dos inquiridos já interrompeu, pelo menos uma vez, a sua atividade profissional. Esta situação foi mais visível entre as mulheres e entre os trabalhadores cujo percurso se caracterizou pela existência de um emprego antes de entrar na economia social.
Um segmento (16,8%) dos trabalhadores passou pela experiência da emigração. Dos 54 trabalhadores que viveram esta experiência, 40 são mulheres e os restantes são homens. Os vários motivos que estiveram na base desta decisão, por ordem de importância, foram os seguintes: a procura de uma vida melhor; o acompanhar a família; o espírito de aventura/o sonho/o desafio e o desejo de ganhar dinheiro.
Quanto ao desemprego, nos últimos cinco anos, 13,3% dos trabalhadores da economia social passou por esta situação, tendo atingido particularmente as mulheres. A sua duração foi variável, ainda que a percentagem mais elevada incida sobre o desemprego de longa duração (37,2%). Uma percentagem próxima (34,9%) atingiu os trabalhadores que estiveram desempregados menos de meio ano. De seis meses a um ano foi o período de tempo em que os restantes trabalhadores estiveram desempregados (27,9%). Para além das situações de fim de contrato, de mudança de residência e de falência, foi diversificado o leque de outros motivos que estiveram na origem deste problema. Entre eles: motivos pessoais/familiares; decisões próprias; encerramento de atividade; fim de estágios; o regresso a Portugal; o fim do percurso escolar; a procura do primeiro emprego e a decisão de continuar estudos. Para sair da situação de desemprego, estes trabalhadores tomaram diversas iniciativas, sendo as mais frequentes as seguintes: inscrever-se no Centro de Emprego; contactar diretamente os empregadores; apresentar candidaturas espontâneas; contactar algumas pessoas (amigos) e responder a anúncios.
Uma análise à situação contratual atual dos trabalhadores que estiveram desempregados permite constatar que quase 42% destes trabalhadores se encontra com um contrato a termo e 9,3% afirma estar sem contrato. Estes dados indicam, que caso os contratos a termo não sejam renovados ou não se transformem em contratos sem termo, existe a possibilidade de estes trabalhadores ficarem novamente desempregados. Um outro aspeto que importa ressaltar diz respeito ao nível de habilitações das pessoas que passaram pelo desemprego: 34,9% são licenciados, 18,6% têm o ensino básico 2º ciclo e 16,3% concluíram o ensino secundário.
É de referir que mais de metade dos trabalhadores inquiridos pensou, pelo menos uma vez na vida, na opção de criar um negócio próprio. Estas ideias abrangeram as mais diversificadas áreas: desde a área social até ao comércio e serviços, passando mesmo por atividades no âmbito do setor primário. Mas, apesar das muitas ideias, apenas 16,3% destes trabalhadores passou da ideia à concretização. Dos 27 trabalhadores que criaram o seu negócio, já só 13 o mantêm.

2.3. A identificação/comprometimento dos trabalhadores com a economia social

De modo semelhante ao que se verificou em relação ao grau de satisfação com o trabalho e com o emprego, também não há um elevado comprometimento dos trabalhadores com a organização onde estão inseridos. Como indica o Quadro 7, alguma identificação dos trabalhadores manifesta-se nos seguintes aspetos: orgulho de trabalharem onde trabalham; gostarem de dizer às pessoas onde trabalham e sentirem alguma simpatia em relação a quem os emprega.

 

 

A indiferença manifestada por 40,8% dos trabalhadores inquiridos perante as opções em caso de saída do emprego atual, indica que os laços com a organização não são fortes, como indicam alguns excertos de entrevistas.

    Para mim era indiferente trabalhar em qualquer outra instituição. (Sofia)

    Não consigo avaliar se para mim seria indiferente trabalhar noutro tipo de instituição. (Beatriz)

    Para sair daqui, teria de ser para uma coisa com que eu me identificasse… Na altura foi o que apareceu… mas identifico-me com isto. (Raquel)

Apenas 23,8% optariam por trabalhar em organizações da economia social reve- lando uma forte identificação com a instituição, como testemunham as palavras de algumas entrevistadas:

    Identifico-me com estas instituições e se algum dia sair, vejo-me a trabalhar numa instituição semelhante (na área do social) ou se não tiver possibilidade que o emprego que conseguir tenha sempre alguma relação com os recursos humanos. (Ana)

    Nunca pensei muito nisso… eu acho que isto é um projeto de vida… eu gosto mesmo é de trabalhar com a terceira idade e isto vale tudo e compensa algumas coisas que, às vezes, temos de enfrentar. (Filomena)

    Aqui é mais vantajoso por se tratar de uma instituição (associação de solidariedade social) com estas características. (Francisca)

2.4. Receios e perspetivas futuras quanto ao emprego

Uma parte substancial dos trabalhadores (56,2%) tem medo de perder o emprego atual devido a diversas razões: situação do mercado de trabalho e de emprego, idade, situação contratual, responsabilidades familiares, dificuldades da própria área em que trabalham e o gosto pelo trabalho atual. Por sua vez, 17,4% dos trabalhadores da economia social expressa o desejo de mudar de emprego. Este desejo está relacionado, entre outros aspetos, com a vontade de: ter um emprego com melhores condições de trabalho e, consequentemente, um futuro mais promissor; crescer a nível pessoal e desenvolver competências; trabalhar noutra área/setor/público-alvo e ter uma profissão de acordo com o nível de formação adquirido. No entanto, a vontade de mudar de emprego e a probabilidade de que tal possa vir a acontecer difere um pouco entre estes trabalhadores. Para uns, esta é uma possibilidade longínqua. Porém, outros admitem a concretização deste desejo, invocando os seguintes fatores: a existência de necessidades por satisfazer nas áreas em que desenvolvem o seu trabalho; o nível de formação que possuem; a posse de um negócio próprio e os conhecimentos/contactos adquiridos ao longo dos anos. Por sua vez, a vontade de mudar de profissão enunciada por 19,2% dos trabalhadores inquiridos decorre fundamentalmente: do sonho/desejo de ter uma determinada profissão (por exemplo, enfermeira, professora, arquiteta, cozinheira, psicóloga, etc.); da necessidade de aproveitar oportunidades e de quebrar alguma rotina e hábitos instalados; do querer melhorar algumas condições atuais (com destaque para os salários e para as oportunidades de carreira); da vontade de trabalhar com público específico (idosos e crianças) ou em determinada área e encontrar um emprego onde se possa exercer a profissão para qual se estudou. O quadro seguinte apresenta os receios e perspetivas futuras indicadas pelos inquiridos:

 

 

Num horizonte de dois-três anos, estes trabalhadores não preveem grandes mudanças a nível do seu emprego, uma vez que consideram provável continuar no emprego que têm, ainda que tal não signifique grandes oportunidades de promoção. Emigrar ou ter mais do que um emprego não constituem grandes alternativas para estes trabalhadores, eventualmente porque também não perspetivam ficar desempregados nos anos imediatos. Contudo, parecem interessados em frequentar ações de formação, mas já não tão dispostos a continuar estudos. Os trabalhadores da economia social parecem olhar o futuro com alguma inquietação, pois não revelam grande confiança em relação a um futuro profissional promissor e consideram provável ter poucas alternativas de emprego, se deixarem o emprego atual.
As entrevistas realizadas permitiram-nos constatar que as preocupações “cruzam” a vida pessoal/familiar, a vida laboral/profissional e o contexto de crise:

    Gostaria que esta famosa crise acabasse e tivéssemos um mundo um bocado melhor. Pessoalmente, gostaria de ter mais um filho, de evoluir em termos de carreira, ter saúde e que eu e o meu marido consigamos ter emprego. As preocupações são as preo- cupações de uma mãe. (Sílvia)

    A nível profissional preocupa-me a solidez da instituição e contribuir para isso e para a sua estabilidade, mantê-la… se o contexto se agravar muito, poderemos ter conse- quências a nível de pessoal e isso preocupa-me. A nível familiar, o aparecimento inesperado de uma doença… (Teresa)

    O que me preocupa é a época de crise em que vivemos… olhamos para o futuro e estamos sempre com receio de tomar decisões… é complicado, a insegurança, a instabilidade… A nível profissional, conseguir conciliar este trabalho com a minha área de formação. A nível pessoal, constituir família. (Francisca)

Quanto aos que creem continuar nas organizações que os empregam, a maior parte ficaria contente com a manutenção da sua situação atual. A afirmação frequente nas entrevistas demonstra bem esta posição: “… manter a situação atual no contexto em que vivemos já é muito bom”. Sobre o futuro das organizações em que trabalham, o sentimento geral é de algum otimismo como transparece nos seguintes excertos das entrevistas:

    É uma instituição já bastante grande e penso que vai alargar as atividades e os públi- cos para responder às necessidades. Não consegue responder a tudo, nomeadamente na área da deficiência. Somos também uma entidade formadora, com uma vertente de inclusão. (Maria)

    Tem pernas para andar. Há pessoas muito empenhadas em fazer com que o projeto ande para a frente… há muita vontade de inovar… estão a tentar a certificação da qualidade. (Sílvia)

    Há cada vez mais necessidades e não se consegue responder. Tem tudo para crescer… (Sofia)

    Acho que está mais ou menos assegurado, porque trabalha com crianças e idosos… e há cada vez mais idosos, apesar das reformas serem muito baixas … mas não vejo grandes riscos… (Filomena)

Conclusão

Os resultados obtidos indicam algumas potencialidades do setor enquanto empregador. Entre elas, destacamos: a criação e a estabilidade do emprego, revelando uma maior capacidade para integrar grupos desfavorecidos/em desvantagem com particular relevo para as mulheres; um papel importante na inserção e integração das pessoas no mercado de trabalho; a participação nas dinâmicas locais de criação de emprego; uma importante fonte de absorção de mão de obra local; bem como a primeira oportunidade para entrar no mercado de trabalho. Porém, os resultados também revelaram algumas limitações na solução para a crise do emprego: a falta de aposta na formação como meio de promoção social; os níveis de satisfação insuficientes com o trabalho e com o emprego; os baixos salários que constituem um dos principais elementos que podem prejudicar a atratividade da economia social enquanto empregadora; bem como a sobrequalificação de uma parte dos recursos humanos e o não aproveitamento dos seus conhecimentos. São, precisamente, estas limitações que alimentam a imagem negativa em termos de emprego que, por vezes, está subjacente a estas organizações. A economia social é, muitas vezes, uma realidade mal conhecida, quer no meio envolvente, quer nas suas próprias organizações. E este é, de facto, um dos desafios que importa conseguir ultrapassar, no sentido de dar visibilidade ao trabalho que é desenvolvido e que cada vez mais é requerido.
A falta de qualidade dos empregos, manifestada na ausência de perspetivas de carreira, de oportunidades de desenvolvimento e de formação, no baixo nível de satisfação relativamente aos diversos aspetos do trabalho e do emprego, indica que não há orientações estratégicas a nível da gestão dos recursos humanos, o que seria fundamental para tornar o setor mais atrativo. Em grande parte das organizações da economia social estudadas foi possível constatar a ausência de uma estratégia global em matéria de gestão de recursos humanos. A insuficiente identificação de uma parte substancial dos trabalhadores com as organizações nas quais trabalham, indica que o laço que os liga a estas organizações é fraco, pois podiam trabalhar em qualquer setor.
O risco de os trabalhadores utilizarem a economia social como trampolim para saltar para empregos melhores na economia do mercado é reduzido no contexto da crise, uma vez que faltam cada vez mais alternativas de emprego e, apesar da insatisfação sentida, grande parte dos inquiridos têm receio de perder o seu emprego atual.
As pressões do mercado e a desregulamentação do mercado de trabalho bem como o risco da instrumentalização por parte dos poderes públicos podem fragilizar ainda mais a economia social no que se refere à sua afirmação como um setor portador de um novo modelo orientado para um desenvolvimento mais humanizado, ou seja, sustentável e capaz de prover a cidadania, a igualdade, a solidariedade e o equilíbrio ecológico. Esta fragilização pode consistir no afastamento da missão principal, na comercialização das operações, no comprometimento da autonomia e, ainda, na redução da economia social a programas de inserção e de promoção da empregabilidade sob o prisma de um setor de transição para a economia de mercado (Demoustier e Pezzini, 1999; Monteiro, 2002).
É importante ter consciência que este setor, no contexto de uma sociedade subordinada à lógica do mercado, corre o risco de ser reduzido a um mero auxiliar para situações de crise pela compensação das falhas do Estado e do mercado (Favreau e Levesque, 1995; Kovács, 2002). Para que isto não aconteça é crucial promover, no âmbito de apoios públicos, experiências de inovação social inscritas no desenvolvimento local. Ao mesmo tempo, é indispensável implementar orientações estratégicas ao nível dos recursos humanos com ênfase na melhoria da qualidade do emprego, que passa pelo aumento das oportunidades de formação e desenvolvimento, pela melhoria das perspetivas de carreira e dos salários e alteração do sistema de remunerações. Essa orientação pode levar a níveis de satisfação mais elevados e a uma maior identificação dos trabalhadores com as organizações da economia social aumentando a sua atratividade.

 

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Artigo recebido a 18 de agosto de 2013. Publicação aprovada a 1 de setembro de 2013.

 

Notas

1 Professora do Instituto Piaget de Viseu (Viseu, Portugal), colaboradora do SOCIUS-ISEG – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações, Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (Lisboa, Portugal). E-mail teresasousa71@gmail.com; tnsousa@netc.pt

2 Professora do Instituto Superior de Economia e Gestão, investigadora do SOCIUS-ISEG – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações, Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (Lisboa, Portugal). Endereço de correspondência: Instituto Superior de Economia e Gestão, Rua Miguel Lupi, 20, 1249-078 Lisboa, Portugal. E-mail: ilona@iseg.utl.pt

3 A expressão economia social surge, em França, no século XIX. Atualmente, é um conceito muito utilizado em países como a França, a Bélgica e uma parte do Canadá, nomeadamente a região do Quebeque. Esta designação conheceu/conhece também alguma divulgação em países como Portugal, Espanha, Itália e Suécia.

4Este projeto foi realizado no âmbito do Programa de Doutoramento em Sociologia Económica e das Organizações (Sousa, 2012).

5 Entre os trabalhadores para quem o emprego atual não foi o primeiro emprego é também possível (ainda que não seja a situação maioritária) encontrar a economia social como primeiro emprego.

6 É importante registar que, nestes casos, o setor privado lucrativo foi a principal entidade empregadora destes trabalhadores.

7 Uma análise mais detalhada, a esta “outra” avaliação sobre o percurso laboral/profissional. Neste caso, a maior parte das respostas incidiu sobre a resposta “estável” e as outras, em menor número, nas seguintes respostas: “evolução lenta”; “em ziguezague” e “evolução contínua e em ziguezague”.

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