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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.26  Porto Dec. 2013

 

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Panoramas umbrais da modernidade: autoidentidade e o dissensu matrimonial em Anthony Giddens

Shadow Panoramas of Modernity: Auto-identity and the matrimonial Dissensu in Anthony Giddens

Panoramas Jambages de la Modernité: Auto-identité et le Dissensu Matrimonial d´Anthony Giddens

Panoramas Umbrales de la Modernidad: Autoidentidad y el Dissensu Matrimonial en Anthony Giddens

Antônio Augusto Oliveira Gonçalves1 e Daniella Santos Alves2

Universidade Federal de Uberlândia


 

RESUMO
A presente composição textual centra-se na reflexão da autoidentidade, buscando compreender a confluência entre os aspetos íntimos da existência humana e a sociedade moderna por meio do prisma analítico de Anthony Giddens. A dinamicidade dos quadros modemos consubstancia a fluidez das relações sociais, expressada na figura do divórcio. Nos âmbitos conflituais, os agentes tem a possibilidade de transformar e urdir novos matizes a trama social. Na busca de sua autoidentidade, do reconhecimento do "eu", posterior a superação dos contextos de crise, o indivíduo mobiliza distintas iniciativas, contribuindo assim na ressignificação ativa do universo da atividade social a sua volta, a estruturação.

Palavras-chave : Modernidade; Autoidentidade; Dissensu Matrimonial.


 

ABSTRACT
The present textual composition concentrates on the consideration of auto-identity, searching to understand the connection between intimate aspects of human existence and the modern society by means of Anthony Giddens's analytic prism. The dynamic of modern paintings supports the momentariness of social relations that is expressed in the of divorce. In the conflictual areas, the individuals have the possibility to transform and insert and weave new shades into the social cloth. Searching their own auto-identity, self-acknowledgement and finally the overcoming of contexts of crisis, the individual mobilizes distinctive initiatives and contributes thus in actively giving a new sense to the universe of social activity and the structures around it.

Keywords : Modernity; Auto-identity; Matrimonial Dissensu


 

RESUMÉ
Le sujet de cette composition écrite se centre autour d’une réflexion sur l’identité individuelle et la connaissance individuelle de soi-même, cherchant á comprendre la confluence entre les aspects intimes de l´existence humaine et la société moderne, ayant comme base le point de vue et la méthode analytique d’Anthony Giddens. Le dynamisme des circonstances modernes est la concrétisation de la fluidité des relations sociales, traduit par le phénomène du divorce et ses représentations symboliques. C’est à l’intérieur de ces situations conflictuelles que les agents ont la possibilité de transformer et de tisser leur trame sociale avec des nouvelles nuances. Quand quelqu’un fait des efforts vers la réaffirmation de soi- même, en tant qu’approfondissement de la connaissance de son identité personnelle, après son surpassement des situations de crise, la personne prend plusieurs initiatives, contribuant ainsi vers une résignification active de l´univers des activités sociales autour de soi, la structuration.

Mots-clés : Modernité; Identité Personnelle; Dissensu Matrimonial.


 

RESUMEN
La presente composición textual se centra en la reflexión de la autoidentidad, buscando comprender la confluencia entre los aspectos íntimos de la existencia humana y la sociedad moderna mediante el prisma analítico de Anthony Giddens. La dinamicidad de los cuadros modernos consustancia la fluidez de las relaciones sociales, expresada en la figura del divorcio. En los ámbitos conflictivos, los agentes tienen la posibilidad de transformar y urdir nuevos matices en la trama social. En la búsqueda de su autoidentidad, del reconocimiento del yo, posterior a la superación de los contextos de crisis, el individuo moviliza distintas iniciativas, contribuyendo así a la resignificación activa del universo de la actividad social a su alrededor, la estructuración.

Palabras clave : Modernidad; Autoidentidad; Dissensu Matrimonial.


 

“No sentido de uma teoria social e de um diagnóstico de cultura, o conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo às ameaças produzidas até então no caminho da sociedade industrial” (Beck, 1997: 17).

Anthony Giddens traz para o campo da teoria sociológica a produção e reprodução da vida social – eis aqui o seu escopo orientador, o seu grande tema. Assim, o autor trabalha com a síntese entre ação e estrutura, liberdade e ordem e aceita as responsabilidades que o projeto da interrelação entre micro e macro acarreta no programa mais amplo de elaborar uma reorientação abrangente da agenda teórica da Sociologia.
Giddens considera as capacidades transformativas, proteicas e multiformes dos agentes sociais de reproduzir e transformar as suas próprias circunstâncias históricas. Desse modo, na conceção do teórico, a ação social depende unicamente da capacidade dos atores de fazer a diferença na produção de resultados definidos, quer pretendam ou não que tais resultados ocorram. Giddens (2002) sublinha que a reformulação das premissas básicas da análise sociológica traz consigo a consequência inerente de repensar sobre a natureza da modernidade.
Um dos traços distintivos da modernidade é a recorrente interrelação entre dois “extremos”: o da intencionalidade e o da extensão (disposições pessoais, num pólo, e influências globalizantes, em outro). O termo “modernidade” exprime os modos de comportamento e as instituições sociais estabelecidas no continente europeu após o feudalismo; porém, no século XX, tornaram-se globais em seus impactos e consequências.
Giddens assinala que a modernidade constrói determinadas formas sociais distintas, dentre as quais a que possui uma relevância capital é o Estado-nação. Os Estados-nações são caracterizados, por vezes, na literatura sobre relações internacionais, como “atores” numa escala geopolítica. Os Estados modernos são sistemas reflexivamente controlados e se apresentam como um exemplo maior do aspeto característico mais geral da modernidade: a ascensão e o desenvolvimento da organização. Assim, o panorama social moderno tem certas descontinuidades latentes com as instituições, modos de vida e culturas pré-modernas. A descontinuidade mais pronunciada das instituições modernas – e, talvez, a mais óbvia – é a inexistência da inércia e o seu extremo dinamismo. O mundo moderno é um universo permeado por transcendências, movência e por um ritmo de mudança social mais rápido que em qualquer sistema precedente, assim como a profundidade e amplitude com que a modernidade afeta os cursos da ação e práticas sociais têm maiores dimensões. Para Giddens, esse aspeto dinâmico da vida coletiva moderna é explicado por três elementos principais, que estão imbricados: a separação de tempo e espaço, os mecanismos de desencaixe das instituições sociais e a reflexividade institucional.

Toda cultura possui algum tipo peculiar de marcador espacial padronizado que exprime e designa uma consciência especial de lugar. No âmbito pré-moderno, o espaço e o tempo relacionavam-se por meio da situacionalidade do lugar. No entanto, a dinamicidade das instituições modernas efetiva-se no “distanciamento” de tempo e espaço que envolve, sobretudo, a formulação de uma dimensão “vazia” de tempo – subjaz a esse agir como um acicate que também separou o espaço do lugar. O esvaziamento de espaço e tempo na modernidade não se assenta em um processo de desenvolvimento linear, mas parte de uma operação dialética. Os aspetos umbrais do referido “distanciamento” entre tempo e espaço é o advento de formas mais extensas do sistema social. Essa separação fornece o próprio alicerce de sua recombinação das maneiras que coordenam a organização social humana, sem essencialmente fazer referência às singularidades do lugar – no que difere profundamente das eras pré- modernas. O mundo moderno é caracterizado por um sistema de tempo universal, o que pressupõe a construção de um “passado” padronizado e de um “futuro” universalmente aplicável. Assim, as sociedades pré-modernas ou tradicionais estão encaixadas na noção de tempo e espaço na história, porém a modernidade traz os mecanismos de desencaixe.
O desencaixe ou “descolamento” das atividades sociais dos contextos locais e sua recombinação e rearticulação por meio de fragmentos indeterminados do tempo- espaço é o ponto crucial da aceleração do “distanciamento” entre tempo e espaço gerados pela modernidade. Giddens salienta que existem dois tipos de mecanismos de desencaixe, são eles: as “fichas simbólicas” e os “sistemas especializados” – quando analisados em conjunto, Giddens refere-se a esses mecanismos como sistemas abstratos. As fichas simbólicas são intercambiáveis numa pluralidade de contextos específicos; são, antes de tudo, meios de troca que têm um valor padrão – o exemplo cabal é o dinheiro. Por sua vez, os sistemas especializados colocam entre parênteses o espaço e o tempo, sustentados pelos modos de conhecimento técnico que possuem validade independente dos profissionais praticantes e dos pacientes e clientes que fazem uso de tais conhecimentos. Esses sistemas permutam todos os poros da vida social na era moderna e dependem necessariamente da confiança e do risco. A confiança pressupõe uma qualidade de “fé”, um salto de compromisso; já a cultura do risco caracteriza as instituições modernas. “Nas condições modernas, o futuro é continuamente trazido para o presente por meio da organização reflexiva dos ambientes de conhecimento” (Giddens, 2002: 11). Nesse sentido, a aferição3 do risco exige a precisão e a quantificação de variáveis, mas o próprio aferir é repleto de imponderáveis.
Em última instância, a terceira maior influência da modernidade é a reflexividade. A reflexividade institucional é oriunda da utilização regular de conhecimento a respeito das circunstâncias e contextos da vida social como aspeto constitutivo de sua organização e transformação. A suscetibilidade de grande parte dos aspetos da vida social e a informação que se têm sobre esses aspetos não é circunstancial, mas, sobretudo, o acervo constitutivo das instituições modernas.
Isto posto, os processos metamórficos subjacentes a autoidentidade e a globalização são duas dimensões dialéticas situadas nas condições da alta modernidade, ou seja, do local e do global. Dito de outra forma, as transformações da esfera íntima das trajetórias singulares estão extremamente vinculadas na construção e no estabelecimento de conexões sociais em escala ampliada. Dessa maneira, a reflexividade não se resume aos ditames institucionais, mas se estende ao núcleo do “eu”. Nos tecidos contextuais de um arranjo pós-tradicional, o “eu” fundamenta-se num movimento reflexivo com vistas aos quadros não-experienciados, isto é, em um projeto reflexivo. A inflexão dos percursos individuais pressupõe uma correspondente organização psíquica. Porém, nos âmbitos da modernidade, o “eu” alterado deve ser constituído e medrado em um processo amplo de encadear mudanças pessoais e sociais. Portanto, a reflexividade do elemento subjetivo não se limita a substâncias produzidas nas crises da vida, mas transcende-as. Trata-se de um traço característico da ordem pós- tradicional, a (re)ordenação psíquica e os seus correlatos sociais (Giddens, 2002).
Ademais, o conceito de ação para o autor tem um caráter transformativo, assim, as estruturas sociais não são empecilhos para o processo das ações, haja vista que fornecem os meios pelos quais os atores sociais agem e são implicados na ação. São presentes na obra de Giddens (2002) os impactos da alta modernidade no campo social e individual, nas influências e nas consequências para a compreensão da autoidentidade. Na ordem pós-tradicional moderna ou reflexiva em oposição ao pano de fundo de novas experiências mediadas, Giddens analisa a autoidentidade como um esquema reflexivamente organizado. Segundo o sociólogo britânico (Giddens, 2002), na vida social moderna, o que se entende por estilo, forma ou maneira de viver assume um sentido singular, único. Imersos em uma miscelânea de opções de estilos de vida, em uma dialética do local e global, os indivíduos, na contramão dos preceitos tradicionais, deparam-se, cada vez mais, com uma diversidade de itinerários identitários, fundamentais na busca da autorrealização. Essas potencialidades individuais são definidas “como decisões tomadas e cursos de ação seguidos em condições de severa limitação material (...)” (Giddens, 2002: 13). Em outras palavras, os indivíduos dentro de determinadas circunstâncias materiais optam por diferentes estilos de vida, maneiras de viver, consciente ou inconscientemente.
A alta modernidade oferece ao individuo não uma identidade per se, mas mutável, efêmera e alterável, sobretudo, variadas identidades – de gênero, de idade –, descortinando para o sujeito um mundo de infinitas possibilidades. É relevante ressaltar o caráter contingente da ordem pós-tradicional de produzir nuances, exclusão e marginalização nas mais diversas instituições sociais, criando mecanismos não de deliberações e emancipações, mas sim de supressões no âmbito social e individual.
Assim, na compreensão da feição endêmica da autoidentidade, Giddens enfatiza um estudo sociológico denominado “Segundas Chances”, de Judith Wallerstein e Sandra Blakeslee. Uma pesquisa desenvolvida sobre o divórcio e o novo matrimônio e seus efeitos na dimensão social e individual; e das identidades dos atores sociais envolvidos. O objeto de análise das autoras é a separação conjugal, que, ao fulcro, têm dois gumes, corroborando na formulação de parâmetros de perigo e risco ao bem-estar. Por outro lado, permite uma miríade de oportunidades futuras aos cônjuges.
A rutura de um matrimônio, desse modo, acarreta mudanças substanciais na vida desses atores, horizontes beatíficos e atribulações; possibilidades e distúrbios psicológicos, ou seja, reverberações positivas e negativas aos consortes, denominado pelas autoras como um período de luto. Nos matrimônios que resultaram em divórcio observaram-se a permanência de sentimentos bons e ruins advindos das experiências adquiridas aos longos dos anos com o(a) parceiro(a). O que difere, por sua vez, é a forma, o conteúdo e a duração do intervalo temporal de luto, sendo díspare de pessoa para pessoa, mas fundamental para erigir a composição da autoidentidade do agente social. Após a superação das idiossincrasias fomentadas pela separação conjugal e o enfrentamento de problemas subjetivados, há a reconstrução social dos indivíduos na tessitura da vida cotidiana. Sentimentos como ansiedade e insegurança, que transcendem o dissensu matrimonial, são potenciados por uma época de riscos e escolhas eminentemente individualizadas. É evidente que a configuração das perceções estabelecidas na modernidade tardia sofre modificações em termos de arranjo e conteúdo.
Nesse sentido, a “segunda chance” possibilita a reconstrução de uma autoidentidade, permeada pelas condições sociais que a alta modernidade impõe aos indivíduos. Dessarte, segundo Giddens, a autoidentidade é o produto das trajetórias distintas de situações institucionais da modernidade e toda sua duração se costuma chamar de “ciclo da vida”, termo que se aplica com maior precisão a conjunturas não- modernas. Portanto, a não-inércia do panorama social moderno reflete-se na sanha dos atores em revisar suas biografias, lançar novas tintas interpretativas nas minúcias do status quo de descolamento do tempo e do espaço.

Ad postremum , o préstimo capital de Giddens reside na perceção teórica da natureza ambivalente de uma ordem pós-tradicional. O rompimento com as disposições pré-modernas e seus respetivos fundamentos, simultaneamente, impulsionam o florescimento de potencialidades singulares e singularizantes, em outros termos, certa liberdade individual. Por outro lado, esvaece a segurança, a aura de estabilidade das coisas. Assim, a antevisão de Giddens adentra numa trajetória que não concebe o dado subjetivo como pernicioso a teoria social. Pelo contrário, incorpora os aspetos internos em uma lógica contraditória – entre autonomia pessoal e a sociedade de risco.

 

Referências bibliográficas

BECK, Ulrich (1993), Risk Society: towards a new modernity, London, Sage.         [ Links ]

– (1997), “A Reinvenção da Política”, in Anthony Giddens, Ulrich Beck & Scott Lash (orgs.), Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna, São Paulo, UNESP, pp. 11-72.         [ Links ]

GIDDENS, Anthony (2002), Modernidade e identidade, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.         [ Links ]

 

Notas

1Graduando em Ciencias Sociais. Instituto de Ciencias Sociais - Universidade Federal de Uberlandia (UberHlndia, Brasil). Endere.;:o de correspondencia: Instituto de Ciencias Sociais I Universidade Federal de Uberlandia I Campus Santa Monica- Bloco H, pavimento superior I Av. Joao Naves de Avila, 2121, Bairro Santa Monica I Uberlandia- Minas Gerais I CEP: 38400-902 I Brasil. E-mail: antonio@soc.ufu.br

2Graduanda em Ciencias Sociais. Instituto de Ciencias Sociais - Universidade Federal de Uberlandia (Uberlandia, Brasil). E-mail:danielasantos.alves@hotmail.com

3As análises sobre a aferição dos riscos na sociedade moderna apresentam delineamentos expressivos na obra “Risk Society: towards a new modernity”, de Ulrich Beck (1993), além da própria conceituação de Giddens.

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