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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.25  Porto jun. 2013

 

A política de classe na economia do Estado Novo: a burguesia como classe beneficiária

João Valente Aguiar1

Universidade do Porto


 

RESUMO
Este artigo avança com um propósito teórico fundamental sustentado em dados empíricos de diversificada origem. Com efeito, tratar-se-á de romper com a noção de senso comum de que o Estado Novo teria sido um regime autoritário e sem relação com as classes sociais dominantes da época. O propósito passará por demonstrar o papel do regime no reforço da posição económica das classes dominantes de então. Com efeito, como se procurará evidenciar, o Estado Novo assumiu, simultânea e supremamente, um projeto de modernização capitalista ao longo da sua existência.

Palavras-chave: classes sociais; Estado Novo; regimes políticos.


ABSTRACT
This paper has the theoretical purpose based on the rupture with common sense idea that Portuguese New State would be just an authoritarian regime without any relationship with the dominant classes of its age. In this sense, the aim of this paper is to demonstrate the role of this political regime on the reinforcement of the economic position of the dominant classes at the time. Moreover, the New State assumed a project of capitalist modernization along its existence.

Keywords: social classes; New State; political regimes.


RÉSUMÉ
Le présent article a pour but théorique une la rupture avec l'idée de bon sens que le portugais Nouveau État serait juste un régime autoritaire sans aucune relation avec les classes dominantes de son époque. En ce sens, le but de cet article est de démontrer le rôle de ce régime politique sur le renforcement de la position économique des classes dominantes à l'époque. En outre, le Nouveau État a assumé un projet de modernisation capitaliste long de son existence.

Mots-clés: classes sociales; Nouveau État; régimes politiques.


RESUMEN
Este artículo tiene el propósito teórico basado en la ruptura con la idea de sentido común de que el portugués Estado Nuevo sería sólo un régimen autoritario sin ninguna relación con las clases dominantes de su época. En este sentido, el objetivo de este trabajo es demostrar el papel de este régimen político en el fortalecimiento de la posición económica de las clases dominantes de la época. Por otra parte, el Estado Nuevo asumió un nuevo proyecto de modernización capitalista a lo largo de su existencia.

Palabras-clave: clases sociales; Estado Nuevo; régimen político.


 

Introdução

As noções que preconizam a ascensão do(s) fascismo(s) – ou dos autoritarismos, conforme a perspetiva teórica preferida – como uma reação, são, na grande maioria dos autores que se debruçam sobre a matéria, perfeitamente sintetizadas na elucubração de Norberto Bobbio:

“O regime fascista foi um típico regime contra-revolucionário. Reagiu com a violência dos squadre d’azione2 protegidos pelo Estado contra a revolução mais ameaçada do que praticada pela ala esquerda, maximalista do movimento operário; e impôs pela violência um regime que restaurou os valores da ordem contra a liberdade, da hierarquia contra a igualdade, da nação contra o internacionalismo” (Bobbio, 2000: 600).

Apesar de se situar numa distinta perspetiva teórica, Eric Hobsbawm não está longe da citação de Bobbio quando define o fascismo na mesma linha de fenómeno multidimensional – político, ideológico e, quando no poder, económico – de reação à conjuntura do pós-Primeira Guerra Mundial. Segundo este autor, “os fascistas eram os revolucionários da contra-revolução” (Hobsbawm, 2002: 123) (grifos nossos). Isto é, o movimento político fascista consubstanciou-se numa espécie de aríete sustentado na violência como modalidade específica de restaurar a ordem numa Europa mergulhada no caos.
No respeitante à relação entre o fenómeno político (Fernandes, 1998) fascista e o Estado Novo, sem ser esse o centro do trabalho aqui exposto importa, contudo, realçar que tal não se trata de matéria escolástica, ao contrário do que defendem alguns autores3. Do nosso ponto de vista, e de modo sucinto, o deslocamento do ângulo de visão sobre a problemática Estado Novo/fascismo, que tem vindo a ocorrer na última década e meia, parece corresponder menos a um normal aprofundamento da recolha e análise do material historiográfico que, progressivamente, vai ficando disponível, e mais a uma tendência histórica de relativização teórica do leque de fenómenos que compõem o fascismo. Assim se obscurecem mais do que se iluminam os becos da investigação.
Na secção I do artigo tentar-se-á enquadrar o fascismo enquanto fenómeno político no seio da estrutura social mais vasta em que aquele se encontra mergulhado, bem como das classes que o alimentam e lhe deram espessura histórica. Por outras palavras, ter-se-á como propósito avançar com alguns elementos acerca da relação do regime político em causa com as classes sociais (Silva, 1988; Cabral, 1976). Por seu turno, na secção II abordar-se-á o feixe de relações entre os regimes fascistas e a grande burguesia e o capital financeiro, portanto concentrando esforços analíticos em torno da relação entre o regime político e um espectro específico do espaço das classes sociais: com as classes sociais dominantes mais relacionadas diretamente com a esfera financeira. Por conseguinte, para recorrer à terminologia utilizada por Adriano Codato, a ênfase neste artigo será dada à dimensão funcional4, portanto, onde o Estado surge como “a instituição responsável pela reprodução das relações de dominação que caracterizam uma dada sociedade” (Codato, 2001: 25).

Nesse sentido, gostaríamos ainda de sublinhar que tratando-se este de um objeto de estudo historicamente situado (e, entretanto, circunscrito), não significa, de todo, que se verifique tratar de um empreendimento eminentemente historiográfico. Com efeito, a objetivação de propriedades políticas, socioeconómicas e, em alguns momentos do trabalho, simbólico-ideológicas (M. Pinto, 1985: 27) do regime busca muito mais apresentar pistas para um estudo analítico-conceptual do Estado Novo do que, em estritamente, enumerar factos e figuras históricas relativamente estabilizadas e relativamente consensuais para a esmagadora maioria das pesquisas sobre o assunto. Em termos muito genéricos defendemos que a Sociologia apresenta relevantes enunciados teóricos e metodológicos para que possa “abandonar” certos objetos de estudo a outras Ciências Sociais (Tilly, 1992). Com efeito, o que diferencia de sobremaneira as Ciências Sociais umas das outras não é tanto a construção de objetos de estudo específicos e delimitados, mas mais a adoção de perspetivas e problematizações alternativas, se bem que complementares. Como vincou Adérito Sedas Nunes,

“o campo da realidade sobre o qual as Ciências Sociais se debruçam é, de facto, um só (o da realidade humana e social) e todos os fenómenos desse campo são fenómenos sociais totais, quer dizer: fenómenos que – seja na sua estrutura própria seja nas suas relações e determinações – têm implicações simultaneamente em vários níveis e em diferentes dimensões do real-social, sendo portanto susceptíveis, pelo menos potencialmente, interessar a várias, quando não a todas as Ciências Sociais” (Nunes, 2001: 24).

Por conseguinte, nenhum fenómeno social e político é estranho a uma problematização sociológica dos seus fundamentos e propriedades estruturantes. No caso, as classes sociais, a estrutura económica e a sua inserção histórico-política.

1. O Estado Novo português e o campo das classes sociais

Um dos temas mais controversos no estudo do fascismo prende-se com a imbricação que esse fenómeno político teve com as classes sociais (Sá, 1989). Assim, esta secção procurará trabalhar em torno da relação que o Estado fascista estabelece com a matriz socioeconómica e as classes existentes numa determinada sociedade. Se há correntes de pensamento que tendem a considerar como não pertinente o enquadramento de classe para o estudo do fascismo (A. C. Pinto, 2011, 2000, 1992; Ramos 2009; Cruz, 1988; Meneses, 2009; Leonard, 1998), estamos em crer que é, exatamente, uma perspetiva de totalidade histórica e de ligação entre os fenómenos políticos com os fenómenos económicos e sociais que permite desvendar a natureza substantiva de classe do fascismo, não o reduzindo apenas a esta dimensão5. Portanto, a nossa tese parte do princípio que o fascismo é um fenómeno de classe, sem com isso querer afirmar que é um epifenómeno de uma única classe ou que a classe seria a única variável explicativa. Aliás, a confusão por vezes instalada entre a equivalência de um fenómeno político com raízes de classe a uma pretensa exclusividade da ação de uma única classe está, a nosso ver, na base das teses que procuram elidir a conexão entre os dois tabuleiros. Do fascismo e da(s) classe(s), entenda-se. Na verdade, os fenómenos despoletados por uma classe nunca dizem respeito apenas a ela, mas a todas as outras, tendo em mente que existem sempre efeitos em todo o tecido social. Daí que se valorize aqui uma visão que se pretende relacional (Bourdieu, 2001).
Um dos autores que mais trabalhou com a tese de que não haveria uma forte correlação entre fascismo e classes sociais, mais ainda entre fascismo e as classes dominantes, é o italiano Renzo De Felice. Este autor utiliza precisamente a supramencionada confusão entre fenómeno de classe com fenómeno de uma única classe para justificar a ausência de qualquer relação entre fascismo e classes sociais. “O fascismo não foi a expressão de uma classe social precisa, mas ele recolhe partidários e adversários em todas as classes” (De Felice, 1975: 265). Mais uma vez se verifica o facto de se equiparar automaticamente um fenómeno relacionado (e relacionável) com as classes à pertença de uma única classe social. Para este autor, se o fascismo tem alguma ligação com o campo das classes, então ela se daria em termos do “estado de frustração social, muito fortemente gerador de uma profunda inquietude, de um desejo confuso de revanche e de uma contestação surda” (idem: 267) por parte das classes médias. Para De Felice, o fascismo teria tido “os seus mais ardentes defensores junto da pequena-burguesia”6(idem: 266), sem com isso afirmar um eixo de causalidade entre classe social e fascismo.
Sem querermos ser demasiado exaustivos, consideramos que o fascismo firma- se numa estrutura complexa de interações que as classes fundeiam entre si. Ou seja, o fascismo, ao nível das classes, sustenta-se em três eixos essenciais de classe.
Em primeiro lugar, o fascismo é gerado no que toca aos seus pressupostos políticos e ideológicos no seio de classes sociais específicas. Assim, a classe média urbana, mas, sobretudo, as classes médias constituídas por pequenos e médios proprietários rurais tendem a assumir-se como as classes organizadoras e que fornecem os elementos ideológicos mais preponderantes para a construção do fascismo enquanto ideologia e prática política. Em Portugal, o substrato ideológico de Salazar (visão do mundo sustentada no ideário católico mais tradicional, conservadorismo, apego à ordem) é em tudo coincidente com as franjas mais conservadoras da burguesia portuguesa e da pequena-burguesia tradicional da primeira metade do século XX. O próprio Salazar era originário de uma família de pequenos proprietários agrícolas e o círculo universitário que frequentou como aluno e como professor era marcado por um ambiente simbólico-ideológico fomentador à adoção e (re)produção de orientações políticas de cariz fascista. No Centro Católico Português, portanto ainda antes de aceder ao poder, Salazar destacou-se por incorporar o ideário mais conservador e tradicionalista de uma Igreja Católica portuguesa ainda desorientada face à decadência da monarquia constitucional e ao avanço da Primeira República (1910-1926). Por outro lado, a proliferação dos chamados “notáveis” (Carvalho, 2001; Fernandes, 2001; Castilho, 2001; Rosa, 2009; Fernandes, 2006) de cada região na estrutura interna da União Nacional, parece dar razão à tese de que a pequena-burguesia e os pequenos e médios proprietários do interior do país estariam fortemente ligados à orgânica interna dos aparelhos partidários fascistas e à sua alimentação ideológica.
Em segundo lugar, e este é um ponto onde há uma clara coincidência entre as características formadoras do fascismo como movimento internacional e o Estado Novo português, o fascismo recruta massas populares que se encontram despojadas de uma inserção em redes de solidariedade cultural e/ou política de classe e onde grassam o individualismo e, acima de tudo, a animosidade e o ressentimento relativamente à sua situação de insegurança material, e mesmo psicológica. Se não há uma base social de apoio transversal a todos os fascismos, regimes e movimentos deste tipo enraízam-se em torno de classes populares (classe operária e campesinato – vd. Bourdieu, 2004:372-396) politicamente desorganizadas. Isto é, camadas populares sem capacidade de se organizarem autonomamente em termos culturais, sindicais e/ou políticos. É no pântano de uma classe trabalhadora ou de um pequeno e de um médio campesinato fragmentados enquanto classe7, e, frequentemente, em situações de vida altamente precárias, que o fascismo recruta não só apoio social, como o seu contingente miliciano e de ativistas. Em Portugal, a presença de elementos populares (Melo, 2001) no interior da União Nacional e das organizações milicianas, excetuando talvez o caso da Legião Portuguesa, foi proporcionalmente inferior aos casos italiano e alemão sem, contudo, deixar de assentar nos mesmos pressupostos de base: massas populares desbaratadas e incapazes de se agregar coletiva e autonomamente como classe8.
Em terceiro lugar, o fascismo tem como classe recuperadora e beneficiária principal do seu desenvolvimento enquanto regime a grande burguesia. Com efeito, se o fascismo não nasce ideologicamente na burguesia financeira ou industrial, estas frações de classe acabaram por ser amplamente favorecidas por aquele. Assim, a grande burguesia substantiva um caráter de beneficiária económica principal, mas politicamente indireta na génese do fascismo. Esta última vertente tem a ver com o facto de que não é esta classe que inicia o processo político que leva o fascismo ao poder, mas que, após a estabilização política de um regime fascista, é a classe que reverte a seu favor esse novo enquadramento político como forma de incrementar os seus ganhos económicos. No final de contas, com a constituição do fascismo em poder político, é a classe dominante que mais vai passar a determinar as lógicas de desenvolvimento do Estado fascista. A próxima secção documentará e versará em maior detalhe esta questão.

Resumindo, a ancoragem de classe do fascismo passa por três eixos essenciais: 1) germina larvarmente nas classes mais conservadoras politicamente, com maior incidência de dinâmicas de proletarização e com uma componente agrária e/ou latifundiária muito vincada; 2) para além do enunciado no ponto anterior, o fascismo tem o seu apoio político em massas populares fanatizadas (Alemanha nazi) e/ou desmobilizadas, mas que não se demonstram capazes de se organizar e mobilizar, autónoma e coletivamente, contra os regimes não-fascistas; 3) o fascismo, no poder, dilata a dominação de classe da burguesia sob novos moldes. Se o fascismo como movimento é hegemonizado pelo ponto 1) (caso português) ou pelo ponto 2) (caso alemão), o fascismo enquanto poder político organizado institucionalmente, passa a privilegiar o eixo 3). Quer dizer, a questão da distinção entre fascismo enquanto movimento (Mann, 2011) e fascismo no poder (Aguiar, 2008) não assume foros de relevância inescapável, na medida em que, mesmo quando há distinções entre casos nacionais do fascismo como movimento, no poder e enquanto poder político, o fascismo revela semelhanças incontornáveis no que tange à reprodução da dominação de classe nos planos político, ideológico e económico (Trindade, 2008). A estes três eixos importa ter em consideração a desorganização política e ideológica da classe trabalhadora.
Num outro domínio, o fascismo revela o seu caráter de classe aquando do processo de reorganização e reunificação política do bloco no poder. Por outras palavras, no contexto da cavada crise económica, política e ideológica do pós-Primeira Guerra, o fascismo mostrou-se como uma das vias possíveis para restaurar um mínimo de unidade política entre as frações da classe dominante. Sem apagar as fricções que se mantiveram entre elas, mas arrumando as várias frações e classes, estabelecendo-lhes uma coesão política mínima.

Em Portugal, o Estado Novo mostrou ser capaz de unificar politicamente as várias classes dominantes em torno de uma plataforma ideológica e de uma política económica9 que permitisse equilibrar as forças em competição: a “Nação”. Foi desta busca de um consenso amplo – tanto dentro das frações do bloco no poder, como ao nível da desorganização10 das classes populares – que Salazar erigiu a Nação a um estatuto suprapartidária e supraclassista:

“arrancar o poder às clientelas partidárias; sobrepor a todos os interesses o interesse de todos – o interesse nacional; tornar o Estado inacessível à conquista de minorias audaciosas, mas mantê-lo em permanente contacto com as necessidades e aspirações do País; organizar a Nação, de alto a baixo, com as diferentes manifestações de vida colectiva, desde a família aos corpos administrativos e às corporações morais e económicas, e integrar este todo no Estado, que será assim a sua expressão viva – isto é dar realidade à soberania nacional” (Salazar citado em Henriques, 2010: 152).

Esta capacidade do Estado Novo em dar coesão política às classes dominantes encontrou destaque na “racionalidade política de atender à pressão dos interesses” (Rosas, 1994: 248) entre “os lobbies da grande agricultura cerealífera, orizícola ou lanígera dos campos do Sul”, as “economias industriais e aos circuitos comerciais a jusante”, bem como na “regulação dos conflitos de interesses entre a produção nacional e o comércio internacional ou colonial” (idem, 1994: 247-248). Lógica que se manteve até ao último decénio do regime como quando o autor discorre sobre a articulação que, nos anos 60 e 70, o regime vinha fazendo entre uma burguesia industrial e financeira em crescimento e uma agricultura latifundiária em crise interna11. Rosas fundamenta que o “crescimento sem precedentes da produção e do produto industrial, que passa a ser um elemento claramente motor da evolução do PIB”, e a capacidade da iniciativa privada na dinamização empresarial do seu tecido industrial, faz com que “a taxa média de crescimento do investimento da agricultura entre 1958 e 1973” seja de “15% anuais”, justifica “a afirmação de que, durante este período, o sector (da agricultura latifundiária, nota nossa) foi considerado como perdido para a causa do desenvolvimento” (idem, 1994: 467-468)12. Quer dizer, a sustentação de uma forma arcaica de produção (não plenamente) capitalista nos campos do Sul do país passava pelo apoio económico direto do Estado, como forma a preservar a unidade política do bloco no poder de então.
Para terminar esta secção, assinale-se que as linhas políticas fundamentais do Estado fascista português consistiram na unificação política (não confundir com fusão) de diferentes frações da classe dominante. A Primeira República (1910-1926), onde se assistiu à ascensão das burguesias industrial, comercial e bancária na hierarquia do bloco no poder, não conseguiu nunca concertar politicamente estas últimas com os latifundiários, onde, entre outros, os conflitos com a hierarquia da Igreja Católica – historicamente vinculada aos senhores da terra – deram azo a múltiplos conflitos políticos no seio das classes dominantes. Desse ponto de vista, o conflito clericalismo/anticlericalismo afigurou-se como uma expressão da cisão existente nas classes dominantes entre uma burguesia industrial republicana e uma aristocracia latifundiária conservadora e tradicionalista. Só o fascismo conseguiu amortecer as contendas e criar um certo consenso entre as várias frações de classe.
Por seu turno, o alçar da grande burguesia industrial e financeira à hegemonia política no país foi uma das consequências mais fortes do fascismo português, sem com isso quebrar a unidade do bloco no poder fascista. Vejamos, então, como o Estado Novo foi um ator privilegiado na escalada daquelas – sem nunca comprometer o futuro do latifúndio – e na expansão das relações económicas capitalistas, condições básicas e indispensáveis para o revigoramento da acumulação de capital, peça-chave do metabolismo económico contemporâneo.

2. O Estado Novo e o grande capital monopolista

Sobre a relação do regime do Estado Novo com as classes dominantes da época importa reter a ideia que na maioria dos países em que triunfou, “o fascismo representou, de facto, um desenvolvimento das relações capitalistas de produção (…), promovendo a reprodução alargada das condições da produção capitalista, ou seja, reforçando a exploração e a dominação de classe” (Poulantzas, 1970: 98). A fusão do capital bancário com o capital industrial (formação do capital financeiro), a concentração da produção e de capitais e a maturação e crescimento de grandes capitães da indústria são três exemplificações de como o fascismo português promoveu o desenvolvimento das relações económicas capitalistas e o grau de acumulação de capital das classes dominantes. Antes de nos debruçarmos mais detidamente no caso português apresentemos, de forma breve, o que se passou na Alemanha e na Itália. Por motivos de espaço e de circunscrição do nosso objeto de estudo iremos focar a análise no eixo da concentração da produção e de capitais. Assim, naqueles países,

“a recuperação industrial depois da crise de 1929 foi mais vincada na Alemanha do que em qualquer outra parte do mundo. Em 1939, a produção industrial cresceu 26% acima do que o anterior ponto alto de 1929, e mais do que dobrou desde 1933 (um dos anos de maior impacto da Grande Depressão na Alemanha, nota nossa). Em 1938, a Alemanha produziu 22,5 milhões de toneladas de aço, contra as 16 milhões de 1929; a extracção de ferro multiplicou-se por mais de 2,5 vezes. Referente a Itália, a recuperação industrial entre 1922 e 1929 foi a mais forte na Europa capitalista: o índice da produção industrial total, tomando o ano de 1938 a referência 100, mostra que em 1922 essa produção era menos de 60, atingindo os 90 em 1929. Caiu para 70 em 1932 por efeito da crise (da Grande Depressão, nota nossa). A recuperação deu-se novamente com grande fôlego depois da crise. Não igualou o ritmo da Alemanha, mas superou claramente o ritmo francês: 86 em 1935, 100 em 1938, 109 em 1939. Entre 1922 e 1929, a produção de ferro cresceu seis vezes, a de aço 2,2 vezes e de energia eléctrica cresceu cinco vezes” (Poulantzas, 1970: 99).

Por aqui se pode observar o impacto do fascismo italiano e alemão no crescimento económico vigoroso em setores de ponta da época, nomeadamente a indústria siderúrgica. Este crescimento foi acompanhado por um processo de clara concentração de capitais e de inequívoco reforço do poder económico das classes dominantes.
Referindo-se à Alemanha nacional-socialista, Charles Bettelheim apresenta um conjunto de dados que ajudam a corroborar a tese de que o Estado fascista permitiu, naquele contexto, elevar os níveis de acumulação do capital e reforçar a dominação de classe do grande capital. Em primeiro lugar, o número absoluto de empresas no período de 1933 a 1937, portanto, no momento em que a recuperação económica da Grande Depressão já se tinha iniciado, “diminuiu na ordem dos 9%”. Ou seja, das 361866 empresas existentes em 1932, cinco anos depois sobrevivem apenas “31598 unidades produtivas” (Bettelheim, 1971: 76). Ao mesmo tempo, entre 1936 e 1939 vê-se as sociedades com um capital social superior a 20 milhões de marcos passarem de 18 a 25 e as que tinham entre 5 a 20 milhões de marcos subirem de 92 a 104. Por seu turno, inúmeras sociedades com um capital social com menos de 5 milhões de marcos fecharam, com particular destaque para as pequenas sociedades até 500 marcos, de 500 a 5000 marcos e de 5000 a 20000 marcos que viram falir, respetivamente, 57%, 54% e 55% do seu contingente inicial (idem, 1971: 79). Para Bettelheim, o Estado nazi contribuiu decisivamente para o processo de entrega de inúmeras empresas e bancos com participação do Estado ao grande capital germânico. “Mesmo as empresas municipais foram vendidas ao capital privado, o que permitiu ao capital monopolista reforçar as suas posições, notadamente nas indústrias da eletricidade e do gás” (idem, 1971: 129).
Em Portugal, o fenómeno foi, em termos estruturais, muito semelhante. Aproveitaremos os dados fornecidos por autores de distintas balizas teóricas para dar conta do caráter intrinsecamente capitalista do Estado Novo. Para Fátima Patriarca, a relação do grande patronato com o regime foi sempre de concertação e da busca de consensos.

"Os patrões falam alto e com segurança ao Estado. Se reconhecem – e pedem – que este intervenha numa série de domínios, se aceitam até a sua “superior orientação”, se se mostram dispostos a com ele colaborar no sentido de encontrar soluções para a depressão económica, não deixam também de marcar bem as distâncias, as fronteiras e os limites. Ao Estado cabe tomar medidas que protejam, favoreçam e fomentem a indústria nacional, proceder aos estudos base, criar as infra-estruturas que esta precisa. Mas a intervenção do Estado deve terminar aqui. A actividade produtiva cabe, por inteiro e em exclusivo”, assim o desejavam os grandes industriais, “à iniciativa privada” (Patriarca, 1995: 137).

A ligação e a intimidade do grande capital com o fascismo português é, aliás, anterior à própria Constituição que institucionaliza o regime do Estado Novo. A 4 de março de 1932, a Associação Industrial Portuguesa (AIP) endereça uma exposição ao então Ministro das Finanças, Oliveira Salazar, dando nota das posições da confederação patronal sobre a globalidade das medidas governamentais anunciadas pelo Conselho de Ministros em 24 de fevereiro do mesmo ano. Nessa exposição, o patronato informa que

“a protecção aduaneira; a possibilidade de estabelecimento de contingentes de importação; a denúncia dos tratados ou convenções de comércio existentes e a celebração de novos quando a protecção pautal se mostre deficiente; o barateamento do crédito; as medidas de incremento a trabalhos públicos para combater o desemprego; a protecção dispensada à cultura do algodão em Angola são tudo medidas que os industriais da AIP aplaudem e qualificam de grande estímulo” (AIP in Patriarca, 1995: 174-175).

O interesse destas citações relaciona-se com o facto de que evidenciam a concertação global de interesses entre o regime fascista do Estado Novo e o grande capital, mesmo durante os primeiros anos do regime, período a que se refere o estudo de Patriarca. A autora que temos vindo a citar tira a seguinte conclusão sobre esta questão:

“é indubitável que os patrões foram vendo satisfeitas muitas das suas reclamações. Tinham conseguido o saneamento financeiro, com a inerente diminuição das despesas públicas e o rigor orçamental nas contas do Estado. Haviam reivindicado e obtido o condicionamento que limitasse e regulasse a concorrência interna e vão conseguir, depois, a sua melhoria. Tinham reclamado e conseguido as pautas que os protegiam da concorrência externa. Haviam reclamado e obtido dinheiro mais barato, uma tributação mais gravosa (…) e vão conseguir acordos de comércio com países estrangeiros que lhes são mais favoráveis. Tinham batido contra a industrialização das colónias e acabariam por ver o seu ponto de vista consagrado: estas iriam constituir, antes de mais, fonte de matérias-primas e um escoadouro para a produção metropolitana. E, tão importante quanto esta longa lista de benefícios, haviam conseguido o mais desejado dos bens: ordem nas ruas e paz nas empresas” (Patriarca, 1995: 646).

Por sua vez, Fernando Rosas, estudando a estrutura económica portuguesa dos anos 30, deteta que, “sob uma aparente pulverização global das empresas industriais, a estrutura industrial dos anos 30 e 40 conhecia, em vários sectores, um processo de concentração espontânea13 ou de monopolização/cartelização administrativa que permitia identificar claramente uma elite de “capitães da indústria”“ (Rosas, 1994: 67).
Pela leitura das observações deste autor subentende-se que não se pode falar numa intromissão do Estado nos assuntos da sociedade civil, ou o mesmo é dizer, na esfera da iniciativa privada. Na verdade, para lá de todo o discurso liberal expresso nas palavras das associações representativas e dos intelectuais mais próximos da grande burguesia, a realidade era que o corporativismo inscrito na matriz constitucional do Estado Novo não era contrariado pelas classes dominantes:

“o Estado regulava tudo, ou quase tudo: dimensão mínima das empresas, cotas de produção, normas de produção, cotas de consumo de matérias-primas, preços desde o produtor ao consumidor, autorizações de importação, preços de exportação, etc. Pouco ficava para a “autodirecção”“ e para a iniciativa própria dos empresários. No fundo, nem “os empresários contemplados com a organização corporativa o desejavam: era exactamente nos sectores onde falhara a “autodirecção”, o cartel privado, que era reclamada a intervenção corporativa do Estado, isto é, a cartelização e disciplina obrigatória. Na conjuntura de crise na primeira metade dos anos 30, a maioria dos industriais e os grandes agrários reclamavam não por “autonomia”, mas pela autoridade do Estado, pela força que impusesse os remédios e as arbitragens que eles, por si só, não estavam em medida de aplicar, quer contra o movimento operário, quer contra si” ( idem, 1994: 255).

Nesse sentido, a Lei da Reconstituição Económica de 1935, os Dois Planos de Fomento (1953-58 e 1959-60) e o Condicionamento Industrial, conforme firmado na Lei nº 1956 de 1937, são pacotes legislativos sem os quais o processo de desenvolvimento das forças produtivas e os mecanismos de acumulação de capital seriam uma miragem. Sobre o Condicionamento Industrial vale a pena referir que este se pautava por ser um “estímulo à implementação ou defesa da concentração” e, por outro lado, “permitiu às principais empresas auferir uma renda diferencial que reforçou a sua capacidade hegemónica no ramo”, isto é, “a constituição de cartéis solidamente dirigidos por núcleos restritos das principais empresas em cada sector” (Rosas, 1994:257). Paralelamente, todo este conjunto de medidas ajudou ao processo de concentração de capitais.

“Em 1972, 16,5% de todas as empresas industriais asseguravam 73% da produção industrial (…). Em 1973, as sociedades anónimas – que representavam somente 5,7% de todas as sociedades – concentravam 75% de todo o capital societário e 40% do pessoal e obtinham 46% do total das receitas das sociedades” ( idem, 1994:468). Por conseguinte, “em Abril de 1974, a economia portuguesa era dominada por quarenta e quatro famílias, na sua maioria controlando os sete grandes grupos financeiros. Estes grupos controlavam: quase totalmente, quatro dos mais importantes sectores industriais quanto os níveis de produtividade, taxa de lucro e capacidade tecnológica (cerveja, tabacos, papel e cimento); maioritariamente, os sectores industriais básicos (siderurgia, indústrias químicas, construção e reparação naval e metalomecânica pesada); o sector bancário e segurador; a maioria dos transportes marítimos (grupo CUF). Os “sete magníficos”, para além das trezentas empresas que detinham, dominavam as oito maiores empresas industriais e cinco das principais empresas exportadoras” (idem, 1994: 470-471).

Para terminar, vejamos o que uma das investigações historiográficas mais recentes nos apresenta sobre o mesmo assunto. O artigo “Inflação e contratação colectiva (1968-1974)” de Ricardo Noronha representa um bom exercício de utilização de um objeto de estudo específico para, por um lado, retratar o vértice de poder económico no fascismo português e, por outro, evidenciar as danças ritmicamente distintas dos diversos agentes sociais nas contendas e conflitos então decorrentes, nomeadamente num contexto de crise do regime. Contendas sociais e conflitos políticos necessariamente dotados de distintas forças e impactos no tecido social e económico do país, de acordo com a sua proveniência de classe. “A escalada inflacionária (…) foi então abordada como a expressão de uma crise mais geral e profunda, que não se limitava a uma dimensão estritamente monetária” (Noronha, 2010: 233).
Com efeito, Noronha vai articular um fenómeno específico – a escalada inflacionária no período final do Estado Novo – com características estruturantes do regime, a saber, a relação do regime com as classes dominantes. Na relação determinante da conexão do regime com a grande burguesia de então,

“destacavam-se claramente, no conjunto da economia portuguesa, sete grandes grupos empresariais: Banco Nacional Ultramarino, Banco Fonsecas & Burnay, Champalimaud, CUF, Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Banco Português do Atlântico e Banco Borges & Irmão. Em 1973, das 411 empresas com volumes de vendas superiores a 30 000 contos, 300 pertenciam a este “núcleo monopolista” que, para além do controlo sobre matérias-primas fundamentais e indústrias de base, passara a dominar os principais meios de transporte e o sector financeiro (80% da banca e 55% dos seguros). Controlava ainda: 8 das 10 maiores empresas industriais e metade das empresas com capital superior a 500 000 contos; as cinco principais empresas exportadoras; os quatro sectores industriais com maior produtividade, taxas de lucro e capacidade tecnológica (cerveja, tabacos, papel e cimentos); as indústrias de base fundamentais (energia, química, construção e reparação naval, siderurgia e metalomecânica pesada). A articulação entre o sector financeiro e a indústria assumiu um papel decisivo para a configuração destes conglomerados, formados a partir da expansão de grupos de base industrial que procuravam estender o seu controlo ao sector bancário, ou de grandes bancos comerciais que multiplicavam e diversificavam os seus investimentos industriais” (idem:236-237).

Como corolário lógico, a “banca comercial” era “o ponto de encontro de vários problemas e tensões acumulados pela formação social portuguesa no seu processo de industrialização” (idem: 238), evidenciando-se a orientação do regime em prol dos processos contemporâneos e capitalistas de concentração e centralização de capital. Em sintonia, o argumento de Noronha contribui, igualmente, para rejeitar a noção de Salazar como um ditador meramente ligado ao meio rural e sem pontes com os setores mais modernos e dinâmicos da burguesia portuguesa de então.
O agrupamento dos dados recolhidos adquire semelhanças e, em todos os autores, denotam-se duas grandes tendências similares e constitutivas de uma modernização capitalista da época: a) reforço do poder dos grandes grupos económicos na esfera da produção e circulação de bens e de capitais; b) concentração de capital e polarização da riqueza. Por outras palavras, a base material de sustentação do regime fascista situava-se, precisamente, nas relações capitalistas de produção, pré-existentes a 1933, mas desenvolvidas e expandidas com o Estado Novo. Naquele contexto histórico, um não vive sem o outro. O estado de desenvolvimento da organização social, política e económica capitalista, bem como a crise sistémica que a atravessou, criaram condições ótimas para o surgimento e amadurecimento do fascismo. Por sua vez, esta forma de Estado e de regime político desenvolveu, notoriamente, dinâmicas intrinsecamente capitalistas como a expansão das relações de produção (trabalho assalariado) na agricultura e na indústria, ou a concentração e centralização de capitais. Assim, em termos substantivos, os dados disponíveis evidenciam que não havia apenas uma relação de mútuo relacionamento benéfico entre duas instâncias distintas e independentes, mas se constituiu uma unidade social entre as instâncias política e económica, onde cada uma delas era dotada de especificidades próprias e de uma autonomia relativa. Contudo, essa autonomia relativa existia no seio de um macro mundo social mais vasto, tornando a manifestação histórica de cada uma das duas instâncias (o regime político fascista e a economia capitalista de então14) como duas componentes essenciais e recíprocas de um único tabuleiro sócio-histórico. Por conseguinte, cada uma das instituições foi indispensável e necessária à outra naquele período histórico específico da vida nacional e europeia.

Considerações finais

O Estado Novo português (se se incluir o breve período da ditadura militar de 1926 a 1933) foi a ditadura com maior duração histórica da Europa do século XX. E se esse facto foi, em boa parte, conseguido por via da repressão física e da desorganização política e ideológica de boa parte das classes populares portuguesas, não pode deixar de assumir relevo o papel do regime para a coesão interna entre as elites políticas e as classes (economicamente) dominantes do país. Na Primeira República, as disputas entre as frações agrária/latifundiária e industrial resultavam em constantes conflitos, derrubes de governos ou mesmo golpes de Estado (lembre-se o caso de Sidónio Pais, precursor do fascismo em Portugal, que ascendeu ao poder em 1917 por via violenta e foi derrubado no ano seguinte), pelo que o Estado Novo português surgiu como uma solução radical, violenta, mas consensual entre os grupos situados no topo da sociedade portuguesa de final dos anos 20. Em simultâneo, essa coesão política, por via da pacificação dos conflitos e por via da ascensão paulatina e gradual da burguesia industrial a fração hegemónica na estrutura económica do país, permitiu o próprio desenvolvimento económico sob bases capitalistas sem demasiadas contrariedades ou sobressaltos. Pelo menos até ao final da Segunda Guerra Mundial, onde o regime fazia parte de uma constelação europeia de ditaduras e enquanto as lutas operárias (a partir dos anos 40) e estudantis (dos anos 60 em diante) não iam abrindo fissuras nos processos de legitimidade política do poder instituído.
Por conseguinte, um conjunto de fenómenos políticos complexos como a instauração e edificação do fascismo em Portugal, corporizado na figura política do regime do Estado Novo, não decorreram tão-somente no plano propriamente dito da política. Com efeito, o impacto na estrutura socioeconómica foi, indubitavelmente, relevante como se buscou demonstrar acima nas duas secções centrais deste trabalho. De facto, como a secção II procurou evidenciar com particular ênfase, o fascismo mais do que uma necessidade do capitalismo em geral, foi em simultâneo: a) uma necessidade (ou, se se preferir, a via mais provável) decorrente da evolução dos processos de difícil institucionalização da Primeira República e do capitalismo português de então e; b) o catalisador do aprofundamento estrutural de dinâmicas capitalistas na formação socioeconómica portuguesa.
Desse modo, podemos perspetivar o regime ditatorial do Estado Novo não como um mero epifenómeno da economia, mas como uma demonstração de como o campo político detém um grau considerável de autonomia relativa, comunicando e ajudando na própria configuração da estrutura económica. No caso concreto do Estado Novo português, dinâmicas como a formação de uma burguesia financeira detentora de participações na área bancária, financeira, comercial e industrial e que concentrava uma significativa parte do PIB nacional só foi possível no contexto desse regime político.
A perspetivação destes processos políticos e socioeconómicos revela tanto, no plano da realidade social então vigente, para as condições e desafios económicos colocados às classes dominantes portuguesas da época, como, no plano teórico, para a superação de noções de senso comum assentes na atribuição de um exclusivo e linear ruralismo ao regime de Salazar e Marcelo Caetano ou de que o Estado Novo pouco ou nada se relacionaria com as classes sociais e com a própria configuração e evolução do capitalismo português no século XX.

 

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Notas

1 Investigador do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) (Porto, Portugal). E-mail: joaovalenteaguiar@gmail.com

2 Em português, esquadrões de ação. Milícias fascistas italianas que cometiam atos de vandalismo e violência gratuita contra operários e dirigentes políticos de esquerda nas ruas e nas fábricas.

3 Numa recente investigação, Nuno Domingos e Victor Pereira defendem a necessidade de se “ultrapassar as questões que se tornaram hegemónicas em Portugal, como saber se o salazarismo era ou não fascista” (Domingos e Pereira, 2010: 22).

4 De facto, não existe Estado sem uma dimensão funcional e sem uma dimensão institucional. Sobre esta última, Codato chama a atenção que o Estado é, igualmente, e em complementaridade, “entendido como uma instituição subdividida em um sem-número de aparelhos, capaz de tomar decisões e de alocar recursos” (Codato, 2001: 25). Para um estudo da dimensão institucional propriamente dita do Estado Novo vd. (Aguiar, 2008).

5 A classe surge-nos como uma referência central para a compreensão dos vários regimes fascistas. Apesar de central, tal não pode levar a um qualquer exclusivismo teórico na avaliação desses regimes políticos.

6 “Para o melhor e para o pior, os verdadeiros pontos fortes do fascismo estarão sempre nas classes médias” (De Felice, 1975: 279).

7 O historiador português João Bernardo tem sido um dos raros autores que tem relacionado criativa mente o fenómeno político fascista com a dinâmica das classes sociais, nomeadamente em torno da dialética operada entre os princípios de auto-organização (das classes dominantes) e de hetero-organização (da classe trabalhadora por intermédio das primeiras): “o fascismo define-se como a mais ambígua das formas políticas, e portanto a mais artística de todas elas. O fascismo não se limitou a desnaturar instituições criadas pelas lutas coletivas e ativas e a transferi-las para a esfera do Estado, mas transportou para o quadro genérico da opressão o próprio tema da revolução. A revolta no interior da coesão social pressupunha que se tivesse levado a um ponto extremo a dissolução de quaisquer formas de auto- organização, para em seguida hetero-organizar os trabalhadores, obrigando-os a subordinarem-se sem falhas à hierarquia do capital. Se os meios clássicos da política burguesa se revelavam incapazes de levar a cabo a recuperação das instituições que os trabalhadores haviam criado no seu âmbito próprio, então surgiam os fascistas” (Bernardo, 2003: 32).

8 Nada do que aqui se expõe corrobora qualquer tipo de afirmação que prime pela ausência de mobilização das classes populares contra o regime. A contestação ao regime ancorou-se de sobremaneira no operariado fabril da cintura industrial de Lisboa (Ferreira 2012; Marques 2007) e no operariado agrícola alentejano (Aguiar, 2010: 169-229; Pereira, 1976). Todavia, o regime do Estado Novo foi amplamente eficaz na desorganização política do pequeno campesinato nortenho. Desorganização política que se espelhava tanto no nível propriamente político – em que a mobilização política do campesinato durante a ditadura foi uma exceção – como no nível ideológico-cultural – dado o impacto profundo do repertório naturalista e conservador da produção ideológica do regime no seio daquela classe social (Melo, 2001; Alves, 2010; Félix, 2003; Ramos do Ó, 1999). Este fenómeno de desorganização do campesinato foi particularmente visível no facto de esta classe social, em primeiro lugar, ter sido a mais numerosa na formação social portuguesa até ao início dos anos 60, algo que por si só, garantiu alguma base social de apoio ao regime. Correlativamente, e em segundo lugar, o duplo facto de o campesinato ter sido politicamente desorganizado e de ser uma força social quantitativamente relevante, fez com que se tornasse muito difícil estabelecer uma aliança política entre o operariado (sobretudo do sul do país) e o conjunto de pequenos e médios proprietários agrícolas nortenhos. Ao mesmo tempo, o facto de persistir, se bem que de modo variável, um operariado contestatário ao regime ditatorial, não é de menosprezar a legitimação política e ideológica do Estado Novo junto de camadas operárias desinseridas dos mecanismos de mobilização coletiva, tanto ao nível propriamente reivindicativo, como ao nível político de recusa do regime.

9 Ou seja, fenómenos como a concentração económica de capital em larga escala ou a formação de uma burguesia financeira moderna, duas dinâmicas nucleares de qualquer economia contemporânea, só foram possíveis na formação socioeconómica portuguesa por via da política económica do Estado Novo, nomeadamente as leis do Condicionamento Industrial, do corporativismo e dos Planos de Fomento.

10 Neste ponto, não podemos deixar de registar as diferenças registadas entre a nossa perspetiva e a de Braga da Cruz. Quando este autor defende que o regime de Salazar “desejando-se ‘popular’, não assentou a sua força em massas politicamente atuantes ou organizadas, nem delas pretendeu colher a própria legitimidade” (Cruz, 1982: 794) (itálicos nossos), torna-se difícil concordar com a segunda parte desta afirmação. Se qualquer regime político necessita de operar e de desenvolver mecanismos de legitimação política, como uma ditadura poderia fugir a essa dimensão? De facto, como ampla literatura tem demonstrado (vd. Nota 8), a criação pelo regime de uma mundividência camponesa travejada em torno de princípios de naturalização e de essencialização de uma condição humilde, simples e pretensamente desligada de mecanismos classistas, criou uma “colagem” simbólica entre o regime e as massas camponesas.

11 De acordo com Hélder Fonseca, o atraso na agricultura portuguesa dos campos do Sul, desde o século XIX e que se prolongaria pelo século XX, deveu-se, de sobremaneira, à pouca aplicação de maquinaria na produção agrícola, portanto, onde os mecanismos relativamente obsoletos da mais-valia absoluta prevaleceram sobre a modernização tecnológica e de elevação da produtividade laboral que a mais-valia relativa implica: “no plano tecnológico, poder-se-á admitir que o ritmo de modernização não decorreu a uma grande velocidade ou que o investimento realizado em capital fixo não foi o mais adequado à escala das suas explorações” (Fonseca, 1998: 530).

12 “Em 1973 a indústria produz quase metade do PIB, contra 11,3% da agricultura, que representara o triplo em 1950: a produtividade da agricultura evoluíra a um ritmo de cerca de metade do resto da economia” (Amaral, 1994: 898). Todos os dados estatísticos conhecidos, coligidos por autores de distintas orientações teóricas, demonstram o papel do regime do Estado Novo na modernização capitalista. Modernização capitalista expressa ao nível da ultrapassagem do setor agrícola (no caso português, assente nos mecanismos da mais-valia absoluta) pelo setor industrial que, tendencialmente, incorporou dinâmicas de elevação da produtividade do trabalho, mesmo que, como corretamente argumentam alguns autores, “constata-se facilmente que a economia continuou a depender de setores com baixa produtividade e pouco valor acrescentado. Foram esses setores de produtividade baixa que mais cresceram” (Costa et al., 2011:206). Continuando, mesmo que bastante relativa, a modernização económica empreendida pelas políticas protecionistas de condicionamento industrial e de cartelização permitiram uma ascensão da burguesia industrial e financeira no bloco no poder das classes dominantes portuguesas. João Martins Pereira deu conta dos traços fundamentais da modernização capitalista: “talvez possa aventar-se a hipótese de que um capitalismo burocraticamente enquadrado e corporativamente organizado (…) industrialmente frágil e ‘caseiro’, começa aqui, por iniciativa do próprio Estado, a dar lugar a um outro (capitalismo) em que terão um papel de relevo um conjunto de grandes grupos financeiro-industriais e as ligações crescentes aos mercados (e investidores) internacionais” (Martins Pereira, 2005: 236). Como Miriam Halpern Pereira (1979: 31) já defendia no final dos anos 70, o Estado Novo conseguiu que a industrialização da economia portuguesa fosse possível sem uma transformação do latifúndio numa propriedade capitalista clássica. Por conseguinte, as teses em torno de um pretenso arcaísmo ruralizante por parte de Salazar têm muito mais a ver com a produção ideológica do regime e menos com a realidade económica efetiva. Em suma, o Estado Novo, no plano económico, remodelou o capitalismo português, na medida em que, no plano político, permitiu uma relativa coesão política entre as várias frações das classes dominantes portuguesas. Portanto, o regime “articulou os interesses dos industriais e dos bancos com os da propriedade fundiária, nunca desmerecendo uns e outros e mantendo um equilíbrio só possível pelo controlo estatal dos mecanismos de determinação dos preços e pela distribuição de subsídios generosos” (Costa et al., 2011: 251).

13 “Monopolização que se processava tanto espontaneamente como pela intervenção direta do Estado, isto é, através da concessão do exclusivo da exploração de certos setores ou serviços essenciais” (Rosas, 1994:68). Este último processo sublinha o papel do Estado fascista na própria formação da grande burguesia industrial. No que lhes diz respeito, a burguesia industrial e os técnicos e gestores de topo das grandes empresas da indústria, “viam no Estado forte e esclarecido”, isto é, no regime do Estado Novo, “a condição primeira de desenvolvimento económico do país” (Rosas, 1994: 89) (itálicos nossos).

14 Com isso não queremos afirmar que só através do fascismo se poderia implementar e/ou fortalecer dinâmicas económicas de recorte capitalista. Na verdade, o fascismo foi um caminho excecional para se atingir esses propósitos. No caso português, tal facto só foi possível com o regime ditatorial, na medida em que este conseguiu agregar politicamente as várias frações das classes dominantes em torno de um projeto nacional de simultâneo incremento da exploração económica das ex-colónias portuguesas em África (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde) e de conciliação entre uma camada social agrária refractária à modernização da estrutura fundiária e uma burguesia industrial que almejava a se tornar economicamente dominante no espaço económico português. Relembre-se que a Primeira República portuguesa (1910-1926) foi atravessada por inúmeros conflitos entre essas duas grandes (e internamente heterogéneas) frações de classe. Também deste ponto de vista, o fascismo estadonovista teve um papel relevante na unificação política das burguesias agrária e industrial, algo que o regime da Primeira República nunca foi capaz (Rosas e Rollo, 2010).

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