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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.24  Porto Dec. 2012

 

Peregrinação: possibilidades de compreensão crítica de uma experiência

Pilgrimage: possibilities for critical understanding of an experience

Pèlerinage: possibilités de compréhension critique d’une expérience

Peregrinación: posibilidades de comprensión crítica de una experiencia

Ângelo Cardita1

Université Laval


 

RESUMO

Este estudo indaga as várias possibilidades de compreensão crítica da experiência – humana e religiosa – da peregrinação. Depois de se explorar a polaridade presente na própria noção de “experiência” tal como pensada pela mentalidade técnico-científica e pela convicção religiosa, mostra-se, ainda, como também as abordagens das ciências humanas reproduzem polaridades semelhantes, até ao ponto da rutura epistemológica. A consideração da peregrinação como “arquétipo” e “narração” completa as possibilidades de compreensão crítica desta experiência, as quais são, finalmente, submetidas a avaliação à luz da atual busca de espiritualidade.

Palavras-Chave: Peregrinação; Experiência religiosa; Epistemologia religiosa


ABSTRACT

This study inquires about the several possibilities of critical understanding of the – human and religious – experience of pilgrimage. After exploring the polarity present in the very idea of “experience” as conceived by the technical and scientific mentality and by the religious conviction, it is shown how the human sciences approach also reproduces similar polarities, to the point of epistemological rupture. The consideration of pilgrimage as “archetype” and “narrative” completes the possibilities for critical understanding of this experience, which are, finally, submitted to evaluation in the light of the current request for spirituality.

Keywords: Pilgrimage; Religious Experience; Religious Epistemology


RÉSUMÉ

Cette étude enquête sur les différentes possibilités de compréhension critique de l’expérience – humaine et religieuse – du pèlerinage. Après l’exploration de la polarité présente dans la même notion d’ “expérience” telle que conçue par la mentalité technique et scientifique et par la conviction religieuse, on montre comment aussi les approches des sciences humaines reproduisent similaires polarités, jusqu’au point de la rupture épistémologique. La considération du pèlerinage en tant qu’ “archétype” et “narrative” complète les possibilités de compréhension critique de cette expérience, lesquelles sont, finalement, soumises à l’évaluation à la lumière de l’actuelle demande de spiritualité.

Mots-clés: Pèlerinage; Expérience religieuse; Épistémologie religieuse


RESUMEN

Este estudio indaga sobre las diversas posibilidades de comprensión crítica de la experiencia – humana y religiosa – de la peregrinación. Después de explorar la polaridad en la noción misma de “experiencia” tal como es concebida por la mentalidad técnica y científica y por la convicción religiosa, se muestra como también los enfoques de las ciencias humanas reproducen polaridades similares, hasta el punto de rutura epistemológica. La consideración de la peregrinación como “arquétipo” y “narrativa” completa las posibilidades de comprensión crítica de esta experiencia, las cuales son, finalmente, sometidas a evaluación a la luz de la actual demanda de espiritualidad.

Palabras-clave: Peregrinación; Experiencia religiosa; Epistemología religiosa


 

Introdução

A peregrinação conta-se entre o tipo de experiências que, aparentemente, só se podem entender a partir delas mesmas, ou, talvez melhor, passando por elas. No limite, dir-se-ia que se alguém quer realmente saber o que é a peregrinação deveria pôr-se a caminho. Obviamente, este caráter impenetrável da experiência vem-lhe da sua forte dimensão subjetiva, a qual, precisamente, é posta em questão pela observação analítica e pela sua inscrição semântica: os sujeitos dificilmente se reveem nas descrições sociológicas e nas reflexões filosóficas e teológicas das experiências simbólicas por eles vividas em primeira mão. Mas a verdade é que estas experiências acabam por receber algum tipo de articulação expressiva, na qual confluem e, por assim dizer, recebem o seu acabamento. Quer dizer, é a própria experiência que começa por se descrever e interpretar a si mesma. Assim sendo, porque deveria ela ser imune à descrição controlada das ciências humanas, à interpretação metódica da filosofia ou à compreensão crítica à luz de um referente divino pela teologia? Não se dá a experiência da peregrinação e dos peregrinos (nas condições concretas que efetivam o próprio peregrinar) sob o horizonte de um sentido e de um destino a alcançar?
Este estudo pretende inquirir sobre as várias possibilidades de compreensão crítica da experiência – humana e religiosa – da peregrinação. Trata-se, portanto, de uma reflexão “aquém” e “além” de uma pesquisa empírica em torno de uma peregrinação concreta, mas não extrínseca a ela. Pelo contrário, na medida em que se detém sobre as polaridades, ruturas e possibilidades de compreensão crítica da peregrinação, constitui-se naturalmente num novo impulso em ordem ao estudo – empírico e reflexivo, quantitativo e qualitativo – da mesma (e, por extensão, dos factos religiosos em geral). Por isso mesmo, é importante começar pela própria experiência da peregrinação.

1. A experiência da peregrinação

A peregrinação consiste numa viagem, motivada pela devoção, a um lugar sagrado. A devoção religiosa do peregrino parece continuar a ser o que permite distinguir a peregrinação de outro tipo de viagens, como, na atualidade, o assim chamado “turismo religioso” (Tomasi, 2002 e Tidball, 2004).

“A peregrinação continua a ser um ato religioso, espontâneo e voluntário, que consiste em deixar a casa e os hábitos para cumprir uma promessa, pedir graças ou favores para si mesmo ou para outros, obter o perdão de faltas graves, esquecer o passado para viver uma vida nova ou ainda por qualquer outra razão pessoal ou coletiva” (Chélini & Branthomme, 2004: 115-116).

Traços fundamentais da peregrinação são, pois, as motivações do peregrino, o percurso e o lugar sagrado de destino. “Cada peregrinação comporta uma estrutura essencial: um peregrino que caminha pela estrada; um lugar de chegada escolhido em razão da sua situação em relação ao sagrado; uma motivação do peregrino que procura e espera um encontro com uma realidade misteriosa e invisível” (Ries, 2012: 634). Na verdade, os motivos que levam à peregrinação podem ser os mais variados, como a ação de graças, a veneração e culto de uma potência sobrenatural ou de uma pessoa santa ou mesmo o regresso às origens da religião que se professa. Ao peregrinar a Meca, o crente muçulmano cumpre um dever religioso e um dos pilares do islamismo (Étienne, 1987 e Mahfoud, 2007). O crente hindu, por sua vez, pode, com a peregrinação, chegar a libertar-se do ciclo dos nascimentos e das mortes (Scheuer, 2007). No budismo, é exigida a disciplina do corpo e do espírito e a peregrinação terá tanto mais valor se o crente se dispuser a receber instrução religiosa (Delahoutre, 1987). No cristianismo, a peregrinação é recomendada como praxis espiritual e penitencial (Chelini & Branthomme, 1982 e Delville, 2007).
Se excluirmos o caso do islamismo, ressalta como característica importante o ato e a decisão voluntária do crente por empreender uma peregrinação, assim como o fascínio dos lugares sagrados. A peregrinação através de meios de transportes é um fenómeno recente. Até fins do século XIX, o normal era que a peregrinação fosse feita a pé. Fortemente marcadas pela experiência individual, a peregrinação e as dificuldades que esta acarreta contribuem para que se dê uma mudança, por vezes radical, no indivíduo2 .
O termo “experiência” está sujeito, naturalmente, a mal entendidos, seja da parte da mentalidade técnico-científica, seja da parte das religiões. No primeiro caso, a experiência é entendida no âmbito da construção do saber sobre o real. Trata-se, portanto, de uma objetivação da realidade. No caso das religiões, a experiência é invocada como confirmação da sua autenticidade, acentuando, por isso, o seu caráter subjetivo3 . Há mesmo uma espécie de “mistificação” da experiência religiosa, inacessível à ciência, por um lado, insubstituível para a religião, pelo outro.
O estudo psicológico de Antoine Vergote (1987) salta por cima da alternativa entre a objetividade requerida pela ciência (neste caso, a psicologia) e a subjetividade invocada pela religião, para considerar a experiência religiosa como uma dimensão pertencente à realidade psíquica e, pelo menos, linguisticamente articulável. A sua definição de “experiência” é de grande utilidade, pois não se limita a salvaguardar o caráter imediato do conhecimento que ela proporciona, nem a considerá-la apenas como uma projeção extrínseca de significado. Para Vergote, “a experiência consiste na conjunção do contacto imediato e da significação apreendida pela coisa” (Vergote, 1987: 112). Deste modo, a experiência cruza os objetos com a linguagem e o significado, podendo começar tanto pelos objetos, como pelas ideias que deles se possua. Vergote respeita assim plenamente a centralidade do sujeito na experiência e a superação da polaridade subjetividade-objetividade que se verifica no interior da experiência religiosa. Vergote pretende, ainda, “desmistificar” a experiência, aceitando antes a sua normalidade. Não se tratam de visões, revelações inauditas ou situações de transe, mas de uma possibilidade ligada à unidade, no ser humano, da afetividade, da linguagem e do sentido. Por isso, a experiência requer certas condições (psicológicas, culturais e religiosas) e só quem a ela se dispõe a fará efetivamente (Vergote, 1987:163-167). Através da afetividade e da expressão do seu conhecimento em sintonia com as significações religiosas, “o homem percebe sensivelmente a presença divina. Não há raciocínio, nem dedutivo nem indutivo neste momento, mas experiência porque participação expressiva no que se mostra como sinal de uma presença” (Vergote, 1987:154).
A experiência religiosa é tanto gratuita e inesperada quanto o ser humano a invoca sobre si, prepara, acolhe e nela se implica ativamente. O próprio Vergote dá-nos uma pista valiosa para entender o papel do rito na experiência religiosa ao afirmar que “o rito é uma ação simbólica pelo corpo e sobre o corpo” (Vergote, 1987: 287)4 . O rito cumpre, portanto, não só com todos os requisitos para criar um contexto propício à experiência, como, por assim dizer, para a ampliar através da sua recriação. No peregrinar, temos também esta implicação corporal ativa (pelo corpo) e passiva (sobre o corpo) como possibilidade de perceção afetiva de uma “presença”.
A experiência básica da peregrinação é proporcionada e consiste em caminhar. Assim, segundo Michel de Meslin, “fazer uma peregrinação é antes de mais uma estrada. Seja qual for a maneira em que esta é feita, é sempre suportada. Ela torna-se para o peregrino a experiência dos seus próprios limites, do domínio sobre os seus sofrimentos, que ele aceitou voluntariamente desde o início” (Meslin, 1988: 188). Outros autores referem-se ainda ao efeito “libertador” da caminhada – a passo regular e firme – sobre a consciência.


“Esta libertação do pensamento coroa a obra da marcha, permitindo ao peregrino encontrar, prosseguir e realizar o seu grande projeto. Nesta perspetiva, o passo torna-se a marcação decisiva que religa o espaço ao tempo, o indivíduo aos seus semelhantes e ao cosmos, o corpo ao espírito, num dinamismo e numa simbiose de vida que inspira e atrai o infinito” (Chélini & Branthomme, 2004: 122).

As novas formas de concretização das peregrinações podem ser consideradas como reconstruções desta experiência básica, que acentuam a deslocação (viagem) e a visita (turismo). Também neste sentido as modernas peregrinações – “seculares” ou “religiosas” – são “experiência” (Jan Margry, 2008 e Post, Pieper & van Uden, 1998) e, tal como Tomasi faz notar, “não há nada de deplorável nisso, no entanto, porque cada época tem a sua própria maneira de se relacionar com o sagrado” (Tomasi, 2002: 20). De facto, o referente fundamental de qualquer forma de peregrinação continuará a ser a caminhada “inspirada” e “atraída” pelo infinito, espacializado, quer dizer, imanentizado pela confluência, ao longo dos tempos, dos peregrinos no mesmo lugar sagrado de destino (Dupront, 1987: 365-415 e Ries, 2012: 639-640, o qual considera o simbolismo do centro “essencial para compreender o universo da peregrinação e a sua universalidade”).

2. Polaridades na compreensão da peregrinação

Referindo-se à peregrinação como metáfora essencial do caminho que nos faz sentir a todos como “peregrinos”5, na busca da transcendência e na experiência do magnetismo do lugar sagrado, Natale Terrin afirma:

“É necessário, de facto, tomar nota: as duas dimensões do verdadeiro e do imaginário coexistem de maneira excecional na peregrinação como talvez em nenhum outro fenómeno e confortam-se mutuamente de modo polar. Em definitiva, creio que não seria pensável este fenómeno sem uma consideração da imaginação ativa que reúne o fenómeno do desejo a uma vontade de visão do sagrado (…)” (Terrin, 1998: 179)6.


Mas esta não é a única polaridade presente na peregrinação e, segundo Wheeler, a peregrinação deve entender-se não só como experiência antiestrutural da communitas, mas também da fratura e do conflito. Wheeler esboça, por isso, uma teoria da confluência. “Esta teoria da confluência integra as duas qualidades de fratura e de corporação da peregrinação” (Wheeler, 1999: 27). O conflito e a communitas são, de facto, constantemente negociados na peregrinação e desta interrelação é que surge a “confluência”.

“(…) Uma das mais notáveis observações comuns sobre a prática moderna da peregrinação é que os peregrinos trazem consigo não só as suas próprias crenças mas também as suas próprias definições de estatuto e de discurso dominante. As atuais discussões das políticas de identidade poderiam ensinar-nos que a communitas e o conflito são constantemente negociados; é a sua contínua interrelação que eu denomino confluência” (Wheeler, 1999: 28).


Esta confluência caracteriza os grupos e os indivíduos, definindo o espaço comum como espaço de encontro, movimento, crítica recíproca e comparticipação ritual.

“Esta noção de espaço comum vai além das noções de ‘base comum’ para integrar a dimensão de movimento; a confluência sugere não só um lugar a ocupar mas também um caminho a andar. A confluência é uma forma de compreender o que é comum no espaço comum; ela honra tanto a divisão como a conexão entre os indivíduos e as suas comunidades mais amplas. A peregrinação é uma figura paradigmática e um processo de confluência corporal e espiritual” (Wheeler, 1999:29).


Terrin e Wheeler reconhecem a presença de aspetos em tensão na peregrinação, sugerindo, ainda, a possibilidade da sua conjugação, mas enquanto as observações de Terrin se situam no terreno hermenêutico-fenomenológico, as propostas de Wheeler são claramente histórico-sociológicas. Poder-se-á elaborar uma teoria capaz de acolher este complexo jogo de diferenciações e de mediações, respeitando não só as várias dimensões em que estas surgem, mas também as epistemologias (e metodologias) que as diagnosticam? O desafio consiste, na verdade, em superar uma mera justaposição ou anexação de visões e resultados diversos que manteria a heterogeneidade entre a antropologia e a ontologia, o arquetípico universal e os factos sociais particulares, entre a imaginação ativa e a confluência, mas não saberia, por assim dizer, devolver o objeto analisado à globalidade da experiência que este proporciona.

3. Rutura epistemológica no estudo da peregrinação

Duas obras recentes, publicadas em Portugal, sobre a peregrinação servirão para ilustrar as dificuldades que se fazem sentir a nível epistemológico, ou seja, no âmbito do discurso sobre o conhecimento crítico (das suas possibilidades e métodos de aquisição) dos factos religiosos. Na primeira obra estuda-se uma peregrinação concreta, numa modalidade específica – a peregrinação a pé a Fátima – desde o ponto de vista antropológico-cultural. A segunda obra tem um caráter meditativo e, embora considere alguns aspetos da experiência antropológica do peregrinar, desenvolve um discurso filosófico (ontológico) geral. O aspeto epistemológico aqui em questão consiste na rutura que estas opções divergentes provocam no próprio objeto de estudo, pois, para além das exigências e características próprias de cada método (antropológico ou filosófico), é preciso salvaguardar a realidade em questão (a qual, naturalmente, é prévia ao método da sua análise). A “exterioridade” antropológica da peregrinação, por um lado, e a sua “interioridade” ontológica, pelo outro, não deveriam aparecer como dimensões estranhas uma à outra, mas sim convergir na compreensão crítica deste facto social que é também uma experiência religiosa e teológica7 .

a) Um estudo antropológico

O estudo de Pedro Pereira (2003) situa-se no campo da antropologia e, em grande medida, assume como objetivo a comprovação das teses de Victor e Edith Turner sobre a peregrinação. Estes autores reconhecem nas peregrinações um tipo característico de “liminaridade”, com paralelo só nos rituais de iniciação. O que caracteriza os fenómenos liminares é a presença da communitas, que se opõe à societas. Se esta representa a “estrutura”, a communitas surge como a “antiestrutura”. Nos ritos de iniciação, a passagem pela communitas é efémera mas revitalizadora, pois uma vez reintroduzido na sociedade, o indivíduo está reforçado pela experiência da communitas. O jogo a sublinhar é o que se dá entre a separação, isto é, a situação liminar que constitui a communitas, e a reintrodução na estrutura do grupo social. A peregrinação representa, precisamente, este “sair para regressar”, mas para regressar diferente, transformado (Turner & Turner, 1978, em particular, o primeiro capítulo: Pilgrimage as a Liminoid Phenomenon, 1-39, e ainda Turner, 1973 e 1974).
Tendo este fundo teórico em conta, Pedro Pereira, estuda a peregrinação a pé a Fátima desde o “interior” (metodologia da observação participante), mas fazendo emergir os seus aspetos “externos”, desde a organização dos grupos, a sua liderança, o dia a dia, a comunicação e a cooperação, até à chegada ao Santuário, com a qual a peregrinação se encerra. Para ele, “os três traços fundamentais do fenómeno religioso peregrinação são: as motivações para encetar a viagem, o próprio percurso e o lugar sagrado” (Pereira, 2003: 44). É de salientar que, na ordem das motivações, “a peregrinação em causa é quase sempre a consequência de uma promessa feita anteriormente” (Pereira, 2003: 85). Esta promessa é descrita como um contrato: “é o promitente que escolhe a entidade sobrenatural e que estabelece as condições do contrato, e se o ser sobrenatural não cumprir a sua parte, o promitente também não cumpre a sua” (Pereira, 2003: 88)8 .
A relativização da tese da communitas na peregrinação vem da constatação de que a formação de grupos de peregrinos se subordina ao caráter individual da peregrinação, imposto pela promessa. “Dificilmente um peregrino ajuda outro, se essa ajuda puser em causa a sua chegada a Fátima” (Pereira, 2003: 130). O grupo é um meio útil para atenuar as dificuldades. É mesmo paradoxal que o sofrimento seja a condição fundamental da promessa (e mesmo a experiência mais marcante da peregrinação9 ) e que a constituição de grupos se deva, apenas, à tentativa de atenuar esses sofrimentos.

b) Um estudo filosófico

Se a descrição de Pedro Pereira atinge o coração da ideia de communitas, já para Silva Lima (2007) é na imersão no coletivo comunitário que se joga a própria identidade do peregrino.

“Se ao longo do caminho se vislumbram significados retalhados ou fragmentos de significação, o percurso adquire uma significação cabal e total a partir do fim, do cumprimento pleno, onde cada indivíduo toca as raízes de uma identidade, coroando os seus esforços na presença da comunidade; (…)” (Lima, 2007:14-15).


O aspeto comunitário é imediatamente lançado para o âmbito ontológico. “Um tal coroamento adquire algum estatuto mediador, aparecendo como um outro nome da transcendência inominável e da sua radical diferença” (Lima, 2007: 15). Para este autor, “peregrinar pertence ao âmago do ser” (Lima, 2007: 19)10 . A peregrinação torna-se assim um tema hermenêutico na compreensão da estrutura fundamental do ser humano: ser de visita e de visitação11 , ser “de pé”, caminhando em direção ao futuro, “a pé”.

“A humanidade, na textura do seu desenvolvimento e evolução, reflete uma caminhada para fora na qual se realiza, processo que comporta uma dimensão de verticalidade. É de pé que cada homem ou mulher caminha para mais, num projeto sempre novo que o vincula ao futuro” (Lima, 2007: 55).


A leitura cruzada da descrição antropológica e da contemplação ontológica da peregrinação põe em questão o próprio facto religioso sobre o qual se reflete. Não há qualquer possibilidade de relação entre a “ontologia do pé” e as bolhas nos pés que cada peregrino tem que limpar cada dia, após a caminhada. Mas, desta forma, é a própria experiência que os peregrinos fazem da peregrinação, ao dar-lhe existência concreta, que se perde e se anula como objeto de investigação . Atrever-me-ia a dizer que nesta dialética é que se joga o destino dos estudos religiosos, na confluência do que é factual e possível de descrever analiticamente e do que é ideal, ontologicamente contemplável.

4. Outras possibilidades

Para além da descrição sócio-antropológica e da meditação filosófico- ontológica, podemos considerar, ainda, uma aproximação de tipo psicoanalítico (a peregrinação como “arquétipo”) e uma outra de tipo literário (a peregrinação como “narração”).

a) Peregrinação como “arquétipo”

Jean Dalby Clift e Wallace B. Clift consideram a peregrinação desde o ponto de vista da teoria dos arquétipos elaborada por Jung. Neste sentido, a peregrinação seria como que a reemergência desses “depósitos” das experiências constantemente repetidas da humanidade que são os arquétipos, verdadeiros tesouros que se transformam em fonte de vida, sentido e beleza (Clift & Clift, 1996: 10-11). Esta visão conjuga-se com uma compreensão do símbolo como participação na realidade para a qual aponta; donde que o rito atualizador do arquétipo se possa descrever como um “comportamento simbólico, conscientemente representado (performed)”. De facto, no rito, “cada movimento torna-se um símbolo-em-ação que faz aparecer o poder do mundo interior numa forma visível e física” (Clift & Clift, 1996: 15). Os autores pretendem, assim, não só elaborar um marco formal e conceptual adequado à experiência da peregrinação, na sua diversificada continuidade religiosa, social e cultural, mas também integrar aí a “interioridade” dessa experiência. É este o motivo pelo qual se socorrem da teoria dos arquétipos de Jung.

“Com uma compreensão de como os símbolos e os ritos falam ao inconsciente, é possível uma nova valorização do fenómeno da peregrinação. Pode começar-se por discernir a sua profundidade arquetípica. Ao olhar para a peregrinação a tendência – natural para a cultura ocidental – é concretizar a prática externa, mais do que deixá-la habilitar a ‘ver através’ da exterioridade a realidade interna” (Clift & Clift, 1996: 17).

Neste sentido, enquanto modelo estrutural, a peregrinação visa o crescimento interior e o desenvolvimento da pessoa, ampliando a personalidade e a visão do mundo e transformando a pessoa através do contato com algo que a transcende (Clift & Clift, 1996: 20)12 . O arquétipo da peregrinação encontra-se nas religiões, mas também noutros tipos de viagem. Num sentido amplo, a peregrinação é qualquer viagem cujos destinos sejam lugares reconhecidos pelo seu grande valor e capazes de o representar (Clift & Clift, 1996: 24). Os autores incluem, portanto, na sua análise, lugares puramente seculares e, para além da busca do sagrado, reconhecem muitos outros motivos pessoais para se fazer uma peregrinação. Mas o que distingue o peregrino do viajante e do turista é a sua “capacidade para relacionar a experiência com um mais amplo marco de sentido” (Clift & Clift, 1996: 75). Assim, da peregrinação faz parte a experiência do abandono (deixar algo para trás) e do dom (patente no levar algo consigo no regresso a casa), sob o sentido de uma presença (no lugar visitado) (Clift & Clift, 1996: 77, 81-2). A peregrinação caracteriza-se, ainda, pelas dificuldades de acesso que expressam, a nível do inconsciente, o crescimento envolvido em qualquer mudança na vida, a saída do lugar que se ocupa; por vestuário distintivo indicando a forma como lidamos connosco mesmos e com os outros; e por rituais, normalmente de purificação com água, que simbolizam frescura e renovação (Clift & Clift, 1996: 69-73). O sentido profundo da peregrinação liga-se, contudo, segundo os autores, à “numinosidade emocional” dos arquétipos, donde deriva o seu poder transformador, correspondente à necessidade humana básica de ligação (Clift & Clift, 1996: 151-2), à dimensão ritual, expressada no tocar das relíquias e das imagens, na circumambulação do templo; no chamar a atenção – ou “despertar” – dos deuses; na união simbólica e coletiva, e, finalmente, na narração da história do lugar (Clift & Clift, 1996: 158-9), à qual se une a imaginação e a experiência do próprio peregrino. Esta referência conduz-nos a outra possibilidade de abordagem.

b) Peregrinação como “narração”

A peregrinação foi, ao longo dos tempos, não só uma ocasião para narrações, como se pode conceber até como uma peculiar forma de “escrita”. A peregrinação pode ser vista, segundo Coleman (2003), desde o ponto de vista da interação entre pessoas, lugares e textos, nas tensões e complementaridades entre as narrações orais e escritas; e, ainda, na sua relação com a viagem, na ambiguidade entre relatos de peregrinação e de viagem.
Enquanto texto/narração, a peregrinação constitui, na verdade, um reconhecimento textual de uma espécie de imanência do sagrado e aí reside a sua capacidade atrativa, convidando novos viajantes/peregrinos a visitar os mesmos lugares. “Quer dizer, é o mundo da palavra falada e escrita que constrói a ontologia do sagrado e a sua epistemologia como algo a ser aproximado e alcançado” (Coleman, 2003: 4). Por outro lado, a própria narração da viagem/peregrinação passa a pertencer ao regresso do peregrino ao seu ambiente quotidiano. Esta narração é seletiva e interpretativa, ajudando a construir a figura do peregrino. Este poder da narração da peregrinação pode originar tensões em relação à experiência que a origina. O relato desta experiência pode ser obrigado a assumir uma outra forma, muito diferente dos requisitos espirituais da peregrinação. De qualquer modo, “uma vez que o evento teofânico originário é recontado, pode orientar as posteriores perceções dos peregrinos sobre um determinado lugar, assim como proporcionar muita da motivação para as suas viagens” (Coleman, 2003: 6).
Outro aspeto prende-se com a leitura das escrituras sagradas. Nos lugares de peregrinação leem-se, normalmente, os passos referentes a esse mesmo local, o que dá lugar a uma justaposição entre o texto canónico e a experiência pessoal do peregrino. A peregrinação pode, portanto, criar um contexto novo para a apropriação e compreensão das escrituras sagradas por parte dos crentes peregrinos.

5. Avaliação à luz da questão da busca espiritual

Uma avaliação das várias possibilidades de abordagem da peregrinação como experiência humana e religiosa, com a finalidade de reconciliar a experiência subjetiva do peregrino com a objetivação do pesquisador, não pode esquivar-se a um momento de avaliação à luz, precisamente, das transformações e recomposições do religioso na atualidade. O campo religioso caracteriza-se, hoje, pelo enfraquecimento institucional, por um lado, e pela busca do espiritual, pelo outro (Heelas & Woodhead, 2005). Mas não se pode identificar o instituticional com objetivo, nem o espiritual com subjetivo. Isso levaria ao descrédito da perspetiva de análise – antropológica, sociológica ou teólogica – escolhida. A busca espiritual dos Novos Movimentos Religiosos, mas presente, também, nas religiões históricas nas suas tentativas de recontextualização, também pode ser objetivada, isto é, submetida à “explicação”, do mesmo modo que os aspetos institucionais – ritos, doutrinas e hierarquias – das religiões sempre sofreram processos subjetivos de apropriação e de “compreensão” hermenêutica. A história das peregrinações religiosas comprova este segundo aspeto. Uma abordagem integral como a que propomos neste artigo deve, portanto, defender-se da rutura epistemológica em nome da complexidade da experiência – subjetiva e objetiva – da peregrinação. Para avaliar a pertinência desta proposta tendo em conta a questão das novas espiritualidades no quadro da modernidade e do individualismo contemporâneos, teremos em conta o estudo de Justine Digance e Carole M. Cusack (2001) sobre as peregrinações seculares.
As autoras colocam os eventos a que chamam de peregrinações seculares no contexto de um processo de “ressacralisação” do mundo em que o religioso tende a ser substituído por equivalentes “privados”, “individuais” e “não-regulados” (Digance & Cusack, 2001: 217). Por isso, tanto o Druid Gorsedd (Ordem dos Druidas) como o Stargate Alignment são considerados como autênticas “peregrinações”. Na verdade, tocamos aqui os limites da própria abordagem: na pressa de encontrar símbolos subjetivamente equivalentes às instituições que as ciências humanas se habituaram a objetivar como “religião”, mas que agora devem enquadrar no já mencionado processo de ressacralisação não religiosa e não institucional do mundo, as autoras oferecem-nos um verdadeiro paradoxo: pretendem analisar um substituto “não-regulado” de uma realidade religiosa projetando sobre ele categorias religiosas “tradicionais”. As autoras são conduzidas a isto por influência dos próprios sujeitos que falam de uma “busca espiritual” (Digance & Cusack, 2001: 222 e 225). As autoras apresentam, brevemente, o contexto histórico dos eventos, sem suspeitar de um processo de “institucionalisação” de um Novo Movimento Religioso, com as suas regras, rituais, doutrinas e sacerdotes (neste caso, a Ordem dos Druidas e a Earth Link Mission, respetivamente). Assim, os Novos Movimentos Religiosos são conotados com a “busca espiritual”, enquanto as religiões históricas, como o cristianismo, são conotadas com a “cristalização institucional”.
Este jogo de dicotomias (espiritual-institucional, subjetivo-objetivo) não permite ver a “confluência”, para retomar a noção de Wheeler, mas apenas acommunitas. De facto, as autoras assumem as perspetivas turnerianas, sem se darem conta daquilo que fica por explicar nos eventos descritos. Tanto o Druid Gorsedd como o Stargate Alignment parecem demonstrar a prevalência da communitas e a presença do lúdico.

“O Gorsedd e os dois Stargate Alignments, que representaram um ‘ato de fé’ para os participantes, caracterizaram-se por outros elementos que seriam de se esperar na tradicional peregrinação religiosa. Mais importante, a communitas turneriana e um sentimento do lúdico tornaram-se evidentes nos eventos” (Digance & Cusack, 2001: 219; cf. ainda 222 e 225).

O problema em relação à communitas é a dificuldade em perceber indícios de conflito e rutura, por exemplo no fato de a maior parte dos participantes serem first timers (Digance & Cusack, 2001: 226). O que aconteceu com as pessoas que participaram noutras peregrinações de busca espiritual? Uma só peregrinação foi suficiente para as suas necessidades ou algo as fez renunciar à repetição da experiência? Como tudo é lido no fluxo sempre em movimento da recomposição religiosa segundo as necessidades individuais do momento, não se percebem os possíveis conflitos internos inerentes a um processo de institucionalização em curso. Todos os aspetos que não pertencem à communitas são remetidos para a categoria do lúdico ou simplesmente indicados como “outras características”: rituais mágicos, consagração do lugar, oferendas (comida, pão, flores), comensalidade (Digance & Cusack, 2001: 222-223 e 225). Particularmente relevantes, neste sentido, são as características que ligam estes eventos ao cósmico e ao natural, com evidentes pontos de contatos com a ecologia (Digance & Cusack, 2001: 224, onde as autoras reportam a ideia de que, com a sua meditação, os membros da Earth Link Mission “estão a salvar a terra da destruição”). A possibilidade de uma mediação lúdico-religiosa politicamente responsável em relação às preocupações ecológico-ambientais não é, sequer, levantada.
O nosso objetivo, com estas observações críticas, não é tanto evidenciar as carências do modelo turneriano, quanto a deformação causada pela contaminação das teorias da recomposição religiosa pela rutura epistemológica que está na origem das dicotomias espiritual versus institucional, subjetivo versus objetivo, e, ainda, da homologação do institucional ao objetivo e do espiritual ao subjetivo. Desta forma, propostas analíticas como as de Digance e Cusack acabam por sucumbir à subjetividade da busca espiritual pós-moderna, apresentando-se, no entanto, como formas de objetividade sociológicas. As demais propostas apresentadas neste estudo expõem-se ao mesmo perigo. Isto sugere a necessidade da elaboração de um método integral, a partir de uma epistemologia do encontro e do diálogo de abordagens diferenciadas, de forma a cruzar e a interpenetrar constantemente a subjetividade religiosa com a objetividade científica ou, se preferirmos, a “compreensão” teológica com a “explicação” sócio- antropológica (Cardita, 2011).

Conclusão

A diversidade de perspetivas e métodos de análise dos factos religiosos não é uma fatalidade. Pelo contrário, a consciência desta diversidade pode ajudar a percebê- los melhor e a afinar a nossa própria compreensão dos mesmos. O que não se pode fazer é tentar ignorar essa diversidade ou, ainda pior, ocultá-la sob a capa da “cientificidade” ou da “autenticidade da fé”. A tentativa de conciliação dos vários métodos não implica qualquer deficiência nos mesmos, nem respeita, diretamente, à sua aplicação, mas quando o mesmo (ou análogo) objeto de estudo é desfigurado pela sua diferenciação, então torna-se necessário rever os seus pressupostos. A peregrinação da antropologia é muito diferente da peregrinação da filosofia; a peregrinação como “arquétipo” supõe uma metodologia e uma epistemologia diversa da peregrinação como “narração”. O problema é que, radicalizando esta diferença epistemológica, perde-se a própria experiência da peregrinação como tal. Qualquer aproximação é, por natureza, incompleta, devendo, por isso, abrir-se a outras possibilidades a partir do reconhecimento do caráter originário (anterior a qualquer objetivação) da experiência religiosa.

 

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Notas

1 Faculté de Théologie et de Sciences Religieuses, Université Laval (Quebec, Canadá). E-mail angelo.cardita.1@ulaval.ca e angelocardita@gmail.com

2 Esta é uma das características que faz com que Danielle Hervieu-Léger (1999) interprete o sujeito religioso pós-moderno sob a figura do “convertido” e do “peregrino”.

3 O que é paradoxal neste uso “moderno” da experiência na religião é que, acentuando a subjetividade como “prova” de autenticidade, assume-se, ao mesmo tempo, o modelo objetivo da experiência.

4 Tenha-se presente, ainda, que, segundo o autor, o rito é “uma ação que tem por intenção transformar o sinal em presença operante do significado do sinal” (Vergote, 1987: 283).

5 Filorano fala, por sua vez, numa “metamorfose metafórica” que transforma a peregrinação numa “viagem interior” (Filorano, 2004: 250) e, para Meslin, a peregrinação “é antes de mais uma peregrinação de interioridade” (Meslin, 1988: 189).

6 Giovanni Filorano reconhece também dois aspetos complementares na peregrinação que ele refere como a sua peculiar “lógica sacral” e os seus “condicionalismos externos” (Filorano, 2004: 256).

7 “A peregrinação é o símbolo do regresso a Deus que criou o universo” (Étienne, 1987: 377). Escapa a este artigo a elaboração explícita de um esquema hermenêutico de entendimento e de prática da interdisciplinaridade entre as ciências humanas e a teologia. Para uma reflexão inicial sobre esta problemática ver Cardita, 2011.

8 O autor explica: “Quando questionava os promitentes do meu grupo e outros, sobre a entidade à qual fizeram a promessa, todos referiam que pediram à Nossa Senhora de Fátima para lhes conceder uma graça e nunca mencionaram que seria para Esta interceder junto de Deus; mais do que isso, a própria peregrinação a pé a Fátima é a forma de agradecer a Esta a graça que Ela realizou” (Pereira, 2003: 88).

9 “A peregrinação a pé permite a boa parte dos peregrinos sentirem os seus limites, quer físicos, quer psicológicos. Mas é essencialmente o sofrimento do corpo que deixa uma impressão mais duradoura nos peregrinos” (Pereira, 2003: 147).

10 “A peregrinação devolve a lição de que ainda não se é tudo e que alguma plenitude alcançada não é ponto final” (Lima, 2007: 37).

11 “A visita de que (cada ser humano) é alvo e que o faz ser, tornando-o visitante também, supõe o visitante das origens” (Lima, 2007: 64).

12 O arquétipo tem uma forma (shape) que conduz a um sentido profundo, mas tem também uma zona sombria, onde reside a possibilidade de perversão (motivando as críticas, entre outros, de Lutero e dos reformadores, à luz do ideal da “peregrinação espiritual”). Preconceitos religiosos, nacionais, étnicos, mas também idolatria, comércio, fetichismo (relíquias) são, portanto, alguns dos aspetos negativos que o reconhecimento de uma intenção de entrar em contacto com o transcendente não pode ocultar.

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