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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.24  Porto dez. 2012

 

Um suplemento entre dois mundos: Causas e consequências da transição papel/digital do DN Jovem

A supplement between two worlds: Causes and consequences of the paper to digital transition of DN Jovem

Un supplément entre deux mondes: Causes et conséquences de la transition du papier au numérique du DN Jovem

Un suplemento entre dos mundos: Causas y consecuencias de la transición papel/ digital del DN Jovem

Helena de Sousa Freitas1

Instituto Universitário de Lisboa


 

RESUMO

O DN Jovem, suplemento que o Diário de Notícias começou a publicar em maio de 1983, rapidamente se tornou uma montra para novos prosadores, poetas, fotógrafos e ilustradores. Em junho de 1996, ano em que o acesso à Internet nos lares portugueses não atingia sequer um por cento, os seus conteúdos migraram do suporte impresso para o online. A transição, decidida pela Administração do DN no âmbito de uma reestruturação do jornal, anunciou a morte daquele que, segundo o escritor José Jorge Letria, foi “o mais importante espaço de revelação e de afirmação de novos valores literários” no Portugal democrático.

Palavras-chave: Dicotomia papel/digital; Jovens criadores; Jornais; Cultura


ABSTRACT

The DN Jovem, a supplement that the Portuguese newspaper Diário de Notícias (DN) began publishing in May 1983, quickly became a showcase for new prose writers, poets, publishing in May 1983, quickly became a showcase for new prose writers, poets, photographers and illustrators. In June 1996, when access to the Internet didn’t even reach one percent of Portuguese homes, its contents migrated from print to online. The transition, determined by the Administration of DN within a newspaper’s restructuring, announced the death of a supplement that was, according to Portuguese writer José Jorge Letria, “the most important spot for the revelation and affirmation of new literary values” in democratic Portugal.

Keywords: Paper/digital dichotomy; Young creators; Newspapers; Culture


RÉSUMÉ

Le DN Jovem, supplément que le quotidien portugais Diário de Notícias (DN) a commencé à publier en mai 1983, est rapidement devenu une vitrine pour prosateurs, poètes, photographes et illustrateurs. En Juin 1996, quand l’accès Internet dans les foyers portugais n’a pas atteint l’un pour cent, son contenu était migré du papier au support en ligne. La transition, déterminée par l’Administration du DN en vertu d’une restructuration du journal, a annoncé la mort d’un supplément que, selon l’écrivain portugais José Jorge Letria, était “l’endroit le plus important pour la révélation et l’affirmation de nouvelles valeurs littéraires” dans le Portugal démocratique.

Mots-clés: Dichotomie papier/digital; Jeunes créateurs; Journaux; Culture


RESUMEN

El DN Jovem, suplemento que el periódico portugués Diário de Notícias (DN) comenzó a publicar en mayo de 1983, se convirtió rápidamente en un escaparate para los nuevos prosistas, poetas, fotógrafos e ilustradores. En junio de 1996, año en que el acceso a la Internet en los hogares portugueses no era siquiera el uno por ciento, su contenido migró del papel al online. La transición, determinada por la Administración de DN en el ámbito de una reestructuración del periódico, anunció la muerte de aquel que, según el escritor portugués José Jorge Letria, era “el lugar más importante para la revelación y la afirmación de nuevos valores literarios” en el Portugal democrático.

Palabras-clave: Dicotomía de papel/digital; Jóvenes creadores; Periódicos; Cultura


 

“As épocas de transição matam mais do que constroem: o tempo que anunciam ainda não chegou” José Mariano Gago, prefácio ao livro O DN Jovem entre o Papel e a Net

 

1. Breve contextualização do objeto de estudo e da investigação

Suplemento de colaborações na área da literatura, fotografia, desenho e cartoon, o DN Jovem (DNJ) foi um espaço criado no Diário de Notícias (DN) durante a Direção de Mário Mesquita. Publicado desde 24 de maio de 1983, todas as semanas desafiava jovens até aos 25 anos a participarem, tendo divulgado milhares de trabalhos até 2007, ano em que se extinguiu no suporte em que então se apresentava: o digital. A transição para o online ocorrera a 18 de junho de 1996, quando o número de lares portugueses com acesso à Internet era residual – de acordo com o estudo “A sociedade em rede em Portugal”, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL), que, num universo de 2.450 inquiridos, detetou apenas 21 pessoas (0,8 por cento) nessas condições – e foi acolhida com explícito desagrado por colaboradores e leitores.
À data, a migração dos conteúdos do papel para o meio digital cultivou no microcosmo do suplemento uma discussão que já decorria no plano global. O advento das novas tecnologias implicaria a extinção do suporte impresso? Num mundo de acentuadas clivagens sociais, como facultar um acesso equitativo às novas ferramentas e aos conhecimentos que o seu domínio exige?
Perante o anúncio da extinção do destacável DNJ, a estas perguntas de ordem prática mas raiz teórica outras se juntaram. Uma das mais prementes dizia respeito às motivações da decisão. Esta teria origem na ideia de que o futuro passava inevitavelmente pela Net ou as “exigências deste final de século”2 – invocadas pela Direção do DN – mascaravam a necessidade de reduzir os custos? Afinal, a própria justificação suscitava múltiplas interpretações: não seria o corte nas despesas a real exigência de um final de século em que se antevia uma séria crise na imprensa?
A investigação – iniciada em 2006, uma década passada sobre a transição – procurou resposta para estas e outras dúvidas, com base numa pergunta de partida e num leque de questões derivadas. No seu conjunto, a pergunta de partida e as ramificações ajudaram a delinear o guião das entrevistas e foram guias fundamentais na estruturação da tese de mestrado que está na base do presente artigo.

2. A pergunta primordial e as opções metodológicas

A pergunta de partida – Que mudanças se operaram no DNJ a partir da sua transformação de suplemento impresso em digital? – originou outras: qual a natureza das motivações para extinguir o caderno DNJ?; que fatores foram ponderados no âmbito da transição?; com o novo formato, que dinâmicas e potencialidades se perderam e se ganharam a nível dos colaboradores?; etc.
O conjunto de questões colocou-nos o desafio de, mais do que focarmo-nos no êxito do caderno, percebermos se o sucesso tinha uma leitura consensual no DN e em que medida as posições assumidas no plano interno determinavam o destino do caderno.
A metodologia escolhida para abordar estes aspetos passou por complementar a revisão da literatura com uma análise dos conteúdos (distinta da análise de conteúdo tradicional) e a realização de entrevistas. As leituras foram selecionadas em função de três eixos – jovem/juventude e dinâmicas identitárias; emergência e impacto das novas tecnologias; ciberespaço, comunicação e comunidades virtuais –, cada um correspondendo ao vértice de um triângulo imaginário no centro do qual foi colocado o suplemento. Para um melhor enquadramento dos aspetos a analisar, fez-se coincidir a data de publicação das obras com a data de criação, mudança de suporte e extinção do DNJ3.
Além dos livros e artigos académicos consultados, constituíram material de análise 25 edições do suplemento juvenil (relativas a janeiro, maio/junho e novembro de 1996 e a maio/junho de 2006, com 15 a desdobrarem-se em dois suportes) e o corpus de 20 entrevistas a colaboradores e coordenadores do DNJ e aos diretores do DN durante as várias fases do suplemento.

3. Retomando a dicotomia papel/digital

A título introdutório, assinalámos que a transposição do DNJ para o meio virtual se inseriu num contexto mais abrangente que motiva debate desde final do século XX, com a controvérsia a assentar em vários sustentáculos. A hipótese de a Internet decretar o fim do suporte impresso, afetando tanto a imprensa como o mercado livreiro, é, para o presente tema, o mais relevante desses pilares.
O fascínio do virtual, a possibilidade de a rede funcionar como epicentro de uma nova espiritualidade, o receio de que o entusiasmo pela comunicação à distância ensombrasse o encontro presencial foram alguns dos tópicos assíduos nas discussões entre adeptos e céticos da Internet, sobretudo nos anos 90. Tópicos que não surpreendem se pensarmos que “o anúncio de mudanças radicais causadas pelas tecnologias, ou simplesmente a sua previsão, impregnou a consciência futurística do homem desde as primeiras utopias da alvorada da época moderna” (Rötzer, 1998: 79).
Especificamente no caso da Internet, a visão do final de século pode ser assim descrita: “Para uns ela anuncia o Paraíso, para outros abre as portas do Inferno” (Rebelo, 2003: 26). Assiste-se, pois, a uma reedição da dicotomia apocalípticos versus integrados proposta por Umberto Eco na década de 60, sendo que os novos “apocalípticos” temem que a rede nos afaste de quem está perto e os novos “integrados” enaltecem a sua capacidade para nos aproximar de quem está longe.
Dois autores franceses publicaram, no mesmo ano, obras ilustrativas deste antagonismo. Em 2000, Philippe Breton lançou Le culte de l’Internet e Pierre Lévy World philosophie. Se em Lévy a Internet, ao funcionar como repositório de ideias e ao disponibilizar conteúdos à escala global, é descrita como a via ótima para um reencontro da espécie humana consigo própria, para Breton a rede pode isolar o ser humano dos seus semelhantes, inviabilizando relações que não existam sem a presença física e tornando o corpo num objeto inútil, quase um obstáculo.
Oposições que Manuel Castells, em A galáxia Internet, classifica de “simplistas e ideológicas” (2004: 146), argumentando que as contendas entre fiéis e detratores das novas tecnologias representam uma versão moderna das discussões sociológicas “entre aqueles que viam o processo de urbanização como o desaparecimento das formas de vida comunitárias (...) e aqueles que identificavam a cidade com a libertação das pessoas das tradicionais formas de controlo social” (idem: 155).
O investigador catalão alega que a acusação de que a Internet isola as pessoas tem uma débil sustentação. Primeiro, porque “a sua origem é anterior à difusão generalizada da Internet, pelo que as suas informações foram construídas com base em algumas experiências dos primeiros utilizadores”, depois, falta-lhe “um substancial corpo de investigação empírica sobre os usos reais da Internet”; e, por fim, “gira em torno de uma série de perguntas bastante simplistas e, em última instância, enganosas, tais como a oposição ideológica entre a harmoniosa comunidade local de um passado idealizado e a alienada existência do solitário internauta” (idem: 146).
De igual modo, as posições têm divergido entre os investigadores portugueses. Se Rui Bebiano critica à Internet a falta da clareza de identificação “que atribui um rosto e aproxima os discursos” (2000: 120) e José Luís Garcia alerta que o “potencial carismático da realidade virtual” (2005: 12) faz esquecer que, quando a realidade da antiga comunicação se desvanece, é substituída por mera informação tecnológica, há quem os contrarie.
Os autores do livro A sociedade em rede em Portugal (Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2005: 179) indicam que pesquisas em vários países “evidenciam claramente que a Internet não só tem um efeito multiplicador dos contactos estabelecidos com a família e os amigos, independentemente do local do mundo onde estejam, como também é entre os utilizadores que se verificam menores ocorrências da sensação de estar isolado do mundo ou deprimido”. Prosseguem os autores que a Internet “tem o efeito notável de reunir ou reforçar as relações sociais de dois espaços físicos diferentes – o real e o virtual”.
Regressaremos a este tópico a propósito do espírito de comunidade vivido no DN Jovem. Por ora – e considerando que o DNJ foi um suplemento artístico, com ligeira predominância da vertente literária, incluso num diário nacional, o que o situava a meio caminho entre o jornal e o livro – concentremo-nos no impacto das novas tecnologias sobre os suportes impressos.
Veiculando uma imagem de saudável convivência entre o papel e o digital, o Livro verde para a sociedade da informação em Portugal assinala que “os computadores fazem parte da nossa vida individual e colectiva e a Internet e o multimédia estão a tornar-se omnipresentes” mas, “tal como a rádio não substitui os espectáculos ao vivo, a televisão não faz as vezes da rádio, o cinema não fez desaparecer o teatro, estes novos meios também não irão substituir os livros e outros meios tradicionais”, mas apenas acrescentar capacidades adicionais às opções disponíveis (MSI/MCT, 1997: 7). Portanto, desdramatiza a obra, a implantação de um novo media não arrasa a concorrência mas, ao requerer parte do espaço ocupado pelos já existentes, obriga à redistribuição do tempo do público.
No plano editorial, uma das abordagens mais interessantes deve-se a Fabrice Piault. Em Le livre – La fin d’un règne (1995), o autor parte da realidade francesa para versar mais amplamente sobre o impacto das novas tecnologias no mercado livreiro. Entre os dados que apresenta, constam os resultados de duas sondagens a leitores franceses. Na primeira, realizada em março de 1994, 84 por cento dos inquiridos consideraram que o livro jamais seria substituído pelos suportes multimédia e apenas 10 por cento opinaram que, com a rápida disseminação das novas tecnologias, ele desapareceria pouco a pouco. Menos de um ano depois, um inquérito à saída das livrarias mostrou que metade dos auscultados já acreditava que os livros viriam a ser substituídos pelos novos suportes, parcial ou mesmo totalmente. Uma hipótese – até ao momento contrariada pela tenaz sobrevivência do livro tradicional – que também foi motivo de reflexão e debate em Portugal.
Justamente à data da migração do DNJ, José Afonso Furtado (1996: 84) alegava que as transformações estavam a gerar das visões mais otimistas, que davam os livros de boa saúde e prontos a enfrentar o futuro, às concepções pessimistas que reivindicam aos livros “uma estratégia de enérgica resistência”. Mas talvez o cenário não fosse tão catastrófico... Dois anos depois, António Fidalgo (1998: 284) defendia que “ninguém dispensará a sua biblioteca particular básica, com dicionários, uma ou outra enciclopédia, de consulta imediata, e livros de ócio e de recreio”.
Mas compreender como a migração do DNJ se insere na dicotomia papel versus digital requer, também, uma breve viagem ao mundo do suplemento, partindo da descrição da primeira década de atividades, esses anos em que o então caderno conquistou o reconhecimento dos leitores.

4. Ações e reações em torno do DNJ

Num testemunho publicado a 25 de abril de 1995 no DNJ, o escritor José Jorge Letria descreveu-o como um herdeiro “natural e digno” do Juvenil, suplemento do Diário de Lisboa que terminara uma década antes do surgimento do DN Jovem. Este último nasceu em maio de 1983 por iniciativa de Mário Mesquita, então diretor do DN, que procurava assim cativar o público dos 18 aos 24 anos – faixa em que o periódico tinha baixa aceitação – e formar “bons leitores de jornais e de literatura”, segundo Manuel Dias, o primeiro coordenador do suplemento (Vegar, 2002: 45).
Numa entrevista concedida no âmbito da investigação, Mário Mesquita recordou: “A minha ideia tinha um referencial de memória que era o Juvenil do Diário de Lisboa. O Juvenil tinha marcado muito a minha geração. Alguns jovens que vieram a revelar-se grandes escritores, poetas, etc, passaram por ali”. O DNJ surgiu, todavia, com um objetivo distinto.
“Enquanto o Juvenil do Diário de Lisboa tinha uma vocação mais literária, eu tinha pensado que talvez fizesse sentido apontar um rumo que tivesse mais a ver com um certo jornalismo, jornalismo de investigação” e, “numa altura em que ainda mal tinham começado os cursos de comunicação e de jornalismo, podia servir até um pouco de escola”, adiantou, tornando mais clara a razão do desafio lançado na primeira edição do suplemento, na qual se lia: “Nesta primeira semana predominaram os poemas e os textos literários. Será que na próxima vão começar a chegar os textos jornalísticos – as reportagens, as entrevistas, os artigos?” (Diário de Notícias, 24/05/1983: 17).
A resposta dos jovens continuou, porém, a inclinar-se no sentido literário/artístico e – não havendo “nenhum modelo dogmático” a impor – seguiu-se essa tendência, revelou Mário Mesquita.
Até 1985, o leque de colaboradores do suplemento foi crescendo e, salvo os curtos períodos em que saiu ao domingo ou à quinta, o suplemento fixou-se nas terças- feiras. O número de páginas variou entre cinco e oito, sendo este o formato publicado a partir de 1 de novembro de 1992. Semanalmente, os jovens entre os 12 e os 25 anos tinham, além do incentivo e do reconhecimento da publicação, uma “retribuição material”, pois os autores dos melhores trabalhos recebiam prémios – geralmente livros que as editoras ofereciam ao DNJ com essa exclusiva finalidade.
Paralelamente à presença semanal no corpo do DN, o caderno promoveu, na primeira década, tertúlias, recitais, salões de artes visuais e edições especiais de poesia, prosa e texto jornalístico. Nesses casos, a função de selecionador, geralmente a cargo do coordenador do suplemento, transitava para autores como Casimiro de Brito, José Agostinho Baptista, Maria Alberta Menéres, Mário de Carvalho, Teolinda Gersão ou Lídia Jorge, escritora que, pelos 10 anos do DNJ, considerou que, “sem numerus clausus, nem propinas, este caderno tem sido o curso de criação livre que todas as universidades do mundo têm dificuldade em conceber” (Diário de Notícias – DN Jovem, 30/05/1993: 16).
A consciência do valor próprio ficou bem patente em 1990, quando foi editada a Antologia DN Jovem. Num texto introdutório ao volume, Dinis de Abreu, membro da Direção que apadrinhara o projeto, orgulha-se por o DNJ ser “inseparável do jornal que o publica” e escreve: “Inconformista, até rebelde, ousando modelos e propostas que são o espelho natural da sua vitalidade, este jornal de jovens é um roteiro obrigatório para quem queira ter uma noção mais exacta do que pensa e por que assim pensa uma geração que protagonizará o futuro que já começou. (…) O DN Jovem é hoje um ponto de referência curricular para novos nomes que conquistam terreno nas letras e nas artes” (AA. VV., 1990: 5-6).
Perante os elogios, uma questão ganhou premência: o que sucedeu para que, seis anos após estas palavras, o caderno acarinhado e de méritos reconhecidos migrasse para uma Internet então inacessível à maioria dos portugueses? Seria o sucesso do DNJ entendido de forma unânime nos vários departamentos do DN? Ou quem valorizava o êxito cultural do suplemento confrontava-se com quem apontava o seu fracasso económico? Na busca de respostas, foi necessário passar do palco aos bastidores, para aí ouvir testemunhos e tentar perceber se se verificava uma sintonia de pontos de vista sobre o valor do DNJ ou se se registavam discordâncias internas, ocultas do público.
Antes, porém, de prosseguirmos, importa recordar que, em 1996, o DNJ tinha já um currículo invejável. Revelara escritores como José Riço Direitinho, José Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto ou António Manuel Venda, fotógrafos como Bruno Rascão ou Susana Paiva (que assinava Maria Cerdeira), autores de Banda Desenhada como Álvaro e cartoonistas como João Fazenda, entre outros.
Não obstante o papel cultural desempenhado, o facto de as páginas do DNJ não reverterem num lucro concreto desde cedo gerou tensão no Diário de Notícias.
“A reação que havia, da parte dos órgãos de gestão da empresa, dos órgãos mais ligados à parte comercial e à parte de publicidade, desanimava-nos um pouco e contrastava com uma influência que nos parecia que era real e uma corrente que apelava ao jornal”, contou Mário Mesquita, reconhecendo, no entanto, que, em termos quantitativos, os serviços internos “não consideravam isso relevante”, vendo no DNJ “um jornal para jovens intelectuais”.
Com o tempo, os dois critérios de avaliação – o qualitativo e o quantitativo – continuaram a caminhar de forma divergente, em parte devido precisamente à ideia de que o suplemento alcançava apenas um nicho, algo incompatível com o objetivo do DN, um órgão de comunicação de massas. E os “ataques” ao suplemento vindos de dentro do jornal estribavam-se precisamente nisso – apesar de colaborações de qualidade na escrita e nas artes visuais, de uma perspetiva estritamente comercial o caderno “não estava a corresponder ao que se tinha pensado”, contou Manuel Dias.
A consciência desse fraco retorno financeiro terá levado a uma mudança de atitude por parte das hierarquias do jornal, por cujos cargos da Administração e da Direção passaram, entretanto, diversas pessoas. Referindo uma delapidação do capital humano do suplemento, Sandra Augusto França, que ingressou na coordenação do DNJ com a transição, contou-nos que “o DN foi tirando jornalistas para outras coisas e nunca ressarciu o DN Jovem dessas perdas”, pelo que “a dieta acabou por se tornar um bocadinho excessiva” e “incompatível com aquilo que a coisa exigia”. Também a inserção forçada de publicidade começou a ser entendida pela coordenação como sinal de uma perda de prestígio do suplemento no interior do DN. Se na fase inicial do DNJ não houvera a preocupação de colocar anúncios no caderno, “num momento em que o projeto foi, talvez, menos acarinhado pela Direção, (a publicidade) acabou por montar a sua tenda no oásis”, contou Manuel Dias, fazendo notar que o argumento da secção comercial, “aceite e advogado a partir de certa altura pela própria Direção”, era formalmente inatacável: “Se queríamos continuar a oferecer um espaço sobre cuja utilidade económica a Administração teria muitas dúvidas, era justo que colaborássemos também na obtenção de algumas receitas”.
Para Manuel Dias, a perda de “páginas limpas” revelou que “o DNJ deixara de ser a joia da coroa e ganhara mesmo, a nível interno, alguns anticorpos”.
Estavam, portanto, criadas as condições não para uma extinção imediata, mas para uma morte que, então, ninguém sabia quanto distava, mas que teve um forte prenúncio em 1996.

5. Motivações e impactos de uma transição extemporânea

O problemático enquadramento do DNJ na estrutura do DN permitia antever que, com o tempo, as suas probabilidades de sobrevivência em papel minguariam, sobretudo face à conquista de terreno dos suportes digitais. Que melhor opção para as oito páginas não rentáveis do caderno?
Assim, a 21 de maio de 1996, o editorial do suplemento anunciou que os conteúdos do caderno passariam a ficar disponíveis apenas na Internet. Alheios à precária aceitação do caderno dentro do DN, leitores e colaboradores foram apanhados de surpresa pela notícia, que suscitou uma onda de protesto. As reações incluíram a distribuição de um manifesto à porta do jornal e a publicação de uma edição especial de depoimentos, quase todos condenatórios da medida.
Dos testemunhos de leitores e colaboradores sobressaem alguns aspetos comuns: assiste-se a uma tentativa de justificar a validade do DNJ e o seu direito a prosseguir em suporte impresso, critica-se a suposta intenção do DN de acompanhar uma modernidade tecnológica que os portugueses não partilham e acusa-se a Administração e a Direção do jornal de ocultarem o que consideram ser o verdadeiro móbil da mudança de suporte – razões económicas.
À data da transição, a Direção do DN era assumida por Mário Bettencourt Resendes, que a nossa investigação foi encontrar uma década depois no cargo de provedor do leitor do DN e junto de quem procurámos clarificar as razões de uma mudança ocorrida num momento em que o acesso à Internet nos lares portugueses era muito deficitário.
Recuando a 5 de março de 1992, quando assumiu a Direção do DN, que, na sua opinião, se atrasara a dar resposta à entrada do Público no mercado, exatamente dois anos antes, Mário Bettencourt Resendes ensaiou diversas remodelações no jornal, uma das quais passou pela criação de vários destacáveis. Foi neste âmbito que o DNJ conquistou as oito páginas e se autonomizou.
Porém, quatro anos depois, concluiu-se que a inserção de destacáveis diferenciados não surtira o efeito esperado, pois estava a ser fornecida aos leitores “uma quantidade de conteúdos incompatível com a sua disponibilidade, em termos de tempo de leitura, ao longo da semana e, portanto, era um custo que não tinha um retorno adequado”, explicou o responsável.
Necessariamente, a estratégia foi repensada e vários destacáveis suprimidos: “Houve um conjunto de motivos onde – também não escondo – pesaram fatores económicos. Porque os custos de produção de vários suplementos semanais são elevados e houve que racionalizar custos em algumas alturas do meu mandato e numa delas tivemos de sacrificar, optámos por sacrificar, alguns dos suplementos em favor do enriquecimento do primeiro caderno do jornal”, revelou ainda.
Segundo Bettencourt Resendes, embora o DNJ tenha sido visado pelo emagrecimento, passando a dispor apenas de uma página no corpo do jornal, os seus conteúdos migraram para o meio digital também por não fazer sentido que “um suplemento que tinha entre os seus objetivos estratégicos consolidar e amplificar a relação do jornal com os leitores mais jovens não estivesse presente na Internet”, onde não havia restrições de espaço. Explicação coerente que esbarra, contudo, num facto incontornável: o escasso acesso à Internet em Portugal em meados dos anos 90.
De acordo com a Nua Surveys (www.nua.ie/surveys/how_many_online/index), em 1996, os EUA detinham cerca de 83 por cento dos utilizadores de Internet, seguindo-se, a larga distância, a Europa com 6 por cento. Em Portugal, o acesso era de tal forma diminuto que o Instituto Nacional de Estatística nem o contabilizava. Os dados mais antigos de que esta entidade dispõe remontam a 1997 e apontam para 88.670 clientes de Internet (particulares e empresas, indistintamente). Só em 1999 o INE passa a considerar de forma isolada os lares com acesso: 5 por cento no total de 21 por cento de agregados com computador4.
Os números são bastante claros e os testemunhos corroboram-nos, mostrando que a própria coordenação do suplemento se viu, de súbito, confrontada com um meio que desconhecia. As palavras de Manuel Dias são esclarecedoras: “Eu não tinha em casa, eu tinha no jornal e para mim também era uma coisa assim um bocado do outro mundo”. O coordenador adiantou que “houve ‘n’ pessoas que colaboravam e que nunca chegaram a ver os trabalhos publicados”.
Sem acesso à Internet, José Luís Peixoto, colaborador que viveu a transição, contou que apenas sabia que os seus trabalhos haviam sido publicados porque na página que restou no corpo do DN “saía sempre um excerto ou, pelo menos, a lista” dos autores selecionados. Também Paulo Jorge Domingues, colaborador da fase impressa, recordou esse período: “Na minha última colaboração, que já apanhou a transição, foi a primeira e única vez que fui a um posto de Internet a pagar para consultar e imprimir coisas, porque quis ficar com a recordação do trabalho”.
Ainda acerca deste aspeto, Mário Mesquita partilhou um episódio revelador. Tendo assumido, em janeiro de 1997, o cargo de provedor do leitor no DN, recebeu uma carta de um leitor que questionava o destino de um texto que o neto enviara para o DNJ. Apesar de lhe ter sido explicado, mais do que uma vez, que o texto não fora publicado na página única do jornal mas no DNJ digital, o leitor não compreendia. “Fiquei com a impressão de que, para aquele senhor, o dizer que estava na Net era como dizer que tinha sido enviado para Marte, porque, provavelmente, aquela família não tinha acesso”, recordou o diretor que pugnara pela criação do espaço juvenil.
A ausência de familiaridade com a Internet não ficava, contudo, patente apenas no limitado acesso dos lares portugueses ao online. Na verdade, a este “aspeto prático” juntava-se um “aspeto teórico”: a inadequação das criações dos colaboradores ao meio digital.
No ano seguinte à transição, o especialista em usabilidade Jakob Nielsen concluiu que ler em ecrãs é 25 por cento mais lento do que em papel (1997b), pelo que, quem produz um texto para a Internet, deve escrever 50 por cento menos do que para um suporte impresso, de modo a que o público se sinta confortável com a leitura (1997a). Além disso, trabalhos publicados online não deviam ultrapassar os três ecrãs, pois grandes blocos de texto são intimidatórios (Morkes e Nielsen, 1997).
Não obstante, na análise dos conteúdos realizada é notório que a grande maioria dos textos enviados e difundidos não observava as especificidades exigidas para a adequada leitura num ecrã de computador. E alguns entrevistados reforçaram, com os seus depoimentos, esta impressão.
“Da minha parte não houve nenhuma espécie de modificação nos textos pelo facto de serem publicados na Internet”, contou José Luís Peixoto, segundo quem “não se falava sequer muito nisso” entre os colaboradores. “Tínhamos muito uma cultura literária, no sentido em que as nossas referências eram livros, eram revistas, não era mesmo a Internet”, acrescentou.
Na imagem, a realidade não diferia grandemente, como recordou Álvaro Santos. Ter de criar trabalhos para o novo suporte fê-lo “perder um bocado o controlo” do processo. “Havia problemas com o tamanho da letra, que ficava impercetível. Tinha de compactar bastante os desenhos, que eram feitos à mão. Havia uns pormenores técnicos que eu não dominava”, revelou.
Além da extensão dos textos e dos problemas de resolução das imagens, outra carência evidente respeitava às hiperligações que, sendo uma das principais mais-valias do meio digital, não foram exploradas logo após a transição, nem nos anos subsequentes, quando o desconhecimento já não era uma atenuante. Ainda neste plano, a comparação entre as 25 edições evidenciou que o diálogo texto-imagem, comum no caderno, não se verificava no DNJ digital.
A estes subaproveitamentos ou perdas somaram-se o afastamento do público mais velho (em regra com menor apetência e entusiasmo pelas novas tecnologias), o desinteresse das editoras (que foram deixando de enviar livros para oferta aos autores de trabalhos premiados, dada a então reduzida visibilidade do meio) e a alteração do espírito de comunidade em torno do suplemento.
Sendo este último um dos aspetos merecedores de maior atenção, justificou-se uma breve incursão à literatura, para que, partindo de definições sociológicas, a posteriori conjugadas com as perceções individuais de coordenadores e colaboradores, fosse possível analisar a forma como a transição alterou as características da comunidade que se pressentia existir em redor do DNJ.
Em 1887, o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1979: 47) defendeu a ocorrência de comunidades de espírito ou de vida mental alicerçadas na “proximidade intelectual” e, um século depois, Chavis e McMillan (1986: 9) propuseram quatro pilares para a criação do designado “sentido de comunidade”: a pertença, a influência, a integração e a satisfação de necessidades e, por fim, a partilha de relações emocionais. Este último pilar é fundamental em Max Weber (1987: 77), para quem uma comunidade se funda em qualquer tipo de ligação emocional, afetiva ou tradicional, estando sempre presente o sentimento de formação de um todo e um sentido de solidariedade.
Portanto, as vertentes afetiva e identitária são o elo comum às definições de “comunidade” trabalhadas pelos vários investigadores. Assim, funcionam como um ponto de apoio seguro com vista à análise da aplicação do conceito ao universo do DNJ. São ainda de acentuar as relações de influência criativa e de partilha cultural devido ao papel que desempenham na construção de uma rede de sociabilidade e na formação da identidade artística dos seus intervenientes.
Contando que cada participante “tinha, por detrás, uma série de canaizinhos, de riozinhos, que tinham convergido para formar a pessoa que era, com o gosto que tinha e com a informação que tinha e, portanto, quando a partilhava, quando a punha ali ao dispor, formava-se mais um canalzinho que ia enriquecer o outro”, o coordenador Manuel Dias incluiu-se como nódulo dessa rede e explicou que, mesmo sem o amparo das iniciativas promovidas pelo suplemento, muitos colaboradores pediam o contacto de outros: “O Joaquim Cardoso Dias estava em Castelo Branco e eu fiquei muito espantado ao perceber, às tantas, a familiaridade que ele tinha com pessoas que estavam noutros sítios, como o José Carlos Barros”, colaborador natural de Boticas, Vila Real.
Houve, pois, quem transformasse o seu ciclo de relações em função de pessoas que conheceu via DNJ. Intervindo num debate na Feira do Livro de Lisboa em junho de 2004, o colaborador José Mário Silva afirmou: “Posso dizer que 90 por cento dos meus amigos que partilham o gosto da escrita e da literatura foram feitos na altura do DN Jovem e, curiosamente, amigos que, muitos, não tinham aparentemente nada a ver comigo, quer em termos sociais quer políticos, etc. Mas ali encontrámos qualquer coisa que nos unia e eu acredito que nada pode quebrar essa união”. Sentimento com eco no colaborador Luís Filipe Silva, que rejubila ao encontrar quem tenha passado pelo DNJ: “É uma referência, quase como se tivéssemos todos passado pela Academia Militar”.
Perante um conjunto mais alargado de testemunhos que recolhemos e que dão conta de um sentimento de pertença, de uma identificação com os outros e da importância do grupo na criação de interesses e na evolução da via criativa/artística, concluímos pela existência de uma comunidade em torno do DNJ impresso, restando- nos, então, averiguar como fora esse sentido de comunidade afetado pela transição de 1996. Principiámos, assim, pela caracterização de “comunidade digital”.
Na introdução ao livro The virtual community (1993), o norte-americano Howard Rheingold descreve-as como agregados que emergem da Internet quando um número satisfatório de pessoas leva a cabo discussões públicas durante um período razoável de tempo e com suficiente sentimento para criar redes de relações pessoais no ciberespaço. Cumulativamente, existem modos de comunicação nos ambientes virtuais que fomentam um sentido de comunidade, um sentimento de pertença motivado por objetivos, ações e temas de interesse comuns (Lacerda, 2001: 13).
A questão da interatividade é outro dos tópicos inevitáveis quando no tema das comunidades virtuais dado que, embora seja uma característica inerente e até potenciada pelo meio digital, não constitui “uma garantia deste meio, pois depende dos usos que cada parte da relação comunicativa fizer” das ferramentas que ele disponibiliza (Recuero, 2003: 7).
De salientar, ainda, que a maioria das comunidades virtuais que sobrevivem no tempo “trazem os laços do plano do ciberespaço para o plano concreto, promovendo encontros entre (os) seus membros” (idem: 9), que se envolvem “apoiados numa cultura, num sistema de valores e num universo simbólico, próprio dos membros que a constituem e que os ajuda a criar uma identidade” (Meirinhos e Osório, 2006: 6).
Tendo por base estas definições, procurámos enquadrar a experiência dos colaboradores e da coordenação do suplemento, auscultando participantes que contribuíram para os dois suportes e outros que apenas conheceram a fase digital.
Golgona Anghel, que enviou textos entre 2001 e 2003, manteve contacto regular apenas com os colaboradores que eram seus colegas de faculdade. O laço com os coordenadores foi circunstancial e apenas com Sónia Duarte, que entrou para a coordenação em fevereiro de 2001, a relação foi mais direta: “Ela ligou-me uma vez, por acaso, a perguntar se eles podiam cortar ou modificar um texto. E conhecemo-nos numa noite em que saímos, nós, os colaboradores”. Já a Rodrigo Francisco, também participante na fase digital, o DNJ deu a “primeira comunidade de jovens criadores, de partilha de experiências e de textos” e fomentou alguns encontros presenciais.
Analisadas as respostas dos vários entrevistados, a investigação apurou que a maioria não tem uma ideia definida sobre a existência de uma comunidade em torno do DNJ na Internet e, à luz das leituras realizadas, não encontramos, de facto, uma comunidade virtual pura, pois, apesar das raízes criadas fora do espaço digital, carece de um requisito: a interação online entre os seus membros.
Neste âmbito, as coordenadoras, que lidaram com todo o universo de colaboradores, sentiram alterações na comunidade com a mudança de suporte, embora esta não explique tudo. “Acho que o DN Jovem teve sempre uma comunidade de base, que estava ligada ao projeto e que foi mais forte, se calhar, na época do papel. Mas isso não tinha a ver propriamente com o suporte, tinha a ver com os apoios com que contávamos na altura, nomeadamente da parte dos centros de decisão”, ponderou Sónia Duarte na entrevista que concedeu sobre a transição do suplemento.
A falência de um diálogo interno que vinha a enfraquecer desde a transição de 1996 terá dificultado a realização das iniciativas paralelas que alimentavam a comunidade, deixando a própria coordenação sem uma linha orientadora e impedindo a necessária revitalização do suplemento. Estava em curso um processo de desinvestimento que, em poucos anos, conduziria ao fim do DNJ.

6. Declínio progressivo e extinção do DNJ

Uma comparação entre o DNJ digital de junho de 1996, data da sua criação, e o de junho de 2006 mostra que as alterações gráficas foram mínimas numa década. Com a agravante de outras fraquezas poderem ser apontadas: a inclusão de textos demasiado longos para uma leitura num ecrã e o subaproveitamento do hipertexto, ambos já referidos, o investimento praticamente nulo em trabalhos de cariz audiovisual, a ausência de caixas de comentários e de um arquivo das edições anteriores, o desaparecimento de algumas secções e a desatualização de outras, etc.
Sónia Duarte referiu que a coordenação conhecia algumas das fragilidades identificadas, mas não encontrou forma de alterar a estagnação em que o DNJ caíra: “No que ao meu período (em conjunto com a Sandra) diz respeito, tentámos, por diversas vezes, tanto modernizar o aspeto gráfico do site como dar continuidade a propostas de dinamização que nos chegavam de fora (apoio a eventos e concursos culturais), mas dado o grande desenraizamento do DNJ da estrutura do DN e a falta de uma via de comunicação eficaz com a Direção (que há muito deixara de se preocupar com o suplemento), tanto o departamento de informática como o de marketing faziam, por assim dizer, ‘ouvidos moucos’ às nossas ideias”, justificou num e-mail posterior à entrevista presencial.
Queixa complementar veio de Sandra Augusto França: “Em termos das incumbências próprias e únicas do DN Jovem, nunca tivemos qualquer ponte com as pessoas que estavam em condições de definir qual seria a orientação do suplemento. Não sabemos até se o desinvestimento era proporcional à importância que queriam que a coisa tivesse”, revelou, adiantando que a carência de orientação superior e a dificuldade de sintonia com a Direção do DN foram, sobretudo, consequência da “mudança do estatuto das pessoas que faziam o suplemento”. A partir do momento em que Manuel Dias deixa a equipa, “desaparece de todo a figura de um coordenador do quadro do jornal”, algo que “empobreceu, desse ponto de vista, as relações”, sublinhou a coordenadora, acrescentando que as pessoas que endereçavam perguntas e sugestões à coordenação não ficavam sem resposta, “mas essas respostas passaram a ter as limitações de um serviço deixar de ter alguém que pudesse responder por coisas que excedessem o campo técnico da produção do suplemento”.
Deste modo, o suplemento enterrou-se no anonimato e na inércia e nem uma segunda transição a que foi sujeito teve o mérito de corrigir a sua rota. De facto, uma nova mudança teve lugar a 8 de janeiro de 2006, quando a página impressa que restara do DNJ destacável no corpo do jornal saiu pela última vez no caderno principal. A partir de dia 13 desse mês, o espaço do DNJ impresso integrou um novo suplemento do Diário de Notícias: a revista cultural 6ª.
Inicialmente, o editor da publicação, Nuno Galopim, assumiu que esta herdava o legado do DNJ e garantiu que ia “reinventá-lo de forma gradual”5 . Numa nota publicada na última página do DNJ a sair no corpo do DN, também a coordenação alertava para a nova transição e aliciava os colaboradores e leitores com um “contem com várias surpresas” (Diário de Notícias, 08/01/2006: 41). A realidade não daria, porém, razão a estas vozes e, em vez da prometida revitalização, surgiram mais adversidades.
Se quando a página única estava integrada no DN havia o risco de não sair na data prevista, devido à inserção de uma incontornável notícia de última hora, a migração para a revista 6ª não lhe proporcionou maior estabilidade, com a primeira falta a registar-se a 28 de julho de 2006. O espaço voltou a ser suprimido em agosto e dezembro desse ano e em janeiro e março de 2007, num total de sete ausências. Acrescentem-se a estas as 16 edições (entre março de 2006 e março de 2007) em que o espaço do DNJ foi partilhado com anúncios que ocuparam do rodapé à meia página.
Inquirido acerca desta irregularidade de publicação, Nuno Galopim declarou que o DNJ não saía “umas vezes por questões técnicas, outras por questões meramente editoriais, ou seja, pela necessidade de atribuir espaço a outras matérias”. Para o responsável, aquela página estava “sem potencial e mal enquadrada” na revista: “A ideia de ali ficar o DN Jovem foi uma decisão editorial que me transcendeu. (...) Íamos ver como é que – integrada num espaço como a 6ª – aquele tipo de conteúdos e de desafios a novos autores poderia ou não funcionar. Eu acho que não funcionou”.
A decisão de inserir o espaço do DNJ na revista foi tomada na Direção de António José Teixeira, mas esta seria substituída, no primeiro trimestre de 2007, por uma nova equipa, chefiada por João Marcelino, que deliberou extinguir a revista, deixando a página avulsa do DNJ sem abrigo. Os dois percalços em pouco mais de um ano empurraram o suplemento para a reta final.
A 16 de março de 2007, o site do DN Jovem foi atualizado pela última vez, com colaborações subordinadas ao tema “Partidas”. Uma ironia, esta temática duplamente conotada: temos as partidas que representam despedidas e aquelas que alguém nos prega, de surpresa. A extinção do DNJ terá refletido um pouco de ambas.

Reflexões finais

A investigação sobre a transição do DNJ procurou analisar a mudança de suporte à luz da dicotomia papel versus digital, mas a análise encontrava-se permanentemente ensombrada por dúvidas relativas à real influência que a componente económica tivera na deliberação e para esclarecer que aspeto fora preponderante na decisão de deslocar os conteúdos do DNJ para a Internet, a entrevista a Mário Bettencourt Resendes, entretanto falecido, revestiu-se da maior importância.
Examinando as suas respostas, concluímos que – a coberto da ilusão criada pela Internet e da crença no fim dos meios impressos – o suplemento perdeu o seu território em papel por razões eminentemente económicas, não havendo, uma franca preocupação da Administração/Direção do DN com o facto de, online, o DNJ ficar afastado dos seus principais contribuintes e destinatários.
Como declarou Bettencourt Resendes, “os portugueses que tinham acesso à Net em 1996 não seriam um número assim muito significativo, mas houve um fator de racionalidade económica e alguma coisa teve de ser sacrificada”. O DNJ, desde cedo recriminado pela sua nula rentabilidade financeira, estava na linha da frente e dificilmente escaparia ao veredicto.
Após a transição de suporte, a caminhada do suplemento tornou-se dramática e a mudança para a revista 6ª, no início de 2006, a que se seguiria a extinção do suplemento, em março de 2007, forçou a investigação – que pretendia focar-se apenas na migração de conteúdos de 1996 – a dilatar-se, para acompanhar os projetos de reanimação e assistir, afinal, à confirmação do óbito do DNJ.
Se ao longo de mais de uma década, entre 1996 e 2007, a falta de investimento na dinamização e na atualização daquele espaço juvenil levou a que o número de colaborações decrescesse, o design ficasse cada vez mais obsoleto e diversas secções do site desaparecessem, importava perceber como fora visto o DNJ pela Direção do DN que optou pelo fim da rubrica.
De acordo com Catarina Carvalho, ex-adjunta de Manuel Dias na coordenação do DNJ e subdiretora do DN à data da decisão, a “comunidade de troca de ideias” outrora promovida pelo suplemento estava agora representada na blogosfera, não fazendo sentido reativar uma iniciativa que tivera a sua época áurea em papel, conquistando mesmo o estatuto e a autonomia de destacável.
Para trás, num passado ainda presente para muitos dos protagonistas entrevistados, ficaram mais de duas décadas em que o DNJ acolheu criações e criadores, divulgando mais de 25.000 trabalhos, alguns dos quais – respigados para portefólios e livros – sentiram um novo sopro de vida.

 

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Notas

1 Doutoranda em Ciências da Comunicação no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). Bolseira da FCT no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) (Lisboa, Portugal). E- mail: helena@jornalismo-literatura.com

2 Diário de Notícias – DN Jovem (21/05/1996): 1.

3 Ex: para definir “jovem” ou “juventude” foi escolhida bibliografia publicada desde meados dos anos 80, de modo a compreender qual o entendimento – e debate em torno – daqueles conceitos desde o ano de criação do DN Jovem.

4 Informação facultada directamente pelo INE em resposta a um pedido de dados estatísticos.

5 Notícia “Imprensa: Nova revista do DN 6ª aposta na divulgação da actualidade cultural” (Agência Lusa, 2006).

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