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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.23  Porto June 2012

 

Teatro Universitário em Coimbra na década de 1980

University Theatre in Coimbra in the 1980s

Le théâtre de l’Université de Coimbra dans les années 1980

Teatro de la Universidad de Coimbra en la década de 1980

Alexandra Silva1

Universidade de Coimbra


 

RESUMO

Para além das modificações no campo político, em Portugal, o biénio de 1975-76 correspondeu a uma época de transição propícia à multiplicação de experiências e representações no campo da cultura. Nos ambientes, em regra associados às novas gerações, que se cruzavam com os espaços universitários e integravam uma heterogénea classe média urbana emergiram experiências – no domínio dos consumos culturais, da produção artística e literária, do associativismo – que apontavam para uma atitude de independência. Este artigo pretende reconhecer a forma como um setor significativo de estudantes definiu novas práticas urbanas de resistência cultural, no campo do teatro, ao longo desse período.

Palavras-chave: Teatro universitário; Culturas juvenis; Movimentos estudantis; Anos oitenta.


ABSTRACT

After the democratic revolution, alongside with all political changes, the biennium of 1975-76 was a transition period also rich in diverse cultural experiences and representations. Usually within academic sites, which then integrated a heterogeneous urban young middle class, emerged experiences in the field of theatre, indicating an attitude of independence. This article intends to recognize the strategies developed by a significant sector of students in order to build processes of construction and definition of urban cultural resistance throughout this period.

Keywords: University theatre; Youth cultures; Students movements; Eighties.


RÉSUMÉ

Au Portugal, les années 1975-1976 sont un moment de transition favorable à la multiplication d’expériences et de représentations dans le domaine de la culture. Dans un enjeu, normalement associé aux nouvelles générations, qui se croisait avec des espaces universitaires et intégrait une hétérogène classe moyenne urbaine, ont émergé des expériences – dans le domaine de la consommation culturelle, de la production artistique et littéraire ou de l’associativisme – qui cherchaient une attitude d’indépendance. Cet article essaie de reconnaître comment un important secteur d’élèves a établi de nouvelles pratiques urbaines de résistance culturelle, dans le domaine du théâtre, pendant cette période.

Mots-clés: Théâtre universitaire; La culture des jeunes; Des mouvements étudiants; Années quatre-vingt.


RESUMEN

Después de la revolución democrática, el bienio de 1975-76 fue una época de transición rica en diversidad de experiencias y representaciones culturales. Por lo general, dentro de los sitios académicos, que ahora se integra una heterogénea clase media urbana jóvenes, experiencias en el campo del teatro había surgido, lo que indica una actitud de independencia. Este artículo tiene la intención de reconocer las estrategias desarrolladas por un sector significativo de los estudiantes con el fin de construir procesos de construcción y definición de la resistencia cultural urbana a lo largo de este período.

Palabras-clave: Teatro universitario; Culturas juveniles; Movimientos estudiantiles; Años ochenta.


 

Introdução

O presente artigo insere-se numa investigação mais profunda, que pretende dar a conhecer o meio estudantil coimbrão na década de 1980, a partir do estudo das ações culturais levadas a cabo por um núcleo de estudantes, à margem da cultura institucional da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (AAC), enformada pelos poderes políticos fortemente influentes. Considera-se que, apesar dos evidentes focos de despolitização, um grupo importante, ainda que minoritário, de ativistas estudantis respondeu a essas formas de institucionalização e lógica partidária, e insurgiu-se contra a passividade com que os anos oitenta são globalmente classificados, procurando, através de manifestações de caráter cultural, recuperar o intervencionismo que caraterizara as juventudes estudantis das décadas anteriores.
Partindo do fato histórico de que, a partir de 1975, a sociedade portuguesa abriu portas a uma fragmentação e a uma diferenciação de consumos culturais distintos e distantes dos padrões do regime ditatorial, reconhece-se a democratização das práticas culturais, marcadas pela renovação das linguagens nas artes plásticas, no cinema, na literatura e no teatro.
Neste campo concreto, emergiram novas conceções cénicas, estudaram-se novos autores e textos, reinventaram-se espaços, reequacionaram-se opções estéticas e surgiram importantes grupos amadores e experimentais, independentes e universitários, que apresentaram fortes sinais de renovação (Vasques, 1999: 119). Esses grupos surgem com uma nova dinâmica “de ruptura estética e de uma prática teatral como espaço de afirmação política e de autonomia ideológica, bem como de uma nova lógica organizacional baseada no modelo cooperativo” (Baptista, 1992: 103).
Seguindo esta tendência, o teatro, nos anos oitenta, carateriza-se pela conjugação com as artes visuais e as artes performativas, devido ao hibridismo de géneros (Sucher, 1999), configurando-se como um mosaico de experiências que ajuda a entender a lógica e a dinâmica dos movimentos artístico-culturais na sociedade portuguesa.
Foi nos meios urbanos universitários que se refletiram, melhor e mais decisivamente, estas alterações que se vinham operando na sociedade em geral, assumindo-se como um verdadeiro “laboratório de experiências” (Estanque e Bebiano, 2007: 79). Historicamente, o teatro universitário colocou-se frontalmente como alternativa estética e ideológica à maioria do teatro oficial e desencadeou um processo de renovação que teve resultados visíveis. Tornou-se num fenómeno bastante claro no contexto pós-revolucionário português, dando origem a um movimento teatral nacional que, em relativamente poucos anos, protagonizou a produção e consumo de novos modelos artísticos e culturais (Barata, 2009; Vasques, 1999).
Assim, as universidades portuguesas viram nascer vários grupos de teatro independentes como o Cénico de Direito, o Teatro Universitário de Braga, o Teatro Universitário do Porto (TUP), o Grupo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o Grupo de Teatro da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico (IST), o Grupo de Medicina de Lisboa, o Grupo da Faculdade de Direito, Grupo do Magistério Primário de Aveiro, o Teatro da Cantina Velha, o Grupo de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa, o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) ou o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC) (Porto, 1990-1992; Porto, 1996).
Neste período, um pouco por toda a Europa, assistiu-se a uma salutar revitalização do teatro universitário, que desenvolveu uma prolífica atividade, apoiada pela criação de uma Federação de Teatro Universitário que promovia festivais nacionais e internacionais – como o Festival Internacional de Lyon, o Festival Internacional de Teatro Experimental Internacional em Palermo, o Festival Internacional de Teatro Universitário em Inglaterra e a Semana Internacional de Teatro Universitário em Coimbra –, realizava cursos, editava um boletim mensal e apoiava os grupos.
Neste artigo procurar-se-á discutir o papel do teatro universitário na definição das novas culturas urbanas no período da chamada “transição democrática”, a partir da análise do trabalho cultural independente de dois grupos de teatro universitário: o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e o Círculo de Iniciação ao Teatro da Academia de Coimbra (CITAC).

1. Teatro universitário em Coimbra: TEUC e CITAC

Na Universidade de Coimbra, o teatro foi o rosto nítido da mudança, o campo que, desde sempre, fez eco de inquietações políticas, sociais e culturais, que viveu, conheceu, antecipou, por vezes, todos os acontecimentos sociais marcantes. Efetivamente, o teatro universitário em Coimbra, com importantes raízes históricas, desempenhou um papel decisivo – pelo desenvolvimento de trabalhos teatrais – nas lutas estudantis, foi um banco de experiências para grupos e encenadores em vias de profissionalização e muitos conseguiram, deste modo, meios de sobrevivência dentro das instituições de ensino. A atividade teatral seria, particularmente, dinamizada no seio da Associação Académica de Coimbra (AAC), pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (criado em 1938) e pelo Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (criado em 1956), cujas atividades no decorrer da década de oitenta aqui analisaremos.

1.1 TEUC: Semana Internacional do Teatro Universitário e Bienal Universitária de Coimbra

Seguindo uma linha artística de representação clássica, o TEUC desde cedo se destacou, representando em festivais internacionais, ainda na década de 1950, como a Delfíada – Festival Internacional de Teatro Universitário –, cabendo-lhe, em 1961, organizar, no Teatro Académico de Gil Vicente, a VIII edição desse festival internacional de teatro universitário, que inauguraria aquela sala de espetáculos, pertencente à Universidade de Coimbra. Renovando-se e refundando-se, o TEUC veio a revelar-se, nos anos oitenta, um dos organismos da AAC que maior inovação e alternativa trouxe aos públicos de teatro da cidade e do país. Tendo em linha de conta o papel imprescindível da formação, o TEUC promoveu anualmente um Curso de Iniciação Teatral, cursos livres de pantomina clássica, encenação e dramaturgia e programas de estágio, abertos a todos os estudantes universitários (Motta, 1999: 127-137).
Nessa altura, o TEUC foi responsável pela publicação, entre 1978 e 1988, da revista Teatruniversitário, única publicação regular de teatro durante esse período que acompanhou a organização da Semana Internacional de Teatro Universitário (SITU), iniciativa que bienalmente reunia, em Coimbra, o melhor do teatro universitário que à época se fazia pela Europa. A SITU revelar-se-ia, efetivamente, um espaço de permuta de experiências na qual participavam vários grupos estrangeiros, revelando uma extraordinária qualidade artística, constatada pelas críticas positivas que ia recebendo e pelos cerca de dez mil espetadores que, a cada edição, participavam no evento (Silva, 2009: 112-125).
Na SITU estiveram presentes grupos franceses, polacos, alemães, checoslovacos, belgas, entre outros. Mas também tomaram lugar grupos de teatro universitário português como o CITAC, o Teatro Universitário do Porto (TUP), o Cénico de Direito, o TUBRA, o Grupo de Medicina de Lisboa, o Teatro da Cantina Velha de Lisboa, o Teatro de Letras de Lisboa, o Grupo da Universidade de Aveiro ou o GRETUA (Aveiro), a ESBAL, o Cénico de Direito, o IBIS e o Teatro da Nova (Lisboa) (idem, 115).
Pela SITU foram passando algumas das mais interessantes propostas do teatro universitário europeu, que ali encontraram o seu melhor palco, sendo este festival uma das mais importantes realizações do género na Europa e considerado, por organizações estrangeiras, como o lugar privilegiado para o confronto entre as várias escolas de teatro e os vários grupos universitários independentes.
Estes contatos com grupos universitários portugueses e estrangeiros serviriam de troca de experiências e como excelente forma de ligação com novas culturas e estéticas teatrais, numa época em que se cruzavam linhas de experimentação. Iniciativas como a SITU – que passou a designar-se Bienal Universitária de Coimbra, em 1986 – promoveriam, também, o desenvolvimento artístico em vários espaços da cidade, nomeadamente exposições em montras de casas comerciais, no criptopórtico do Museu Nacional Machado de Castro, no foyer do Teatro Académico Gil Vicente e no Teatro de Bolso do TEUC, alguns dos espaços que acolheram trabalhos relacionados com a BUC.

1.2 CITAC: Ciclos de Teatro e Projectos & Progestos

O CITAC, por sua vez, enveredaria por um maior experimentalismo e arrojo estético nas técnicas teatrais e nos autores representados e nasceria, precisamente, como resposta à representação clássica do TEUC. Da sua atividade destaca-se a organização dos Ciclos de Teatro, que levavam a Coimbra companhias nacionais e estrangeiras que apostavam na renovação e inovação das linguagens, encenações, texto e dramaturgia.
Nesse espírito de arejamento no domínio artístico, técnico e estético, o CITAC procurou definir e assumir a sua identidade, desenvolvendo a sua ação em cursos de iniciação de atores, montagens e apresentação de espetáculos experimentais, ateliers sobre técnicas de clown, formação de atores, divulgação de conhecimentos sobre os momentos e épocas fundamentais da história do teatro, animação do teatro-estúdio, entre outras, rejeitando as regras convencionais do teatro clássico, nomeadamente no que respeita à representação, cenários e palcos.
Se, no período que antecedeu o 25 de abril, a sua ação se viu limitada pelas imposições da censura, a partir de 1975 voltaria em força. No período que se seguiu à sua reabertura, o CITAC procurou nova renovação, insistindo, sobretudo, na formação, na experiência da pesquisa e em novas formas de ocupação do espaço, retomando experiências de teatro de rua e de intervenção, interagindo com outros grupos amadores e independentes que, entretanto, proliferavam pelo país. O Círculo reiniciou os cursos de teatro, divulgando autores até aí silenciados, como Brecht, Sartre, Aleixo, Fiama, Maltz, Gorki, Fassbinder, Kowalski; participou em festivais internacionais em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente no I Festival Internacional de Expressão Ibérica e foi-se renovando regularmente, com a entrada de novos encenadores que lhe conferiram um cunho pessoal, como Mário Barradas.
Se as linguagens, estéticas e autores trabalhados ganharam uma nova dimensão, também o espaço cénico a adquiriu, fazendo de Coimbra um imenso palco pronto a receber os trabalhos do Círculo. Algumas das mais interessantes realizações do CITAC nestes anos foram Noite de Guerra no Museu do Prado que, tal como Crime na Catedral, intercalava peças com sketches de rua e de intervenção sobre determinados momentos da vida académica e da sociedade, realizando happenings entre os estudantes e a população, com cenas de confronto não ensaiadas, performances nas ruas ou nas carruagens dos comboios (Esta danada caixa preta…, 2006: 89).
Segundo André Brito Correia, esta atividade dramática na rua faz-se “em nome de um projeto de defesa e luta pela cidadania [que] apela à intervenção dos espetadores e a uma interação destes últimos com os performers” (Correia, 2003: 6).
Tal como os locais ocupados pelo TEUC para as suas exibições, esta forma como os estudantes ocupam o espaço urbano e se relacionam com o património histórico e arquitetónico é, também, uma forma de resistência. Gerou, por um lado, um interessante diálogo entre Academia e cidade, redescobrindo-se novas e diversificadas formas de contato entre estudantes, população e património, e levou à criação de espaços onde a performatividade ganhou particular realce, ao subverterem-se os respetivos espaços de intervenção.
O espaço público onde intervieram estes atores assumiu-se, assim, como “uma tela gigante em que as aflições privadas são projetadas sem cessar, sem deixarem de ser privadas ou adquirirem novas qualidades coletivas no processo de ampliação: o espaço público é onde se faz a confissão dos segredos e intimidades privadas” (Bauman, 2001: 49).
Foi também no seu espaço íntimo, no Teatro-Estúdio, espaço cedido pela AAC ao CITAC, que saiu uma das suas maiores realizações da época: o Multi/Ecos. Apresentado ainda em 1979, expunha propostas multidisciplinares que englobavam vídeo, artes performativas, texto visual e música eletroacústica. Neste projeto ficariam lançadas as linhas norteadoras do que viria a ser o modelo do Projectos & Progestos, enquanto proposta híbrida de integração de audiovisual com o espaço cénico.
O ciclo intitulado Projectos & Progestos/Tendências Polémicas nas Linguagens Artísticas Contemporâneas, coordenado por António Barros e Rui Órfão, e formalmente iniciado em 1981, assumiu-se como um contributo cultural coletivo, no sentido de fornecer informação e sensibilização para as linguagens, expressões e filosofias da arte contemporânea. Do teatro experimental às artes plásticas, da música minimalista à dança, passando pela pesquisa literária, arte-performance, vídeo-arte, música experimental e um novo conceito de museu e de comunicação audiovisual fizeram deste espaço um lugar de alternativa.
Esta iniciativa, que pretendeu desenvolver uma interação direta com grupos independentes portugueses e estrangeiros, levou a Coimbra as melhores companhias profissionais de Lisboa e Porto, como A Barraca, o Teatro Experimental de Cascais ou o Seiva Trupe, o L.A.C. de Lyon, o The Basement Group de Newcastle e La Marginalia de la Forma de Arte, em Turim. Assim, Projectos & Progestos viu-se internacionalmente reconhecido como um dos membros de investigação no domínio das linguagens artísticas, nos anos oitenta.
O projeto recebia, continuamente, solicitações para colaborações, participação em iniciativas locais e noutras cidades, escrita de artigos para revistas, participação em colóquios, exposições, críticas, entre outras, colaborando com organismos como a Tuna Académica da Universidade de Coimbra (TAUC), o Círculo de Artes Plásticas, o CITAC, – todos eles Organismos Autónomos ou Secções Culturais da AAC –, revistas como a Sema ou Arte Opinião, mas também noutras cidades, com instituições como a Cooperativa Árvore, Galeria Diferença ou, por exemplo, a Bienal de Cerveira. A nível internacional, o Projectos & Progestos colaborou com vários organismos, entre os quais The Basement Group, Instituto Hasona, Vox Magazine, revista Rapport e revista Cannal.
Os seus fundadores integraram, ainda, o corpo permanente do coletivo do grupo ARTITUDE: 01 - Progestos Visuais Multimédia, entre 1982 e 1985, uma revista de suporte experimental do domínio dos multimédia, cujo número zero se apresentou em forma de sapato e em que as suas páginas eram as palmilhas, como testemunha o seu diretor António Barros em Esta danada caixa preta…, conjunto de textos de memória sobre os anos vividos no CITAC (Esta danada caixa preta…, 2006: 91).

2. Breves considerações finais

O teatro universitário criou, na década de 1980, o seu lugar próprio e específico dentro do movimento teatral português, como agente de renovação e de conflito, capaz de desencadear um processo de mudança e consciencialização no circuito oficial.
Na Universidade de Coimbra, grupos da Associação Académica de Coimbra, ligados às artes cénicas, destacaram-se pela organização de cursos de formação, peças de teatro e eventos de maior escala como festivais. O TEUC e o CITAC utilizaram o teatro, desde a sua origem, como instrumento que institui a transgressão, contextualizando e discutindo as utopias produzidas socialmente e criticando a sociedade do consumo e a cultura, numa atitude de “comprometimento social e cultural” (Cardina, 2008: 144).
O seu papel, enquanto dinamizadores culturais, tornou-se capital na projeção de efetivos processos de renovação cultural e alternativa, verdadeiros contramodelos culturais, preenchendo um lugar na sociedade académica: mais do que uma simples função cultural, simbolizaram o imaginário referencial dos estudantes, forma através da qual foi possível uma nova expressão, não apenas cultural, mas uma tomada de consciência para a necessidade de alterar a tendência de alienação, despolitização, individualismo e espírito de concorrência de que a Universidade ia padecendo (Estanque e Bebiano, 2007).
Estes grupos revelam-se bastante inovadores, ao cimentarem uma afirmação de identidade, através de tomada de posição política em relação à sociedade pré e pós-revolucionária. Propõem uma nova forma de praticar a cultura, através da utilização de formas de expressão cultural que, por um lado, reinventam o passado – apropriam-se dele e regressam, por vezes, a ele – e por outro, se aproximam dos modelos culturais internacionais, através da atualização das técnicas e dos modelos de produção estrangeiros. Definem, ainda, uma cultura de rutura e resistência ao padrão que se estava a afirmar, de um modelo da revolução e de regresso ao passado adaptado à realidade democrática, centrado na cultura popular portuguesa, que começou, então, a alinhar também nas tendências da cultura europeia ocidental.
Estes novos formatos culturais de envolvimento estudantil tratam-se, assim, de formas de reinvenção de práticas alternativas de cidadania cultural (Silva, 2011). Construíram lugares de produção, ação, receção e aprendizagem cultural, que permitiram, também, uma progressão social para lá das estratégias de democratização cultural institucionais. Em Coimbra, no teatro, como no cinema, na música, na fotografia ou nas artes plásticas, vários movimentos culturais ligados à universidade resistiram a esse regresso.

 

Fontes:

Diário de Coimbra, As Beiras, Tribuna de Coimbra, Teatruniversitário, Fenda, Via Latina, A Briosa, A Ideia, Rua Larga.

Referências bibliográficas

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Notas

1 Bolseira de Doutoramento em História, especialidade em História Contemporânea, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), cuja instituição de acolhimento é o Centro de Estudos Sociais (CES UC) (Coimbra, Portugal).asilva@ces.uc.pt

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