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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.27 no.1 Porto mar. 2018

 

CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS

 

Larva Migrans Cutânea - apresentação típica de dois casos clínicos

 

Cutaneous Larva Migrans – presentation of two typical cases

 

 

Sara SoaresI; Catarina Ferraz de LizI; Ana Lúcia CardosoI; Ângela MachadoI; Joaquim CunhaI; Leonilde MachadoI

I Department of Pediatrics and Neonatology, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa. 4564-007 Penafiel, Portugal. sara.m.m.soares@gmail.com, 73085@chts.min-saude.pt, 72928@chts.min-saude.pt, anj.machado@gmail.com, 71050@chts.min-saude.pt, 71612@chts.min-saude.pt

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: A Larva Migrans Cutânea é uma dermatose provocada por parasitas nematodes, dos quais os mais frequentes são Ancylostoma brasiliensis e Ancylostoma caninus. É uma doença endémica em países tropicais, sendo o seu diagnóstico pouco comum nos outros países.

Caso Clínico: Criança de dez anos emigrada de Angola. Ao exame objetivo, apresentava lesões cicatriciais de incisões efetuadas previamente como tratamento e uma lesão serpiginosa no dorso do pé esquerdo, compatível com Larva Migrans cutânea. Foi instituída terapêutica com albendazol com regressão completa dos sintomas em uma semana, altura em que foi reavaliado. Nessa data, o irmão, que apresentava a mesma sintomatologia em ambos os pés, efetuou o mesmo esquema terapêutico, com resolução da sintomatologia.

Discussão: Os autores pretendem salientar a importância deste diagnóstico em Portugal, dado o fluxo migratório de países com elevada prevalência desta patologia.

Palavras-chave: Criança; emigrante; Larva Migrans cutânea


ABSTRACT

Introduction:  Cutaneous Larva Migrans is a dermatosis caused by nemantode parasites, mainely Ancylostoma brasiliensis and Ancylostoma caninus. It is an endemic disease in tropical countries but a rare diagnosis in the rest of the world.

Case Report: We report the case of a ten-year-old child emigrated from Angola. The physical examination showed scarring injuries from previous incisions made as a form of treatment as well as a serpiginous lesion on the dorsum of the left foot, compatible with cutaneous Larva Migrans. The patient was started on albendazole and complete resolution of symptoms was obtained after one week. About that time, the patient’s brother, who had the same symptoms on both feet, was submitted to the same treatment, also with resolution of symptoms.

Discussion: The authors wish to enphasize the relevance of this case due to the migration from countries with high prevalence of cutaneous Larva Migrans.

Keywords: Child; cutaneous Larva Migrans; emigrant


 

 

INTRODUÇÃO

A Larva Migrans Cutânea (LMC) é uma doença endémica em países tropicais e subtropicais, nomeadamente países da Ásia, África e América Latina.1 Foi descrita pela primeira vez em 1874 e 50 anos depois foi realizada a primeira biópsia cutânea, que comprovou a presença de um parasita nemátode que penetrava a pele e migrava através dela.2,3

A parasitose é pouco comum nos países industrializados, apesar de ser a segunda causa mais comum de morbilidade nos turistas, a seguir à diarreia.9. O seu diagnóstico é clínico, baseando-se não só na história clínica, mas também nas lesões cutâneas típicas ao exame objetivo.2,3

Os autores apresentam dois casos clínicos de dois irmãos, recentemente emigrados de Angola, e fazem uma revisão teórica sobre aspectos pertinentes sobre a Larva Migrans cutânea.

 

CASO CLÍNICO

Criança de dez anos, do sexo masculino, emigrada de Angola desde há duas semanas, é trazida ao Serviço de Urgência por prurido no pé esquerdo com três semanas de evolução e lesão “em túnel” no dorso do mesmo pé. No início da sintomatologia, segundo o pai, a criança foi observada num hospital em Angola, onde, apesar de numerosas incisões, não conseguiram “eliminar o bicho”. Manteve-se apirético, sem outra sintomatologia associada.

No Serviço de Urgência, ao exame objectivo apresentava lesões cicatriciais de incisões efetuadas previamente como tratamento, tal como descritas pelo pai, e lesão serpiginosa no dorso do pé esquerdo (figuras 1 e 2). Na região plantar do hálux apresentava a mesma lesão serpiginosa, mas de consistência endurecida (figura 3).

 

 

 

 

 

 

O aspecto das lesões e a história de residência em área endémica permitiu o diagnóstico clínico de Larva Migrans Cutânea. Foi instituída terapêutica com albendazol, 10mg/kg/dia de 12/12horas, durante cinco dias. A criança foi reavaliada após uma semana e mostrava regressão completa dos sintomas e sinais. Nessa data, o irmão de 13 anos apresentava a mesma sintomatologia e lesões serpiginosas semelhantes na face lateral de ambos os pés. Efetuou o mesmo esquema terapêutico, com resolução da sintomatologia.

 

DISCUSSÃO

A LMC é uma infecção cutânea autolimitada, habitualmente provocada por parasitas de animais domésticos, dos quais os mais frequentes são Ancylostoma brasiliensis, presente nas fezes de gato, e Ancylostoma caninus, nas fezes de cão.2,5,6 Existem outros parasitas descritos como Uncinaria stenephala e Bunosronum phebotunum de animais e Necator americanus, Ancylostoma duodenale e o Strongyloides stercoralis de humanos, que também podem causar LMC.1,7 Estes parasitas habitam no intestino de animais e os seus ovos são eliminados nas fezes dos mesmos. Uma vez no solo, os ovos dão origem a larvas que, nas condições ideais de calor e humidade, permanecem viáveis no solo durante várias semanas.3,6 O Homem, ao contactar com solos ou areias contaminadas com fezes de animais infetados, pode tornar-se hospedeiro acidental.1,2 As larvas têm a capacidade de penetrar a pele humana pela produção de hialuronidase ou através dos folículos pilosos, glândulas sudoríparas ou de fissuras cutâneas, ficando habitualmente confinadas à epiderme e derme superficial1,6. Apesar de conseguirem migrar vários centímetros na epiderme e induzirem uma resposta inflamatória, as larvas não têm a capacidade de completar o seu ciclo de vida no Homem e morrem num período de semanas a meses, sendo por isso uma doença auto-limitada.1

A sintomatologia pruriginosa inicia-se horas após a penetração da larva, sendo esse prurido tão intenso que interrompe o sono. Por vezes, estas lesões também são descritas como dolorosas.5 Um a cinco dias após a penetração da larva, é visível uma lesão eritematosa linear ou serpiginosa, com aproximadamente três milímetros de largura, que progride um a dois centímetros por dia.1,2,6 Os pés são os locais mais frequentemente afetados, seguindo-se as pernas e o períneo, as mãos, os braços e o couro cabeludo e, raramente, as mucosas.2,3,6

As complicações mais frequentes são provocadas por sobreinfeção bacteriana (geralmente por Staphylococcus aureus e Streptococcus) das lesões pruriginosas, originando impétigo, foliculite ou vesículas.3,6 Apesar de raro, A. caninum pode entrar em circulação e desencadear Síndrome de Loffler, caraterizado por febre, broncospasmo, infiltrados pulmonares, eosinofilia, eritema polimorfo e, ocasionalmente, urticária.1-3,6

O diagnóstico é clínico, baseando-se na observação das lesões típicas e na história de residência ou viagem a região endémica. Raramente se justifica o uso de exames complementares de diagnóstico, nomeadamente a microscopia de epiluminiscência para deteção do percurso da larva, ou a biópsia cutânea3,8. Estes podem ser utilizados em casos atípicos ou nas lesões alteradas pelos fármacos, apesar das alterações anatomopatológicas – dermatite espongiforme com vesículas contendo neutrófilos e eosinófilos -  não serem específicas desta patologia.2 A. caninum pode ser detetado através de um teste de ELISA.3

Existem outras dermatoses que podem evoluir como lesões lineares ou serpiginosas, como o Granulona Anular, Poroqueratose de Mibelli e o Eritema Anular Centrifugum, sendo clínico o diagnóstico diferencial.2,3,5

O tratamento pode ser local, através da crioterapia com azoto líquido ou através de um antihelmíntico tópico – tiabendazol. Este fármaco, que não está disponível em Portugal, está indicado em situações em que não é possível a toma sistémica, ou como coadjuvante desta. Apesar de eficaz quando aplicado três vezes por dia, durante cinco dias, o tiabendazol 15% implica uma adesão à terapêutica, por vezes difícil pelo doente. A crioterapia não está atualmente indicada para uso pediátrico.2,3,5

Para o tratamento sistémico, apesar de existirem vários antihelmínticos (o tiabendazol, o albendazol e a ivermectina), apenas o albendazol é comercializado em Portugal, estando a ivermectina disponível nas farmácias hospitalares. Trata-se de um antihelmíntico de terceira geração, indicado na dose de 10mg/kg durante cinco dias, com duas tomas diárias em idade pediátrica. Contrariamente ao tiabendazol, os efeitos laterais do albendazol são mínimos e autolimitados, nomeadamente queixas digestivas, febre, aumento das transaminases e alopécia.2,3

A ivermectina é a mais recente proposta para o tratamento desta patologia, estando descritos bons resultados com uma toma única e sem efeitos laterais. No entanto, não está indicado a crianças com menos de 15 Kg.3

A infeção secundária deve ser tratada com antibioterapia direcionada. O prurido desaparece 48 horas após o início do tratamento, pelo que não é necessária terapêutica adicional.2,3,5

A instituição de medidas preventivas, como a desparasitação de animais domésticos e uso de calçado e vestuário que impeça o contacto com solos infectados, são medidas difíceis de implementar nos países endémicos devido às suas condições socioeconómicas. O uso de calçado protetor e a evicção de praias onde a presença de animais não seja interdita são exemplos de prevenção aconselhada aos turistas.1

Além disso, dado o fluxo migratório para Portugal de imigrantes provenientes de países endémicos, é essencial alertar os clínicos para esta hipótese diagnóstica.9

Em conclusão, após uma história clínica cuidadosa e um exame objetivo atento, a infecção por Larva Migrans Cutânea é de fácil diagnóstico e tratamento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Macias VC, Carvalho R, Chaveiro A, Cardoso J. Larva Migrans cutânea – a propósito de um caso clínico´. Revista SPDV 2013; 71.

  2. Ferreira C, Machado S, Selores M. Larva Migrans cutânea em idade pediátrica. Nascer e Crescer 2003; 12: 261-4.

  3. Heukelbach J, Feldmeier. Epidemiological and clinical characteristics of hookworm-related cutaneous larva migrans. Lancet Infect Dis. 2008; 8:302-9.

  4. Hagmann S, Neugebauer R, Schwartz E, Perret C, Castelli F, Barnett ED, Stauffer WM, GeoSentinel Surveillance Network. Illness in Children After International Travel: Analysis From the GeoSentinel Surveillance Network. Pediatrics 2010; 125: e1072-80.

  5. Weller PF, Leder K. Hookworm-related cutaneous Larva Migrans. Up-to-date: 2015.

  6. Alves C, Proença V. Larva Migrans cutânea – um caso de apresentação típica no viajante. Revista Portuguesa Medicina Geral e Familiar. 2012; 28:136-8.

  7. Kliegman RM, Behrman RE, Jenson HB, Stanton BF. Nelson. Tratado de Pediatría. 18th. Barcelona: Elsevier, 2008.

  8. Kerri SP, Richard GL, Amanda NW, Noreen W, David H. Cutaneous Larva Migrans. The Lancet Infectious diseases 2011; 377:1948.

  9. Moreira, H. Emigração Portuguesa - Estatísticas retrospectivas e reflexões temáticas. Revista de Estudos Demográficos 38: 47-65.

 

 

CORRESPONDENCE TO

Sara Soares
Department of Pediatrics and Neonatology
Centro Hospitalar Tâmega e Sousa
Avenida do Hospital Padre Américo 210
4564-007 Guilhufe
Email: sara.m.m.soares@gmail.com

Received for publication: 08.06.2016 Accepted in revised form: 13.02.2017

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