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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.27 no.1 Porto mar. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS | ORIGINAL ARTICLES

 

As crianças e a exposição aos media

 

Children and media exposure

 

 

Cláudia PatraquimI; Sara FerreiraII; Hélder MartinsII; Helena MourãoII; Paula GomesII; Sofia MartinsI

I Department of Pediatrics, Hospital de Braga. 4710-243 Braga, Portugal. claudiapatraquim@gmail.com; sofiacgam@gmail.com
II General and Family Medicine, Unidade de Saúde Familiar Infesta,  Unidade Local de Saúde de Matosinhos. 4465-154 São Mamede Infesta, Portugal. sara_danielapk@hotmail.com; heldertmmartins@hotmail.com; helena.mourao@ulsm.min-saude.pt; paulagomes@hotmail.com

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: As crianças/adolescentes passam horas a ver televisão, jogar videojogos e navegar na internet. Os benefícios dos media são vastos, mas existem potenciais riscos.

Objetivos: Conhecer a situação de uma amostra de crianças/adolescentes quanto à sua exposição aos media.

Material e Métodos: Realizado um estudo transversal, observacional e analítico. Selecionada uma amostra de conveniência na Consulta de uma Unidade de Saúde Familiar, e aplicado um questionário aos cuidadores de crianças/adolescentes entre 4 meses e 18 anos.

Resultados: Obtiveram-se 126 questionários. Uma percentagem significativa das crianças e adolescentes foi exposta a mais de duas horas diárias  de exposição aos media nos dias de  semana e fim de semana, respetivamente: televisão 15,9% e 50,4%, videojogos 6,3% e 15,9%  e computador 10,3% e 22,2%. Um número considerável de crianças com menos de dois anos vê uma hora ou mais de televisão por dia: 21,4% à semana e 32,1% ao fim-de-semana. Referiram utilizar a televisão ligada ou tablet às refeições 69,6%. A presença dos media no quarto associou-se a maior exposição (p<0,05). Níveis sócio-económicos mais baixos e menor escolaridade dos cuidadores relacionaram-se a maior exposição a televisão à semana (p=0,026 e p=0,005, respetivamente). Os hábitos dos cuidadores relativamente aos media associaram-se a maior exposição das crianças/adolescentes a televisão ao fim-de-semana (p<0,005) e computador à semana (p=0,016) e fim-de-semana (p=0,004). Uma maior exposição aos media pareceu relacionar-se significativamente com menor duração do sono.

Conclusões: A exposição aos media é cada vez maior e mais precoce. O médico deve abordar esta temática nas consultas, focalizando-se em pontos de preocupação para aconselhar os cuidadores.

Palavras-chave: Adolescentes; crianças; media


ABSTRACT

Background: Children and adolescents spend several hours watching television, playing video games and surfing the internet. Benefits of media are vast, but potential risks exist.

Objectives: Determine the patterns of media exposure in a population of children and adolescents.

Methods: This is a cross-sectional, observational and analytic study. We selected a convenience sample from children and adolescents between 4 months and 18 years who were observed in a primary healthcare center and a questionnaire was applied to the caregivers. 

Results: One hundred and twenty six questionnaires were obtained. A significant percentage of children and adolescents were exposed to more than two hours a day of screen time at weekdays and weekend: television - 15,9% and 50,4%, video games - 6,3% and 15,9% and computer - 10,3% and 22,2%, respectively. A considerable number of children under two years of age is exposed to one hour or more of television a day at weekdays  (21,4%) and weekend (32,1%). Sixty-nine point six percent of caregivers reported using television or tablet at mealtimes. The presence of media in the bedroom was associated with greater exposure (p<0,05). Lower socio-economic levels and caregiver education were related to increased exposure to television at weekdays (p=0,026 and p=0,005, respectively). Habits of caregivers related to the media were associated with increased exposure of children and adolescents to television at weekend (p<0,005) and computer at weekdays (p=0,016) and weekend (p=0,004). Screen time seemed to be significantly associated with reduced sleep duration.

Conclusions: Exposure to media is growing and occurs at increasingly earlier ages. This issue should be addressed in medical appointments, in order to advise parents. 

Keywords: Adolecents; children; media


 

 

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

Os meios de comunicação social, vulgarmente conhecidos por media, ocupam, atualmente, um papel de destaque na vida das crianças e adolescentes, que passam várias horas por dia a ver televisão, jogar videojogos, ou a navegar na internet. A televisão é o meio de comunicação de mais fácil acesso, sendo a principal companhia diária para muitas crianças e adolescentes, grupos etários mais vulneráveis e suscetíveis a serem influenciados no seu comportamento, desenvolvimento e personalidade.1-3

Embora existam potenciais benefícios associados ao visionamento de determinados programas televisivos ou à utilização de outros meios multimédia,estes estão igualmente associados a um conjunto de efeitos negativos na saúde e desenvolvimento das crianças e adolescentes.2,4 Se por um lado os media podem promover aspetos positivos do comportamento social, facilitar a aquisição de conhecimentos e encorajar a criatividade, não é desprezível o seu impacto na aquisição de comportamentos agressivos e na incitação de violência, não só de ordem física, como também psicológica e social.2,4-6 Os media têm igualmente uma influência poderosa nas atitudes, crenças e valores sexuais dos adolescentes, parecendo haver uma correlação positiva entre televisão e vídeos musicais e o consumo de álcool e tabaco neste grupo etário.2-5,7,8 Adicionalmente, os media podem traduzir-se por efeitos importantes na saúde da população infantil por substituírem outras atividades importantes para a saúde, com ênfase na prática de exercício físico.2 O uso excessivo da televisão é apontado como uma possível causa de obesidade infantil.2,3,9 Por oposição, ao promoverem a cultura da magreza, os media podem afetar negativamente a imagem corporal e a auto-estima das crianças e adolescentes.2,4 Outra atividade importante e muitas vezes descurada pelo uso excessivo da televisão é a leitura ou outras atividades que estimulam a criatividade, o que pode estar na base de problemas ao nível do desempenho escolar.2,4,5 Por fim, mas não menos importante, vários estudos têm relacionado os hábitos de exposição aos media a perturbações do sono.1,10-12

Estes factos têm propulsionado a discussão acerca dos efeitos dos media na população infantil e do papel dos cuidadores e dos profissionais de saúde na educação e na definição de limites para esta exposição.2,3,13-15 A Academia Americana de Pediatria recomenda que o tempo máximo de exposição aos media seja inferior a duas horas por dia nas crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os dois e os dezoito anos, desaconselhando a exposição em crianças com menos de dois anos de idade.3,4,13

O presente trabalho tem como objetivos conhecer e analisar os hábitos de uma amostra de crianças portuguesas, residentes no norte do país, quanto à sua exposição aos media.

 

MATERIAL E METÓDOS

Amostra

Amostra de conveniência que incluiu crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os quatro meses e dezoito anos (total de 126 crianças), seguidas em Consulta de Saúde Infantil e Juvenil de uma Unidade de Saúde Familiar (USF).

Procedimento

Efetuado um estudo transversal, observacional e analítico. Durante um período de quatro meses (agosto a novembro de 2014), foi pedido aos cuidadores de crianças e adolescentes entre os quatro meses e os dezoito anos que respondessem a um questionário dividido em três setores fundamentais: dados relativos ao cuidador, dados da criança/adolescente e caraterização do uso dos media. Este era composto por perguntas de tipo misto (contudo, predominantemente fechadas, de escolha múltipla), tendo sido desenvolvido pelos autores, após extensa revisão bibliográfica acerca do tema.

Não foram consideradas as respostas com conteúdo inadequado ou incoerente.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde e Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde (ULS) de Matosinhos e foi salvaguardada a confidencialidade. Obteve-se também o consentimento informado escrito voluntário de todos os inquiridos para participação no mesmo.

Variáveis em estudo

No que diz respeito às caraterísticas do cuidador, foram recolhidos dados tais como a idade, nacionalidade, estado civil, número total de filhos, nível de escolaridade e classe social (Graffar).

Em relação às caraterísticas da criança/adolescente foram recolhidos dados relativos ao sexo, idade, nível de escolaridade, aproveitamento escolar, antropometria e duração média do sono.

No que se refere à exposição aos media, foram avaliados: número de horas que as crianças/adolescentes e cuidadores passam, em média, por dia, a ver televisão, jogar videojogos ou computador e navegar na internet (diferenciando entre dias de semana e fim-de-semana); acesso a televisão, videojogos ou computador no quarto de dormir das crianças/adolescentes; e programas televisivos e videojogos favoritos das crianças/adolescentes.

Nesta sequência, procedeu-se ao estudo da possível associação entre a exposição das crianças/adolescentes aos media e a classe social (Graffar), escolaridade dos cuidadores, hábitos dos cuidadores no que respeita aos media, grau de aproveitamento escolar, índice de massa corporal (IMC), acesso facilitado aos media no quarto de dormir e duração do sono da criança/adolescente. Na análise estatística, em relação à classe social (Graffar), foi excluída a classe I, com apenas um caso, pela dispersão dos dados da amostra. Para a avaliação das horas de sono foram apenas consideradas as crianças em idade escolar (idade igual ou superior a seis anos).

Por fim, foram também avaliados os conhecimentos dos cuidadores acerca do uso apropriado dos media, métodos utilizados para vigilância e os possíveis efeitos nas crianças/adolescentes.

Análise estatística

Para a análise estatística dos dados recorreu-se ao programa informático Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 22.0®.

Foi realizada a análise descritiva dos dados sociodemográficos, apresentando os resultados sob a forma de médias com desvios padrão (DP), ou medianas quando justificado.

Na análise inferencial foi utilizado o teste Qui-quadrado (χ2) de Pearson para avaliar a associação entre duas variáveis qualitativas e o teste não paramétrico Kruskal-Wallis para comparação entre uma variável quali­tativa e uma quantitativa, possuindo a última uma distribui­ção não normal. Considerou-se existir significância estatís­tica para valores de p<0,05.

 

RESULTADOS

Dados sociodemográficos

Foram incluídas 126 crianças/adolescentes, 56,3% do sexo masculino. No que respeita à distribuição etária, 22,2% apresentavam idade inferior ou igual a dois anos. A média de idades calculada foi de 85 meses (DP=59) , mínima quatro meses e máxima 204 meses  (Quadro 1).

 

 

Quanto às caraterísticas dos cuidadores [maioria mães (84,1%); 1 avó, tutora da criança], 94,4% eram portugueses. A maioria (56,8%) tinha mais de 35 anos de idade (a idade variou entre 19 e 68 anos, média: 37-desvio padrão (DP)=7), 66,7% casadas, em média com 1,7 (DP=0,8) filhos, 56,2% pertenciam à classe social média (Graffar III) e 40,5% possuíam um nível de escolaridade correspondente ao ensino básico (Quadro 1).

Exposição aos media

Análise descritiva

A figura 1 representa a exposição aos media por parte das crianças/adolescentes  considerando os dias de semana e fim de semana; esta exposição é maior no fim de semana (gráficos 1 e 2).

De notar que um número apreciável de crianças com menos de dois anos vê uma hora ou mais de televisão diariamente à semana (21,4%, n=6) e fim-de-semana (32,1%, n=9) (gráficos 3 e 4).

Uma percentagem considerável têm televisão (61,9%), videojogos (20,6%) e computador (34,1%) no quarto (Figura 2, gráfico1). Referiram utilizar a televisão ligada ou tablet às refeições 69,6% dos inquiridos (Figura 2, gráfico 2).

Os desenhos animados, sem violência, foram os programas televisivos favoritos das crianças/adolescentes (48,4%) e os jogos interativos (p. ex. playstation) os videojogos preferidos (22,6%). Apenas uma pequena percentagem reportou que os filhos tinham preferência por programas televisivos ou videojogos com violência (Figura 3).

No que diz respeito à opinião dos cuidadores acerca dos possíveis efeitos dos media, a maioria (97,6%) considerou que podem apresentar efeitos negativos nas crianças. Mais de 70% dos cuidadores revelaram preocupação com a vigilância do conteúdo visionado, quer dos programas televisivos, videojogos e páginas da internet. Para decidir se um programa de televisão ou videojogo é adequado 25,7% e 47,9% referiram aplicar a classificação atribuída ao mesmo, enquanto 46,9% e 33,8% dos cuidadores reportaram ver ou jogar os primeiros minutos do programa ou jogo, respetivamente (Figura 4).

No que toca aos conhecimentos dos cuidadores acerca do uso apropriado dos media, 36,5% consideraram desaconselhável a exposição em crianças com idade inferior a dois anos, e 89,7% consideraram como desejável uma exposição inferior a duas horas por dia em crianças com idade superior a dois anos, de acordo com as recomendações da Academia Americana de Pediatria.3 De referir, ainda, que 58,7%, 4,0% e 0,8% dos cuidadores consideraram recomendável uma exposição inferior a uma hora, entre uma a duas horas e superior a cinco horas, respetivamente, em crianças com menos de dois anos. Por sua vez, em relação às crianças com mais de dois anos, 8,7% dos cuidadores referiram como desaconselhável a exposição aos media, e apenas 1,6% mencionaram como desejável uma exposição superior a cinco horas.

Análise inferencial

A presença dos media no quarto associou-se a uma maior utilização desses dispositivos (p<0,05) (Quadros 2, 3, 4).

Níveis sócio-económicos mais baixos e menor escolaridade dos cuidadores relacionaram-se com maior exposição a televisão à semana (p=0,026 e p=0,005, respetivamente) (Quadro 2).

Os hábitos dos cuidadores relativamente aos media associaram-se a maior exposição das crianças/adolescentes a televisão ao fim-de-semana (p<0,005) e computador à semana (p=0,016) e fim-de-semana (p=0,004) (Quadros 2, 4).

Crianças em idade escolar que assistiram a mais televisão à semana tiveram tendência a dormir menos (p=0,076) (Quadro 2). Da mesma forma, crianças/adolescentes que passaram mais tempo a jogar videojogos ao fim-de-semana (p=0,040) e computador à semana (p=0,001) dormiram menos horas (Quadros 3, 4).

Na análise da associação entre IMC e tempo de exposição constatou-se uma relação inversa entre excesso de peso/obesidade e o tempo despendido no computador, à semana, ou seja, as crianças/adolescentes normoponderais passaram mais tempo no computador do que aquelas com excesso de peso/obesidade (Quadro 4).

Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre as restantes variáveis em estudo e o número de horas de exposição aos media (Quadros 2, 3, 4).

 

DISCUSSÃO

Neste estudo verificou-se que um número considerável de crianças/adolescentes apresenta uma exposição aos media superior ao que é recomendado, sobretudo aos fins-de-semana. Uma percentagem significativa tem acesso aos media no quarto e a maioria referiu utilizar a televisão ligada ou tablet durante as refeições. O conteúdo dos programas televisivos e videojogos não pode ser ignorado; a maioria dos programas de televisão e videojogos reportados como favoritos não incluíram violência.

As variáveis que se associaram de forma estatisticamente significativa a uma maior exposição aos media foram o acesso aos media no quarto, níveis sócio-económicos mais baixos, menor escolaridade dos cuidadores e os hábitos dos mesmos no que respeita aos media. Por outro lado, maior tempo de exposição parece relacionar-se com uma menor duração do sono.

A exposição das crianças e adolescentes aos meios de comunicação social tem sido alvo de vários estudos, que relatam, com frequência, uma utilização dos media superior ao que é desejável, sobretudo ao fim-de-semana,tal como no presente estudo.16-19 Em Portugal, um estudo realizado em 1992, com crianças do 1º ao 3º ciclo, revelou que o tempo médio de exposição à televisão era de duas horas diárias durante a semana e de 3,5 horas ao fim-de-semana.17 Jago R et al., num estudo mais recente realizado em 2012, em famílias portuguesas, verificaram que a proporção de crianças que vêem mais de duas horas de televisão por dia é de 28% nos rapazes e 26% nas raparigas durante a semana, aumentando para 75% e 74% aos fins-de-semana, respetivamente.18 Estes números não contemplam o tempo gasto com outros meios de comunicação social, como jogar videojogos ou computador, ver filmes ou navegar na internet. Mukherjee SB et al., num estudo publicado em 2014, verificaram que 100% das crianças presentes na sua amostra (n=109) assistem a mais de duas horas de televisão por dia  e 71,3% das famílias jantam a ver televisão, sem a preocupação de filtrar determinados conteúdos.19 Um estudo publicado por Funk JB et al., em 2009, verificou que, em média, as crianças em idade pré-escolar (média de idades de 2,95 anos) vêem cerca de uma hora de televisão por dia e passam cerca de 30 minutos do dia a jogar computador ou videojogos.20

Apesar de ser desaconselhada a exposição aos media em crianças com menos de dois anos de idade, a maioria destas crianças contacta com os meios de comunicação social de forma regular na sociedade atual.3,4,13,20 Zimmerman FJ et al, em 2007, reportaram que cerca de 40% dos lactentes com três meses e 90% das crianças com 24 meses de idade vêem regularmente televisão, DVDs ou vídeos, e que o tempo de exposição é de cerca de uma hora por dia em lactentes e mais de uma hora e meia por dia em crianças com 24 meses. Os cuidadores justificaram esta elevada exposição por motivos de educação, entretenimento e babysitting.21

Uma outra recomendação da Academia Americana de Pediatria inclui a remoção da televisão e outros equipamentos eletrónicos do quarto das crianças.3,4,13 No nosso estudo, mais de metade das crianças têm acesso a televisão no quarto. De acordo com a literatura, o acesso facilitado aos equipamentos eletrónicos aumenta a probabilidade de utilização desses dispositivos,tal como foi constatado no nosso estudo.18

É também importante realçar que os hábitos dos cuidadores relativamente aos media influenciam de forma significativa o comportamento das crianças/adolescentes, nomeadamente no que diz respeito à televisão, como observado por Bleakley A, et al. e Jago R, et al.18,22 Neste último estudo português, as crianças cujos cuidadores assistiam a mais de duas horas de televisão por dia tinham uma probabilidade 1,5 a 8 vezes maior de apresentarem uma exposição semelhante.18 Sendo assim, nunca é demais lembrar que os cuidadores devem servir de modelos; para além de darem o exemplo, é mais tempo que poderão passar com as crianças/adolescentes a fazer outras atividades.

Níveis sócio-económicos mais baixos e menor escolaridade dos cuidadores têm também sido apontados em alguns estudos como fatores relacionados com uma maior exposição aos media.14,23 Por outro lado, as crianças e adolescentes de famílias mais abastadas podem ter acesso mais facilitado aos seus próprios dispositivos (televisão, computador, consolas de jogos), o que pode tornar o controlo da exposição por parte dos cuidadores mais difícil.23

Os hábitos de exposição aos media podem relacionar-se com perturbações do sono, sobretudo dificuldade em adormecer e menor duração do mesmo,o que pode dever-se à interferência com a secreção de melatonina, contacto com programas violentos e dificuldade na imposição de regras por parte dos progenitores, bem como à substituição do tempo de sono pelo tempo de exposição. 1,10-12 À semelhança destes resultados, no nosso estudo parece haver uma relação entre uma maior exposição aos media e uma menor duração do sono.

O uso excessivo da televisão é apontado na literatura como uma possível causa de obesidade infantil.2,3,9 Stamatakis E, et al., num estudo efetuado em crianças portuguesas com idades compreendidas entre os 2 e 13 anos, reportaram uma relação positiva entre o tempo de exposição a televisão e os indicadores de obesidade analisados. Não encontraram diferenças estatisticamente significativas com o uso dos videojogos.9 No nosso estudo não se encontrou relação entre os hábitos de televisão e videojogos e o IMC das crianças/adolescentes. Curiosamente, Stamatakis E et al verificaram uma relação inversa entre o tempo despendido no computador e o IMC, semelhante ao nosso estudo.9 Apontam como possíveis explicações para estes resultados, o aumento da ingestão de alimentos altamente energéticos durante a observação dos programas televisivos ou por estímulo da publicidade alimentar, para além do sedentarismo. Consideram também que os cuidadores possam ter mais facilidade em reportar os hábitos de televisão em relação aos restantes dispositivos.9 Além disso, o facto de o computador poder ser utilizado pelas crianças e adolescentes para fazer trabalhos escolares pode interferir na análise dos dados.24 Por outro lado, as crianças e adolescentes de famílias mais abastadas, com maior preocupação no que diz respeito aos hábitos alimentares e obesidade infantil, podem ter um acesso mais facilitado ao computador, em relação aos restantes dispositivos.

Neste estudo, os cuidadores pareceram estar algo sensibilizados acerca desta temática. A maioria reportou potenciais efeitos negativos da exposição aos media e revelou preocupação com a vigilância do conteúdo visionado. No que respeita às recomendações da Academia Americana de Pediatria, menos de metade dos inquiridos considerou como desaconselhada a exposição aos media em crianças com menos de dois anos, embora a grande maioria tenha referido um tempo máximo de exposição de duas horas em crianças com idade superior a dois anos. Estes resultados revelam um desempenho superior por parte dos inquiridos no que respeita aos conhecimentos acerca do uso apropriado dos media, em relação ao estudo de Funk JB e colaboradores.20

De entre as principais limitações deste estudo salientam-se o caráter ainda exploratório do mesmo e o número limitado da amostra, referente a uma zona geográfica específica de Portugal, pelo que não é possível extrapolar os resultados obtidos à população portuguesa. O recurso a um questionário não validado pode resultar em vieses de medição, uma vez que não garante que as perguntas efetuadas tenham sido as mais adequadas. Uma outra limitação é o facto de se tratar de um estudo transversal e não prospetivo, o que permitiria uma visão mais global e caraterização mais detalhada dos parâmetros que se pretendiam analisar.

Apesar destas limitações, os resultados obtidos sugerem a necessidade de desenvolver intervenções direcionadas, como programas de educação para os media, nas crianças, adolescentes e suas famílias e estabelecer recomendações médicas.

 

CONCLUSÕES

A exposição aos media é cada vez maior e ocorre em idades cada vez mais precoces. O possível impacto negativo desta situação nas crianças/adolescentes tem sido alvo de preocupação. Assim, urge fomentar uma educação em relação ao uso dos media, tendo os pediatras e médicos de Medicina Geral e Familiar, para além da escola e da comunidade, um papel fundamental.

O médico, estando numa posição privilegiada, deve incorporar perguntas relativas aos media nas consultas de rotina, permitindo focalizar-se em pontos de preocupação como o tempo de exposição, o acesso aos media no quarto, o seu uso às refeições e interferência dos media no padrão de sono, de forma a aconselhar os cuidadores, sem esquecer de alertar que os seus próprios hábitos influenciam o comportamento das crianças e adolescentes. Deve, assim, incentivar a prática de atividades alternativas para entretenimento, que devem estar tão acessíveis como os media e que promovam o desenvolvimento das crianças, a socialização, imaginação e atividade física. A cooperação entre médicos, professores, educadores e associações de cuidadores pode ser preciosa para concretizar este esforço.

Mais estudos são necessários, em larga escala, para avaliar a realidade da exposição e influência dos media nas crianças e adolescentes portugueses, o efeito da implementação de programas educacionais nas práticas relacionadas com o uso destes equipamentos e estabelecer recomendações médicas baseadas na evidência. Futuros estudos devem também investigar o papel da televisão e exposição aos restantes dispositivos eletrónicos no desenvolvimento de obesidade infantil.

 

ABREVIATURAS

DP – Desvio padrão

IMC – Índice de massa corporal

MGF – Medicina Geral e Familiar

TV – Televisão

ULS – Unidade Local de Saúde

USF – Unidade de Saúde Familiar

VJ – Videojogos

 

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CORRESPONDENCE TO

Cláudia Patraquim
Department of Pediatrics
Hospital de Braga
Rua das Sete Fontes
4710-243 São Victor, Braga
Email: claudiapatraquim@gmail.com

Received for publication: 14.06.2016 Accepted in revised form: 28.12.2016

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