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Nascer e Crescer

Print version ISSN 0872-0754On-line version ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.3 Porto Sept. 2017

 

CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS

 

Pneumomediastino espontâneo: descrição de dois casos

 

Spontaneous pneumomediastinum: report of two cases

 

 

Luciana BarbosaI; Joana CardosoI; Joana RodriguesI; Maria José DinisI; Isabel CarvalhoI

I Department of Pediatrics, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. 4400-129 Vila Nova de Gaia, Portugal. luciana.profissional@gmail.com; jfcardoso10@gmail.com; jolrodrigues@gmail.com; majodinis@gmail.com; carvalho.isabel@gmail.com

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: O Pneumomediastino espontâneo é uma entidade rara na infância, sendo na maioria dos casos desencadeado por uma crise asmática grave. A dor torácica e dispneia são os sintomas mais frequentes de apresentação, sendo o diagnóstico feito habitualmente pela radiografia de tórax. O trata mento conservador é preferencial, com prognóstico favorável.

Casos clínicos: O primeiro caso, um adolescente de 14 anos, com o diagnóstico de pneumomediastino e enfisema subcutâneo espontâneos, sem fator desencadeante evidente, apesar de ter antecedentes de asma. O segundo caso, uma criança de 19 meses que desenvolveu, como complicação de uma pneumonia, um pneumomediastino espontâneo toraco-cervical e um pneumotórax. A evolução foi favorável, no primeiro caso apenas com medidas sintomáticas e no segundo, houve necessidade de colo cação de dreno torácico com melhoria progressiva do quadro respiratório.

Discussão/conclusões: Estes casos constituem exemplos de pneumomediastino espontâneo que se destacam pela raridade desta patologia nesta faixa etária.

Palavras-chave: Asma; criança; enfisema sub-cutâneo; pneumomediastino espontâneo; pneumonia


ABSTRACT

Introduction: Spontaneous pneumomediastinum is a rare clinical condition in childhood that occurs in most cases with exacerbations of asthma. The most common symptoms are chest pain and dyspnea. Diagnosis is usually made by chest radiography. Conservative treatment is preferred with a favorable prognosis.

Case reports: The first case, a 14-year-old boy with spontaneous pneumomediastinum and subcutaneous emphysema diagnosis, without triggering factor, despite history of asthma. The second one, a 19-month-old boy who developed, as a complication of pneumonia, a spontaneous thoraco-cervical pneumomediastinum and pneumothorax. The evolution was favorable, in the first case only with symptomatic treatment and in the second, progressive respiratory improvement was observed, after a chest drain insertion.

Discussion/Conclusions: These cases are examples of spontaneous pneumomediastinum that highlights the rarity of this disease in this age group.

Keywords: Asthma; children; pneumonia; spontaneous pneumomediastinum; subcutaneous emphysema


 

 

INTRODUÇÃO

O pneumomediastino espontâneo, descrito a primeira vez por Louis Hamman em 1939, constitui uma entidade clínica rara na infância.1,2 Define-se como presença de ar livre no mediastino, resultante de alterações na pressão intratorácica com consequente rutura dos alvéolos e dissecção de ar para a árvore traqueobrônquica.

Em 70-90% dos casos, identificam-se fatores desencadeantes, nomeadamente manobras respiratórias e de Valsalva, (acessos de tosse em exacerbações de asma brônquica; vó mitos; choro intenso; infeções respiratórias; rutura esofágica; aspiração de corpo estranho; inalação de gás hélio ou de substâncias ilícitas; tocar instrumentos de sopro).3-5

Afeta predominantemente jovens asmáticos do sexo mascu lino que se apresentam habitualmente com toracalgia (25-90%) e/ou dispneia (25-100%).3,4,6,7 Pode ocorrer febre baixa algumas horas após o início do quadro. A dor/edema cervical, disfonia, torcicolo e dor abdominal são apresentações menos habituais.6,8 O exame objetivo é normal em 30% dos casos de pneumo medistino espontâneo não complicado.9 Os sinais que podem sugerir esta patologia são o enfisema sub-cutâneo e o sinal de Hamman que consiste na presença de crepitações, sincronizadas com os batimentos cardíacos.10

O diagnóstico é habitualmente confirmado por radiografia de tórax que deve incluir a região cervical. Por vezes, pode ser necessário recorrer à realização de tomografia computorizada que é um método mais sensível na deteção de pneumomedias tino espontâneo. Na investigação etiológica de um pneumomediastino, pode ser necessária a realização de outros exames, tais como eletrocardiograma, esofagograma, ecocardiograma. Estes exames estão habitualmente indicados na presença de disfagia, vómitos, história de traumatismo, derrame pleural, pneumoperitoneu.11

O tratamento do pneumomediastino espontâneo não complicado baseia-se na analgesia, repouso/evicção de manobras que aumentem a pressão pulmonar (tais como manobra de Valsalva) e oxigenoterapia.12 Nos casos raros em que ocorrem complicações, como pneumomediastino hipertensivo, pneumotórax ou pneumotórax hipertensivo é necessária a abordagem cirúrgica imediata.13

O pneumomediastino espontâneo é uma entidade habitualmente benigna, sendo o prognóstico favorável, com resolução do quadro em 2-15 dias.3,9 A recorrência ocorre em menos de 5% dos casos.5,9

Os autores apresentam dois casos de penumomediastino espontâneo.

 

CASOS CLÍNICOS

Caso 1 - Adolescente 14 anos, do sexo masculino, com antecedentes de asma alérgica até aos dez anos. Recorreu ao Serviço de Urgência (SU) por febre (máx.38,5ºC) com cinco horas de evolução, odinofagia e precordialgia que agravava com mo vimentos inspiratórios e com a mobilização ativa do pescoço. Negava tosse, dificuldade respiratória ou outra sintomatologia. Sem história de traumatismo. Sem hábitos tabágicos.

Objetivamente, à admissão, apresentava-se com bom estado geral, sem sinais de dificuldade respiratória (SDR), apirético (36,2ºC), com crepitação e dor à palpação da região cervical anterior. A auscultação cardiopulmonar era normal.

A radiografia cervical revelou presença de ar retrofaríngeo e enfisema cervical ligeiro (Figura 1). Foi efetuada tomografia computorizada (TC) cervical que evidenciou gás dissecando os planos do espaço retrofaríngeo, em continuidade com os compartimentos mediastínicos, em relação com pneumomediastino e enfisema cervical (Figura 2). Analiticamente revelou hemogra ma normal e proteína C reativa negativa.

 

 

 

 

Após o diagnóstico de pneumomediastino e enfisema subcutâneo cervical espontâneo, optou-se pelo tratamento conservador com oxigenoterapia e analgesia. Constatou-se boa evolução clínica, permanecendo hemodinamicamente estável, com melhoria progressiva da sintomatologia. Teve alta em D3 de internamento, encontrando-se assintomático, sem SDR e sem enfisema subcutâneo evidente.

Manteve seguimento em consulta durante um ano, sem apresentar crises de asma ou recorrência de pneumomedias tino. Evidenciou sintomas de rinite e conjuntivite, sem atopia demonstrada (testes cutâneos para aeroalergéneos comuns negativos).

Caso 2 - Criança 19 meses, do sexo masculino, com antecedentes de restrição de crescimento intrauterino, sépsis neonatal tardia a Klebsiella oxitoca, criptorquidia bilateral e hipospadias.

Trazido ao SU por quadro de febre e tosse produtiva com três dias de evolução associado a dificuldade respiratória e recusa alimentar nas 24 horas antes da admissão.

Objetivamente, à admissão, apresentava-se prostrado, com mau estado geral, febril (temperatura retal 39,3ºC), taquicárdico (169bpm) e polipneico (frequência respiratória 80cpm). SpO2 83% em ar ambiente. Tiragem global e adejo nasal. Auscultação pulmonar com diminuição dos sons respiratórios no terço inferior do hemitórax direito. Orofaringe com presença de secreções mucopurulentas no cavum.

Analiticamente sem leucocitose ou neutrofilia, proteína C reativa de 6,06mg/dL. Gasimetria arterial (em ar ambiente) com pCO2 27mmHg e pO2 60mmHg. Pesquisa de vírus respiratórios foi positiva para vírus sincicial respiratório (VSR).

A radiografia de tórax mostrou imagem de condensação na base direita. Foi instituída antibioterapia com ampicilina ev (200mg/Kg/dia). Cerca de 24h depois, por agravamento clinico, realizou nova radiografia de tórax, verificando-se a presença de pneumotórax de médio volume à esquerda (Figura 3). Efetuou TC de tórax que confirmou as alterações descritas na radiografia e revelou também a presença de pneumomediastino com exten são cervical (Figura 4). Optou-se pela colocação de dreno torácico e foi alterada antibioterapia para ceftriaxone ev (80mg/Kg/ dia) e flucloxacilina ev (200mg/Kg/dia). Desde então com melhoria clínica progressiva, retirando dreno cerca de quatro dias depois. Realizou broncofibroscopia (BFC) em D7, identificando-se abundantes secreções mucopurulentas nos segmentos brônquicos bibasais. Exame bacteriológico e micobacteriológico do lavado bronco-alveolar negativo. Teve alta, orientado para a consulta externa, cerca de dez dias depois.

 

 

Do seu seguimento em ambulatório durante um ano e meio, verificou-se uma completa resolução da sintomatologia, sem sequelas aparentes e ausência de novos episódios de pieira.

 

DISCUSSÃO/CONCLUSÕES

Com os casos descritos os autores salientam duas formas de apresentação distintas de pneumomediastino espontâneo. O primeiro caso com uma forma de apresentação mais típica, verificando-se a presença de dor torácica e enfisema cervical. A questão coloca-se relativamente ao papel da asma como evento desencadeante do pneumomediastino neste doente. Avaliando os seus antecedentes, verificamos a ausência de sintomas desde os dez anos, mantendo-se sem broncospasmo durante o internamento e assintomático em consulta. Não verificamos a presença de hábitos tabágicos ou outros fatores eventualmente desencadeantes do evento.

O segundo caso descrito torna-se bem menos linear na sua apresentação uma vez que o doente foi admitido no SU e inter nado por um quadro de infeção respiratória com broncospasmo e SDR moderado. A presença de pneumomediastino surgiu de forma concomitante com o pneumotórax unilateral de médio volume tendo como provável evento desencadeante a infeção respiratória e o broncospasmo. A realização de TC torácico permitiu não só o diagnóstico de pneumomediastino, como tam bém excluir a presença de malformações brônquicas associadas e a BFC excluiu a presença de corpo estranho.

De acordo com o descrito na literatura verificamos melhoria clínica e imagiológica apenas com o tratamento conservador, embora, no segundo caso descrito, pela presença de pneumotórax de médio volume associado a dificuldade respiratória foi necessária a colocação de dreno pleural.

Os casos apresentados constituem exemplos de pneumomediastino espontâneo que se destacam pela raridade desta patologia nesta faixa etária. Do seu seguimento em ambulatório, verificou-se que ambos se mantiveram assintomáticos, sem episódios de pieira ou recorrência do pneumomediastino.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CORRESPONDENCE TO
Luciana Barbosa
Department of Pediatrics
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho
Rua Dr. Francisco Sá Carneiro
4400-129 – Vila Nova de Gaia
Email: luciana.profissional@gmail.com

Received for publication: 10.12.2012 Accepted in revised form: 19.08.2013

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