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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.1 Porto mar. 2017

 

CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS

 

Linfedema congénito

 

Congenital lymphedema

 

 

Catarina NevesI; Nádia BritoII; Lourdes MotaII

I Department of Pediatrics, Hospital Pediátrico de Coimbra, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. 3000-602 Coimbra, Portugal. catarinarneves@hotmail.com
II Department of Pediatrics, Hospital Distrital da Figueira da Foz. 3094-001 Figueira da Foz, Portugal. nadiabrito@portugalmail.pt; lourdesmota@sapo.pt

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: O linfedema primário consiste num edema crónico dos tecidos, mais comumente presente nos membros inferiores.

Caso: Lactente de um mês do sexo masculino, previamente saudável, observado por edema firme da perna e pé esquerdos e hidrocelo bilateral recente. Sem sinal de godet, outros sinais inflamatórios ou limitação articular. Apresentava sobreposição dos dedos e alterações tróficas das unhas dos pés. Aos cinco meses surge edema semelhante no pé direito. Bisavó com edema bilateral dos membros inferiores desde a infância. Apresentação consistente com Doença de Milroy. Posteriormente, necessidade de internamentos por celulite. Eco-doppler dos membros inferiores sem alterações vasculares. Estudo do gene FLT4 negativo. Iniciada drenagem linfática com franca melhoria. Atualmente, clinicamente estável.

Comentários/Discussão: Doença rara, caracterizada por anaplasia/hipoplasia dos vasos linfáticos e edema dos membros inferiores, geralmente bilateral, podendo cursar com hidrocelo, celulite recorrente e alterações nas unhas. Transmissão autossómica dominante, mas mutação encontrada em apenas 70% dos indivíduos afetados.

Palavras-chave: Doença de Milroy; celulite recorrente; hidrocelo; linfedema congénito; transmissão autossómica dominante


ABSTRACT

Background:  Primary  lymphedema   is  chronic tissue swelling, most commonly present in lower limbs.

Case: An 1-month-old boy, previously healthy, was admitted with a recent firm edema of the left leg and foot and bilateral hydrocele. No godet signal, other inflammatory signs or joint limitation. He had overlapping fingers and trophic changes of toenails. At 5-months of age did similar edema in the right foot. His great-grandmother had bilateral lower limb edema since childhood. This is consistent with a Milroy disease. Posteriorly, he needed admissions for cellulitis. The ultrasound revealed no vascular changes. No mutation was found in FLT4 gene. He started lymphatic drainage with clear improvement. Currently, he is clinically stable.

Comments/Discussion: Rare disease characterized by anaplasia/hypoplasia of lymphatic vessels and edema of the lower limbs, usually bilateral, other manifestations included hydrocele, recurrent cellulitis and nail changes. It has autosomal dominant transmission, but the mutation is found only in 70% of affected individuals.

Keywords: Autosomal dominant transmission; congenital lymphedema; hydrocele; Milroy’s disease; recurrent cellulitis


 

 

INTRODUÇÃO

O linfedema divide-se em dois tipos: primário, geralmente congénito e hereditário, englobando doenças raras; e secundário ou adquirido, muito mais frequente.1 O linfedema primário classifica-se em função da idade em congénito, precoce ou tardio.2 Consiste num edema crónico dos tecidos, mais comumente presente nos membros inferiores, resultante de uma anormalia intrínseca de drenagem linfática.3 Apresenta-se sem dor, calor, eritema ou limitação funcional no inicio.2

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Os autores apresentam o caso de um lactente do sexo masculino, com um mês de idade, previamente saudável, que foi trazido ao serviço de urgência por tumefação da perna e pé esquerdos e hidrocelo bilateral de surgimento na última semana. Sem dor, rubor ou calor locais, febre ou alterações da mobilidade dos membros. O crescimento e desenvolvimento eram adequados à idade. Dos antecedentes familiares, de salientar a bisavó materna com edema bilateral dos membros inferiores desde a infância.

Na observação apresentava boa vitalidade, sem dismorfismos não familiares, lesões cutâneas ou sinais de dificuldade respiratória. Auscultação cardiopulmonar e avaliação do abdómen normais. De salientar, edema marcado do membro inferior esquerdo até ao joelho (diâmetro perna esquerda 16cm, direita 15cm, pé esquerdo 13cm, direito 11,5cm), de consistência firme, sem sinal de godet, sem sinais inflamatórios ou limitação articular; e hidrocelo bilateral com edema significativo e sinal de transiluminação positivo. Apresentava, ainda, sobreposição dos dedos dos pés e alterações tróficas ligeiras das unhas dos pés (espessamento e sulcos horizontais) (Figura 1). Sem alterações esqueléticas, assimetria do comprimento dos membros, malformações arteriovenosas ou capilares visíveis, ptose palpebral ou outras alterações.

 

 

 

 

Aos cinco meses surge edema semelhante no pé direito (Figuras). Foi realizado eco-doppler dos membros inferiores, que confirmou a presença de aspetos compatíveis com linfedema, mas não revelou alterações vasculares.

Por suspeita clínica, corroborada pelo geneticista, de doença de Milroy, foi efetuado o estudo do gene FLT4, que foi negativo.

Iniciada drenagem linfática manual periódica, com clara melhoria do edema e funcionalidade, permitindo melhoria na aquisição da marcha. Posteriormente, teve dois internamentos por celulite em contexto de agravamento do linfedema. Apresentou boa evolução sob antibioterapia endovenosa e intensificação da drenagem linfática, com estabilidade clínica atual.

Mantem crescimento e desenvolvimento adequados à idade.

 

DISCUSSÃO

Na presença de linfedema num pequeno lactente, devemos evocar algumas hipóteses de diagnóstico, nomeadamente, síndrome de Turner, síndrome de Noonan e síndrome de Milroy.4 Foi, também, encontrada associação do linfedema com linfangiectasia intestinal, malformação vascular cerebral, ptose, yellow nail syndrome, distiquíase e colestase.4

Apesar do estudo do gene FLT4 ter sido negativo, a apresentação clínica de edema bilateral duro, sem sinal de godet, dos membros inferiores e escroto, sem dismorfismos, alterações esqueléticas ou alterações vasculares ecográficas, com crescimento e desenvolvimento normais e história familiar positiva, é compatível com o diagnóstico clínico de Síndrome de Milroy.

A doença de Milroy é rara e tem hereditariedade autossómica dominante, com expressão variável e penetrância incompleta.1,5 Também têm sido descritos casos de transmissão autossómica recessiva ou ligada ao cromossoma X.4 A mutação mais frequente ocorre no gene FLT4, mas é encontrada em apenas 70% dos indivíduos afetados. Este gene codifica o recetor três do fator de crescimento do endotélio vascular (VEGFR-3).1,3,5 Outros genes têm sido relacionados com esta patologia, tal como, outra mutação stop do gene que codifica o VEGFR-3 ou o gene GJC2.3-5

Esta patologia é caracterizada por anaplasia/hipoplasia dos vasos linfáticos, que condiciona uma falha na remoção da linfa, levando à acumulação de proteínas no líquido extracelular, com estimulação dos fibroblastos e consequente edema organizado dos membros inferiores.1-3,5-7 Geralmente surge pouco tempo após o nascimento e é bilateral, cursando frequentemente também com hidrocelo. Existem casos descritos que apresentam ainda vascularização venosa proeminente, papilomatose, sobreposição dos dedos dos pés e alterações ungueais (espessamento, sulcos ou coloração amarelada).1-3,5,7 Normalmente há história familiar positiva de edema congénito.2,3,5,7

O tratamento é essencialmente conservador, sendo de eleição a drenagem linfática manual ou por pressoterapia.2 Na ausência de malformações associadas, o prognóstico é geralmente bom.2

Devido a hereditariedade mais frequente ser a autossómica dominante com expressividade variável, existe risco de recorrência de 50% para os descendentes de indivíduos afetados. Na falta de identificação do gene afetado, como no nosso caso, não é possível realizar diagnóstico genético pré-natal.

 

CONCLUSÃO

Os autores apresentam este caso pela sua raridade, salientando a importância do diagnóstico clínico em conjunto com o estudo genético, sempre que possível, para respetiva orientação a longo prazo. Destacam, também, a importância das medidas de drenagem linfática local, que permitem melhoria franca da funcionalidade e previnem as complicações locais, como infeções cutâneas recorrentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.             Rodríguez EU, Molpeceres RG, Vázquez MAP, García HG. Linfedema congénito secundario a enfermedad de Milroy. An Pediatr (Barc). 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.anpedi.2015.12.007.         [ Links ]

2.             Barral Mena E, Soriano-Ramos M, Pavo García MR, Llorente Otones L, de Inocencio Arocena J. Primary lymphoedema outside the neonatal period. An Pediatr (Barc). 2016. pii: S1695-4033(16)00026-6. doi: 10.1016/j.anpedi.2016.01.016. [Epub ahead of print].         [ Links ]

3.             Brice G, Child AH, Evans A, Bell R, Mansour S, Burnand K, et al. Milroy disease and the VEGFR-3 mutation phenotype. J Med Genet 2005;42:98–102.         [ Links ]

4.             Kliegman RM, Stanton BF, Geme JWS, Schor NF, Behrman RM Nelson Textbook of Paediatrics. 20th edn. Philadelphia: Elsevier; 2016. p. 621, 622, 892, 1930, 2412-13.         [ Links ]

5.             Balboa-Beltran E, Fernández-Seara MJ, Pérez-Muñuzuri A, Lago R, García-Magán C, Couce ML, et al. A novel stop mutation in the vascular endotelial growth factor-C gene (VEGFC) results in Milroy-like disease. J Med Genet. 2014;51:475-8.         [ Links ]

6.             Andrade M. Linfangiogénese e genética dos linfedemas: revisão da literatura. J Vasc Bras 2008;7:256-61.         [ Links ]

7.             Domínguez-Carrillo LG, Armenta-Flores R, Domínguez- Gasca LG. Linfedema congénito, enfermedad de Milroy. Acta Médica Grupo Ángeles 2011;9:149-54.         [ Links ]

 

 

CORRESPONDENCE TO
Catarina Neves
Department of Pediatrics
Hospital Pediátrico de Coimbra
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Avenida Afonso Romão-Alto da Baleia,
3000-602 Coimbra, Portugal
Email: catarinarneves@hotmail.com

Received for publication: 24.07.2016 Accepted in revised form: 29.08.2016

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