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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.1 Porto mar. 2017

 

CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS

 

Parotidite bacteriana bilateral no recém-nascido

 

Bilateral suppurative parotitis in a new newborn

 

 

Cátia PereiraI; Ana Rita PriorII; Margarida AbrantesII; A. Siborro de AzevedoI

I Departament of Pediatrics, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Centro Académico de Medicina de Lisboa. 1649-035 Lisboa, Portugal. catiamrpereira@gmail.comantsibazevedo@gmail.com
II Neonatology Unit, Departament of Pediatrics, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Centro Académico de Medicina de Lisboa. 1649-035 Lisboa, Portugal. anaritaprior@gmail.commargarida.abrantes@sapo.pt

Correspondence to

 

 


RESUMO

A parotidite bacteriana neonatal é uma situação rara, de diagnóstico essencialmente clínico e prognóstico excelente, quando tratada precoce e adequadamente.

Descrevemos um caso clínico de parotidite bacteriana bilateral numa prematura, com dez dias de vida, sob aleitamento materno exclusivo. Foi admitida no serviço de urgência por prostração, tumefação pré-auricular bilateral e perda ponderal. A drenagem de pus pelos canais de Sténon, para a cavidade oral, confirmou o diagnóstico de parotidite. O Staphylococcus aureus foi isolado no exame bacteriológico do pus, na hemocultura e na cultura do leite materno, tendo sido a mãe considerada a fonte de infeção. Foi iniciada antibioticoterapia empírica endovenosa com ampicilina e gentamicina, substituída por flucloxacilina de acordo com o antibiograma dos locais de colheita. Não se verificaram complicações ou recorrências.

Apesar de rara, a parotidite deve ser considerada no diagnóstico diferencial de tumefação da região parotídea no recém-nascido, permitindo o tratamento precoce e prevenindo as complicações.

Palavras-chave: Parotidite; recém-nascido; Staphylococcus aureus


ABSTRACT

Neonatal suppurative parotitis is a rare condition. Early diagnosis is essential to improve prognosis in these cases.

We describe a ten-day-old preterm breastfed girl who developed bilateral suppurative parotitis. She was admitted to the hospital with general malaise, weight loss and bilateral preauricular swelling. Purulent drainage from both Sténon ducts into the mouth confirmed the diagnosis. Staphylococcus aureus was isolated from the purulent exudate and blood. Furthermore, Staphylococcus aureus was also found at the breast milk and, consequently, the mother was considered to be the source of the infection. Empiric antibiotic therapy was started with intravenous ampicilin and gentamicin. It was later changed to flucloxacilin, according to the antibiotic resistance profile. There were no complications or recurrences.

Although rare, neonatal suppurative parotitis should be suspected in newborns presenting with parotid swelling, in order to provide early treatment and prevent complications.

Keywords: Parotitis; newborn; Staphylococcus aureus


 

 

INTRODUÇÃO

A parotidite bacteriana é rara no período neonatal.1 Tem uma incidência estimada de 13,8:10000 admissões de recém-nascidos.2 Foram descritos desde 1878 aproximadamente 150 casos, oito dos quais em Portugal.1,3-6

A sua incidência é três vezes superior no sexo masculino, sendo predominantemente unilateral, surgindo entre os sete e os 14 dias de vida.7-9

A etiopatogenia da doença permanece por esclarecer.7 São fatores de risco: prematuridade, baixo peso ao nascer e desidratação.3,7-10

O diagnóstico é clínico perante tumefação da parótida e sinais inflamatórios locais, podendo estar associados sinais sistémicos (febre, recusa alimentar e perda ponderal).1,7 A drenagem de pus pelo canal de Sténon é patognomónica.3,7,8,10

O agente mais frequente é o Staphylococcus aureus.8-10

A antibioticoterapia empírica precoce deve abranger os agentes mais frequentes, de forma a prevenir o aparecimento de complicações locais ou sistémicas.3,9,10

 

CASO CLÍNICO

Recém-nascido do sexo feminino, caucasiana, primeira filha de pais não consanguíneos. Antecedentes de epilepsia e asma materna, medicadas com fenobarbital e budesonida inalatória. Gestação após fertilização in vitro. Ameaça de parto pré-termo às 26 semanas, tendo sido efetuada maturação pulmonar. Serologias negativas e ecografias sem alterações. Pesquisa de Streptococcus do grupo B no exsudado vaginal e retal negativa. Parto eutócico às 35 semanas, Índice de Apgar 10/10. Somatometria ao nascimento: peso 2,405 kg (P10-50), comprimento 44 cm (P10-50) e perímetro cefálico 32 cm (P50). Alta da maternidade às 48 horas de vida sob aleitamento materno exclusivo. Ao 10º dia de vida, foi levada ao serviço de urgência pediátrica por perda ponderal (10%) e tumefação na região parotídea esquerda, estando apirética. A ecografia da região parotídea não evidenciou alterações. Teve alta para o domicílio com o diagnóstico de necrose gorda, suplemento lácteo e foi referenciada para a consulta externa. Vinte e quatro horas depois, pelo aumento das dimensões da tumefação parotídea esquerda, aparecimento de tumefação parotídea à direita (Figura 1) e prostração, foi levada novamente ao serviço de urgência. Na região parotídea apresentava eritema e edema bilateral, doloroso à palpação, mais exuberante e de consistência dura à esquerda. Na otoscopia, verificou-se hiperémia e edema do canal auditivo externo esquerdo, admitindo-se o diagnóstico de otite externa aguda. Da avaliação analítica salientamos: leucocitose (18660 leucócitos/ uL), neutrofilia (65,7% de neutrófilos), proteína C reativa elevada (5,3 mg/dl), função renal e ionograma normais. Foi efetuada hemocultura e foi internada, tendo sido iniciada antibioticoterapia endovenosa empírica com ampicilina e gentamicina.

 

 

No exame cultural do pus colhido dos canais de Sténon após compressão parotídea (Figura 2), na hemocultura e no leite materno foi isolado Staphylococcus aureus, sensível à flucloxacilina, pelo que efetuou dez dias de terapêutica com este antibiótico.

 

 

Pela persistência de Staphylococcus aureus na cultura do leite materno, após terapêutica à mãe com flucloxacilina oral, foi suspenso o aleitamento materno.

Foi estabelecido o diagnóstico definitivo de parotidite bacteriana.

Teve alta ao 12º dia de internamento, assintomática. Manteve seguimento em consulta de Neonatologia no primeiro ano de vida, sem intercorrências.

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico da parotidite bacteriana assenta em sinais de inflamação da parótida, drenagem de pus pelo canal de Sténon e isolamento de bactérias patogénicas no mesmo, o que se observou na doente.8 -10

Contrariamente ao descrito na literatura, este caso é no sexo feminino e bilateral.8,9

A via de infeção mais comum é a ascendente através do canal de Sténon, a partir da cavidade oral.3,8,-10 O leite materno ou o leite adaptado contaminados podem contribuir para a transmissão da infeção.8,9 Outro mecanismo patogénico possível é a disseminação hematogénea, precedida ou não de sépsis.3,8-10 Neste caso, o isolamento do agente no leite materno sugere a via ascendente como o mecanismo de infeção, explicando o envolvimento bilateral, e pelo isolamento na hemocultura admitiu-se disseminação hematogénea secundária.8-9

O Staphylococcus aureus é a bactéria mais frequentemente, isolada, em aproximadamente 55% dos casos. Outros agentes menos frequentes são cocos gram-positivos (22%), bacilos gram-negativos (16%) e anaeróbios (4%) (Tabela 1). 6,8,9

A prematuridade, o baixo peso ao nascer, a desidratação, a obstrução do canal de Sténon, o trauma local, as malformações da parótida, a imunossupressão e o sexo masculino constituem fatores de risco para a doença.3,7-10 No caso descrito, os fatores identificados foram prematuridade, baixo peso e desidratação (perda ponderal de 10%), sendo esta mais frequente nos prematuros por menor ingesta, resultando em redução da secreção salivar e estase, facilitando a ascensão das bactérias para a parótida.9 Por isso a prematuridade pode ser considerada um fator de risco major, estando presente em 38% dos casos.8

A parotidite bacteriana neonatal pode ocorrer na presença de abcesso mamário materno, o que não se verificou no caso descrito, embora o estafilococo tenha sido isolado no leite materno.7

A ecografia é o exame complementar mais utilizado no diagnóstico. O aumento do tamanho da parótida e presença de áreas hipoecogénicas são achados ecográficos compatíveis com parotidite.3,9,10 Pensamos que pela precocidade, a ecografia realizada não permitiu o diagnóstico, sendo este baseado na clínica. No entanto, permanece indiscutível no diagnóstico diferencial com outras doenças da parótida e no diagnóstico de complicações.9,11

A antibioticoterapia empírica deve abranger os agentes mais frequentes, nomeadamente o Staphylococcus aureus, através da associação de aminoglicosídeo ou cefalosporina de terceira geração com penicilina resistente às penicilinases, sendo modificada de acordo com o antibiograma, o que se efetuou, substituindo a antibioticoterapia inicial para flucloxacilina, que manteve durante dez dias, com resolução total da sintomatologia.3,6,9,11,12 A duração média da terapêutica é de sete a dez dias.8-10

A instituição precoce de antibioticoterapia dirigida permite a cura em 83% dos casos, evitando complicações como abcesso, paralisia facial, mediastinite, meningite e sépsis, atualmente muito raras.3,9,10

Neste caso, após isolamento do Staphylococcus aureus no leite materno, a mãe foi tratada com flucloxacilina oral. No entanto, o isolamento do Staphylococcus aureus numa segunda cultura de leite, após o término desta terapêutica, sugeriu-nos contaminação do leite materno provavelmente devido a contaminação pela pele ou colonização cutânea materna, apesar de ambas as colheitas terem sido realizadas após desinfeção da pele. Pelo receio de reinfeção do recém-nascido, o leite materno foi suspenso.

O prognóstico é bom, sem complicações ou recorrências, como se verificou neste caso.3,10

A parotidite bacteriana, rara no período neonatal, deve ser considerada no diagnóstico diferencial de tumefação na região parotídea, particularmente na presença de fatores de risco. A suspeição, o diagnóstico e o tratamento precoces são fundamentais para prevenir complicações.9

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CORRESPONDENCE TO
Cátia Pereira
Department of Pediatrics
Hospital de Santa Maria
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Centro Académico de Medicina de Lisboa
Avenida Professor Egas Moniz
1649-035 Lisboa
Email: catiamrpereira@gmail.com

Received for publication: 06.04.2016 Accepted in revised form: 01.08.2016

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