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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.1 Porto mar. 2017

 

REVIEW ARTICLES | ARTIGOS DE REVISÃO

 

Abordagem da dor muscoloesquelética na idade pediátrica

 

Approach to musculoskeletal pain in children

 

 

Rute MarquesI; Filipa DuarteII; Helena MarquesIII; Lúcia RodriguesIV

General Practice and Family Medicine, Unidade de Saúde Familiar S. Miguel. lucia.trindade.rodrigues@gmail.com
II General Practice and Family Medicine, Unidade de Saúde Familiar Nova Via. filipaisd@gmail.com
III General Practice and Family Medicine, Unidade de Saúde Familiar S. Félix/ Perosinho. helenacastromarques@gmail.com
IV Department of Pediatrics, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/ Espinho. lucia.trindade.rodrigues@gmail.com

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: A dor musculoesquelética (ME) na idade pediátrica é uma queixa frequente na prática clínica de Médicos de Família e Pediatras, por vezes de difícil caraterização. Apesar de ter frequentemente uma etiologia benigna é indispensável um correto diagnóstico diferencial. Esta queixa geralmente acarreta elevados custos em meios complementares de diagnóstico. A dor ME que tende para a cronicidade pode ter um impacto negativo no bem-estar físico e psicológico da criança e da sua família, comprometendo a qualidade de vida de ambos.

Objetivo: Desenvolver um algoritmo de abordagem lógica, multidisciplinar e sistemática que englobe a anamnese, o ambiente psicossocial e o exame físico, de forma a identificar a causa e evitar complicações a longo prazo.

Desenvolvimento: Qualquer componente do sistema musculosquelético pode originar dor. O diagnóstico diferencial inclui inúmeras etiologias, desde reumatológicas, ortopédicas, infeciosas, degenerativas, traumáticas e, mais raramente, neoplásicas. Assim, torna-se fundamental a realização de uma anamnese cuidada, exploração dos antecedentes pessoais e familiares e realização de um exame físico completo. Exames complementares de diagnóstico devem ser orientados pela suspeita clínica, podendo ser úteis no diagnóstico ou exclusão de patologia inflamatória, infeciosa ou maligna. É fundamental distinguir as caraterísticas benignas, bem como os sinais de alarme que devem motivar referenciação.

Conclusões: Este tipo de queixa, muito frequente na prática clínica, é um problema que se apresenta muitas vezes de forma indiferenciada e requer uma abordagem sistematizada, de forma a proceder a um diagnóstico correto e a uma abordagem atempada.

Palavras-chave: Criança; dor musculoesquelética; pediatria


ABSTRACT

Introduction: Musculoskeletal (MSK) pain in paediatric population is a frequent complaint in clinical practice for general practitioners (GP) and paediatricians, sometimes of difficult characterization. Although the aetiologies are frequently benign, it is essential to make a proper differential diagnosis. Most children with MSK complaints will present initially to their GP and the majority will not need referral to secondary care. However, it is vital that children are triaged and managed appropriately, which relies on careful clinical assessment and judicious use of investigations where indicated. This complaint usually involves high costs in complementary diagnosis means. The MSK pains which tend to be chronic have a negative impact in physical and psychological well-being of children and their families, compromising the quality of life for both.

Objective: Todevelopanalgorithmoflogical, multidisciplinary and systematic approach which encompasses anamnesis, the psychosocial environment and physical examination, in order to identify the cause and avoid long term complications.

Development: Any component of the musculoskeletal system may originate pain. Differential diagnosis includes several aetiologies, from rheumatologic, orthopaedic, infectious, degenerative or traumatic to neoplastic, most rarely. Thus, it is crucial to perform a thorough anamnesis, exploring the personal and family backgrounds, and a comprehensive and detailed physical examination. Complementary diagnosis means may be useful in case of suspected inflammatory pathology and may exclude infectious or malignant pathologies. It is essential to distinguish between benign and suspicious features, as well as warning signs for referral.

Conclusion: This kind of complaint, very frequent in clinical practice, requires an approach for a problem that very often presents itself as undifferentiated, demanding a systematic evaluation in order to obtained an accurate diagnosis and a timely intervention.

Keywords: Child; musculoskeletal pain; pediatrics


 

 

INTRODUÇÃO

A dor musculoesquelética (ME) na idade pediátrica é uma queixa que atinge 10-20% das crianças em idade escolar.1 Pouco frequente antes dos três anos, aumenta de frequência com a idade até atingir um nível estável na adolescência, com um pico de incidência por volta dos 14 anos.2,3 Gonalgia e outras dores articulares representam 80% das dores ME, sendo que 60% são atribuídas a etiologias mecânicas3. Na idade escolar são mais frequentes síndromes de dor idiopática, como as “dores de crescimento” ou o síndrome de hipermobilidade ou dores após contusões, enquanto que na adolescência surgem mais as dores traumáticas, doenças sistémicas inflamatórias ou dores de amplificação dolorosa. A maioria das etiologias é benigna; contudo, é indispensável um correto diagnóstico diferencial. Só em 1% dos casos a dor ME se associa a patologia grave (neoplásica, inflamatória ou autoimune).4 Este tipo de queixa, enquanto motivo de consulta, geralmente acarreta elevados custos em métodos complementares de diagnóstico ou referenciação para outras especialidades. As dores ME que tendem para a cronicidade têm um impacto negativo no bem-estar físico e psicológico da criança e da sua família, comprometendo a qualidade de vida de ambos.

 

OBJETIVOS

Desenvolver um algoritmo de abordagem lógica, multidisciplinar e sistemática que englobe a anamnese, o ambiente psicossocial e a clínica, de forma a agilizar o diagnóstico e evitar complicações a longo termo.

 

DESENVOLVIMENTO

Anamnese

Qualquer componente do sistema musculoesquelético pode originar dor.5 O diagnóstico diferencial inclui numerosas doenças, desde doenças reumatológicas e/ou imunomediadas, ortopédicas, infeciosas, degenerativas, traumáticas, síndromes de amplificação dolorosa ou causas neoplásicas.6 Dentro das múltiplas etiologias existem quadros cujo prognóstico depende de um diagnóstico precoce, e outros que apresentam uma etiologia benigna apesar do seu longo tempo de evolução, tais como as “dores de crescimento”, osteocondrose, entre outros. As “dores de crescimento” apresentam incidência semelhante em ambos os géneros e podem ser diagnosticadas e tratadas nos Cuidados de Saúde Primários.7 A descrição das suas caraterísticas pode ser encontrada no Quadro 1.

 

 

Conhecer os principais marcos do desenvolvimento, as patologias mais frequentes em cada faixa etária (Quadro 2), realizar uma anamnese detalhada e um exame físico sistematizado (pGALS) são fatores essenciais para determinar que pacientes devem ser referenciados imediatamente, a quem solicitar exames complementares de diagnóstico e aqueles que apenas necessitam de um seguimento clinico sem outro tipo de intervenção.4

Na colheita da história clinica é importante caraterizar a localização da dor, duração, frequência, ritmo, padrão, intensidade, fatores de agravamento e de alívio, manifestações sistémicas, alteração no comportamento da criança, questionar o efeito das medidas farmacológicas e não farmacológicas, bem como antecedentes pessoais e familiares de relevo.

Exame físico

A realização do exame físico na criança deve ser minuciosa, avaliando sistematicamente aparelhos e sistemas. A realização de um exame físico completo contribui para tranquilizar a família e para identificar sinais/sintomas que possam indiciar um determinado diagnóstico.8 A avaliação do paciente inicia-se a partir do momento de entrada do paciente no consultório, avaliando a marcha, postura, existência de claudicação, alterações morfológicas, expressão de sinais indiretos de dor, fadiga, entre outros. A literatura recente apoia a realização do rastreio musculoesquelético de acordo com o pGALS (Paediatric Gait, Arms, Legs, Spine).9 O pGALS é o único rastreio musculoesquelético validado para a idade escolar e a sua realização demora aproximadamente 2 minutos (Quadro 3). O pGALS inclui três questões sobre a dor e a funcionalidade:

•               Tem alguma dor ou dificuldade em movimentar alguma articulação, músculo ou coluna?

•               Tem dificuldade em vestir-se sem ajuda?

•               Tem dificuldade em subir ou descer escadas?

Exames Complementares de Diagnóstico

A necessidade de pedir meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) é determinada pela avaliação clínica. Os MCDT geralmente não são necessários perante uma dor ME de caraterísticas benignas, isto é sem sintomas constitucionais, sem sinais de doença sistémica, crónica ou prévia, dor noturna que alivia com analgésicos e massagem local, sem dor óssea ou tendinosa e sem edema articular. Testes laboratoriais e imagiológicos podem auxiliar o diagnóstico numa suspeita de patologia inflamatória e podem excluir patologias infeciosas ou malignas (Quadros 4 e 5). Testes laboratoriais reumatológicos podem confirmar uma suspeita clínica, não fazendo o diagnóstico por si só.

São sinais de alarme que motivam pedido de MCDTs:4

•               Sinais de trauma ou lesão mecânica (edema, luxação, claudicação)

•               Sinais de infeção local

•               Sinais de doença sistémica (palidez, febre, mal-estar, espleno ou hepatomegalia, adenopatias, fraqueza muscular, alteração do crescimento)

•               Sinais de doença inflamatória ou autoimune (exantema, rash)

Principais etiologias

São várias as etiologias associadas a dor ME. No Quadro 6 estão nomeadas as principais, agrupadas por categorias.

Sinais de alarme

Perante uma queixa de dor ME não associada a trauma existem certos sinais e/ou sintomas de alarme que são necessários pesquisar.1-3 A exclusão destes permite ao médico aferir, com grande segurança, uma etiologia benigna. Estes são:

•               Dor que alivia com movimento e que está presente em repouso

•               Rigidez matinal

•               Edema articular

•               Dor noturna não aliviada por analgésicos ou massagem e/ou que persiste durante o dia

•               Dor intensa (“profunda”), desproporcionada face ao exame físico

•               Repercussão sistémica com má evolução estato-ponderal

•               Sintomas constitucionais (perda de peso, febre, mal-estar)

•               Adenopatias e/ou organomegalias associadas

•               Hipersudorese noturna

•               Recusa total no apoio do membro

•               Alterações súbitas da marcha

•               Aumento dos parâmetros inflamatórios

Por outro lado, o reconhecimento destes sinais e/ou sintomas deve motivar uma investigação ou referenciação precoce, conforme preconizado no algoritmo apresentado na Figura 1, de forma a minimizar a morbimortalidade.

Algoritmo de abordagem

Figura 1.

 

CONCLUSÕES

A dor ME na idade pediátrica, pela sua prevalência, representa um importante motivo de consulta em Medicina Geral e Familiar e pode ter, a curto ou longo prazo, um grande impacto na qualidade de vida das crianças ou adolescentes. As etiologias são múltiplas, frequentemente benignas, sendo fundamental ter em consideração patologias cujo prognóstico depende em grande parte de um diagnóstico atempado (infeções osteoarticulares, artrites inflamatórias, neoplasias e certas patologias ortopédicas). Uma anamnese e exame físico exaustivos são essenciais e muitas vezes suficientes. A necessidade de meios complementares de diagnóstico deve ser sempre avaliada caso a caso e orientada segundo a suspeita clínica de determinada patologia.

Certos sinais de alarme devem motivar referenciação a consulta externa de reumatologia pediátrica (dor de ritmo inflamatório) ou mesmo ao serviço de urgência (suspeita de maus tratos, suspeita de fratura, alteração marcada e súbita da marcha/ incapacidade súbita para fazer carga no membro, atingimento sistémico).

 

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CORRESPONDENCE TO
Rute Marques
General Practice and Family Medicine
Unidade de Saúde Familiar
S. Miguel
Av. Igreja, n.º 311
4410-411 Arcozelo
Email: rutenascimentomarques@gmail.com

Received for publication: 26.09.2016 Accepted in revised form: 23.01.2017

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