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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.1 Porto mar. 2017

 

ARTIGOS ORIGINAIS | ORIGINAL ARTICLES

 

Macrossomia Neonatal: Fatores de Risco e Complicações Pós-parto

 

Neonatal Macrosomia: Risk Factors and Postpartum Complications

 

 

Soraia Pereira RibeiroI; Ricardo Barros Costa II; Clara Paz Dias III

I Integrated Master in Medicine, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto. 4200-319 Porto, Portugal. soraia.ribeiro20@gmail.com
II Neonatology Unit, Department of Pediatrics, Hospital Pêro da Covilhã, Centro Hospitalar Cova da Beira. 6200-251 Covilhã, Portugal. rjbc1963@gmail.com
III Neonatology Unit, Department of Pediatrics, Hospital Senhora da Oliveira. 4835-044 Guimarães, Portugal. clarasofiapazdias@gmail.com 

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução/Objetivos: O termo macrossomia é usado para descrever recém-nascidos (RN) com peso ao nascimento superior a determinado limite, sendo o mais comumente utilizado ≥4000 g. Tem sido associado a diversas complicações durante e após o parto, quer para a mãe, quer para RN. O objetivo deste estudo é investigar quais os fatores de risco e as complicações mais frequentemente associadas à macrossomia em crianças nascidas no mesmo período em dois hospitais portugueses: Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães (HSOG) e Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB).

Material e Métodos: Efetuou-se um estudo caso-controlo, observacional e retrospetivo. Foram incluídos 860 RN: 711 do grupo controlo (peso ao nascimento entre 2500-3999 g), sendo 281 do CHCB e 430 do HSOG, e 149 macrossómicos  (peso ≥4000 g), sendo 30 do CHCB e 119 do HSOG. Compararam-se os fatores de risco para macrossomia e as complicações neonatais e maternas com os controlos, utilizando-se o programa IBM SPSS Statistics 23.0®.

Resultados: Verificou-se associação entre sexo masculino, maior peso prévio à gravidez e maior idade gestacional e macrossomia nos dois hospitais. Encontrou-se ainda associação com multiparidade, irmão macrossómico e aumento ponderal durante a gestação no HSOG e com diabetes materna no CHCB. As complicações associadas à macrossomia foram: desproporção feto-pélvica, maior percentagem de cesarianas e distócia de ombros no HSOG e hipoglicemia no CHCB.

Conclusões: O estudo revelou aumento da incidência de complicações maternas e neonatais em contexto de macrossomia. A eliminação dos fatores de risco modificáveis afigura-se fundamental na diminuição da morbilidade.

Palavras-chave: Macrossomia; peso ao nascimento; complicações obstétricas; complicações neonatais


ABSTRACT

Introduction/Objectives: Neonatal macrosomia is used to describe newborns with a birth weight higher than certain limit, more frequently ≥4000 g. This has been associated to several complications during and postpartum, both for the mother and newborn. The aim of this study is to investigate which are the risk factors and complications most frequently associated to neonatal macrosomia in children born at the same period in two Portuguese hospitals: Senhora da Oliveira, Guimarães (HSOG) and Cova da Beira (CHCB).

Material and Methods: A case-control, observational and retrospective study was performed, including 860 newborns: 711 in the control group (birth weight between 2500 and 3999 g), 281 from CHCB and 430 from HSOG, and 149 in the macrosomic group (birth weight ≥4000 g), 30 from CHCB and 119 from HSOG. Risk factors for macrosomia and maternal and neonatal complications were compared with the control group, using the IBM SPSS Statistics 23.0® software.

Results: There is an association between male infant, higher weight before pregnancy and higher gestacional age and macrosomia in both hospitals. Furthermore, it was associated with multiparity, macrosomic sibling and weight gained during pregnancy in HSOG and with maternal diabetes in CHCB. The complications associated with macrosomia were cephalopelvic disproportion, higher proportion of caesarean and shoulder dystocia in HSOG and hypoglycemia in CHCB.

Conclusions: This study has shown an increase in maternal and neonatal complications with macrosomia. Eliminate modifiable risk factors is fundamental to decrease morbidity.

Keywords: Macrosomia; birth weight; obstetric labor complications; neonatal complications


 

 

INTRODUÇÃO

O termo macrossomia é usado para descrever recém-nascidos (RN) com peso ao nascimento superior a determinado limite, não consensual na literatura.1 Estudos prévios têm usado como definição de macrossomia neonatal peso ao nascimento superior a 4000, 4500 ou 5000 g, independentemente da idade gestacional.2,3 O relatório do Consenso sobre Diabetes e Gravidez de 2011, publicado pela Direção-Geral da Saúde (DGS), define macrossomia neonatal como peso ao nascimento igual ou superior a 4000 g.4

A prevalência de RN com peso superior a 4000 g varia em diferentes populações entre 5 e 20%. A maior proporção foi encontrada nos países nórdicos.1 Com o aumento da prevalência de diabetes mellitus e obesidade das mulheres em idade reprodutiva, é expectável um aumento paralelo dos RN macrossómicos.5

Sexo masculino, nascimento pós-termo, idade materna avançada (igual ou superior a 35 anos), multiparidade, estatura elevada dos pais e maior escolaridade materna têm sido apontados como fatores de risco para macrossomia. Assinala-se ainda uma relação com o facto de previamente ter sido mãe de RN macrossómico.3,6,7 A diabetes materna, gestacional ou pré-gestacional, está associada a maior risco de macrossomia neonatal.8 De forma independente, a obesidade pré-concecional assim como aumento ponderal excessivo durante a gravidez aumentam o risco.9,10 O papel da pré-eclampsia é controverso, mas tem sido sugerida a sua influência no crescimento intrauterino excessivo.11–13 Contrariamente, o tabagismo tem o efeito oposto no crescimento fetal, estando relacionado apenas com baixo peso ao nascimento.14,15

A macrossomia aumenta o risco de complicações para a mãe e para o RN. Desproporção feto-pélvica, maior necessidade de parto por cesariana, traumatismo perineal, aumento do tempo de internamento após o parto e necessidade de transfusão sanguínea são as complicações maternas mais frequentes.5,7,9

A distócia de ombros é uma complicação neonatal bem estabelecida, podendo ocorrer, associadas ou não a esta, fratura da clavícula ou lesão do plexo braquial.16,17

Recém-nascidos macrossómicos apresentam maior risco de baixo índice de Apgar ao 5º minuto, síndrome de aspiração meconial, hipoglicemia ou doença das membranas hialinas.3,18,19 O presente estudo tem como objetivo investigar os fatores

de risco associados à macrossomia neonatal e complicações maternas e neonatais em dois hospitais portugueses (o Centro Hospitalar Cova da Beira e o Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães), usando dados recentes. Foram estudados RN e respetivas mães no período compreendido entre o nascimento e a alta hospitalar.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo caso-controlo, observacional e retrospetivo.

Considerou-se como RN macrossómicos aqueles com peso ≥4000 g, definição utilizada pela DGS.4 Este também representa o valor a partir do qual Boulet et al definem macrossomia grau 1.3

Estudou-se a população de RN macrossómicos do Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB) e do Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães (HSOG) entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2014. As populações dos dois hospitais foram avaliadas de forma independente. Na totalidade, foram incluídos 149 RN, dos quais 30 nasceram no CHCB e 119 no HSOG.

Como grupo controlo, utilizou-se uma amostra aleatória dos RN com peso ao nascimento ≥2500 g e <4000 g (normossómicos) nascidos no mesmo período que a população em estudo.7,19 A amostra foi calculada com um erro amostral máximo de 5%, o que correspondeu a 281 controlos no CHCB e 430 no HSOG. Posteriormente foi realizada uma aleatorização simples da população inicial de cada hospital com o objetivo de obter o número de controlos calculado.

Foram excluídos do estudo todos os RN com idade gestacional inferior a 37 semanas e gravidezes gemelares, visto estarem associadas a maior mortalidade e morbilidade perinatal.20,21 Os dados foram obtidos através dos processos clínicos informatizados, presentes no programa Sistema de Apoio Médico®, dos RN e respetivas mães, sendo anonimizados e garantindo-se a confidencialidade dos intervenientes.

O estudo foi aprovado pelas comissões de ética de ambas as instituições.

Analisaram-se como fatores de risco maternos: idade, paridade, RN prévio macrossómico, diabetes, pré-eclampsia, ganho ponderal durante a gestação e peso prévio à mesma. Diabetes inclui as apresentações pré-gestacional e gestacional. Foram também incluídos no estudo os hábitos tabágicos maternos, uma vez que exercem influência no peso ao nascimento, tendo o efeito oposto à macrossomia. O sexo e a idade gestacional foram considerados como fatores de risco do RN.

Como complicações neonatais, avaliou-se um baixo índice de Apgar ao 5º minuto, hipoglicemia, doença das membranas hialinas, síndrome de aspiração meconial, distócia de ombros, fratura da clavícula e lesão do plexo braquial. A variável morbilidade total representa o risco de um RN apresentar uma ou mais complicações neonatais, dentro das analisadas.

Considerou-se baixo índice de Apgar ao 5º minuto como <7.3 A definição de hipoglicemia neonatal encontra-se de acordo com o Consenso Clínico da Sociedade Portuguesa de Pediatria.22 Transfusão sanguínea, desproporção feto-pélvica, parto por  cesariana, parto com aux ílio de fórceps ou ventosa, laceração perineal de 3º ou 4º grau e tempo de internamento prolongado foram analisadas como complicações maternas. Considerou-se tempo de internamento prolongado, aquele superior a 48 horas no caso de parto vaginal e 72 horas quando o parto foi por cesariana.7

A análise estatística foi efetuada com o programa IBM SPSS Statistics 23.0®. Em todos os testes estatísticos, valores de p <0,05 (bilateral) foram considerados significativos.

Para verificar a existência de associação entre os fatores de risco analisados e macrossomia neonatal, utilizaram-se os testes de comparação entre proporções Qui-Quadrado ou teste exato de Fisher, no caso das variáveis qualitativas. Quando as associações entre as variáveis se mostraram significativas, foi calculado o Odds ratio, com um intervalo de confiança (IC) de 95%, para avaliar quantitativamente a probabilidade de um grupo possuir determinado fator risco em comparação com o outro. Os mesmos testes foram utilizados para a análise das complicações neonatais e maternas.

Na análise das variáveis quantitativas, quer para os fatores de risco para macrossomia neonatal, quer para a variável “tempo de internamento”, foi utilizado o teste não paramétrico para duas amostras independentes U de Mann-Whitney. Este teste foi aplicado após a avaliação da normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, que verificou que nenhum dos grupos (macrossómicos ou normossómicos) seguia uma distribuição normal (p <0,05). Sendo assim, avaliaram-se as variáveis pela sua mediana e amplitude interquartil (AIQ).

 

RESULTADOS

No período compreendido entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2014, houve um número total de nados-vivos de 4096 no HSOG e 1116 no CHCB, com uma taxa de RN macrossómicos de 2,9% e 2,7%, respetivamente.

Analisou-se uma amostra aleatória dos controlos, com o total de 430 do HSOG e 281 do CHCB.

Os quadros 1 e 2 contêm os resultados da análise dos fatores de risco maternos para macrossomia neonatal.

No HSOG, pela análise do Odds ratio, verificou-se que a probabilidade de RN macrossómicos serem filhos de mães multíparas é 2,34 vezes superior à dos normossómicos. De forma semelhante, a análise mostra que um macrossómico tem 10,26 vezes maior probabilidade de nascer de uma mãe de RN macrossómico prévio, comparativamente aos normossómicos.

Uma associação estatisticamente significativa com macrossomia neonatal foi também encontrada para o peso prévio à gravidez e ganho de peso durante a gestação. O estudo revelou que as mães dos RN macrossómicos pesavam antes de engravidar, em mediana, mais 6 kg do que as mães dos normossómicos (68 kg vs 62 kg). Relativamente ao ganho de peso durante a gestação, as primeiras ganharam, em mediana, mais 3,5 kg do que as segundas.

A análise não mostrou qualquer associação entre a idade materna, diabetes ou pré-eclâmpsia e macrossomia neonatal. Também não se verificou influência dos hábitos tabágicos maternos no peso do RN (7,6% nos macrossómicos vs 13,0% nos normossómicos, valor-p= 0,078).

No CHCB, a diabetes materna e o peso prévio à gravidez mostraram ser fatores de risco para macrossomia neonatal. Verificou-se que um RN macrossómico tem 3,31 vezes maior probabilidade de ter nascido de uma gestante com diabetes do que um normossómico. A análise revelou ainda que as mães dos macrossómicos pesavam antes de engravidar, em mediana, mais 11,5 kg do que as mães dos normossómicos (73 kg vs 61,5 kg). Não foi encontrada qualquer associação entre macrossomia neonatal e as restantes variáveis analisadas (idade materna, paridade, RN prévio macrossómico, pré-eclâmpsia e ganho de peso durante a gestação), neste hospital. De forma semelhante ao HSOG, a an álise não mostrou associação entre o peso do RN e os hábitos tabágicos maternos (13,3% nos macrossómicos vs 14,9% nos normossómicos, valor-p= 1,000) no CHCB.

Nos quadros 3 e 4 encontram-se os resultados da análise dos fatores de risco do RN para macrossomia no HSOG e no CHCB, respetivamente. Em ambos os hospitais, a análise mostrou que existe uma associação entre o sexo masculino e macrossomia neonatal. No caso do HSOG, o Odds ratio permite concluir que um RN do sexo masculino tem 3,36 vezes maior probabilidade de ser macrossómico. Essa probabilidade é de 5,84 no CHCB.

Não foi possível verificar a existência de uma associação entre o nascimento pós-termo (≥42 semanas) e macrossomia, dado só existirem três casos (um no HSOG e dois no CHCB).

Relativamente à idade gestacional, os resultados foram sobreponíveis nos dois hospitais, com os RN macrossómicos a apresentarem, em mediana, mais uma semana de gestação do que os normossómicos (40 vs 39 semanas).

O resultado da análise das complicações neonatais é apresentado nos quadros 5 e 6.

Foi encontrada uma associação entre macrossomia neonatal e distócia de ombros no HSOG. A análise mostrou que um RN macrossómico tem uma probabilidade 8,89 vezes superior à dos normossómicos de apresentar distócia de ombros como complicação.

No CHCB encontrou-se uma associação significativa entre macrossomia e hipoglicemia. O Odds ratio mostra que um RN macrossómico possui 10,66 vezes maior probabilidade de ter hipoglicemia do que um normossómico.

Não se registaram RN com índice de Apgar <7 ao 5º minuto ou doença das membranas hialinas. Também não se encontrou qualquer associação entre macrossomia e síndrome de aspiração meconial, fratura da clavícula ou lesão do plexo braquial.

Verificou-se existir um risco significativamente maior de um RN macrossómico apresentar complicações neonatais face aos normossómicos, tanto no HSOG como no CHCB (Odds ratio de 3,98 e 7,47 respetivamente).

Os resultados das complicações maternas são apresentados nos quadros 7 e 8.

No HSOG, a análise mostrou que mães de RN macrossómicos têm maior probabilidade de apresentarem desproporção feto-pélvica (Odds ratio de 8,06) e parto por cesariana (Odds ratio de 2,49), comparativamente às dos normossómicos.

Relativamente ao tempo de internamento, no HSOG, as mães de RN macrossómicos ficaram, em mediana, mais um dia no hospital do que as mães dos normossómicos (72 vs 48 horas). Contudo, não se detetaram diferenças estatisticamente significativas entre a percentagem de mães de macrossómicos que tiveram internamentos prolongados e as dos normossómicos. Esta última análise difere da do tempo de internamento, pois leva em conta o tipo de parto. O estudo não demonstrou, neste hospital, diferenças entre os dois grupos no que se refere à probabilidade das outras complicações analisadas (transfusão sanguínea, parto por ventosa ou fórceps e laceração perineal de 3º ou 4º grau).

No caso do CHCB, apesar das medianas do tempo de internamento das mães dos RN macrossómicos e dos normossómicos serem sobreponíveis (48 horas), as primeiras têm uma maior probabilidade de internamento prolongado do que as segundas.

 

DISCUSSÃO

Estudos prévios têm demonstrado um aumento do peso médio ao nascimento, assim como da proporção de RN macrossómicos nas últimas décadas em diversos países. Fatores maternos, como o aumento do índice de massa corporal (IMC), ganho de peso durante a gestação e prevalência de diabetes têm sido apontados como possíveis causas.23,24

No presente estudo, a percentagem de RN macrossómicos nos dois anos analisados foi de 2,9% no HSOG e 2,7% no CHCB. Esta incidência é bastante inferior à de 7,1% e 9,1% encontrada em estudos de outros países europeus.13,19

Embora diversos estudos tenham mostrado uma maior incidência de macrossomia com o aumento da idade materna, este estudo não encontrou qualquer associação entre essas variáveis em nenhum dos hospitais.7.9

Não se encontrou associação entre pré-eclâmpsia e macrossomia, sendo que o número reduzido de casos não permite retirar conclusões consistentes. Embora seja geralmente associada a restrição de crescimento intra-uterino, alguns estudos têm colocado a hipótese de que a pré-eclâmpsia no terceiro trimestre exerça influência num maior crescimento fetal, possivelmente por um aumento compensatório do fluxo sanguíneo da placenta.11,12,25,26 Mais investigação é necessária para comprovar essa hipótese.12

A presença de hábitos tabágicos durante a gestação também não mostrou, neste estudo, ter influência no peso do RN.

No HSOG, a multiparidade e a existência de um RN prévio macrossómico mostraram estar fortemente associados à presença de macrossomia neonatal, com resultados similares aos de estudos anteriores de maior dimensão.3,7 Não se verificou essa associação no CHCB.

A diabetes materna é um fator de risco reconhecido em muitos estudos internacionais, inclusive nos países em desenvolvimento.3,5,27 O relatório do Consenso sobre Diabetes e Gravidez de 2011 menciona a importância do hiperinsulinismo fetal no seu crescimento excessivo.4 Neste estudo, encontrou-se uma associação entre diabetes materna e macrossomia neonatal no CHCB, mas não no HSOG.

Um estudo português realizado no HSOG avaliou a importância do IMC prévio à gravidez e do ganho ponderal durante a gestação na predição do peso do RN, no caso de mulheres com diabetes gestacional. Os investigadores concluíram que o excesso de peso materno e o ganho de peso durante a gestação influenciam, de forma independente, o peso ao nascimento. No estudo em causa, nenhum macrossómico nasceu de mulheres normoponderais com diabetes gestacional.28 A importância do peso prévio e do ganho ponderal durante a gravidez também foi avaliada neste estudo. Devido à inexistência de dados sobre a altura materna em muitos casos, não foi calculado o IMC prévio à gestação, o que limita as conclusões que podem ser retiradas. Contudo, a mediana do peso antes da gravidez foi significativamente superior nas mães dos macrossómicos, no HSOG (68 kg vs 62 kg) e no CHCB (73kg vs 61,5 kg). As mães dos macrossómicos também apresentaram uma mediana do ganho de peso durante a gestação superior à dos normossómicos no HSOG (15 kg vs 11,5 kg), mas não

no CHCB. O Institute of Medicine (IOM) forneceu recomendações acerca do ganho ponderal durante a gravidez de acordo com o IMC materno.29 Estudos posteriores poderão avaliar a influência do ganho ponderal superior ao recomendado na macrossomia, tendo em consideração gestantes portuguesas sem diabetes.

A análise dos fatores de risco do RN mostrou que existe uma forte associação entre o sexo masculino e macrossomia, o que é concordante com estudos prévios.13,19

Em ambos os hospitais, verificou-se que os RN macrossómicos apresentaram, em mediana, mais uma semana de gestação do que normossómicos (39 vs 40 semanas). Nascimentos pós-termo (≥42 semanas) foram considerados fatores de risco para macrossomia em outros estudos, contudo não foi possível avaliar essa associação neste estudo devido ao reduzido número de casos.7,30

A incidência de distócia de ombros, segundo alguns autores, varia entre 0,6 e 1,4% nos RN normossómicos e 5 e 9% em RN com peso ao nascimento entre 4000 e 4500g.16,31 A lesão do plexo braquial e a fratura da clavícula podem ocorrer como complicações da distócia de ombros, com incidência reportada por outros autores de 15% e 5-15% respetivamente.32 Wollschlaeger et al encontraram uma incidência sete vezes superior de distócia de ombros nos RN macrossómicos comparativamente ao grupo controlo (3000-3999g). No caso da fratura da clavícula e da paralisia de Erb, essa incidência foi cinco vezes superior.13 No presente estudo, foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre distócia de ombros e macrossomia neonatal apenas no HSOG, com uma probabilidade cerca de nove vezes superior de apresentarem esta complicação relativamente aos normossómicos. É importante levar em conta a elevada amplitude do IC, pelo que as conclusões a serem retiradas não são robustas. Contudo, o limite inferior continua a ser considerável, pelo que a maior probabilidade desta complicação nos macrossómicos é admissível.

A incidência de fratura da clavícula e lesão do plexo braquial não se mostrou significativamente superior nos macrossómicos, em nenhum dos hospitais. Também não se constatou associação entre macrossomia e síndrome de aspiração meconial.

A diabetes materna é considerada uma causa subjacente em muitos casos de hipoglicemia em RN macrossómicos. Contudo, Linder et al demonstraram maior frequência de hipoglicemia nos macrossómicos relativamente aos controlos, ao analisarem apenas filhos de mães não diabéticas.2 No presente estudo, a frequência de hipoglicemia foi também superior nos RN com macrossomia, no CHCB. No entanto, não foram comparados os filhos de mães diabéticas com os de mães não-diabéticas, pelo que não podem ser obtidas conclusões similares às de Linder et al. Além disso, tal como no caso da distócia de ombros, o IC possui uma grande amplitude. Estudos posteriores, com maior população e que eliminem a diabetes materna como variável de confusão poderão obter conclusões mais sólidas no que diz respeito à associação entre macrossomia e hipoglicemia em Portugal.

A percentagem de RN com uma ou mais das complicações analisadas foi significativamente superior nos macrossómicos no HSOG e no CHCB.

Os resultados na análise das complicações maternas, no HSOG, demonstraram a presença de desproporção feto-pélvica em 26,61% dos partos dos macrossómicos, um resultado significativamente superior ao dos normossómicos (4,2%). Boulet et al demonstraram um aumento considerável de desproporção feto-pélvica com o aumento do peso ao nascimento. Os resultados da investigação mostram uma taxa de 2,3% nos normossómicos e uma variação entre 5,3 e 11,1%, nos RN com pesos compreendidos entre 4000-4500 g e >5000 g respetivamente.

No HSOG, 44,5% dos macrossómicos nasceram por cesariana, um resultado significativamente superior ao dos controlos. Um estudo realizado na Hungria, em 2011, reporta uma taxa nascimentos por cesariana nos macrossómicos de 49,3%.19 Boulet et al reportaram uma percentagem que variou entre 25,5% (peso ao nascimento entre 4000-4499g) e 50,6% (peso ao nascimento >5000 g).3 Em ambos os casos e de forma consistente com este estudo, a proporção de nascimentos por cesariana foi significativamente superior à dos controlos. No CHCB, essas diferenças não foram estatisticamente significativas.

Alguns autores encontraram uma maior percentagem de laceração perineal materna de 3º e 4º grau nos nascimentos de macrossómicos.7,13 Contudo, tal não se verificou no presente estudo.

A análise do tempo de internamento materno mostrou que, em mediana, no HSOG, as mães dos macrossómicos ficaram mais um dia no hospital do que as dos normossómicos. Contudo, na análise do internamento prolongado, em que foi levado em conta o tipo de parto, não se encontrou diferenças significativas entre os dois grupos. Pelo contrário, no CHCB, as medianas do tempo de internamento foram sobreponíveis nos dois grupos (48h), mas a percentagem de internamentos prolongados foi maior nas mães dos RN macrossómicos (30% vs 11,4%).

A análise da proporção de mães com parto por ventosa/ fórceps ou que receberam transfusão sanguínea não mostrou diferenças significativas entre os dois grupos analisados.

Boulet et al propuseram uma divisão dos RN macrossómicos em três categorias: 4000-4499 g (grau 1), 4500-4999 g (grau 2) e >5000 g (grau 3). Os investigadores concluíram que o grau 1 de macrossomia é um indicador de risco aumentado de complicações neonatais e maternas, enquanto os restantes graus estão associados a maior morbilidade (grau 2) e mortalidade (grau 3) neonatais. Esses resultados são concordantes com as recomendações do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), que mencionam o aumento do risco de morbilidade materna e neonatal quando o peso ao nascimento se situa entre 4000 e 4500 g, mas de forma mais acentuada quando esse peso é >4500 g.8

Dado o número limitado de casos no presente estudo, não foi realizada uma comparação entre os diferentes graus de macrossomia propostos por Boulet et al.

Sendo este um estudo retrospetivo, possui várias limitações. Uma das principais deve-se ao facto de ser baseado em registos médicos. Dados que não constavam nos registos, como a escolaridade materna, não puderam ser avaliados no estudo.

Encontraram-se diferenças entre o HSOG e o CHCB no que diz respeito às variáveis que tiveram uma associação estatisticamente significativa com peso ≥4000 g, quer a nível dos fatores de risco, quer das complicações. Não foi efetuada uma comparação entre os dois hospitais de modo a obter uma explicação para essas discrepâncias, o que poderá constituir também uma potencial limitação deste estudo. Os hábitos de vida associados à diferente localização geográfica, cobertura médica assistencial, assim como a diferença na dimensão da população incluída poderão ser possíveis explicações.

Um estudo de maiores dimensões e com um período mais longo, efetuado a nível nacional, poderia clarificar o cenário português.

 

CONCLUSÕES

Atualmente não existe muita informação no que diz respeito à situação portuguesa quanto à morbilidade neonatal e materna associada à macrossomia neonatal, sendo este um dos primeiros estudos a abordar essa questão.

De forma consistente com várias publicações internacionais, o presente estudo revelou um aumento da incidência de complicações maternas e neonatais em RN com peso ≥4000 g, comparativamente aos normossómicos.

Distócia de ombros no HSOG e hipoglicemia no CHCB mostraram ter associação com macrossomia neonatal. O estabelecimento de protocolos de atuação relativos a essas situações em casos suspeitos de macrossomia seria crucial para reduzir a morbilidade associada.

Não existem ainda métodos totalmente eficazes para a identificação de macrossomia antes do nascimento.8 Assim, a aplicação de medidas preventivas, nomeadamente o controlo apropriado da diabetes gestacional e do peso materno, afiguram-se benéficas.10,28,33,34

Estudos prévios sugeriram que RN macrossómicos possuem uma maior predisposição para excesso de peso ou obesidade durante a infância e diabetes tipo 2 a longo prazo.35,36 A existência de um plano de seguimento dos RN macrossómicos incluídos neste estudo poderá permitir que investigações posteriores avaliassem o risco de complicações a longo prazo.

 

AGRADECIMENTOS E ESCLARECIMENTOS

Este estudo foi realizado no âmbito da Unidade Curricular Dissertação/Monografia/Relatório de Estágio Profissionalizante do 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

 

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CORRESPONDENCE TO
Clara Paz Dias
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Received for publication: 12.05.2016 Accepted in revised form: 12.07.2016

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