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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.25 no.3 Porto set. 2016

 

CASOS CLÍNICOS / CASE REPORTS

 

Tinha do couro cabeludo – importância do tratamento atempado para prevenção da alopécia cicatricial

 

Tinea capitis– significance of timely treatment to prevent scarring alopecia

 

 

Sandrina CarvalhoI; Susana MachadoII,III; Glória VelhoII,III; Manuela SeloresII,III

I S. de Dermatologia, Centro Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal. carvalhosandrine@gmail.com
II S. de Dermatologia e Unidade de Investigação em Dermatologia, Centro Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal. susanamlmachado@gmail.com; gloriacunhavelho@gmail.com; dermat@sapo.pt
III Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto. 4050-313 Porto, Portugal. susanamlmachado@gmail.com; gloriacunhavelho@gmail.com; dermat@sapo.pt

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: A tinha do couro cabeludo é a infeção fúngica superficial mais frequente nas crianças. O Microsporum spp e o Trichophyton spp são os principais agentes etiológicos envolvidos.

Caso clínico: Descrevemos o caso clínico de um menino de cinco anos com diagnóstico de tinh do couro cabeludo complicada por querion com posterior desenvolvimento de alopécia cicatricial de grandes dimensões apesar do tratamento com griseofulvina oral.

Conclusão: O tratamento da tinha do couro cabeludo é simples e eficaz. É essencial a sua identificação precoce e um tratamento atempado para prevenir uma alopécia cicatricial frequentemente perturbadora para o doente.

Palavras-chave: alopécia; prevenção; querion; tinha do couro cabeludo


ABSTRACT

Introduction: Tinea capitis is a superficial fungal infection frequently observed in children. Microsporum spp and Trichophyton spp are the main etiological agents.

Case report: We report the case of a five-year-old boy diagnosed with tinea capitis and querion with subsequent development of large cicatricial alopecia despite treatment with oral griseofulvin.

Conclusion: The treatment of tinea capitis is simple and effective. Timely identification and treatment are essential to prevent the formation of a cicatricial alopecia, often disturbing for the patient.

Keywords: alopecia; querion; prevention; tinea capitis


 

 

INTRODUÇÃO

A tinea capitis ou tinha do couro cabeludo é uma infeção fúngica superficial do couro cabeludo, sobrancelhas e pestanas causada por fungos do género Microsporum spp ou Trichophyton spp, sendo o Microsporum canis e o Trichophyton tonsurans os principais agentes etiológicos.1,2 É a dermatofitose mais comum em idade pediátrica, afetando principalmente crianças em idade escolar do sexo masculino e/ou de raça negra.3-5A contagiosidade é elevada, observando-se surtos epidémicos ocasionais em escolas, creches e infantários. A transmissão podeocorre através do contacto com animais infetados (dermatófitos zoofílicos), pelo solo (dermatófitos geofílicos) ou de pessoa para pessoa (dermatófitos antropofílicos). Os esporos podem sobreviver em objetos inanimados, tal como chapéus, pentes, almofadas e lençóis. Tanto as crianças como os adultos podem ser portadores assintomáticos.6

A reação individual à infeção fúngica varia desde muito discreta a grave, estando dependente do hospedeiro, dos fatores ambientais locais e da virulência do fungo. Geralmente, as espécies zoofilicas e geofilicas formam lesões mais inflamatórias que podem resolver espontaneamente ao contrário das antropofílicas que tendem à cronicidade. A forma clínica mais comum, denominada tinha tonsurante, caracteriza-se por prurido, eritema, descamação e áreas de pseudo-alopécia em que os cabelos estão fraturados ao nível da superfície cutânea com os respetivos cotos implantados na pele (“black dots”). O querion resulta de uma reação inflamatória exagerada do hospedeiro aos dermatófitos levando ao desenvolvimento de placas e nódulos eritematosos com drenagem purulenta. Outra forma, atualmente excecional, é a tinha favosa, causada essencialmente pelo Trichophyton schöenleinii com crostas amarelas aderentes (escútula fávica) e áreas de alopécia cicatricial.6

O diagnóstico é geralmente confirmado por microscopia ótica, sendo a cultura necessária para a identificação do agente. As amostras de pele e cabelo são colhidas por raspagem e posteriormente humedecidas com hidróxido de potássio a 20% (KOH). A observação da forma como os esporos invadem o cabelo permite a classificação das tinhas em infeções endotrix (esporos dispõem-se ao longo da haste capilar) ou infeções ectotrix (esporos veêm-se no exterior da haste capilarcom características clínicas inflamatórias mais evidentes). A lâmpada de Wood, uma fonte artificial de luz ultravioleta, provoca uma fluorescência verde brilhante nos cabelos infetados por certas espécies do género Mycrosporum spp mas não pelo Trichophyton spp, com exceção do Trichophyton schoenleinii (Quadro 1).7

O diagnóstico diferencial da tinha do couro cabeludo inclui: dermatite seborreica/falsa tinha amiantácea, tricotilomania, alopécia traumática, psoríase, impetigo/foliculite, alopécia areata, dermatite atópica e sífilis secundária.8

Descrevemos o caso clínico de uma tinha do couro cabeludo complicada por querion e alopécia cicatricial de grandes dimensões.

 

CASO CLÍNICO

Menino de cinco anos, saudável, sem animais domésticos, com história familiar recente de tinha de pele glabra, recorre à consulta de Dermatologia por peladas do couro cabeludo com nove meses de evolução. Nesse contexto, o doente já tinha sido medicado com clotrimazol 1% creme, vaselina salicilada a 3% e itraconazol 4mg/kg/dia em xarope durante quatro semanas, sem melhoria.

Ao exame objetivo, observavam-se duas placas eritemato-descamativas de 5x2cm e 12x10cm com alopécia, “black dots”, tumores e pústulas ao nível do vértice, bem como adenomegalias cervicais palpáveis (Figura 1). O estudo analítico não demonstrou alterações de relevo. Foi efetuada uma biópsia cutânea para exame histopatológico, que demonstrou um infiltrado linfo-histiocitário em redor dos anexos cutâneos, sugestivo de inflamação crónica. O exame microbiológico de tecidos permitiu o isolamento de Staphylococcus aureus meticilino-sensível e Trichophyton mentagrophytes.

 

 

Consequentemente, o doente iniciou griseofulvina 20mg/ kg/dia durante 12 semanas, deflazacorte em esquema de redução progressiva durante 15 dias, amoxicilina/ ácido clavulânico durante oito dias e cetoconazol 2% champô para aplicação bissemanal. Após um mês de tratamento, observou-se uma regressão dos sinais inflamatórios, mas com persistência da descamação. Foi efetuado um raspado micológico para exame direto e cultura, que demonstrou a persistência do Trichophyton mentagrophytes. Consequentemente foi aumentada a posologia da griseofulvina para 25mg/kg/dia. O doente foi reavaliado após três meses, com resolução dos sinais inflamatórios e consequente alopécia cicatricial de grandes dimensões (Figura 2).

 

 

 

DISCUSSÃO

Uma vez que os antifúngicos tópicos não penetram facilmente a haste capilar, a prescrição de um antifúngico oral é essencial para o tratamento da tinha do couro cabeludo. Devido à eficácia e ao perfil de segurança, a griseofulvina (20-25mg/ kg/dia dividido em duas tomas após as refeições durante seis a oito semanas) permanece o antifúngico de primeira linha no tratamento da tinea capitis em idade pediátrica.6-9 No entanto, a descontinuação da mesma em Portugal tem feito com que antifúngicos mais recentes (itraconazol, fluconazol e terbinafina) ganhem popularidade crescente no tratamento desta condição (Quadro 2). Relativamente ao caso clínico descrito, a griseofulvina foi adquirida em Espanha sob a forma de comprimidos.

O tratamento tópico consiste na aplicação bissemanal de cetoconazol 2% ou sulfureto de selénio 2.5% sob a forma de champô. Em determinados casos, poderá ser útil a prescrição de um queratolítico que promova a remoção do estrato córneo (localização principal da infeção fúngica nas micoses superficiais). O desenvolvimento de uma complicação tipo querion poderá beneficiar com corticoterapia sistémica durante os primeiros 8 a 15 dias de tratamento antifúngico, para reduzir a inflamação e a formação de cicatrizes. Após o tratamento, efetuam-se dois exames micológicos diretos com duas semanas de intervalo, considerando-se a criança curada se ambos forem negativos.10

Uma vez que a tinea capitis é uma doença contagiosa, é indispensável a pesquisa de eventuais fontes de contágio entre familiares e conviventes. Esta atitude é particularmente relevante em meio escolar. Se houver suspeita clínica, o diagnóstico deverá ser confirmado por exame microscópico direto, recolhendo cotos de cabelo e escamas do couro cabeludo para posterior cultura. Após introdução da terapêutica oral, não está recomendado o absentismo escolar.5,11

Por fim, em caso de infeção por dermatófitos antropofílicos, os familiares podem ser portadores assintomáticos, pelo que é sugerida a aplicação bissemanal de um antifúngico em champô durante o tempo de tratamento da criança. Deve ser sempre alertada a necessidade de evitar a partilha de objetos pessoais como pentes, escovas, chapéus, toalhas, roupas ou almofadas, que necessitam de lavagens frequentes para evitar a recontaminação pessoal. As infeções provocadas por espécies zoofilicas implicam a observação veterinária dos animais de estimação.12,13 O caso clínico descrito salienta a importância de um tratamento adequado e atempado para evitar a alopécia cicatricial resultante de uma infeção fúngica arrastada.

 

EM DESTAQUE

O tratamento da tinha do couro cabeludo é simples e eficaz. É essencial uma identificação precoce e um tratamento atempado para prevenir a formação de uma alopécia cicatricial frequentemente perturbadora para o doente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.         Kelly BP. Superficial fungal infections. Pediatr Rev. 2012; 33: 22-37.         [ Links ]

2.         Machado S, Velho G, Selores M, Lopes V, Amorim M, Amorim J, et al. Micoses superficiais na consulta de dermatologia pediátrica do Hospital Geral de Santo António: revisão de 4 anos. Trab Soc Port Dermatol Venereol. 2002; 60: 59-63.         [ Links ]

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Sandrina Carvalho
Serviço de Dermatologia
Centro Hospitalar do Porto
Largo Prof. Abel Salazar,
4099-001 Porto
Email: carvalhosandrine@gmail.com

Recebido a 10.12.2015 | Aceite a 23.02.2016

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