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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.23 no.4 Porto dez. 2014

 

CASOS CLÍNICOS / CASE REPORTS

 

Baixa Estatura e haploinsuficiência do gene SHOX

 

Hort stature and shox gene haploinsufficiency

 

 

Mariana CostaI; Joana MagalhãesI; Sofia FerreiraI; Miguel RochaII; Luís RibeiroI; Maria João OliveiraI; Helena CardosoI; Teresa BorgesI

I U. Endocrinologia Pediátrica, S. Pediatria, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
II Centro de Genética Médica Doutor Jacinto Magalhães, CH Porto, 4099-028 Porto, Portugal.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: A haploinsuficiência do gene SHOX (short stature homeobox gene) é uma das causas genéticas mais frequentes de baixa estatura isolada ou familiar, cuja gravidade clínica pode ser muito variável.

Caso Clinico: Os autores descrevem uma adolescente de 14 anos, com membros curtos e baixa estatura. A radiografia do punho demonstrou deformidade de Madelung. O estudo molecular revelou a deleção do gene SHOX (FISH del (X) (Xp22.3Xp22.3) (SHOX). Um exame físico cuidadoso assume extrema importância na avaliação clínica de baixa estatura. A deformidade de Madelung pode surgir apenas na adolescência. O tratamento com Hormona de Crescimento pode aumentar a estatura final.

Discusão/conclusões: A prevalência de baixa estatura por mutações do gene SHOX parece ser semelhante ao défice de hormona de crescimento e Sindroma de Turner. O objectivo dos autores foi chamar a atenção sobre esta entidade clínica não muito conhecida, que pode ter implicações terapêuticas com um diagnóstico atempado.

Palavras-chave: Baixa Estatura; gene SHOX; Deformidade de Madelung; Mesomelia.


ABSTRACT

Introduction: SHOX gene (short stature homeobox gene) deficiency is one of the most frequent genetic causes of isolated or familial short stature, with highly variable clinical severity.

Case-report: The authors describe a 14 year-old-girl, with short limbs and short stature. The wrist X-ray showed Madelung deformity. The molecular study showed deletion of the SHOX gene (FISH del (X) (Xp22.3Xp22.3) (SHOX). A very careful physical examination, including measurement of body proportions, is of extreme importance in the clinical evaluation of short stature. The Madelung deformity can only appear in the adolescence. Treatment with growth hormone can improve the final height.

Discussion/Conclusions: The prevalence of short stature due to SHOX gene mutations among children with short stature appears to be similar to that of Growth Hormone deficiency or Turner syndrome. The authors’ intention is to draw attention to this clinical entity, since a timely diagnosis can have therapeutic implications.

Key-words: Short Stature; SHOX gene; Madelung deformity; Mesomelia.


 

 

INTRODUÇÃO

O crescimento estatural é regulado por um sistema complexo que resulta da interacção de factores endócrinos, nutricionais, ambientais e genéticos1.

A deficiência do gene SHOX (short stature homeobox gene) é uma causa frequente de baixa estatura, estimando-se uma incidência entre 1:200-1:5000 entre a população geral2. Devido à variabilidade fenotípica e falta de conhecimento sobre esta patologia, a prevalência de baixa estatura relacionada com haploinsuficiência do gene SHOX é desconhecida.

O gene SHOX localiza-se na região telomérica PAR1 no braço curto de ambos os cromossomas sexuais (Xp22.33 and Yp11.32) e escapa a inactivação do cromossoma X, pelo que é expresso em ambos os cromossomas sexuais1,2,3. Tem um papel importante como mediador do crescimento linear4. Existe uma associação entre o número de cópias activas do gene SHOX e a estatura final, de tal forma que a haploinsuficiência está associada a baixa estatura e o seu excesso com alta estatura, como se encontra na poliploidia dos cromossomas sexuais3,5.

As mutações mais frequentes do gene SHOX são deleções de diferentes tamanhos que englobam o próprio gene SHOX ou uma região regulatória localizada 50-250 kb abaixo da região de codificação. Podem também ser encontradas mutações missense e nonsense ao longo do gene, mais frequentemente entre os exões 3 e 41. As mutações do gene estão presentes em quase 100% das meninas com síndrome de Turner e em cerca de 56- 100% dos indivíduos com síndrome de Leri-Weill1,2,3,6.

A deficiência do gene SHOX causa baixa estatura com um fenótipo bastante variável. O fenótipo mais grave, a Displasia Mesomélica de Langer, resulta de mutações em ambos os alelos do gene e caracteriza-se por baixa estatura grave, deformidade dos membros e mesomelia (porção média de um membro encurtada em relação à porção proximal). O síndrome de Leri-Weil e o síndrome de Turner resultam de mutações em apenas um dos alelos do gene SHOX e causam habitualmente baixa estatura desproporcionada e mesomelia5. A haploinsuficiciência do SHOX pode também apresentar-se com fenótipos mais ligeiros semelhantes à baixa estatura idiopática, nomeadamente em crianças pré-puberes1,2,3.

A deformidade do punho (deformidade de Madelung), típica da deficiência do SHOX, foi inicialmente descrita pelo Dr. Otto Madelung em 1878: “punho com aparência de um garfo”. Devido à herança pseudo-autossómica, a observação dos punhos dos pais pode fornecer dados valiosos em casos familiares 1. Outros sinais podem estar presentes, contudo não tão específi como a deformidade de Madelung, como quarto e quinto metacarpo curtos, palato ogival, escoliose, cubitus valgus e micrognatia1,2,7,8,9. As principais alterações radiológicas descritas são a alteração da forma da epífi distal do rádio, que permanece triangular, em vez de formar um trapézio; a piramidalização da linha cárpica e a alteração do rádio distal, que é radiolucente, parecendo menos denso que o restante osso. Esta última alteração radiográfi pode ser muito precoce, tendo em conta que a calcifi desta parte do osso está presente ao nascimento.

O diagnóstico diferencial desta entidade inclui o Síndrome de Turner, o défice de hormona de crescimento e a baixa estatura idiopática. A prevalência de haploinsuficiência do gene SHOX em crianças com o diagnóstico prévio de baixa estatura idiopática é de 1 a 12,5%3,10.

Habitualmente as deleções do gene SHOX que causam a haploinsuficiência são submicroscópicas e não detectáveis por citogenética convencional. Contudo, existem casos descritos de síndrome de genes contíguos causados por delecção no Xp distal no Xp22.3, por translocação desequilibrada X;Y ou por outras anomalias complexas dos cromossomas sexuais10. A detecção de deleções pode ser efectuada através da técnica FISH (Fluorescent in situ Hybridization), que detecta a maioria; pela análise de SNPs (Single Nucleotide Polymorphism), que detecta deleções como alelos nulos, não detectadas por FISH; ou por análise MPLA (multiplex ligation probe-dependent amplification), que permite a quantificação de pequenas deleções. Na ausência de delecção, a sequenciação directa do gene pode detectar as mutações pontuais, que são responsáveis por cerca de um terço dos casos de haploinsuficiência do gene SHOX1,10.

O tratamento com hormona de crescimento foi aprovado para crianças com deficiência do gene SHOX pela FDA (US Food and Drug Administration) e EMEA (European Medicines Agency), sabe-se que melhora o crescimento e pode aumentar a estatura final do adulto, não estando associada a agravamento da deformidade de Madelung1,3,7.

Uma vez que a identificação de uma mutação no gene SHOX pode permitir o tratamento atempado com hormona de crescimento e tratamento ortopédico (excisão do ligamento de Vickers para prevenção ou atraso na progressão da deformidade de Madelung), deve ser oferecido estudo molecular aos familiares em risco no contexto de uma consulta de aconselhamento genético. A maioria dos doentes tem um progenitor afectado, contudo a história familiar pode parecer negativa devido ao não reconhecimento da patologia nos membros da família. A proporção de casos de novo é desconhecida10.

As patologias relacionadas com haploinsuficiência do gene SHOX são herdadas de forma pseudo-autossómica. Uma mutação do gene SHOX pode estar localizada quer no cromossoma X quer no Y de um indivíduo afectado do sexo masculino, ou em qualquer um dos cromossomas X de um indivíduo afectado do sexo feminino. Os descendentes de um indivíduo afetado têm 50% de risco de herdar a mutação. Se ambos os progenitores forem afectados, os filhos têm 50% de risco de apresentar sintomas relacionados com a haploinsuficiencia, 25% de ter displasia mesomelica de Langer e 25% de serem saudáveis. É possível o diagnóstico pré-natal específico nos casos em que foi detectada uma mutação10.

 

CASO CLÍNICO

Adolescente do sexo feminino, referenciada à consulta de Endocrinologia Pediátrica aos 14 anos por baixa estatura. Filha de pais saudáveis e não consanguíneos. Ambos de estatura adequada (estatura alvo de 158,5cm desvio-padrão (DP) -0,59, Percentil (P) 28) e sem encurtamento dos membros. Gestação vigiada, de termo e sem intercorrências. Parto eutócico com somatometria ao nascimento adequada à idade gestacional. Normal desenvolvimento pubertário com menarca aos 11 anos. Dos antecedentes patológicos salienta-se hipotiroidismo diagnosticado aos 10 anos, (medicado com levotiroxina); défice cognitivo (QI global de 63 -WISC III); Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) do tipo inatento e depressão reactiva, seguida em consulta de Pedopsiquiatria e Psicologia, medicada com Ritalina, Somazina e Sertralina.

Ao exame físico apresentava micrognatia, membros curtos, com encurtamento do antebraço, (mesomélia) mais evidente do lado esquerdo, com deformidade “em garfo” do punho esquerdo (Figura 1). Não referia dores ósseas nem limitação funcional dos membros. Os parâmetros antropométricos eram os seguintes: estatura 142 cm (DP – 3,3, P<1), envergadura de 130.3 cm (DP-5,7, P<1). Segmento superior 80,3cm (DP -2,3, P<1), segmento inferior de 61,7cm, (DP-3, P<1 e relação segmento superior / inferior de 1,3 (o valor normal será inferior a 1 para os 14 anos). Estadio de Tanner V.

 

 

Do estudo efectuado salienta-se cariótipo 46, XX. IGF1 368 ng/ml (normal: 134-631 ng/ml). Radiografia do punho para determinação da idade óssea, efectuada aos 12 anos (idade cronológica), mostrou uma idade óssea superior à idade cronológica e epífises encerradas. A radiografia do antebraço esquerdo evidenciou epífise distal do rádio triangular, a linha cárpica em forma de pirâmide e encurvamento do rádio (Figuras 2 e 3).

 

 

 

O estudo genético, por hibridação in situ de fluorescência (FISH) revelou a existência de delecção do gene SHOX (del (X) (Xp22.3Xp22.3)(SHOX)[20]), confirmando o diagnóstico clínico.

 

DISCUSSÃO

As mutações do gene SHOX são uma causa frequente de baixa estatura8,9. A presença ao exame físico de encurtamento mesomélico dos membros, cubitus valgus e/ou deformidade de Madelung é altamente sugestivo de haploinsuficiência do gene SHOX9. Reforça-se assim a importâ ncia de um exame objectivo cuidadoso na abordagem de criança com baixa estatura, nomeadamente com medição dos segmentos corporais.

A deficiência do gene SHOX é frequentemente encontrada em indivíduos com o diagnóstico prévio de baixa estatura idiopática (2 a 15%)1. A penetrância das mutações do gene SHOX é elevada, mas a sua expressão clínica é muito variável. A deformidade de Madelung pode surgir apenas na adolescência. O atraso do crescimento habitualmente surge nos primeiros anos de vida e a altura média atingida é cerca de 2 DP abaixo da média. A análise auxológica das proporções corporais, a presença de sinais clínicos subtis e a procura de alterações radiográficas são pistas importante para o diagnóstico. O estudo molecular do gene SHOX é importante devido à variabilidade clínica e as suas implicações clínicas e terapêuticas, nomeadamente o tratamento com a hormona de crescimento, o que torna imperativo o diagnóstico atempado. Contudo, o diagnóstico é fundamentalmente clínico e radiológico, obtendo-se a sua confirmação por estudo genético. As mutações do gene SHOX são a causa principal, mas o facto de não serem encontradas não exclui o diagnóstico 8,11,12. Com este caso clínico os autores pretendem chamar atenção para uma entidade clínica pouco conhecida, cujo diagnóstico precoce pode ter implicações terapêuticas, o que não foi possível neste caso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Mariana Costa
Estrada de Santa Luzia
4901-858 Viana do Castelo, Portugal

E-mail: marianammcosta@hotmail.com

Recebido a 15.01.2014 | Aceite a 06.03.2014

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