SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número3Dificuldade respiratória neonatal…: um caso para Oftalmologia?Complicação tardia de um parto traumático índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.23 no.3 Porto set. 2014

 

CASOS CLÍNICOS / CASE REPORTS

 

Quisto do timo – um diagnóstico pouco frequente

 

Thymic cyst – an uncommon diagnosis

 

 

Patrícia GonçalvesI; Ana Paula MartinsII; Rosa LeonIII; Miroslava GonçalvesII

IS. Pediatria Médica, Departamento de Pediatria, H Santa Maria, CH Lisboa Norte, Centro Académico de Medicina de Lisboa. 1649-035 Lisboa, Portugal. E-mail: patricia_a_goncalves@hotmail.com
IIS. Cirurgia Pediátrica, Departamento de Pediatria, H Santa Maria, CH Lisboa Norte, Centro Académico de Medicina de Lisboa. 1649-035 Lisboa, Portugal. E-mail: apescada@sapo.pt; miroslavag2@hotmail.com
IIIS. Pediatria, H Santo Espírito de Angra do Heroísmo, 9700-851 Angra do Heroísmo, Portugal. E-mail: rosaleondebeas@yahoo.es

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: Os quistos do timo são lesões pouco frequentes na prática clínica. São diagnosticados principalmente durante a adolescência, contudo podem ser identificados em qualquer grupo etário. Na sua larga maioria são assintomáticos. O diagnóstico definitivo é, na maior parte dos casos, histológico. Os exames complementares nem sempre permitem o diagnóstico diferencial com outras lesões, como o higroma quístico. O tratamento dos quistos do timo é exclusivamente cirúrgico e tem bom prognóstico.

Caso clínico: Os autores descrevem o caso de um adolescente com 12 anos, a quem, em contexto de consulta de rotina no médico assistente, foi identificada uma lesão cervical mediana que aumentava de dimensões com a manobra de Valsalva.

Palavras-chave: Manobra de Valsalva, quisto, timo.


ABSTRACT

Introduction: Thymus cysts are lesions not frequently seen on our daily practice. They are mainly diagnosed during adolescence, but can be identified in any age group. These lesions are usually assymptomatic. The diagnosis is usually made by histological examination because imaging studies not always allow the differential diagnosis with more common lesions such as cystic hygroma. Surgery is the treatment of choice and prognosis is excellent if the lesion is completely removed.

Case report: The authors describe a case of a male sex adolescent with 12 years old presenting with a cervical mass varying in size with Valsalva maneuver.

Key-words: Cyst, thymus gland, Valsalva maneuver.


 

 

INTRODUÇÃO

O timo é um órgão linfóide primário que se localiza na porção ântero-superior da cavidade torácica. Durante o desenvolvimento embrionário, os precursores deste órgão formam-se a partir da terceira bolsa faríngea e migram no sentido céfalo-caudal originando o ducto timo-faríngeo. Pela oitava semana de gestação, os ductos timo-faríngeos fundem-se no mediastino anterior formando o timo(1,2).

A origem dos quistos do timo não está totalmente esclarecida. Admite-se que possam resultar da degenerescência de corpúsculos de Hassal e da involução incompleta do ducto timo-faríngeo (com a presença de timos ectópicos, acessórios, ou quistos do timo desde o ângulo da mandíbula até ao mediastino)(3,4). Estas formações podem localizar-se ao longo do trajeto de migração do ducto timo-faríngeo, mas a sua posição mais frequente é no triângulo anterior do pescoço, do lado esquerdo, próximo do bordo anterior do músculo esternocleidomastoideu(1,5).

Os exames de imagem não permitem o diagnóstico inequívoco destas lesões exceto nos casos em que se observa continuidade entre a lesão e o timo mediastínico, pelo que o diagnóstico pré-operatório é difícil, sendo suspeitado normalmente no período intra-operatório pelo aspeto macroscópico. O diagnóstico definitivo é normalmente efetuado através da análise histológica da peça operatória(5,6).

O tratamento consiste na excisão total do quisto. O prognóstico, após remoção da lesão, é excelente, não se conhecendo relatos de recidivas(1,3,5).

 

CASO CLÍNICO

Adolescente do sexo masculino, com 12 anos de idade, com antecedentes familiares irrelevantes e previamente saudável.

No contexto de consulta de rotina com o pediatra assistente, foi detetada uma tumefação localizada na face anterior direita da base do pescoço, de pequenas dimensões, indolor, não pulsátil, com consistência elástica e imóvel com os movimentos de deglutição. Projetava-se anteriormente com a inspiração profunda, em particular com a realização da manobra de Valsalva e permitia a transiluminação. O restante exame físico não revelava outras alterações.

O adolescente negava qualquer sintomatologia, nomeadamente sintomas constitucionais, do foro respiratório ou gastrointestinal.

Na TAC cervical e torácica foi identificada uma formação quística mediastínica anterior, que se relacionava com as extremidades proximais das clavículas, imediatamente abaixo da glândula tiroideia, projetando-se anteriormente à traqueia, veia braquiocefálica esquerda, artéria carótida comum esquerda, e à artéria e veia braquiocefálicas direitas. Era observável um compromisso ligeiro do calibre da traqueia (Figura 1). Analiticamente não tinha alterações.

 

 

Foi referenciado para a consulta de cirurgia pediátrica do nosso hospital com a hipótese de diagnóstico de higroma quístico. Após avaliação, foi submetido a intervenção cirúrgica com as hipóteses pré-operatórias de higroma quístico ou quisto broncogénico. Foi efectuada a excisão total da lesão através de uma incisão cutânea (1.5cm), supraclavicular direita. Não se registaram incidentes nomeadamente durante a cirurgia nem no pós-operatório.

A estrutura tinha 6 x 8cm de maiores dimensões, era heterogénea, com áreas sólidas e quísticas, macroscopicamente compatível com quisto do timo (Figura 2). O exame histológico da peça confirmou o diagnóstico operatório.

 

 

O adolescente teve alta clinicamente bem, com resolução da sua situação clínica.

 

DISCUSSÃO

A abordagem do doente com uma tumefação cervical deve iniciar-se com a colheita de uma história clínica detalhada, questionando em particular a presença de sintomas constitucionais, respiratórios (incluindo os relacionados com o aparelho fonatório) e gastrintestinais. Deve seguir-se um exame físico minucioso com uma detalhada caracterização da lesão, no que diz respeito à sua localização, dimensões, consistência, frémito, transiluminação e mobilidade com a deglutição e inspiração profunda.

No caso descrito o higroma quístico surge como primeira hipótese de diagnóstico dada a sua elevada frequência. O higroma quístico é uma malformação linfática localizada habitualmente no triângulo posterior do pescoço, caracterizada pela presença de lesões quísticas uni ou multiloculadas, mal circunscritas que não respeitam os planos anatómicos (contrariamente à lesão do doente descrito, localizada no triângulo anterior do pescoço e, aparentemente, sem disrupção dos planos).

Os quistos da fenda branquial, são lesões habitualmente com limites bem definidos e que respeitam os planos anatómicos, mas que não se modificam com a manobra de Valsalva, ao contrário do caso descrito.

Apesar de pouco sugestivo nesta situação, o diagnóstico diferencial de tumefações cervicais não pode deixar de incluir adenopatias (pela sua frequência), alterações estruturais das glândulas tiroideia e paratiroideias, neoformações (pela sua gravidade), alterações vasculares e quisto broncogénico(5).

Os quistos do timo são mais frequentes no sexo masculino (numa relação de 3:1) e habitualmente diagnosticados na adolescência, apesar de poderem ser identificados em qualquer grupo etário(3). Encontram-se pouco mais de 150 casos descritos na literatura mas estudos pos-mortem revelam uma incidência de cerca de 30%. Esta discrepância resulta do facto destas lesões serem assintomáticas em cerca de 90% dos casos(1,3,5). Quando presentes, os sintomas são inespecíficos e incluem disfagia, disfonia, estridor ou dificuldade respiratória por compressão extrínseca das vias respiratórias, principalmente no recém-nascido(1,3,5). No caso descrito, a moldagem do lúmen da traqueia era pequena mas evidente e ocorrendo um aumento do volume do quisto, poderia instalar-se um quadro de dificuldade respiratória potencialmente grave.

Neste caso, pelo facto do quisto não ter continuidade com o timo mediastínico, os exames imagiológicos não permitiram o seu diagnóstico definitivo mas foram essenciais para a caracterização da extensão e relação com as estruturas adjacentes. A ecografia cervical é um bom exame de imagem para uma primeira abordagem nestas situações mas o exame de escolha é a ressonância magnética. Na indisponibilidade desta última, a TAC com contraste permite uma caracterização satisfatória(5-7).

A citologia aspirativa não tem utilidade para o diagnóstico dos quistos do timo pelo facto de não permitir observar a histologia do tecido com os característicos corpúsculos de Hassal(3,5).

O tratamento dos quistos do timo é cirúrgico, mas antes de se efetuar a excisão da lesão, é essencial confirmar a existência de timo mediastínico, sob pena de provocar um estado de imunodepressão se o quisto excisado for o único tecido tímico presente no organismo (em particular no recém-nascido). Perante um quisto contínuo com o timo mediastínico, apenas a lesão deve ser excisada(3).

O prognóstico desta situação é excelente se a lesão for removida na sua totalidade, não existindo descrições de recidivas ou degeneração maligna. Não existem relatos de follow-up a longo prazo de lesões quísticas do timo não excisadas(5).

Este caso ilustra a forma habitual de apresentação dos quistos do timo, que apesar de pouco frequentes, não devem ser esquecidos aquando da abordagem de um doente com uma tumefação cervical.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.      Sanei MH, Berjis N, Mesbah H. Cervical thymic cyst, a case report and review of the literature. J Res Med Sci 2006; 11:339-42.         [ Links ]

2.      Nirajan J, Santosh KV, Prabhakar G. Multiloculated cervical thymic cyst. J Indian Assoc Pediatr Surg 2011; 16:24-5.         [ Links ]

3.      De Caluwé D, Ahmed M, Puri P. Cervical thymic cyst. Pediatr Surg Int 2002; 18:477-9.         [ Links ]

4.      Shukla VK, Jha A, Shankar BG. Cervical thymic cyst. MJAFI 2004; 60:204-5.         [ Links ]

5.      Cigliano B, Baltogiannis N, De Marco M, Faviou E, Antoniou D, De Luca U, et al. Cervical thymic cysts. Pediatr Surg 2007; 23:1219-25.         [ Links ]

6.      Wybenga J, Boch M, Beek F, Braunius W. Case report: an unusual cause of a neck mass in a child. J Radiol 2002. Disponível em: www.jradiology.com        [ Links ]

7.      Prasad TR, Chui CH, Ong CL, Meenakshi A. Cervical ectopic thymus in a child. Singapore Med J 2006; 47:68-70.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Patrícia A. Gonçalves
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Hospital Santa Maria, Departamento de Pediatria
Avenida Egas Moniz
1640-035 Lisboa, Portugal
E-mail: patricia_a_goncalves@hotmail.com

Recebido a 21.08.2013 | Aceite a 01.04.2014

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons