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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.23 no.2 Porto jun. 2014

 

CASOS CLÍNICOS / CASE REPORTS

 

Torção de hematossalpinge numa adolescente

 

Hematosalpinx torsion in an adolescent

 

 

Inês VazI; Vânia FerreiraI; Eugénia FernandesI; Alexandre MorgadoI

IS. Ginecologia e Obstetrícia, CH Porto. 4099-001 Porto, Portugal. E-mail: invesvaz@hotmail.com; alexmor@mail.telepac.pt; vania_ferreira@hotmail.com; eugeniacf@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: A torção da trompa de Falópio é uma causa rara de dor abdominal aguda. A gravidez ectópica, hidro ou hematossalpinge, endometriose, tumefações anexiais e outras causas de patologia anexial são fatores predisponentes. O diagnóstico é difícil de estabelecer, uma vez que os sinais clínicos, laboratoriais e imagiológicos são pouco específicos. O diagnóstico definitivo requer uma abordagem cirúrgica.

Caso clínico: Os autores apresentam um caso de hematossalpinge e torção da mesma numa adolescente virgem sem fatores de risco conhecidos.

Discussão: O caso evidencia a importância da reflexão sobre causas de hematossalpinge e recorda esta patologia como diagnóstico diferencial.

Palavras-chave: Adolescente, hematossalpinge, torção, trompa de Falópio.


ABSTRACT

Introduction: Isolated fallopian tube torsion is an uncommon cause of acute lower abdominal pain. Ectopic pregnancy, hydro or hematosalpinx, endometriosis, adnexal masses and other causes of adnexal disease are predisposing factors. The diagnosis is difficult and often delayed due to the lack of pathognomonic symptoms, characteristic physical signs, and specific imaging and laboratory studies. Definitive diagnosis requires a surgical approach.

Case report: The authors present a case of hematosalpinx and its tubal torsion in a virgin teenager with no prior predisposing factors.

Discussion: This rare case may highlight a new insight into pathophysiology of tubal torsion and recalls hematosalpinx as a differential diagnosis.

Key-words: Adolescent, fallopian tube, hematosalpinx, torsion.


 

 

INTRODUÇÃO

A torção isolada da trompa de Falópio é uma causa rara de dor abdominal aguda. Estima-se que a sua incidência seja de 1 em cada 1,5 milhões de mulheres(1). Dada a sua raridade, a incidência na infância e adolescência não é conhecida(2).

A etiologia da torção tubária não está completamente esclarecida. Ocorre geralmente associada a patologia tubária: quistos, tumefações, carcinoma da trompa, hidrossalpinge, hematossalpinge ou endometriose.

O exame clínico é fundamental, contudo inespecífi A realização de ecografi com Doppler a cores permite um estudo cada vez mais acurado das massas anexiais. No entanto, o diagnóstico pré-operatório de torção tubária é difícil e realizado em menos de 20% dos casos(1). O diagnóstico definitivo é intra-operatório.

 

CASO CLÍNICO

Os autores apresentam o caso de uma adolescente de 12 anos que recorreu ao serviço de urgência por dor intermitente no quadrante inferior esquerdo do abdómen, com dois dias de evolução, associada a náuseas. Não referia sintomas sugestivos de patologia urinária ou gastrointestinal. A menarca ocorreu aos 11 anos, com ciclos regulares, sem antecedentes médico-cirúrgicos relevantes.

Ao exame objetivo, apresentava sinais vitais normais, defesa à palpação e descompressão dolorosa do quadrante inferior esquerdo do abdómen. O exame ginecológico bimanual foi evitado, dada a integridade himenial. Ao toque rectal, palpava-se uma massa móvel, de consistência elástica, dolorosa, na região anexial esquerda.

Não se verificaram alterações analíticas.

A ecografia pélvica revelou uma massa cística com aproximadamente 5 cm de maior eixo, com conteúdo hiperecogénico (padrão reticular), sugestivo de quisto hemorrágico. Não apresentava outras alterações ecográficas relevantes.

Dada a dificuldade diagnóstica, tentou-se a abordagem laparoscópica, que não foi possível por indisponibilidade de material. A exploração por minilaparotomia permitiu-nos observar uma tumefação do segmento distal da trompa esquerda, de cor vinosa, com aproximadamente 5 cm de maior dimensão, sugestiva de hematossalpinge, torcida quatro vezes sobre o seu próprio eixo (Figura 1). O útero e o anexo direito não apresentavam alterações macroscópicas. Não havia evidência de endometriose pélvica. Dado o aspeto necrosado da trompa, realizou-se salpingectomia esquerda, com preservação ovárica.

 

 

A peça operatória foi enviada para exame anátomo-patológico, que revelou áreas de hemorragia e necrose, sem sinais de malignidade.

A recuperação no pós-operatório foi favorável e teve alta melhorada dois dias após a intervenção cirúrgica.

 

DISCUSSÃO

Na pós-menarca, entre os diagnósticos diferenciais de dor anexial esquerda deverão ser considerados: gravidez ectópica, rotura de corpo lúteo ou quisto ovárico, abcesso tubo-ovárico ou torção de estruturas anexiais.

No caso apresentado/descrito, a evolução aguda do quadro clínico, com agravamento súbito da dor de localização unilateral, associada a imagem ecográfica de tumefação anexial, acompanhada de náuseas e vómitos, sugeriu a hipótese diagnóstica de torção anexial.

A torção da trompa é uma entidade rara, que ocorre usualmente em idade reprodutiva, e cujo diagnóstico pré-operatório é difícil. Pode estar associada a diversas causas intrínsecas ou extrínsecas. Entre as causas intrínsecas destacam-se: anomalias congénitas da trompa, hidrossalpinge, hematossalpinge, neoplasia da trompa e cirurgia pélvica prévia, nomeadamente a laqueação tubária. Entre as causas extrínsecas a considerar incluem-se/citam-se as tumefações ováricas e para-tubárias, gravidez extra-uterina, traumatismo, endometriose, aderências e congestão pélvica(1).

Krstic(3), em 1951, descreveu o primeiro caso de torção anexial associada a hidrossalpinge numa adolescente de 13 anos. A hidrossalpinge na infância e adolescência está mais frequentemente relacionada com doença inflamatória pélvica, no entanto, em muitos dos casos descritos não se conhecem fatores predisponentes(4).

A hematossalpinge está mais comummente associada a situações de gravidez extra-uterina, endometriose, obstrução vaginal (com fluxo menstrual retrógrado), outras anomalias müllerianas ou carcinoma da trompa(5,6). A sua incidência na adolescência é muito rara.

Os achados ecográficos variam de acordo com o tipo de patologia anexial associada, o grau de gravidade e a duração da torção.

Imagiologicamente pode observar-se uma tumefação quística, alongada, com septos incompletos, com conteúdo de hipoecogénico (sugestivo de hidrossalpinge), hiperecogénico (sugestivo de hematossalpinge) ou com conteúdo de ecogenicidade variável. O Doppler a cores pode ser útil no diagnóstico diferencial, mas a presença de um fluxo normal não exclui o diagnóstico de torção, dada a dupla vascularização do ovário e da trompa(1,7).

O diagnóstico definitivo e tratamento são possíveis através da abordagem cirúrgica.

Em todos os casos sintomáticos, se houver suspeita de torção anexial, é mandatória uma abordagem cirúrgica, preferencialmente por via laparoscópica(4).

Na presença de sinais de necrose ou compromisso vascular da trompa, deve ser realizada salpingectomia. Os ovários devem ser preservados sempre que possível, mesmo perante sinais de necrose(1,7).

Como conclusão, sugerimos que no diagnóstico diferencial de dor abdominal aguda numa adolescente seja considerada a torção isolada da trompa, apesar da sua raridade. Segundo a nossa pesquisa/consulta bibliográfica, este é o primeiro caso descrito de torção de hematossalpinge numa adolescente sem fatores predisponentes conhecidos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.      Lineberry T, Rodriguez H. Isolated torsion of the fallopian tube in an adolescent: a case report. J Pediatr Adolesc Gynecol 2000; 13:135-8.         [ Links ]

2.      Casey RK, Damle LF, Gomez-Lobo V. Isolated fallopian tube torsion in pediatric and adolescent females: a retrospective review of 15 cases at a single institution. Pediatr Adolesc Gynecol 2013; 26:189-92.         [ Links ]

3.      Krstic K: Acute abdomen of genital origin in a young girl; case of torsion of a hydrosalpinx in a 13 year old girl. Srp Arh Celok Lek 1951; 49:26.         [ Links ]

4.      Pinkert M, Klein Z, Tepper R, Beyth Y. Hydrosalpinx with adnexal torsion in an adolescent virgin patient – a diagnostic dilemma: case report and review of the literature. J Pediatr Adolesc Gynecol 2006; 19:297-9.         [ Links ]

5.      Lim SY, Park, JC, Bae JG, Kim JI, Rhee JH. Isolated torsion of bilateral fallopian tubes combined with tubal endometriosis: a case report. Korean J Obstet Gynecol 2012; 55:55-8.         [ Links ]

6.      Bakos O, Berglund L. Imperforate hymen and ruptured hematosalpinx: a case report with a review of the literature. Journal of Adolescent Health 1999; 24:226-8.         [ Links ]

7.      Boukaidi SA, Delotte J, Steyaert H, Valla JS, Sattonet C, Bouaziz J, Bongain A. Thirteen cases of isolated tubal torsions associated with hydrosalpinx in children and adolescents, proposal for conservative management: retrospective review and literature survey. J Pediatr Surg 2011; 46:1425-31.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Inês Vaz
Rua Companhia dos Caolinos, 188 – 1º direito traseiras
4460-205 Senhora da Hora, Portugal
E-mail: inesvaz@hotmail.com

Recebido a 28.06.2013 | Aceite a 23.01.2014

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