SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 issue1Newborn infant in the Emergency Department: case series of 2011 in a Hospital CenterRecurrent angioedema: a case report author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Nascer e Crescer

Print version ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.23 no.1 Porto Mar. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

 

Parotidite recorrente idiopática na criança

 

Recurrent idiopathic parotitis in childhood

 

 

Inês Nunes VicenteI; Mónica OlivaI

IPediatria Ambulatória, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-602 Coimbra, Portugal. E-mail: inesnunesvicente@gmail.com; monicaoliva@net.sapo.pt

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: Na infância, a parotidite recorrente idiopática (PRI) é uma causa frequente de inflamação recorrente e autolimitada da glândula parótida.

Objetivo: O presente trabalho tem como objetivo fazer uma revisão bibliográfica atual sobre a etiologia, apresentação clínica, diagnóstico e tratamento da PRI.

Desenvolvimento: A PRI caracteriza-se por episódios repetidos de tumefação e dor parotídea habitualmente acompanhados de febre e mal-estar. A sua etiologia é multifatorial e, até hoje, pouco esclarecida. O diagnóstico é essencialmente clínico. Apesar do caráter benigno e autolimitado, a parotidite recorrente poderá ser uma manifestação de doenças subjacentes, em especial quando os episódios se iniciam a partir dos seis anos de idade e o atingimento é bilateral. O recurso a exames complementares deve ser ponderado caso a caso. A ecografia é o exame de eleição e evidencia dilatações não obstrutivas dos canais glandulares. O tratamento é sobretudo sintomático. O prognóstico é favorável com tendência para a remissão a partir da puberdade.

Conclusão: A PRI é uma entidade benigna e autolimitada. Contudo, face a episódios frequentes, deve ser pesquisada doença subjacente, especialmente quando o início dos episódios é posterior aos seis anos e o atingimento bilateral.

Palavras-chave: Criança, parótida, parotidite recorrente.


ABSTRACT

Introduction: Recurrent idiopathic parotitis (RIP) is a frequent etiology of repeated inflammatory episodes of the parotid gland, in childhood.

Objectives: To review current literature on the etiology, clinical presentation, diagnosis and treatment of RIP.

Development: RIP is characterized by repeated episodes of swelling and pain in the parotid gland, usually accompanied by fever and malaise. Aetiology is multifactorial and, to date, unclear. Diagnosis is essentially clinical. Despite its benign character, recurrent parotitis can be a signal of other diseases, particularly in case of delayed onset of symptoms (from six-year-old) and bilateral involvement. The use of complementary tests should be individualized. Ultrasound is the diagnostic tool of choice and shows non-obstructive dilatation of glandular ducts (sialectasis). Treatment is mainly symptomatic. Prognosis is good with tendency to remission at puberty.

Conclusions: RIP is a benign and self-limited condition. However, recurrent parotitis episodes should prompt investigation for underlying diseases, particularly in cases of late onset of symptoms (after age six years) and bilateral involvement.

Key-words: child, parotid gland, recurrent parotitis.


 

 

INTRODUÇÃO

A parotidite recorrente idiopática (PRI) consiste na inflamação recorrente e autolimitada da glândula parótida, geralmente associada ao aparecimento de dilatações (sialectasias) não obstrutivas dos canais glandulares(1,2). Atinge preferencialmente crianças dos três aos seis anos de idade e é mais frequente no sexo masculino(3,5).

Em Portugal, após a introdução da vacinação contra o Paramixovírus no Programa Nacional de Vacinação em 1987, a parotidite epidémica é praticamente inexistente, excetuando-se surtos pontuais. Assim, apesar de se tratar de uma condição rara(3,4), a PRI passou a ser a causa mais frequente de tumefação parotídea(2,6) (Quadro I).

 

 

 

CLÍNICA

A clínica da PRI consiste em episódios súbitos e autolimitados de tumefação e dor parotídea, que se podem acompanhar por sintomatologia sistémica ligeira como febre e mal-estar(5,7-9). Habitualmente, o atingimento é unilateral, podendo, no entanto, ser bilateral, com um dos lados mais proeminentemente afetado(2,4,8). À palpação, a parótida apresenta-se duro-elástica e de limites bem definidos. O edema condiciona frequentemente apagamento do ângulo da mandíbula e elevação do lóbulo da orelha(4). Pode ocorrer descarga purulenta a partir do canal de Stensen(3,4,9).

Os episódios têm uma duração média de dois a 14 dias(4,9). A recorrência habitual ronda os três a quatro episódios por ano(3,4,8), mas pode ser muito variável com descrições na literatura até 18 episódios por ano(4,9).

 

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é essencialmente clínico(7,9). No primeiro episódio, é importante confirmar a vacinação prévia contra a parotidite epidémica. A repetição dos episódios, autolimitados, sugere o diagnóstico. O diagnóstico diferencial faz-se com outras causas de tumefação parotídea, cujas principais características clínicas se apresentam no Quadro II.

 

 

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma revisão bibliográfica atual sobre a etiologia, apresentação clínica, diagnóstico e tratamento da PRI.

 

ETIOLOGIA E HISTOLOGIA

A etiologia da PRI é multifatorial e, até hoje, pouco esclarecida(5-9). No entanto, as hipóteses que reúnem maior consenso defendem a diminuição do fluxo salivar devido à combinação de malformações canaliculares e infeções ascendentes a partir da cavidade oral(8,9). A inflamação glandular resultante conduz à formação de sialectasias, metaplasia ductal, aumento da secreção mucosa e, consequentemente, diminuição do fluxo salivar, predispondo à inflamação recorrente(8). Desta forma, as sialectasias parecem ser causa e resultado da inflamação recorrente da glândula(5,8). Num estudo por sialoendoscopia verificou-se existir pobreza vascular primária a nível canalicular, a qual poderá interferir com o funcionamento do esfíncter papilar e favorecer a obstrução e inflamação glandular(2).

Histologicamente, podem encontrar-se sialectasias dos ductos periféricos e infiltração linfocitária periductal(2).

 

EXAMES COMPLEMENTARES

A ecografia é o exame complementar de eleição, tanto para corroborar o diagnóstico como para seguimento(5,8). Na fase aguda, pode ser útil para excluir complicações (obstrução por cálculos, abcesso), malformações e/ou no diagnóstico diferencial com outras patologias (celulite da face, adenopatia pré-auricular ou cervical, neoplasia)(10,11). Na PRI, a ecografia revela, tipicamente, um parênquima heterogéneo com múltiplas pequenas áreas nodulares hipoecogénicas, que correspondem a áreas de inflamação glandular e sialectasia(2,8). A identificação de lesões sólidas obriga ao seu esclarecimento por tomografia axial computorizada ou ressonância magnética nuclear (RMN)(5,7,12).

A sialografia, pouco cómoda porque exige a injeção de um produto de contraste no canal parotídeo, é hoje considerada um exame de segunda linha. É sobretudo utilizada quando a ecografia revela a presença de cálculos, a fim de excluir obstrução(4). A imagem típica consiste na presença de sialectasias que correspondem a dilatações acinares e/ou canaliculares e que surgem como imagens saculares preenchidas por produto de contraste(4,5,7). A sialografia pode, contudo, assumir uma função terapêutica verificando-se por vezes diminuição das recorrências ou mesmo resolução da doença após a sua execução(4,7,8).

Mais recentemente, a sialoendoscopia e a ressonância magnética nuclear, apesar de pouco disponíveis, têm-se destacado em alguns trabalhos(2,6,12). A sialoendoscopia assume-se como uma nova modalidade de diagnóstico e tratamento. Sob visualização direta, permite dilatar e irrigar as estruturas canaliculares com solução salina e injetar medicamentos(2,6). A RMN oferece um estudo mais detalhado tanto do parênquima como do sistema canalicular e é capaz de diferenciar processos de inflamação aguda e crónica(12). É um meio de diagnóstico não invasivo e que utiliza radiação não ionizante, contudo acarreta custos elevados e requer sedação nas crianças mais pequenas(6,12).

A realização de exames analíticos deve ser criteriosa e individualizada. Deverá ser ponderada, fora da fase aguda, quando as crises se iniciam a partir dos seis anos, em especial se bilaterais(13-15), quando existe clínica sugestiva de doença crónica subjacente (síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso sistémico, infeção por vírus da Imunodeficiência Adquirida-VIH) ou perante episódios muito frequentes e graves(4). O estudo analítico poderá incluir hemograma, velocidade de sedimentação, doseamento de imunoglobulinas, estudo de autoimunidade (ANA e ENA) e serologia para VIH(4,7,8).

 

TRATAMENTO

Dada a incerteza etiológica, não existe nenhum método preventivo ou tratamento específico, pelo que o tratamento da PRI assenta em medidas conservadoras(2,4,5,7). Preconiza-se o recurso a fármacos anti-inflamatórios e analgésicos, a aplicação de calor e massagem local e o reforço da hidratação(2,5,14). A utilização de agentes que aumentem o fluxo salivar (ex: pastilhas elásticas) também poderá ter alguma utilidade(2,5,7).

A utilização de antibióticos também é contemplada, sobretudo quando as medidas acima referidas não são suficientes ou quando o atingimento sistémico é significativo. Na prática, o seu uso parece associar-se a episódios mais curtos e menos graves(4), no entanto questiona-se o seu real efeito no curso natural da doença(3,5). Tendo em conta os agentes bacterianos mais provavelmente envolvidos (S. pneumoniae, H. influenza e Streptococcus viridans(16)), a associação amoxicilina + ácido clavulânico será a mais adequada.

A terapêutica cirúrgica, raramente utilizada, está reservada para as situações mais graves e que persistem na vida adulta(3,5). As crianças com episódios muito frequentes deverão ser encaminhadas para uma consulta de referência(4).

 

PROGNÓSTICO

O prognóstico é favorável, sendo habitual a remissão a partir da puberdade, podendo no entanto persistir até à vida adulta em 10-20% dos casos(3,5). Desconhece-se a razão desta evolução, existindo autores que defendem a hipótese da atrofia glandular, e outros a teoria regenerativa(2,8,17).

 

CONCLUSÕES

A PRI é uma entidade benigna e autolimitada cujo diagnóstico é essencialmente clínico. Contudo, a parotidite recorrente poderá ser uma manifestação de doenças subjacentes, em especial quando os episódios se iniciam a partir dos seis anos de idade e o atingimento é bilateral.

 

AGRADECIMENTOS

Dr. Manuel Salgado, responsável pela consulta de Reumatologia do Serviço de Pediatria Ambulatória do Hospital Pediátrico
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.      Geterud A, Lindvall AM, Nylen O. Follow-up study of recurrent parotitis in children. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988; 97:341-6.         [ Links ]

2.      Nahlieli O, Shacham R, Shlesinger M, Eliav E. Juvenil recurrent parotitis: a new method of diagnosis and treatment. Pediatrics 2004; 114:9-12.         [ Links ]

3.      Cohen HA, Gross S, Nussinovitch M, Frydman M, Varsano I. Recurrent parotitis. Arch Dis Child 1992; 67:1036-7.         [ Links ]

4.      Henriques R, Salgado M, Moura L. Parotidite recorrente. Casuística da consulta externa de Medicina. Saúde infantil 2000; 22:17-24.         [ Links ]

5.      Chitre VV, Premchandra DJ. Recurrent parotitis. Arch Dis Child 1997; 77:359-63.         [ Links ]

6.      Capaccio P, Sigismund PE, Luca N, Marchisio P, Pignataro L. Modern management of juvenile recurrent parotitis. J Laryngol Otol 2012; 126:1254-60.         [ Links ]

7.      Gordillo EO. Parotiditis aguda e recurrente. Pediatr Integral 2006; X:141-6.         [ Links ]

8.      Gonçalves S, Oliveira T, Dias CP, Marques L. Parotidite recorrente na criança. Nascer e Crescer 2000; 9:14-7.         [ Links ]

9.      Ceballos LT, Camacho GR, Angelín BP, Moreno JAR, Badaracco M. Parotiditis recurrente. An Pediatr 2004; 60:85-6.         [ Links ]

10.   Bricks LF, Rollo JPGA, Sugimoto SC. Parotidite recorrente da infância. Rev Paul Pediatria 2007; 25:190-2.         [ Links ]

11.   Oliveira MJ, Guedes M, Costa FM, Almeida R. Parotidite neonatal a Streptococcus do grupo B. Nascer e Crescer 2007; 16:233-34.         [ Links ]

12.   Gadodia A, Seith A, Sharma R, Thakar A. MRI and MR sialography of juvenile recurrent parotitis. Pediatr Radiol 2010; 40:1405-10.         [ Links ]

13.   Baszis K, Toib D, Cooper M, French A, White A. Recurrent parotiditis as a presentation of primary pediatric Sjögren syndrome. Pediatrics 2012; 129:e179-82.         [ Links ]

14.   Hara T, Nagata M, Mizuno Y, Ura Y, Matsuo M, Ueda K. Recurrent parotid swelling in children: clinical features useful for differential diagnosis of Sjögren’s syndrome. Acta Paediatric 1992; 81:547-9.         [ Links ]

15.   Oliveira WD, Assis LAP, Becker HMG, Guimarães RES, Oliveira JB, Neto ALR. Síndrome de Sjogren primária em crianças: relato de caso. Revista Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço 2005; 34:49-52.         [ Links ]

16.   Landaeta MM, Giglio MM, MS, Ulloa MTF, Martínez MJG, Pinto MEC. Aspectos clínicos, etiologia microbiana y manejo terapêutico de la parotiditis crónica recurrente infantil (PCRI). Rev Chil Pediatr 2003; 74:269-76.         [ Links ]

17.   Galili D, Yitzhak M. Spontaneus regeneration of parotid salivar gland following juvenile recurrent parotitis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1985; 60:605-7.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Inês Nunes Vicente
Rua António Jardim Lote 4, nº246 2ºF
3000-036 Coimbra, Portugal
E-mail: inesnunesvicente@gmail.com

Recebido a 14.10.2013 | Aceite a 30.01.2014

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License