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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.22 no.4 Porto dez. 2013

 

CASO CLÍNICO / CASE REPORT

 

Infeção tardia por streptococcus agalactiae – um caso de artrite séptica neonatal

 

Late-onset streptoccus agalactiae disease – a neonatal septic arthritis case report

 

 

Ângela SantosI; Beatriz SousaII; Ana Paula GamaI

IS. Ginecologia e Obstetrícia, ULS Alto Minho, 4901-858 Viana do Castelo, Portugal. angelacmsantos@gmail.com; gama.ap@gmail.com

IIU. Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos, S. Pediatria, ULS Alto Minho, 4901-858 Viana do Castelo, Portugal. beatriz.sousa@ulsam.min-saude.pt

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO

Introdução: A incidência da infeção neonatal precoce por Estreptococo do grupo B (EGB) tem diminuído substancialmente devido ao rastreio da colonização por EGB nas grávidas entre as 35 e as 37 semanas de gestação e a instituição da quimioprofilaxia intraparto. No entanto, a incidência da infeção tardia tem-se mantido constante na última década, não sendo afetada pela quimioprofilaxia materna intraparto. A infeção tardia afeta lactentes sem intercorrências obstétricas e com uma evolução neonatal precoce favorável. Outras vias de transmissão além da via vertical, tais como a via horizontal através dos contatos hospitalares ou familiares, poderão justificar a infeção tardia.

Caso clínico: Este caso clínico relata uma infeção tardia por EGB que se manifestou como uma artrite séptica num lactente caucasiano de termo, com via de transmissão desconhecida. A morbilidade associada é descrita.

Discussão: Investigações adicionais sobre o mecanismo de transmissão da infeção tardia por EGB são imperativas para o desenvolvimento de medidas preventivas adequadas.

Palavras-chave: Artrite séptica, gravidez, infeção tardia por Estreptococo grupo B, recém-nascido, rastreio pré-natal de Estreptococo grupo B.

 

ABSTRACT

Introduction: The incidence of early-onset group B streptococcus (GBS) disease has decreased substantially due to universal antenatal culture screening of pregnant women for GBS colonization at 35-37 weeks of gestation and the widespread use of intrapartum antibiotic prophylaxis. However, the incidence of late-onset GBS disease has remained constant in the past decade and it is unaffected by maternal intrapartum chemoprophylaxis. Late-onset GBS infection affects infants who had an unremarkable maternal obstetric and early neonatal history. Other sources rather than vertical route, like horizontal transmission from hospital or community, albeit less frequently proved, can justifies late onset GBS disease.

Case report: This case report illustrates a late-onset GBS disease, presenting as neonatal septic arthritis on a Caucasian term infant, with unknown route of transmission and highlights the morbidity associated.

Discussion: Additional research pertaining to the transmission of late-onset GBS infections is required to develop effective preventive methods.

Key-words: Group B streptococcus screening, late-onset group B streptococcus disease, newborn, pregnancy, septic arthritis.

 

 

INTRODUÇÃO

A infeção neonatal pelo estreptococo do grupo B de Lancefield (EGB) é classificada como precoce quando surge na primeira semana de vida, sendo que a maior parte dos casos ocorre nas primeiras 48-72 horas. É adquirida de forma ascendente a partir do trato genital materno. A infeção tardia ocorre após a primeira semana e até aos oitenta e nove dias de vida (1). A sua transmissão é vertical no momento do parto ou horizontal, através de infeção nosocomial ou adquirida na comunidade (1,4).

As atuais medidas de rastreio universal da colonização materna por EGB às 35-37 semanas de gestação e a administração de antibioterapia profilática intraparto diminuíram de forma acentuada a incidência da infeção neonatal precoce. No entanto, estas medidas não registaram qualquer impacto sobre a taxa de infeção neonatal tardia (1,2,4).

No presente artigo, os autores descrevem o caso clínico de um recém-nascido admitido por sépsis tardia por EGB, com artrite associada. É discutida a via de transmissão do EGB, bem como a respetiva morbilidade neonatal.

 

CASO CLÍNICO

Recém-nascida com 12 dias de vida, levada ao Serviço de Urgência por mobilidade reduzida do membro inferior esquerdo e irritabilidade a manipulação, sem febre.

Filha de caucasiana de 32 anos, antecedentes pessoais irrelevantes, gesta três para dois, dois partos eutócicos anteriores, admitida no Serviço de Urgência de Obstetrícia por rotura prematura de membranas às 39 semanas e seis dias de gestação. A gravidez decorreu sem intercorrências, com as rotinas analíticas maternas do 3º trimestre sem alterações (AgHbs negativo, VDRL negativo, VIH negativo, Rubéola imune, Toxoplasmose não imune). O rastreio da colonização por EGB, realizado às 36 semanas, foi negativo. O parto foi eutócico, após 24 horas de rotura de bolsa amniótica. O recém-nascido, de sexo feminino, apresentou um índice de Apgar 9 / 10 ao 1º e 5º minuto, respetivamente, e biometria adequada a idade gestacional. O período neonatal precoce decorreu normalmente.

Ao exame objetivo, a recém-nascida apresentava choro vigoroso, limitação à extensão do membro inferior esquerdo e ligeira assimetria de volume a nível dos joelhos, sem sinais inflamatórios locais.

A hipótese diagnóstica colocada foi de sépsis neonatal tardia com provável artrite do joelho associada.

O estudo analítico revelou um leucograma com 17.600/mm3 células, das quais 45% de neutrófilos, uma proteína C reativa (PCR) de 7.29 mg/dl e uma citologia do líquido cefalorraquidiano normal. A radiografia do membro inferior esquerdo não evidenciou fratura. Na ecografia do joelho esquerdo detetou-se um mínimo derrame articular no recesso supra-patelar.

Iniciou antibioterapia com ampicilina, gentamicina e vancomicina.

Ao 3º dia de internamento, perante aumento do valor da PCR para 15 mg/dl e persistência da assimetria de volume a nível dos joelhos, foi realizada punção articular com drenagem de líquido purulento. A recém-nascida foi de imediato submetida a artrotomia do joelho esquerdo para drenagem e limpeza articular. Teve alta hospitalar aos 32 dias de vida, após completar 21 dias de antibioterapia dirigida com penicilina, clinicamente bem e sem limitação da mobilidade articular. Foi referenciada à Consulta de Pediatria e Ortopedia.

O exame bacteriológico do líquido articular e as hemoculturas foram positivos para Streptococcus agalactiae sensível a penicilina.

 

DISCUSSÃO

O Streptococcus agalactiae é um coco encapsulado gram positivo do grupo B de Lancefield que coloniza o trato gastrointestinal e genital em 15 a 40% das grávidas(3). A colonização materna, geralmente assintomática, é o principal fator de risco para uma infeção bacteriana neonatal (sepsis, pneumonia, meningite)(1,2,4). Menos frequentemente apresenta-se através de infeções focais, das quais mielite, artrite séptica ou celulite são exemplo(1,4).

A infeção tardia por EGB tem uma incidência de 0.3-0.4 por 1000 nados vivos e tem-se mantido constante nos últimos 10 anos. O risco de infeção é superior na prematuridade e no recém-nascido de raça negra. Não se constatam diferenças estatisticamente significativas na prevalência por sexo(1,2,4,5). A bacteriémia sem foco é a manifestação clínica mais frequente, seguida pela meningite (65% e 25% dos casos, respetivamente).

A artrite séptica manifesta-se em 2 a 3% dos casos, sendo a idade média no momento do diagnóstico os vinte dias de vida(1). Envolve com maior frequência os membros inferiores, originando uma diminuição dos movimentos e dor a manipulação da extremidade afetada(1). Embora exista bacteriémia associada em mais de 50% dos casos, a febre geralmente encontra-se ausente. O diagnóstico precoce cursa com um prognóstico favorável, reduzindo a probabilidade de sequelas articulares(1,7).

A mortalidade é de 1-2% nos lactentes de termo(1,8).

A via de transmissão da infeção no presente caso, tal como em vários casos documentados, é desconhecida. Poderá ter sido vertical, através da colonização materna com um resultado falso negativo no rastreio antenatal, por infeção nosocomial no berçário ou adquirida na comunidade, através de contatos familiares, embora a evidência direta sugira que este meio de transmissão oro-fecal seja muito infrequente(1,8,9,10).

O EGB deve ser sempre considerado como um possível agente de infeção neonatal tardia, mesmo nos casos em que o rastreio pré-natal foi negativo, uma vez que o rastreio da colonização materna por EGB apresenta uma taxa de falsos negativos de 4%(2,10).

Tendo em conta que as atuais medidas de rastreio universal da colonização materna por EGB e a profilaxia antibiótica intraparto não registaram qualquer impacto sobre a incidência de infeção tardia, a realização de investigações adicionais para o desenvolvimento de métodos preventivos eficazes da transmissão da infeção neonatal tardia é imperativa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Edwards MS, Nizet V, Baker C. Group B streptococcal infections. In: Remington JS, Klein JO, CB (eds), et al. Infectious Diseases of the Fetus and Newborne Infant. 7th Ed. Elsevier Saunders; 2011:419-58.         [ Links ]

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3. Campbell JR, Hillier SL, Krohn MA, Ferrieri P, Zaleznik DF, Baker CJ. Group B streptococcal colonization and serotype-specific immunity in pregnant women at delivery. Obstet Gynecol 2000; 96:498-503.         [ Links ]

4. Schrag SJ, Zywicki S, Farley MM, Reingold AL, Harrison LH, Lefkowitz LB, et al. Group B streptococcal disease in the era of intrapartum antibiotic prophylaxis. N Engl J Med 2000; 342:15-20.         [ Links ]

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Ângela Santos

Avenida Santo André, n. 241

Edifício Mira-Rio, Apartamento 1001

4755-281, Barcelinhos - Barcelos

Portugal

e-mail: angelacmsantos@gmail.com

Recebido a 20.12.2012 | Aceite a 22.11.2013

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