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Nascer e Crescer

Print version ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.22 no.4 Porto Dec. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Internamentos por Linfadenite Cervical num Serviço de Pediatria Geral

 

Admissions for cervical lymphadenitis in a General Paediatrics Unit

 

 

David LitoI; Diana PignatelliII; Ana Sofia SimõesI; Alexandra CarvalhoI; Florbela CunhaI

IS. Pediatria, H Vila Franca de Xira, 2600-009 Vila Franca de Xira, Portugal. dmlito@gmail.com; simoes.anasofia@gmail.com; alexandranetocarvalho@gmail.com; flor.cunha@gmail.com

IIS. Pediatria, CH Barreiro-Montijo, H Nossa Senhora do Rosário, 2830-094 Barreiro, Portugal. dipignatelli@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO

Introdução: A Linfadenite Cervical (LAC) é uma entidade comum na idade pediátrica. As formas agudas bilaterais são as mais frequentes, de etiologia viral e autolimitadas. As agudas unilaterais são habitualmente bacterianas, provocadas pelo Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus. Nas subagudas/crónicas a Bartonella, as Mycobacteria e o Toxoplasma devem ser etiologias consideradas.

Objetivos: Caracterização de população de crianças internadas numa enfermagem de Pediatria Geral por LAC.

Material e métodos: Estudo comparativo retrospetivo de uma amostra de conveniência que inclui as crianças internadas, entre Março de 1999 e Fevereiro de 2010.

Resultados e Discussão: Identificaram-se 61 crianças, 88,5% do sexo feminino. A LAC aguda correspondeu a 88,5% dos casos, das quais 57,4% foram unilaterais. A forma subaguda/crónica ocorreu em 11,5%. A idade nas formas agudas foi significativamente inferior à das subagudas/crónicas (p=0,034). A etiologia bacteriana equivaleu a 96,7% sendo as restantes, uma mononucleose infeciosa e uma toxoplasmose ganglionar. O S. aureus e S. pyogenes corresponderam a 66,6% dos agentes bacterianos isolados. Identificaram-se três casos de LAC por Mycobacterium tuberculosis, dois por Bartonella henselae e dois por Ricketsia conorii.

As infeções prévias da cabeça e pescoço estiveram presentes em 27 (44,3%). Documentaram-se infeções virais predisponentes em cinco casos. As localizações cervical e submandibular foram as mais frequentes, 47,5% e 44,3%, respetivamente. Evidenciou-se febre em 85,2% das crianças, sintomas regionais (torcicolo e trismos) em 45% e flutuação em 29%. Houve necessidade de drenagem cirúrgica em 24,6% dos doentes, em seis (9,8%) realizou-se citologia aspirativa e em 45 exames de imagem. A leucocitose (>15000/μL) e a proteína C reativa positiva (>3,0 mg/dL) verificaram-se em 83,6% e 65,5% dos casos, respetivamente. O S. pyogenes e o S. aureus cursaram com mais sinais inflamatórios e maior necessidade de drenagem cirúrgica (p=0,01). Os antibióticos foram utilizados em todos os doentes sendo o mais frequente a amoxicilina/ácido clavulânico (57,3%). A flucloxacilina administrou-se em 19,7% dos casos. A evolução foi favorável em todos os casos.

Conclusão: O diagnóstico etiológico da LAC não é fácil na maioria dos casos. Embora a grande maioria das crianças com LAC não seja internada, existem alguns casos que, pela necessidade de investigação complementar ou de tratamento o sejam. Portugal é um país de média incidência de Tuberculose pelo que esta doença deve ser considerada, com especial atenção para a emergência de M. tuberculosis multirresistentes.

Palavras-chave: Abcesso, adenite, criança, linfadenite cervical, tuberculose.

 

ABSTRACT

Introduction: Cervical lymphadenitis (CL) is a common condition in children. Acute bilateral CL is the most frequent presentation, usually self-limited and caused by virus. Acute unilateral CL is commonly bacterial, most frequently caused by Streptococcus pyogenes and Staphylococcus aureus. Bartonella, Mycobacteria and Toxoplasma must be considered when the CL is subacute/chronic.

Objective: Characterization of children with CL hospitalized in a paediatric unit.

Population and methods: Retrospective comparative study of a convenience sample that includes inpatient children, between March 1999 and February 2010.

Results and Discussion: Sixty-one patients were identified, 88,5% female. All CL were infectious. Acute CL was observed in 88,5% of cases (57,4% unilateral and 31,1% bilateral). Subacute/chronic CL occurred in 11,5%. The average age in acute cases was significantly lower than in subacute /chronic ones (p=0,034). Bacterial CL occurred in 96,7% and the remaining cases included infectious mononucleosis (n=1) and ganglionar toxoplasmosis (n=1). S. aureus and S. pyogenes were isolated in 66,6% of the patients. In addition, Mycobacterium tuberculosis was identified in three cases, Bartonella henselae in two and Ricketsia conorii in two.

Previous head and neck infections were found in 27 patients (44,3%) with CL. Preceding viral infections were found in five cases. Cervical and submandibular nodes were the most frequent involved, 47,5% and 44,3% respectívely. Fever was present in 85,2% and regional complaints (torticollis and trismus) in 45%. In 29%, the nodes developed fluctuation and 24,6% needed surgical drainage. Six (9,8%) patients underwent fine-needle aspiration and 45 had image studies performed. Leukocyte count > 15000/μL and positive C Reactive Protein (>3 mg/dL) were present in 83,6% and 65,5% respectívely. S. pyogenes and S. aureus infections were associated more frequently with skin inflammatory signs and need for surgical drainage (p=0,01). Antibiotics were used in all patients, most commonly amoxicillin-clavulanate (57,3%) and flucloxacillin (19,7%). The outcome was favourable in all patients.

Conclusion: Aetiology identification for CL can be challenging. Although the majority of children with CL can be managed in an outpatient setting, there are cases that require in-hospital diagnostic investigation or intensive care. Since Portugal presents a medium incidence of tuberculosis, clinicians should maintain a high-level of suspicion for the emergence of multiresistant M. tuberculosis.

Key-words: Abscess, adenitis, children, lymphadenitis, tuberculosis.

 

 

INTRODUÇÃO

A linfadenite cervical (LAC) é uma entidade comum na idade pediátrica.(1-3) Na maioria dos casos corresponde a uma situação aguda de etiologia viral e de carácter benigno, que não requer tratamento.(4)

Cerca de 40% dos lactentes e 55% das crianças com mais de um ano têm gânglios linfáticos palpáveis em alguma localização, maioritariamente no triângulo cervical anterior.(5)

A LAC pode confundir-se com outras tumefações, nomeadamente malformações congénitas e vasculares, alterações da tiroide e glândulas salivares, lesões traumáticas e outras infeções de tecidos moles não linfáticos. As causas neoplásicas são menos frequentes. Num grupo de crianças internadas para avaliação de uma tumefação cervical persistente a etiologia oncológica foi diagnosticada em cerca de 15%.(1)

Nos últimos anos, a LAC tem sido classificada segundo a lateralidade e o tempo de evolução permitindo uma aproximação etiológica e a atribuição de um significado prognóstico. Assim, pode subdividir-se em: aguda bilateral, aguda unilateral e subaguda/crónica.(1,2,4,5) As causas infeciosas de LAC encontram-se resumidas no Quadro I. A idade pode ser também um bom elemento preditivo da etiologia. O Streptococcus do Grupo B (SGB) é a causa mais frequente nos recém-nascidos, o Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes abaixo dos cinco anos e as Micobactérias, Toxoplasma gondii e bactérias anaeróbias nas crianças mais velhas.(1,2)

 

 

Em algumas situações o diagnóstico pode ser feito apenas pela clínica e evolução. Os dados da história e do exame físico orientam na seleção dos exames complementares.(3,5)

A punção aspirativa e a biópsia excisional só raramente são necessárias.(3) As LAC com sintomas constitucionais, que sejam indolores, aderentes, de crescimento rápido ou de localização supraclavicular, sugerem malignidade e implicam a realização de uma biópsia.(1)

A ecografia e a tomografia computorizada (TC) são úteis na confirmação do diagnóstico, para definir as dimensões e nos casos em que se suspeita de abcesso mas não existe flutuação.(3)

O tratamento da LAC depende da causa subjacente. Uma grande parte das crianças evolui favoravelmente sem terapêutica, justificando-se apenas a reavaliação periódica.(1,3,5-7) Isto é particularmente válido nas pequenas adenopatias (<3 cm), sem sinais inflamatórios marcados.(1,3,6) Contudo se a observação inicial sugere causa bacteriana (unilateral, >2-3 cm, eritema cutâneo, dolorosa) a terapêutica antibiótica empírica deve ser prescrita.(1,4) Esta deve incluir 10 dias de antibióticos ativos para S. aureus e S. pyogenes. A amoxicilina/ácido clavulânico (AAC), a flucloxacilina ou a clindamicina são as opções terapêuticas iniciais.(1,3,5,7,8) Na LAC devida a estes agentes, uma rápida progressão da doença ou a não resposta à terapêutica pode resultar em celulite, septicemia ou sinais/sintomas relacionados com a ação da toxina estafilocócica.(1)

Nalguns casos, é necessária a hospitalização para terapêutica parentérica.(3)

Este trabalho tem o objetivo de caracterizar a população de crianças que foi internada numa enfermaria de pediatria geral por LAC.

 

POPULAÇÃO E MÉTODOS

Estudo comparativo retrospetivo de uma amostra de conveniência, baseada na consulta dos processos clínicos de todas as crianças internadas no Serviço de Pediatria devido a LAC. O período analisado foi de Março de 1999 a Fevereiro de 2010 (11 anos).

O diagnóstico foi estabelecido com base na observação clínica e/ou imagiológica. Consideraram-se como agudos os casos com menos de 15 dias de evolução e subagudos/crónicos os restantes. A amostra foi dividida em três grupos: LAC aguda unilateral, aguda bilateral e subaguda/crónica.

Sempre que disponível, considerou-se a dimensão dos gânglios avaliada ecograficamente ou por TC. Nos restantes utilizou-se a medição existente no processo clínico.

Analisaram-se os dados sociodemográficos, resultados dos exames complementares de diagnóstico e terapêuticas efetuadas.

Os agentes identificados foram isolados em exame cultural do pús (drenagem espontânea ou por punção/biópsia), do exsudado faríngeo, em hemocultura (BacTAlert® - BioMerrieux) ou por serologia compatível com infeção aguda (toxoplasmose, Rickettsia, Bartonella henselae, virus). Quando realizada, a prova tuberculínica (Intradermoreacção de Mantoux) foi considerada reativa se induração acima de 15 mm, lidos às 72 horas. Nalgumas situações foi efetuado exame anátomo-patológico de material recolhido por punção aspirativa.

Nos casos em que não foi possível determinar o agente etiológico, assumiu-se como LAC bacteriana os que verificaram pelo menos duas das seguintes condições: 1. mais de dois sinais inflamatórios (dor, rubor, edema, flutuação); 2. parâmetros analíticos compatíveis com infeção bacteriana (leucocitose >15000/μL e PCR > 3,0 mg/dL); 3. achados imagiológicos compatíveis com abcesso; 4. infeção bacteriana ORL precedente, presumível ou comprovada.

A análise estatística dos dados foi realizada com recurso ao programa Statistical Program for Social Sciences 16.0 for Windows®, SPSS Inc., Chicago, IL, EUA. As comparações entre as variáveis categóricas foram realizadas através do método do Qui-quadrado e do teste exato de Fisher quando apropriado. O padrão de distribuição das variáveis contínuas foi estudado pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Naquelas de distribuição normal foi utilizado o teste de t de Student e nas que não cumpriram esse pré-requisito o teste U de Mann-Whitney. Definiu-se um nível de significância de 95% (p<0,05).

 

RESULTADOS

Estiveram internadas 61 crianças com LAC (média 5/ano), nos 11 anos avaliados. Corresponderam a 0,6% dos internamentos, tendo ocorrido 70,5% na Primavera/Verão. As características clínicas, etiológicas e terapêuticas estão resumidas na Tabela 1.

 

 

A maior parte manifestou-se como LAC aguda (n=54; 88,5%), unilateral (n=35; 57,4%), ou bilateral (n=19; 31,1%). As LAC subagudas/crónicas foram menos frequentes (n=7; 11,5%). Nas formas agudas, a mediana do tempo de evolução antes do internamento não variou nos dois grupos (uni e bilateral): quatro dias. Houve um ligeiro predomínio do sexo feminino (n=33, 54,1%) e verificou-se que a idade das crianças com LAC aguda foi significativamente inferior à daquelas com LAC crónica (p=0,034).

Cinquenta e nove (96,7%) corresponderam a provável etiologia bacteriana. Das restantes, uma surgiu em contexto de mononucleose infeciosa e outra num quadro de toxoplasmose ganglionar. Em cerca de 2/3 dos casos (n=37; 60,7%) não foi possível identificar o agente etiológico. Nesta série, 14 das 21 bactérias isoladas (66,6 %) foram S. aureus e S. pyogenes. O S. pyogenes predominou na LAC bilateral aguda comparada com unilateral (100% vs 37,5%) não sendo esta diferença significativa. Dos oito casos de amigdalite com LAC, em seis identificou-se o S. pyogenes. O tempo médio de evolução antes do internamento não foi significativamente diferente entre S. aureus e S. pyogenes. (8,3 dias vs 5,3 dias, p=0,15). As LAC causadas pelo S. aureus e S. pyogenes, tiveram mais sinais inflamatórios (2,62 vs 1,61, p=0,01), mais flutuação (57,1% vs 19,1%, p=0,005) e necessitaram de drenagem cirúrgica mais frequentemente (57,1% vs 14,9%, p=0,001). Não houve diferença significativa no tamanho das adenomegálias.

Identificaram-se três casos de Mycobacterium tuberculosis, dois de doença da arranhadela do gato (B. henselae) e dois de febre escaro-nodular (Ricketsia conorii). Em cinco crianças foi possível identificar uma infeção viral predisponente (2 Virus Epstein-Barr (EBV), 2 Citomegalovirus (CMV) e 1 Adenovírus) (Tabela 1).

Foi possível relacionar as LAC com 27 infeções prévias da cabeça e do pescoço. As mais importantes foram as infeções ORL (n=20 – otite média aguda, rinofaringite, amigdalite) seguidas das lesões cutâneas (n=4) e das infeções da cavidade oral e dentes (n=3). Nos dois casos particulares da LAC relacionados com a febre escaro-nodular foi possível identificar a “tache noir”. Dos sete doentes com LAC subaguda/crónica, em três identificaram-se lesões impetiginadas predisponentes.

A febre foi um achado quase constante nas LAC agudas estando presente em 51 das 54 crianças. Em três das sete LAC subagudas/crónicas não se objetivou febre. Verificou-se a existência de sintomas locais, tais como cervicalgia, torcicolo e trismus em 27 casos (44,4%). As cadeias ganglionares cervicais e submandibulares foram as mais atingidas, 46,7% e 45%, respetivamente.

A evolução para abcesso com flutuação verificou-se em 17 casos (27,8%) dos quais três corresponderam a LAC crónica (B. henselae, S. aureus e M. tuberculosis).

A prova tuberculínica foi reativa em três dos 29 (10,3%) doentes em que foi realizada e correspondeu aos casos de LAC por M. tuberculosis.

Efetuaram-se exames de imagem em 45 doentes: ecografia em 40 casos e TC do pescoço em 10.

Laboratorialmente, a leucocitose esteve presente em 40. Verificámos que a média do número total dos leucócitos não foi significativamente diferente entre as LAC agudas e as subagudas/crónicas (19446/μL vs 16028/μL; p=0,25) e que não esteve relacionado com a evolução para a supuração (19178/μL vs 19006/μL; p=0,94). A PCR foi positiva em 51 casos. O valor da PCR nas LAC agudas não foi significativamente diferente das subagudas/crónicas (p=0,57).

Sete doentes fizeram punção aspirativa. Não se realizou biopsia excisional em nenhum.

Metade das crianças foram submetidos a antibioticoterapia simples com boa resposta clínica. Nas restantes foi instituída associação de dois antibióticos ou houve necessidade de alterar a terapêutica inicial devido ao resultado do exame microbiológico ou pelo agravamento clínico. O antibiótico mais utilizado foi a AAC (n=35) tendo sido também o mais prescrito como monoterapia (n=20). A flucloxacilina e a gentamicina (em associação) foram utilizados em 12 e 13 casos, respetivamente. A terapêutica com clindamicina foi feita em oito doentes em  associação. Três crianças foram medicadas com tuberculostáticos. Em 15 (25%) houve necessidade de drenagem cirúrgica.

O tempo médio de internamento foi de 7,43 dias para as formas agudas e 10,71 dias para subagudas/crónicas mas essa diferença não foi significativa, p=0,12.

A grande maioria dos casos evoluiu favoravelmente com regressão da adenopatia. Foram transferidas três crianças para drenagem cirúrgica ou punção aspirativa que não se efetuava no hospital.

 

DISCUSSÃO

Na série estudada, a LAC não foi uma causa frequente de internamento. Houve um predomínio discreto do sexo feminino e nos meses quentes do ano. A idade nas LAC agudas foi significativamente inferior às subagudas/respiratórias, tal como descrito na literatura.(1,5)

Existem numerosas causas para as LAC mas são poucos os estudos sistemáticos sobre esta entidade.(1,2)

Na prática clínica, não é obrigatório identificar a etiologia em todos os casos pela sua evolução maioritariamente autolimitada.(3,5) A determinação dos agentes etiológicos tem sido baseada na análise das amostras colhidas através de punção com agulha, biópsia cirúrgica ou serologias. Dependendo de vários fatores, principalmente da terapêutica antibiótica prévia, é possível encontrar a causa em 41-75%.(1) Na maioria das crianças que estiveram internadas, justificou-se a investigação etiológica dado apresentarem uma situação clínica que, pela sua gravidade/evolução poderiam necessitar de um tratamento dirigido. Encontrámos um agente infecioso específico em 38,3% dos casos e a etiologia bacteriana foi a mais frequente.

A divisão das LAC em três categorias clínicas parece-nos útil, principalmente no contexto de ambulatório. Essa classificação poderá orientar a terapêutica e o encaminhamento. Contudo, no internamento, esta divisão torna-se menos relevante e encontramos agentes que, apesar de frequentemente descritos nas agudas, corresponderam a LAC subaguda/crónica, e vice-versa.

Segundo vários autores, dentro das formas agudas a bilateral é a mais comum. São geralmente situações de evolução benigna que regridem com terapêutica sintomática, raramente com indicação de internamento. Correspondem habitualmente a adenites reativas e estão em relação com uma infeção respiratória superior de etiologia viral.(1,2,5) A LAC aguda unilateral é menos frequente e pode denominar-se por adenite aguda piogénica pois os principais agentes são bactérias. Numa grande parte estão também relacionadas com uma infeção respiratória alta prévia.(1,5) Neste estudo, a LAC unilateral foi a mais frequente, quase sempre de origem bacteriana. As agudas bilaterais foram também maioritariamente de etiologia bacteriana. De facto, são as situações bacterianas aquelas que tem mais risco de complicações, necessidade de antibioticoterapia endovenosa e/ou de drenagem cirúrgica e por isso de internamento. Verificámos que, nos casos unilaterais, a maioria (60%) ocorreu em crianças de 1-4 anos de idade e que em cerca de um terço houve uma infeção respiratória alta prévia, tal como habitualmente descrito.(5) Documentaram-se infeções virais predisponentes por EBV, CMV e Adenovírus (Tabela 1)

O diagnóstico diferencial de LAC subaguda/crónica é extenso. Nas crianças corresponde maioritariamente a situações infeciosas.(5) Os agentes mais comuns são as Micobactérias (M. tuberculosis ou outras Micobactérias Não Tuberculosas), a B. henselae e o T. gondii.(1) É uma forma comum de apresentação da infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH).(5) Nesta série encontrámos três casos de adenite tuberculosa, um a B. henselae e dois de provável etiologia bacteriana sem agente isolado.Numa das situações, a evolução da adenomegália foi lenta e só tardiamente supurou, após mais de 15 dias de evolução, tendo-se isolado o S. aureus.

Em 40-80% das LAC agudas unilaterais a etiologia corresponde a S. aureus e S. pyogenes.(1,2,4) Pode haver história recente de sintomas respiratórios altos ou de infeção cutânea.(1) Na amostra estudada estes dois agentes bacterianos foram os mais encontrados, relacionados principalmente com formas agudas unilaterais. Verificou-se um predomínio do S. pyogenes para as formas bilaterais e/ou com amigdalite concomitante, tal como noutras séries.(1) As características clínicas são sobreponíveis pelo que não são úteis para a distinção entre os dois agentes. Até 25 a 30% a flutuação surge espontaneamente.(1,2,5) Contudo, o S. aureus tende a ter uma evolução mais prolongada antes do diagnóstico e uma maior probabilidade de supurar. Em algumas circunstâncias a periadenite é tão intensa que pode provocar um torcicolo e pode haver celulite associada.(1,5) Das LAC provocadas por S. aureus e S. pyogenes, não encontrámos diferenças significativas no tempo de evolução antes do internamento. Os gânglios submandibulares foram afetados em cerca de 36%, um pouco menos do que o descrito na literatura.(2,5) Apresentaram mais sinais inflamatórios, evoluíram para a flutuação mais frequentemente.

Apesar de termos tido algumas infeções odontogénicas, não identificámos bactérias anaeróbias. Nestes casos o aspeto das adenites pode ser indistinguível das piogénicas.(1,2) Atendendo a que os antibióticos mais utilizados têm atividade sobre anaeróbios e que pode ser difícil o seu isolamento laboratorial, admitimos que estas LAC se encontrem subdiagnosticadas. São mais frequentes em crianças acima dos cinco anos, com cáries e com formas unilaterais.(1,2)

A LAC a Streptococcus agalactiae ou SGB ocorre em recém nascidos ou lactentes entre os sete e os 89 dias de idade no contexto de infeção tardia (celulite-adenite). Há um predomínio do sexo masculino. Os principais sinais e sintomas acompanhantes são a febre, irritabilidade e recusa alimentar. A bacteriémia é frequente.(1,2,5) O único caso na nossa série ocorreu num lactente de sexo feminino, com 56 dias de vida e com manifestações de LAC aguda unilateral, tal como descrito na literatura.(1,2,5) Não se identificaram fatores predisponentes perinatais. A criança apresentava febre alta, adenite cervical com sinais inflamatórios cutâneos e torcicolo. O SGB foi isolado em hemocultura.

Encontrámos dois doentes com LAC aguda unilateral por R. conorii. Foi possível identificar “picada da carraça”. Ambos desenvolveram um quadro de febre e exantema maculo-pápulo-nodular sugestivo de febre escaro-nodular. A resposta à antibioterapia com doxiciclina foi excelente. Portugal é um país onde não é rara a infeção por R. conorii, sobretudo na Primavera e no Verão. A doença geralmente inicia-se pela febre e pela adenopatia inflamatória, sem o exantema característico o qual vai surgir alguns dias depois, como aconteceu nos doentes descritos.(9)

Tal como na R. conorii, a LAC relacionada com a doença da arranhadela do gato ocorre após a inoculação do agente através da pele ou de uma mucosa.(1,2) A região cervical corresponde ao segundo local mais frequente da adenite (em 28%). Nalguns casos pode evidenciar-se uma pápula no local de inoculação.(6) Esta lesão aparece cerca de três a 10 dias após o arranhão e confunde-se com uma picada de um inseto.(7) A infeção por B. henselae é descrita principalmente nas LAC subagudas/crónicas, como sucedeu em um dos doentes que evoluiu para flutuação com necessidade de punção. Só num havia história recente de arranhadela por gato. A confirmação do diagnóstico foi feita mediante serologia. A doença da arranhadela do gato é geralmente autolimitada nos imunocompetentes. A terapêutica consiste em medidas sintomáticas e o prognóstico é bom com regressão completa, como aconteceu nos nossos doentes. A maioria dos estudos sobre a terapêutica antibiótica mostrou pouca ou nenhuma melhoria. Os antibióticos com maior atividade contra a B. henselae são os macrólidos, rifampicina e doxiciclina.(1,5)

Só 10% dos doentes com toxoplasmose adquirida são sintomáticos. A adenopatia e a astenia sem febre são manifestações comuns.(1,5) Os gânglios linfáticos mais frequentemente envolvidos correspondem às cadeias cervicais, axilar e inguinal. Geralmente são pequenos, por vezes dolorosos, não supuram e podem persistir por vários meses.(5) A doença é, regra geral, benigna e autolimitada.(10) O único caso de LAC a T. gondii ocorreu numa criança saudável de 11 anos, que se apresentou de forma aguda unilateral com uma semana de evolução. Além da tumefação submaxilar direita única, com 2 cm de diâmetro e sem sinais inflamatórios, não surgiram outras manifestações. Os estudos analíticos não revelaram alterações. Fez punção com agulha que mostrou linfadenite granulomatosa sem necrose central. A serologia para a toxoplasmose foi compatível com infeção aguda vindo a confirmar o diagnóstico. A situação clínica evoluiu favoravelmente, durante cerca de dois meses sem supuração e sem necessidade de terapêutica, tal como descrito na literatura.(5) O hospedeiro do T. gondii e o gato e os oocistos são eliminados pelas fezes. O homem pode ser infetado pela ingestão de carne mal cozinhada ou de outros produtos contaminados.(10)

Atualmente Portugal é considerado um país com média incidência de tuberculose.(11) A LAC é a forma mais comum de apresentação da tuberculose extra-pulmonar (5-10% na infância), dado o alto tropismo do M. tuberculosis para os nódulos linfáticos, principalmente em crianças pequenas.(12) Os sintomas constitucionais estão ausentes em 50% dos doentes. A radiografia do tórax revela alterações em 40-60%, contudo nem todos os doentes têm tuberculose pulmonar ativa. Pode isolar-se o bacilo em 20% dos doentes. A punção com agulha mostra células epitelióides e multinucleadas identificando-se os bacilos ácido-álcool resistentes por exame direto (coloração de Ziehl-Neelson ou fluorescência) e cultural (em meio de Lowenstein). Na biopsia são visíveis granulomas com necrose central, consistentes com o diagnóstico. A prova tuberculínica continua a ser o método mais útil para detetar a infeção tuberculosa e uma ajuda valiosa para o diagnóstico.(12) Deve ser efetuada nas LAC de evolução subaguda/crónica ou sempre que exista historia compatível. Os três casos a M. tuberculosis ocorreram de forma subaguda/crónica. Embora seja mais frequente em adolescentes, dois doentes tinham quatro anos. Havia história de contacto com familiares doentes em duas crianças. A prova tuberculínica foi reativa nos três casos. Todas tiveram uma evolução indolente com febre baixa e com poucas manifestações sistémicas. Não havia alterações na radiografia do tórax e não se encontraram bacilos no suco gástrico. As adenites eram volumosas, dolorosas e aderentes aos planos profundos e evoluíram para flutuação. A velocidade de sedimentação estava elevada e a serologia para VIH foi negativa nos três doentes. Foram medicadas com tuberculostáticos durante seis meses. Uma criança fez etambutol por se ter isolado um bacilo resistente à isoniazida num familiar direto.

Nalguns países, até 95% dos casos de LAC por micobactérias correspondem a micobactérias não-tuberculose. A distribuição das várias espécies destes organismos não é uniforme e parece estar dependente das condições geográficas e ambientais. Atingem habitualmente crianças entre um e cinco anos e evoluem de forma indolente tornando-se a pele violácea. Estas adenopatias têm tendência para fistulizar e manter uma drenagem crónica. O tratamento é a exérese cirúrgica do gânglio. O diagnóstico é difícil e obriga a um alto grau de suspeição com punção aspirativa e culturas em meios selecionados.(12) Na série estudada não identificámos nenhum caso.

A única LAC atribuível exclusivamente ao EBV ocorreu numa criança de um ano que se complicou de paralisia facial periférica. Tratou-se de uma LAC aguda bilateral com adenopatias grandes, dolorosas, sem leucocitose nem neutrofilia e PCR negativa. A ecografia não foi compatível com abcesso. Os exames microbiológicos foram negativos. A pesquisa por Polymerase Chain Reaction no sangue foi positiva para EBV. A biópsia confirmou tratar-se de uma hiperplasia reativa. A evolução foi favorável, sem sequelas.

O diagnóstico etiológico da LAC não é fácil na maioria dos casos. A progressão diagnóstica foi realizada de acordo com a historia clínica, a evolução e a resposta a terapêutica. Ainda assim, foi possível encontrar uma grande diversidade de etiologias, tal como descrito na literatura.(1,2)

Uma grande parte dos doentes internados com LAC foi submetida a exames de imagem, nomeadamente ecografia e TC. Estes exames constituem um valioso meio para confirmar o diagnóstico, avaliar a extensão do atingimento ganglionar e excluir complicações, tais como a invasão dos tecidos profundos ou a formação de abcessos, estando indicados nos casos de evolução mais grave ou duvidosa.(5)

Num estudo sobre os fatores preditivos de drenagem cirúrgica, foram avaliadas 284 crianças com LAC.(6) Esta foi necessária em 21% dos casos em que se confirmou a existência de abcessos. Constituíram fatores preditivos para drenagem cirúrgica a idade inferior a 1 ano e alterações no gânglio com mais de 48 horas de evolução antes da admissão. A dimensão da adenopatia e o valor da leucocitose não estiveram significativamente associados a necessidade de drenagem.(6) Na nossa série, 15 (25%) das LAC foram drenadas. Apenas 31,6% ocorreram em crianças com menos de um ano e 1/3 tinha mais de 48 h de evolução, sendo que nem a idade nem o tempo de evolução constituíram um fator preditivo para a drenagem cirúrgica.

As alterações laboratoriais como o número de leucócitos e o valor da PCR foram um dos critérios que utilizamos para identificar as LAC bacterianas. A maioria das crianças apresentou leucocitose e PCR elevada. Estes exames são usados sistematicamente e poderão ter importância, juntamente com os outros dados clínicos, na decisão terapêutica. Contudo, não encontrámos diferença significativa nos valores de PCR entre os grupos de LAC aguda e subaguda/crónica. A contagem de leucócitos também não esteve relacionada com a evolução para a supuração.

Na maior parte dos doentes, os antibióticos utilizados como primeira linha incluíram propriedades anti-S. aureus e anti-S. pyogenes. No entanto, em 49,1% foi necessária associação ou alteração terapêutica. Nas LAC de evolução mais complexa e principalmente quando se suspeitou de etiologia anaerobia ou S. aureus produtores de toxina, utilizou-se concomitantemente com outros antibióticos a clindamicina. Não se registaram complicações infeciosas.

 

CONCLUSÃO

Com esta revisão os autores pretendem salientar que, embora a grande maioria das crianças com LAC não necessite de internamento nem de cuidados especiais, existem alguns casos que têm necessidade de hospitalização e investigação complementar. A etiologia das LAC nos doentes internados é maioritariamente bacteriana sendo a sua evolução sobretudo aguda. No entanto, outras causas podem estar subjacentes e devem ser equacionadas. Portugal é um país onde a Tuberculose deve ser considerada, com especial atenção para a emergência de M. tuberculosis multirresistentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

David Lito

Hospital de Vila Franca de Xira

Serviço de Pediatria

Estrada Nacional N.1, Povos

2600-009 Vila Franca de Xira, Portugal

e-mail: dmlito@gmail.com

Recebido a 26.03.2013 | Aceite a 15.12.2013

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