SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 número3Grande queimado numa Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos: experiência de 20 anosAbordagem da má evolução ponderal índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.22 no.3 Porto set. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Celulite Periorbitária e Orbitária: casuística de 11 anos

 

Orbital and periorbital cellulitis: an 11 – year case series

 

 

Georgina MonteiroI; Andreia DiasI; Elsa TeixeiraI; Joana PereiraI; Elisabete SantosI; Gabriela LaranjoI; Cristina FariaI

IS. Pediatria, CH Tondela-Viseu, 3504-509 Viseu, Portugal. ginabmb@hotmail.com; andreiadias_83@hotmail.com; ecct23@portugalmail.pt; jramospereira@gmail.com; elisabete.viseu1@gmail.com; cristinafaria01@hotmail.com

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: As celulites da região orbitária são uma patologia relativamente comum, em idade pediátrica, com um potencial de gravidade estimável.

Objetivos: A presente casuística tem como objetivo a revisão da epidemiologia, etiologia e abordagem terapêutica dos casos de celulite da região orbitária internados no Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV), no período de 11 anos.

Material e Métodos: Estudo retrospetivo dos processos clínicos de crianças internadas entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2010.

Resultados: Das 93 crianças internadas, 94% foram celulites periorbitárias (CPO) e 6% celulites orbitárias (CO). A média de idades foi de seis anos e o sexo masculino predominante (61%). O traumatismo foi a causa conhecida mais comum (12 %). O cefuroxime foi o antibiótico de primeira linha em 84% dos casos que, na sua maioria, evoluíram favoravelmente. Verificaram-se complicações em cinco dos seis doentes com CO (83%). Não se verificaram óbitos. A maioria foi orientada para o médico de família.

Conclusões: Destaca-se a importância do reconhecimento de uma CPO vs CO pela necessidade de diferentes abordagens clínicas e maior incidência de complicações nas últimas.

Palavras-chave: Celulite orbitária, doenças da órbita, criança, adolescente.

 

ABSTRACT

Introduction: Cellulitis of the orbital region are a common pediatric illness, which can be potentially severe.

Objectives: The present study reviews the epidemiology, etiology and therapeutic approach of cases of cellulitis of the orbital region admitted at the Pediatric Department of Hospital Center Tondela-Viseu (CHTV), in 11 years.

Material and Methods: Retrospective analysis of the clinical records of children admitted between January 2000 and December 2010.

Results: Of the 93 children admitted, 94% had periorbital cellulitis (POC) and 6% orbital cellulitis (OC). The average age was six years and they were predominantly male (61%). Trauma was the most common known cause (12%). Cefuroxime was the first line antibiotic in 84% of cases, and the majority had a good outcome. There were complications in five of the six patients with OC (83%). There were no deaths. The majority were referred to their family doctor.

Conclusions: We highlight the importance of the distinction between POC vs OC, as they require different clinical approaches. OC is associated with a higher incidence of complications.

Keywords: Orbital cellulitis, orbital diseases, child, adolescent.

 

 

INTRODUÇÃO

As celulites da região orbitária consistem na infeção dos tecidos moles que envolvem esta estrutura. Subdividem-se em pré-septal ou CPO quando a infeção se localiza nos tecidos moles anteriores ao septo orbitário, e em pós-septal ou CO quando ocorre posteriormente ao mesmo, que constitui a parte periférica da camada fibroelástica da pálpebra.(1-9) Trata-se de uma entidade relativamente frequente em Pediatria. Nos últimos anos tem-se assistido a um aumento significativo da sua incidência e complicações.(1-3) A CPO é a forma de apresentação mais frequente. Habitualmente surge em crianças com idade inferior a três anos e na sequência de infeções respiratórias superiores, conjuntivites, traumatismos ou picadas. A sinusite é responsável por 13-27% dos casos. A disseminação hematogénea, embora rara, é outra das causas de CPO.(1,2,6,9) A CO é, na grande maioria dos casos (75-90%), secundária a uma sinusite e, por isso, ocorre sobretudo em crianças com idade superior a seis anos.(1,2,4-9) Propicia-se face à FIna espessura da parede óssea da órbita - a lâmina papirácea do etmóide que é fenestrada e acolhe uma vasta rede venosa entre os seios perinasais e a cavidade orbitária.(1,2,4,8,9) O diagnóstico da CPO assenta na história clínica e exame físico e as alterações consistem em edema e eritema periorbitários. Já na CO acrescem, às últimas, o edema e inflamação dos tecidos moles e músculos da órbita, que se traduzem por dor com os movimentos oculares (embora esta possa existir na CPO), proptose, oftalmoplegia, diplopia e quemose - sinais orbitários.(1,2,4,6,9) A última pode também ocorrer em casos graves de CPO.(4) O diagnóstico da CO depende, portanto, destes critérios clínicos e da conFIrmação radiológica por Tomografia Computorizada (TC). Apesar da CO ser mais rara que a CPO, as suas complicações são mais graves e frequentes, podendo mesmo conduzir à cegueira e/ou morte.(1,11)

A etiologia da celulite varia com o modo de aquisição da infeção. Na CPO associada a infeções das vias aéreas superiores o Streptococcus pneumoniae é o microorganismo mais frequente. Porém, nas situações de traumatismo cutâneo, as bactérias mais implicadas são o Staphylococcus aureus (S. aureus) e o Streptococcus pyogenes. Antes da vacinação contra o H. influenzae tipo b, este era também um agente frequente. Os patógenos mais comummente identificados são o S. aureus e o estreptococo embora também possam ser encontrados os anaeróbios e Moraxella catarrhalis. A CO é por vezes uma infeção polimicrobiana.(1-9,11-13)

O presente trabalho tem por objetivo rever a epidemiologia, etiologia, abordagem terapêutica e evolução dos casos de celulite da região da órbita, das crianças internadas no Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Tondela-Viseu.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Realizou-se um estudo retrospetivo dos processos clínicos referentes a crianças internadas com o diagnóstico de CPO e CO, entre um de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2010. Considere-se o fato de, no Serviço de Pediatria do CHTV,EPE, serem admitidas crianças até aos 18 anos de idade. Na revisão dos processos clínicos foram analisados os seguintes parâmetros: sexo, idade, distribuição anual e mensal, clínica de apresentação, causa, localização, intervalo entre o início dos sintomas e o diagnóstico, exames auxiliares de diagnóstico, terapêutica prévia e instituída, duração do internamento, complicações e evolução. O diagnóstico de CO foi baseado em critérios clínicos sugestivos e na presença de lesões posteriores ao septo orbitário, visualizadas na TC. Os restantes casos foram incluídos no grupo das CPO.

 

RESULTADOS

No período de 11 anos estudado (2000-2010 inclusive) foram internadas 93 crianças com diagnóstico de celulite da região orbitária. Oitenta e sete casos constituíram CPO (94%) e seis CO (6%). A variabilidade do número de internamentos/ano foi relativamente semelhante nas CPO, destacando-se, no entanto, o ano de 2007 com maior número absoluto (17 casos) e o ano de 2003 e 2010 com apenas um caso (Gráfico 1). O escasso número de CO resulta numa média de 0,5 casos/ano.

 

 

No que respeita à distribuição mensal, os meses de Maio e Agosto foram os mais incidentes, não se podendo assumir predomínio por qualquer estação do ano. O sexo masculino foi predominante em ambos tipos de celulite (60% CPO, 59%CO). As crianças com CPO tinham menos de três anos em 53% dos casos; 83% das crianças com CO tinha mais de seis anos de idade.

Na CPO a quebra de barreira cutânea não traumática, traumatismos e conjuntivite assumiram as causas conhecidas mais comuns com 20%, 11% e 9% dos casos, respetivamente. Em 37 crianças (40%) não foi possível esclarecer a etiologia.

Na CO 75% tiveram origem numa sinusite (Quadro I). Todas as crianças com CPO apresentaram-se com edema periorbitário 91% rubor periorbitário, 47% febre e 5% sinais orbitários. Na CO todos apresentaram edema, rubor, febre e sinais orbitários. Quanto à localização, 95% das CPO eram unilaterais e destas, 52% localizavam-se à esquerda. Na CO 67% eram unilaterais com 65% à esquerda. Em 31% dos casos o tempo decorrido entre o início do quadro e o diagnóstico foi inferior a 24 horas. No total de casos de CPO e CO a hemocultura foi efetuada em 45 crianças (48%) e somente uma delas (CPO) foi positiva identificando-se S. pneumoniae. Numa criança com CO foi realizado o exame bacteriológico do exsudado do empiema subdural com identificação de um agente anaeróbio (Prevotella loescheii). Em dois casos de CPO foi colhido exsudado de secreções oculares/nasais, porém sem isolamento de agente. A radiografia dos seios perinasais foi realizada em dez crianças (11%) revelando sinusite maxilar em apenas duas delas. Das 11 tomografias axiais computorizadas (TC) cranioencefálicas/seios perinasais, quatro revelaram sinusite, duas abcesso do periósteo, uma um mucocelo intra-orbitário, outra sinusite e abcesso periósteo e uma foi normal. Em dois dos casos foi necessário complementar com ressonância magnética que corroborou o diagnóstico de uma pansinusite, e um abcesso da órbita com empiema subdural. Antes do internamento, 44% das crianças com celulite da região da órbita tinha iniciado terapêutica com antibiótico por via oral (Gráfico 2), 12% aplicou antibiótico tópico, 5% anti-histamínico e 1% corticóide tópico.

 

 

 

Todas as crianças durante o internamento fizeram terapêutica por via parentérica. Em 83% dos casos o antibiótico utilizado foi uma cefalosporina de 2º geração – cefuroxime. Em seis casos houve necessidade de alterar a terapêutica ou de associar antibióticos: ceftriaxone, vancomicina, doxiciclina, metronidazol.

Após a alta, foram medicados com antibiótico oral até completar duas a quatro semanas de tratamento. Ocorreram complicações em um de 87 casos de CPO e em cinco dos seis casos de CO (Quadro II).

 

 

DISCUSSÃO

Conforme relatado por outros autores, os casos de CO representaram a menor parcela de internamentos (6,4%).(6) Não se verificou predomínio por estação do ano provavelmente devido à reduzida taxa de infeções respiratórias como fator etiológico. Sendo assim, a distribuição anual e sazonal não foi concordante com a literatura.(1-3,7) O sexo masculino predominou em ambos tipos de celulite (60% CPO, 59%CO) o que pode correlacionar-se com a sua maior predisposição a doenças infeciosas. Na CPO verificou-se que 53% tinham menos de três anos, e na CO 83% mais de seis. Outros estudos corroboram esta tendência, pelo fato das CPO estarem mais frequentemente relacionadas com infeções das vias aéreas superiores, também estas mais frequentes em crianças com menos de três anos, e pelo fato das CO terem como causalidade a sinusite, mais frequente em crianças com mais de seis anos, face ao natural desenvolvimento biológico dos seios perinasais.(1,2,4,9) Ainda assim, no que respeita às infeções respiratórias superiores, este estudo não vai de encontro às estimativas da literatura uma vez que apresenta esta causalidade em apenas 3% dos casos de CPO, muito provavelmente face ao subdiagnóstico.(1-5,7,10) A quebra de barreira cutânea não traumática, os traumatismos e conjuntivite dominaram a lista de causas conhecidas da CPO. Já a sinusite foi a causa mais comum de CO, conforme descrito na literatura.(4,6,10) Porém, o registo de apenas seis casos, (2 CPO e 4 CO), pode relacionar-se com o seu subdiagnóstico. A apresentação clínica das CPO foi de encontro aos achados mais comuns – edema (100%) e rubor periorbitários (91%). A CO destacou-se pela expectável existência de sinais orbitários, em 100% dos casos.(1,2,4,6,9) Ambas celulites foram predominantemente unilaterais (67% CPO, 65% CO), como tem sido relatado na bibliografia.(2,6,7,10) Na generalidade não foi possível concluir o diagnóstico nas primeiras 24 horas, à semelhança de outros estudos.(6) Apenas metade das crianças foram submetidas a estudos analíticos. A hemocultura foi efetuada em 45 crianças (48,4%) e somente numa (CPO) foi possível identificar S. pneumoniae. Este baixo índice de isolamento do agente é também referido na literatura.(2-7)

A TC cranioencefálica, da órbita e dos seios perinasais justifica-se quando existem sinais sugestivos de CO, suspeita de corpo estranho intraorbitário e sempre que a evolução clínica não é favorável. Neste estudo, nove (82%) das TC efetuadas apresentaram alterações, seis das quais confirmaram a existência de atingimento pós-septal. A grande maioria das crianças fez terapêutica com uma cefalosporina de segunda geração, com boa resposta clínica. Houve necessidade de alterar a medicação em apenas 6% dos casos. Todas completaram um esquema terapêutico adequado de duas a quatro semanas, conforme preconizado na literatura.(1,2,4-7) As complicações mais frequentes e graves (Quadro II) ocorreram nas CO (83% CO vs 1,1% CPO) como também corroboram outros estudos.(1,2,4,6)

O reduzido número de casos, em particular de CO, e a ausência do tratamento estatístico de dados, podem no entanto estar na origem de alguns viés, nomeadamente no que respeita às comparações estabelecidas com outras séries.

 

CONCLUSÕES

A CPO é uma patologia frequente em idade pediátrica, geralmente com evolução favorável, demonstrada pela reduzida taxa de complicações. No entanto é uma patologia que não deve ser subestimada, pois pode conduzir a lesões irreversíveis, caso não seja diagnosticada e tratada precoce e adequadamente. Perante uma criança com sinais inflamatórios periorbitários é importante a exclusão de sinais clínicos sugestivos de envolvimento pós-septal (CO), uma vez que estes condicionam a abordagem diagnóstica, terapêutica e o prognóstico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Madalena C, Costa M, Oliva T, Guedes M, Monteiro T. Celulite da região orbitária. Saúde Infantil 1998; 20:33-41.         [ Links ]

2. Fernandes A, Marques JG. Celulite da órbita na criança. Acta Pediatr Port 1997; 28:325-30.         [ Links ]

3. Ferran LR, Vallhonrat RP, Youssef WF, Aristazábal JLR, Cubells CL, Fernández JP. Celulitis orbitaria y periorbitaria – revisión de 107 casos. An Esp Pediatr 2000; 53:567-72.         [ Links ]

4. Gappy C, Archer SM, Barza M. Orbital cellulitis. Uptodate, 2011 (Updated: Out 18, 2011). Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/orbital-cellulitis?detectedLanguage=en&source=search_result&translation=Orbital+cellulitis&search=Orbital+cellulitis&selectedTitle=1~27&provider=noProvider        [ Links ]

5. Gappy C, Archer SM, Barza M, Preseptal cellulitis. Uptodate, 2011 (Updated: Out 12, 2011) Dísponível em: http://www.uptodate.com/contents/preseptal-cellulitis?detectedLanguage=en&source=search_result&translation=Preseptal+cellulitis&search=Preseptal+cellulitis&selectedTitle=1~14&provider=noProvider        [ Links ]

6. Cardoso R, Barros MF, Santos D. Celulite da região orbitária, revisão de 71 casos. Acta Pediatr Port 2007; 38:179-82.         [ Links ]

7. Pedrosa C, Marques E. Celulite da região orbitária – estudo retrospectivo de 43 casos. Acta Pediatr Port 2003; 34:9-12.         [ Links ]

8. Durán-Giménez-Rico MC, Boto-de-Los-Bueis A, Alberto MJ, González-Iglesias MJ, Gabarrón-Hermosilla MI, Abelairas-Gómez J. Celulitis preseptal y orbitaria en la infancia: respuesta a antibioterapia intavenosa. Arch Soc Esp Oftalmo 2005; 80:511-6.         [ Links ]

9. Givner LB. Perorbital versus orbital cellulites. Pediatr Infect Dis J 2002; 21:1157-8.         [ Links ]

10. Dudin A, Othman A. Acute periorbital swelling: evaluation of management protocol. Pediatr Emerg Care 1996; 12:16-20.         [ Links ]

11. Uzcátegui N, Warman R, Smith A, Howard CW. Clinical practice guidelines for the management of orbital cellulitis. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 1998; 35:73-9.         [ Links ]

12. Givner LB, Mason EO, Barson WJ, Tan TQ, Wald ER, Schtze GE, et al. Pediatrics 2000; 106:61-4.         [ Links ]

13. Chand DV, Hoyen CK, Leonard EG, McComsey GC. First reported case of Neisseria meningitidis Periorbital Cellulitis associated with meningitis. Pediatrics 2005; 116:874-5.         [ Links ]

 

 

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Georgina Monteiro

Centro Hospitalar Tondela-Viseu

Hospital de São Teotónio – Viseu

Serviço de Pediatria

Avenida Rei D. Duarte

3504-509 Viseu, Portugal

E-mail: ginabmb@hotmail.com

Recebido a 05.12.2012 | Aceite a 08.07.2013

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons