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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.22 no.2 Porto abr. 2013

 

PEQUENAS HISTÓRIAS / SHORT STORIES

 

Remédio sem receita

 

Medication without prescription

 

 

Margarida GuedesI

IS. Pediatria, CH Porto, 4099-001 Porto Portugal

 

As vidas que se desenrolam e evoluem são a constante em Pediatria, mas nem sempre se fica como espectador …

Um adolescente de 14 anos, manifestamente desejoso de mostrar a perda de tempo que considerava este tipo de consultas, entrou pelo gabinete. Enviado do médico assistente por doença aftosa recorrente para exclusão de doença de Behçet, estava acompanhado por tia adotiva. Adotado ao nascimento, natural de uma aldeia dos confins (“ vale das formigas”), e já sem mãe adotiva desde a idade escolar, apenas mostrou algum interesse quando perguntou se no processo hospitalar havia referência aos pais biológicos, voltando ao mutismo anterior.

Os procedimentos iniciaram-se, com a investigação habitual e ensaios terapêuticos, que nem sempre resultaram, vindo a necessitar de colchicina. A vida escolar também teve um percurso atribulado, sendo orientado para um curso técnico-profissional após o 9º ano. Foi visível a alteração de comportamento, que com a perseverança da tia se concluiu dever ao início da sua dependência por haxixe, iniciada na escola de pastelaria. Aceitou o apoio do centro de desintoxicação, mas não moderou muito nos seus hábitos, sendo remetido para uma comunidade de inserção terapêutica após segundo distúrbio policial, com nova tentativa num curso de agricultura.

Entretanto uma antiga administrativa vem fazer uma visita e falar da sua boa vida de reformada em “Vale das Formigas”. Perante aquele nome tão pouco vulgar, palavra-puxa- palavra e qual espanto. Conhecia muito bem esta história, mas não de adoção pois todos lá julgavam que tinha morrido à nascença, como a mãe os informara. Ela, entretanto, emigrara há longos anos, mas os tios e avós continuavam na aldeia.

Como tinha feito 18 anos nesse ano, apenas foi necessário uma conversa profunda com a tia adotiva, que sem pestanejar, disse que iria conhecer os referidos familiares – ele sempre se sentiu sem raízes no mundo, por isso não se pode perder mais um minuto, foi a resposta dela a todas as cautelas transmitidas. Soubemos que fizeram uma festa para o receber, e que a sua cara era tal e qual a dos primos… O avô deu-lhe um recado: no fim do curso de agricultura, uma terra esperava lá por ele.

Voltou para a última consulta antes da transição para “os adultos”, sem desprezo no olhar ou agressividade no contacto… e sem aftas há pelo menos seis meses…

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