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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.21 no.4 Porto dez. 2012

 

Consentimento e discernimento. E porque não também adiamento?

 

Heloísa G. Santos1,2

1 Geneticista Médica. Pediatra.

2 Presidente da Comissão de Bioética da SPP

 

Li com muito interesse as  oportunas  considerações  do Dr. Rosalvo Almeida sobre a importância do consentimento informado na área da saúde relacionadas com a adequação da sua prática às crianças. Tal como para o autor, considero que a autonomia de decisões na saúde faz parte dos nossos direitos individuais e está intrinsecamente associada ao respeito pela dignidade dos seres humanos. O seu cumprimento exige um consentimento que deve basear-se numa informação adequada a cada situação e que permita uma decisão e é habitualmente transmitida pelo médico prescritor da medida. É evidente que o seu não cumprimento de forma correta diminui a beneficência e pode aumentar a maleficência do ato médico.

Muitos colegas afirmam que os doentes preferem dizer-lhes “o senhor Dr. decida porque eu confio em si”. É verdade, mas a interpretação dada é que está errada – a decisão já foi tomada pelo doente (transferência da opção para outro decisor) e, quanto a mim, dá ao médico que a aceita uma inaceitável responsabilidade de decidir por terceiros que, mais tarde se tudo correr mal lhe poderá – e deverá! – ser-lhe imputada, pelo que deve sempre recusar. Há outras decisões difíceis que os doentes já tomaram sozinhos – casamento, divórcio, filhos, profissão, etc. – pelo que devem ser sempre contrariados quando pretendem ser tutelados. Mas devem, pelo contrário, ser ajudados na sua decisão através duma adequada informação.

Concordo inteiramente, com a posição do autor na avaliação da capacidade do menor para tomar resoluções e da necessidade de obter a sua opinião – incluindo recusa – de forma habilidosa e ponderada para evitar a incompreensível confrontação, por parte do menor, entre o seu parecer e o consentimento informado dos seus representantes legais, habitualmente os pais.

Contudo, parece-me importante enfatizar um aspeto não referido – a importância e o dever do adiamento.

O adiamento, na idade pediátrica, de intervenções médicas relacionadas com situações patológicas para as quais a precocidade do ato não terá quaisquer efeitos benéficos nem na prevenção nem na terapêutica de patologias que se irão manifestar apenas na idade adulta. Também de qualquer intervenção médica, nomeadamente, para exemplificar, de natureza estética, que possa poder ser decidida diretamente pela criança quando esta se tornar adulta. Ou, ainda, a sua introdução em projetos de investigação com consequências ou efeitos prejudiciais e sem vantagens para o menor.

Numa criança, a diferença entre a ausência de autonomia, por falta de discernimento, deve ser encarada de forma diferente da mesma ausência num deficiente mental por causa congénita ou tardia. No primeiro caso, ao contrário do segundo, esta incapacidade é temporária e qualquer decisão dos pais (ou outros representantes legais) pode retirar à criança, futuro adulto, o direito de mais tarde decidir. A querer ou a recusar.

Os pediatras e restantes profissionais que lidam com crianças têm que estar atentos a este direito da criança e, em casos em que haja conflito de interesses, deverão decidir a favor da criança protelando a realização do ato de saúde.

É com base nestes princípios, que os testes genéticos pré-sintomáticos ou preditivos de doenças genéticas sem terapêutica e/ou sem indiscutíveis vantagens no diagnóstico precoce, não são permitidos em Portugal (Lei 12 / 2005) bem assim como a existência de crescentes restrições e normas rígidas à introdução de amostras de crianças em biobancos ou criação de biobancos pediátricos. A existirem, a manutenção das amostras deverá ser confirmada pelo menor quando chegado à idade adulta sob pena da sua obrigatória destruição e não introdução em novos projetos de investigação.

Os pediatras, que são, classicamente, protetores dos direitos das crianças, devem conhecer e respeitar todas estas normas para benefício dos seus, ainda, mas não para sempre, dependentes, pequenos pacientes.

 

BIBLIOGRAFIA

1. Almeida R. Consentimento e discernimento. Nascer e Crescer 2012; 2:94-5.         [ Links ]

2. Convention for the Protection of Human Rights and Dignity of the Human Being with regard to the application of Biology and Medicine: Convention on Human Rights and Biomedicine. Council of Europe. Oviedo, Council of Europe (1997, ratificada por Portugal em 2001).         [ Links ]

3. Informação Genética Pessoal e informação de saúde. Lei nº 12/2005, de 26 de Janeiro, Diário da República, nº 18, Série I-A (2005).

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