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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.21 no.3 Porto set. 2012

 

Etiologia

 

Maria do Céu Rodrigues1

1 Maternidade Júlio Dinis, CH Porto

 

Restrição do crescimento fetal ou restrição do crescimento intrauterino (RCIU) é o termo usado para designar as situações em que o feto não atinge o seu potencial de crescimento, devido a fatores genéticos ou ambientais.

É um problema obstétrico relativamente comum, afetando 5 – 10% de todas as gestações1. É também uma situação muito complexa, já que se associa a um aumento da morbimortalidade fetal – hipoxemia, acidemia, sofrimento e morte fetal pré e intra parto – morbilidade neonatal e infantil – hipoglicemia, hipotermia, policitemia, dificuldade respiratória, hemorragia intraventricular, défice cognitivo e paralisia cerebral- e mesmo a patologia do adulto, nomeadamente hipertensão crónica, diabetes e cardio­patia isquémica2.

Antes da aplicação sistemática da ecografia na prática obs­tétrica e da existência de tabelas ecográficas dos parâmetros biométricos fetais, o diagnóstico de RCIU era clínico – pela me­dição da altura uterina – e muitas vezes, só efetuado na altura do parto, pela observação de recém-nascidos (RN) com peso inferior ao percentil 10 para a idade gestacional, RN leve para a idade gestacional (LIG). No entanto, nem todos os fetos que sofreram uma RCIU vão ser LIGs e inversamente RN LIGs po­dem ser fetos constitucionalmente pequenos. De facto, apesar de muitas vezes se usarem como sinónimos, os conceitos de RCIU e LIG, não o são.

Segundo a ACOG (The American Congress of Obstetricians and Gynecologists) define-se RCIU como o peso fetal estimado (PFE) abaixo do Percentil 10 para Idade Gestacional (IG). O exa­me ecográfico envolve a medição de vários parâmetros biométri­cos que incorporados numa fórmula, permitem o cálculo do peso fetal estimado. Os parâmetros biométricos habitualmente usados são o diâmetro biparietal (DBP), o perímetro cefálico (PC), o pe­rímetro abdominal (PA) e o comprimento do fémur (CF). As duas fórmulas para cálculo do peso fetal estimado mais comuns, são a de Warsof’s com a modificação de Shepard e a de Hadlock, sen­do esta última a mais usada. Estas fórmulas estão incluídas nos programas dos ecógrafos e permitem comparar o crescimento de cada feto com curvas de crescimento padrão.

As variações do peso dos fetos e RN normais são influen­ciadas por diversos factores entre os quais, a etnia, a altura e o peso da grávida no início da gestação, a paridade e o sexo do feto. A situação ideal seria o cálculo individualizado do potencial de crescimento de cada feto e não o recurso a curvas universais. Em alguns países essas curvas já são usadas na prática clínica, estando as fórmulas de cálculo disponíveis “on line”. De referir, que em Portugal, está em curso o estudo, que vai permitir o co­nhecimento dos nossos padrões de normalidade de crescimento fetal.

Por definição e genericamente, cerca de 10% dos fetos e RN, têm um peso abaixo do Percentil 10. Destes, 70% são fetos constitucionalmente pequenos, isto é, mantém o seu ritmo de crescimento ao longo da gravidez, numa linha de percentil mais baixa e são saudáveis. Os 30% restantes, são os fetos que não atingem o seu potencial de crescimento e estes são, os fetos em risco.

O crescimento fetal depende de fatores fetais – o seu po­tencial de crescimento geneticamente determinado; de fatores maternos – a capacidade da mãe entregar oxigénio e nutrientes à placenta; e de fatores placentares – a capacidade da placen­ta transferir oxigénio e nutrientes para o feto.

Os fatores genéticos, as anomalias congénitas, as infec­ções e a gravidez múltipla são os fatores fetais que podem condicionar o crescimento fetal. De facto, os fatores genéticos parecem contribuir cerca de 30 – 50% para o peso ao nascer, cabendo a variação restante, aos fatores ambientais3,4. Embora os genes maternos e paternos determinem o crescimento fetal, a influência dos genes maternos parece ser maior. A suscetibilida­de para a RCIU é também herdada, constatando-se que mulhe­res que sofreram, elas próprias, restrição de crescimento fetal, têm maior risco de RCIU na sua descendência5. Por outro lado, antecendes de RCIU numa gravidez anterior é um fator de risco para RCIU.

As anomalias cromossómicas – Trissomias 13 e 18, Síndro­me de Turner, Triploidias, deleções, cromossomas em anel - são responsáveis por 20% dos casos de RCIU6, que habitualmente é precoce. Cerca de 25% dos fetos com RCIU de instalação pre­coce, têm uma anomalia cromossómica, pelo que está indicado, nestes casos, o estudo do cariótipo.

As anomalias congénitas major ou múltiplas, sem anoma­lias genéticas identificáveis, associam-se também a RCIU e são responsáveis por 1 – 2% dos casos7.

As infeções são responsáveis por menos de 5% de todos os casos de RCIU, sendo as infeções pelo vírus da rubéola e pelo citomegalovirus (CMV) aquelas que estão claramente rela­cionadas com a RCIU. O efeito final da infeção por estes vírus, é a diminuição do número total de células fetais. As infeções por parasitas como o Toxoplasma gondii e o Plasmodium, parecem também influenciar negativamente o crescimento fetal. Em rela­ção às infeções bacterianas, há menos evidência da sua relação com a RCIU, embora em situações de RCIU se constate infeção bacteriana da placenta. A infeção por CMV é a etiologia infec­ciosa mais frequente nos países desenvolvidos, embora a nível global a principal associação é com a malária. Na presença de RCIU, está indicado o estudo das serologias maternas para as infeções do grupo TORCH.  

A incidência de RCIU é significativamente maior na gravi­dez múltipla, estando o crescimento fetal inversamente relacio­nado com o número de fetos e com o tipo de placentação, sendo a incidência maior nas placentas monocoriónicas. As complica­ções obstétricas e as anomalias da placenta e do cordão umbili­cal, mais frequentes na gravidez múltipla, são fatores adicionais responsáveis pela maior incidência de RCIU, nesta situação.

Para o seu crescimento, o feto necessita de oxigénio, gli­cose e alguns aminoácidos essenciais para a síntese proteica. Quando ocorre interrupção ou diminuição no fornecimento des­tes substratos, o desenvolvimento e em última instância, a so­brevivência do feto, está ameaçada. A chegada destes nutrientes à placenta, dependem da sua existência em quantidade adequa­da no organismo materno e da integridade funcional do sistema vascular materno. Entre os fatores maternos responsáveis pela RCIU e dentro dos fatores relacionados com a quantidade de nu­trientes disponíveis, podem considerar-se os fatores ambientais, os fatores socioeconómicos e os hábitos nocivos. A patologia materna prévia à gravidez associa-se por um lado, a lesões no sistema vascular e muitas vezes é também causa de quantidade inadequada de oxigénio e nutrientes em circulação.

A residência em locais de elevada altitude associa-se a hi­poxemia crónica e a baixo peso ao nascer, existindo uma relação inversa entre o aumento da altitude e o peso ao nascer8, em altitudes acima dos 2000 metros.

O peso da mãe ao nascimento, o peso antes de engravidar e o ganho de peso na gravidez são responsáveis por cerca de 10% da variação do peso fetal9. Pequenas variações na dieta não têm repercussões no crescimento fetal, mas quando a entra­da calórica é muito diminuída, ocorre uma diminuição no peso fe­tal. Tal facto foi constatado em situações de fome extrema, como durante o cerco de Leninegrado, em que a média de peso ao nascer caiu cerca de 500Gr. Um aumento ponderal materno in­suficiente – inferior a 10 Kg – relaciona-se com o aumento de ris­co de RCIU10; desconhece-se se o fator determinante é o défice global de nutrientes ou o défice de apenas, alguns nutrientes.

O tabagismo e as toxicodependências podem causar RCIU por efeito citotóxico direto ou indiretamente por outros fatores, como a inadequada ingestão calórica. O impacto do tabagismo no crescimento fetal exerce-se sobretudo na 2ª metade da gra­videz, pelo que a redução ou abstinência tabágica nessa altura, tem um efeito positivo no crescimento fetal, sendo o peso de RN de grávidas fumadoras que interromperam o consumo no 3º trimestre, similar, aos das grávidas não fumadoras11.

As doenças vasculares maternas – hipertensão crónica, nefropatia crónica, diabetes com vasculopatia, lúpus, doenças vasculares do colagéneo – sendo causa de diminuição da per­fusão uteroplacentar, constituem a entidade patológica mais di­retamente relacionada com a RCIU, responsável por cerca de 25- 30% dos casos. Ter tido um RN com RCIU grave, tem sido associado a um aumento do risco de doença cardiovascular grave ou morte por doença cardiovascular, mais tarde na vida, sugerindo que fatores cardiovasculares maternos podem afetar a perfusão uteroplacentar e o crescimento fetal, ainda antes da doença materna ser clinicamente aparente. As malformações uterinas, podendo afetar a perfusão uteroplacentar, podem ser causa de RCIU.

Hipoxemia materna crónica devido a patologia pulmonar, cardiopatia cianótica ou anemia grave, conduzem a uma poten­cial diminuição crónica do aporte de oxigénio ao feto e risco de RCIU. Na drepanocitose, à anemia, associam-se episódios de trombose no espaço interviloso. O feto é capaz de, parcialmente, compensar a hipoxia crónica pela hipertrofia da placenta, pela redistribuição do fluxo sanguíneo para os órgãos nobres (cére­bro, coração e supra renais), pela diminuição dos movimentos e pelo aumento da extração de oxigénio dos tecidos.

Muitos casos de RCIU, particularmente naqueles em que há recorrência numa gravidez posterior, resultam da isquemia placentar. A função placentar depende de uma adequada inva­são do trofoblasto. No 1º trimestre da gravidez, as células do trofoblasto invadem as artérias espiraladas maternas, na decí­dua. No 2º trimestre, ocorre uma onda secundária de invasão trofoblástica, com penetração nos segmentos intramiometriais das artérias espiraladas, até ao ponto em que estas artérias se destacam das artérias radiais, de que resulta a conversão das artérias espiraladas, vasos de elevada resistência ao fluxo vas­cular, em canais vasculares dilatados e de parede fina, que se di­latam passivamente permitindo a passagem do fluxo sanguíneo, extremamente aumentado, necessário para o feto em cresci­mento. Em certas condições, há uma falência desta invasão tro­foblástica secundária, com subsequente isquemia placentar, al­terações ateromatosas e insuficiência placentar, com diminuição da capacidade da placenta, transferir oxigénio e nutrientes para o feto. Desta placentação anormal, resulta a doença isquémica placentar, que clinicamente se pode manifestar por RCIU, pré­-eclampsia, descolamento prematuro de placenta normalmente inserida ou uma combinação destas entidades.

Além da placentação anormal, os fatores placentares que se associam a potencial diminuição crónica do aporte de oxigé­nio ao feto, são a placenta prévia, em consequência da inserção placentar numa zona menos vascularizada do útero; as inser­ções anómalas do cordão umbilical, como a inserção marginal e velamentosa; e os angiomas da placenta.

O mosaicismo confinado à placenta está presente em cerca de 10% das placentas de fetos com RCIU idiopático12. A gravida­de da RCIU depende dos cromossomas envolvidos, da percen­tagem do mosaico e da presença de dissomia uniparental.

Genericamente e em situações normais, o peso do feto e da placenta são proporcionais. Num estudo, em que foram avaliados e comparados o peso placentar e o peso dos RN em 1569 gestações simples de fetos cromossomicamente normais com RCIU e em 15047 gestações de RN com peso adequado para a idade gestacional, constatou-se que em RN com RCIU o peso placentar é 24% inferior, relativamente aos RN com peso adequado13. No entanto a capacidade funcional da placenta, que está habitualmente em excesso, não é apenas relacionável com o seu peso ou tamanho. Determinadas alterações histológicas placentares associam-se à RCIU, nomeadamente lesões vascu­lares – trombose, enfarte, deposição maciça de fibrina no espaço perivilositário – lesões infeciosas crónicas e lesões inflamatórias idiopáticas, sendo a vilite crónica difusa de etiologia desconhe­cida, o achado placentar mais comum, nos casos idiopáticos de RCIU.

O conhecimento de fatores que se associam a RCIU, permite-nos identificar algumas mulheres de risco e ao planear uma futura gravidez, tratar ou melhorar patologias prévias, assim como recomendar estilos de vida saudáveis.

Na suspeita de RCIU – peso fetal estimado inferior ao Per­centil 10 para a idade gestacional – o conhecimento dos seus fatores causais orienta a abordagem diagnóstica: estudo anató­mico fetal, estudo analítico e serológico materno, estudo citoge­nético fetal e estudo hemodinâmico e funcional da unidade feto placentar.

 

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