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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.21 no.3 Porto set. 2012

 

Caso electroencefalográfico

 

Aida Sá1, Rui Chorão1,2

1 Consulta de Epilepsia Pediátrica, CH Porto

2 Serviço de Neurofisiologia, CH Porto

 

ABSTRACT

Introduction: Typical absence seizures are quite common in childhood, in most cases fitting the criteria for childhood absence epilepsy. Differential diagnosis is mainly with inattention and focal hypomotor seizures. Response to adequate antiepileptic drug therapy is usually very good.

Case report: We report a classical case of a school-age girl with many episodes per day of staring and eye rolling with a duration of some seconds. Hyperventilation during her first appointment elicited short-duration absences with slight eye blinking. The ictal video-EEG confirmed the diagnosis, showing generalized synchronous bursts of 3 Hz spike-wave discharges with a medium duration of eight seconds. The response to therapy with valproic acid was dramatic, and medication was withdrawn at the age of eleven with no recurrence of seizures.

Conclusion: The most frequent epileptic syndrome with typical absences is childhood absence epilepsy. When inclusion and exclusion criteria are taken in consideration, we can expect a good prognosis, with remission by prepubertal age.

Keywords: Absence epilepsy, childhood, prognosis.

 

CASO CLÍNICO

Apresenta-se o caso de uma criança do sexo feminino, ob­servada na consulta com oito anos de idade, enviada por epi­sódios de paragem da actividade desde há cerca de meio ano, tendo-se tornado progressivamente mais frequentes. Ocorriam, nesta altura, numa frequência superior a 10 vezes por dia, apa­rentemente mais vezes quando estava menos interessada no que estava a fazer, nas aulas e às refeições. Diziam que “parecia hipnotizada” e nunca tinham notado pestanejo, mastigação ou outras manifestações associadas. Recuperava rapidamente e retomava o que estava a fazer anteriormente.

Nos antecedentes pessoais, a referir parto eutócico às 38 semanas, com circular do cordão, mas índice de Apgar 9/10. Apresentava desenvolvimento psicomotor normal e não havia história de convulsões febris, infecção do sistema nervoso cen­tral ou traumatismo cranioencefálico. Sem antecedentes familiares de epilepsia. O exame objectivo era normal. A prova de hiperpneia realizada quando da primeira observação desenca­deou duas crises de paragem da prova: revirou os olhos, teve leve pestanejo e num teve pequena estremeção no final; dura­ção de segundos, retomando a prova.

A monitorização de electroencefalograma com vídeo mos­trou inscrição, no repouso vigil, sobretudo durante a hiperpneia, de surtos generalizados de ponta-onda regular a 3 Hz, com dura­ção de 5 a 8 segundos, com manifestações clínicas associadas (abertura e revulsão oculares, ligeiro desvio ocular lateral, mio­clonias palpebrais subtis) (Figura 1). No sono, surtos de pontas frontais bilaterais e polipontas-ondas, com duração inferior a 1 segundo. (Figura 2).

 

Figura 1 EEG durante uma crise ocorrida na hiperpneia. Surto de pontas-ondas regulares a 3 Hz, generalizadas e síncronas, com duração de cerca de 8 segundos.

 

Figura 2 EEG intercrítico no sono I-II. Surtos de pontas e polipontas ou ponta-onda irregular a 3 Hz, generalizados, com duração de menos de 1 segundo.

 

Qual o seu diagnóstico?

 

DIAGNÓSTICO

Epilepsia de ausências da infância

Foi iniciada medicação com valproato na dose aproximada de 20 mg/kg/dia. Alguns dias depois de atingida a dose alvo, não foram observadas mais crises. Manteve-se sempre sem recor­rência e os EEGs de controlo foram normais. A dose não foi ajus­tada ao peso e foi posteriormente reduzida, com suspensão ao fim de três anos. Mantinha-se assintomática e com EEG normal na reavaliação feita seis meses depois.

 

DISCUSSÃO

As ausências são um tipo de crises epilépticas generali­zadas relativamente comuns em idade pediátrica. Podem sur­gir nas epilepsias generalizadas idiopáticas, mas também nas sintomáticas. No primeiro grupo, como o do caso clínico apre­sentado, são denominadas ausências típicas: têm duração de alguns segundos e o padrão electroencefalogáfico característico de ponta-onda a 3-4 Hz. Contrastam com as atípicas, que têm duração geralmente mais longa, início e fim menos abruptos e associam-se a ponta-onda lenta (1,5-2,5 Hz).1

As epilepsias generalizadas idiopáticas com ausências tí­picas incluem várias síndromas definidas pela Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) em 2001: a epilepsia de ausências in­fantil (EAI), a epilepsia de ausências juvenil (EAJ) e a epilepsia mioclónica juvenil (EMJ).2 Outras síndromas com ausências típi­cas que não são oficialmente reconhecidos pela ILAE incluem as mioclonias palpebrais com ausências e as mioclonias periorais com ausências.3 O prognóstico destas síndromes epilépticas é diferentes, daí a importância de uma classificação sindromática o mais rigorosa possível de cada doente.

A incidência anual da epilepsia de ausências da criança va­ria entre 1,9 e 8 por 100.000 crianças1 e alguns estudos apontam uma prevalência de 10-12% das crianças e adolescentes com menos de 16 anos4. É mais frequente no sexo feminino (cerca de 2/3 dos casos).1,4

 

O início das crises na EAI surge na grande maioria dos ca­sos entre os 4 e os 10 anos de idade, com um pico aos 6-7 anos. A epilepsia de ausências juvenil tem um pico de incidência aos 12-13 anos; contudo, pode haver sobreposição na idade de aparecimento entre estas duas entidades e a idade de início não é por si só um critério. Na EAI as ausências são muito mais nu­merosas (dezenas por dia) e têm uma duração que varia entre os 4 e os 20 segundos (média de 10 segundos). Na EAJ são menos frequentes, mas a probabilidade de ocorrer uma crise tonico-clónica generalizada (TCG) é muito maior.4,5 As crises de ausências ocorrem num terço dos doentes com EMJ, anos antes dos outros tipos de crises que fazem parte dos critérios de diag­nóstico desta síndroma, e são raras e breves. A idade de início pode ocorrer entre os 8 e os 26 anos, embora a maioria apresen­te a primeira crise entre os 12 e os 18 anos.4 Classicamente, os doentes têm abalos sobretudo dos membros superiores e axiais - crises mioclónicas - ao despertar (muitas vezes desvalorizadas pelo doente), culminando por vezes numa crise TCG, que é mui­tas vezes a que o leva a recorrer a cuidados médicos.

O principal diagnóstico diferencial é com a criança distraí­da, este facto mais vezes notado na escola do que em casa, mas também com casos de síndroma de hiperactividade com défice de atenção, sobretudo na sua variante desatenta. Outros diag­nósticos diferenciais incluem as crises focais hipomotoras e as crises psicogéneas.1 O exame neurológico é, por definição, nor­mal.4 A hiperventilação durante pelo menos três minutos é a me­lhor forma de desencadear uma crise de ausência numa primeira abordagem meramente clínica da criança. Tipicamente, não há percepção das crises pela criança, que pára e logo a seguir reto­ma a actividade que estava em curso; contudo, pode haver breve amnésia retrógrada.1,4 Noutras situações com ausências que não a EAI, a suspensão da consciência pode ser apenas parcial. Nas ausências típicas são admitidas mioclonias discretas das pál­pebras ou das sobrancelhas, pequeno componente atónico ou tónico, ligeiras clonias e automatismos, estes muito mais vezes simples do que complexos. Contudo, se estes componentes são exuberantes ou predominantes, devemos pensar noutro tipo de crises epilépticas. Não ocorre queda e a incontinência urinária é excepcional.4

O electroencefalograma (EEG) crítico caracteriza-se pela presença de descargas generalizadas, rítmicas, de ponta-onda (ou dupla ponta-onda, sendo permitido um máximo de três pon­tas no início do surto) a 3 Hz (não inferior a 2,7 Hz nem superior a 4 Hz), regular, com alta voltagem (maior nas regiões anteriores). Tipicamente a frequência vai diminuindo gradualmente ao longo do surto. Na fase inicial (1-2 segundos) podem as pontas-ondas ser mais rápidas, irregulares e um pouco assíncronas.4,6 As alte­rações do EEG intercrítico ocorrem sobretudo no sono não REM, sob a forma de surtos de ponta-onda muito breves, menos re­gulares. A presença de fotossensibilidade no EEG, assim como a provocação de uma ausência típica de forma sistemática por estímulos luminosos é considerado um critério de exclusão de EAI.4 Os critérios de diagnóstico de Loiseau e Panayiotopoulos encontram-se no Quadro I. Permitem definir com rigor o grupo de doentes com EAI e, assim, definir com melhor o prognósti­co. Contudo, sendo muito restritivos, há muitos doentes que não se conseguem ser classificados como tal; o critério de exclusão mais vezes encontrado numa série de doentes chineses foi o de surtos de ponta-onda a 3-4 Hz com duração inferior a 4 segun­dos sem ou com suspensão apenas parcial da consciência.6

 

Quadro I – CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO DE EAI4 (Loiseau e Panayiotopoulos, 2005)

 

Relativamente ao tratamento, os antiepilépticos de primeira linha são o valproato de sódio, a lamotrigina e a etossuximida (este não disponível nas farmácias comerciais no nosso país), em monoterapia ou em associação, com eficácia sobreponível5, sendo que a primeira escolha depende da acessibilidade ou fár­maco, da experiência pessoal e do perfil individual do doente. No caso apresentado houve uma resposta terapêutica imediata com valproato, o que nem sempre acontece e não implica necessaria­mente uma evolução menos favorável.

A taxa de remissão nos doentes com ausências típicas é muito variável, dependendo de vários factores, mas sobretudo da existência de outros tipos de crises. Na EAI a taxa de remis­são é de cerca de 80%.4, Como no caso apresentado, é possível suspender a medicação em idade pré-púbere. Contudo, segun­do alguns autores, cerca de 10% poderá desenvolver pelo me­nos uma crise tonico-clónica generalizada na adolescência ou idade adulta. O risco destas crises em idades é mais elevado na EAJ, que tem maior probabilidade de evolução crónica; contudo, há alguns casos de sobreposição entre estas duas síndro­mas, quer em relação à idade de início, quer à evolução. Já na EMJ não medicada, o risco de recorrência de crises, nomeada­mente TCG, na idade adulta é de cerca de 90%.4

 

BIBLIOGRAFIA

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2. Nordli DR Jr. Idiopathic generalized epilepsies recognized by the International League Against Epilepsy. Epilepsia 2005; 46 (suppl.9): 48-56.         [ Links ]

3. Panayiotopoulos CP. Syndromes of idiopathic generalized epilepsies not recognized by the International League Against Epilepsy. Epilepsia 2005; 46 (suppl.9): 57-66.         [ Links ]

4. Hirsch E, Panayiotopoulos C. Childhood absence epilepsy and related syndromes. In: J. Roger, M. Bureau, Ch. Dravet, P. Genton, C.A. Tassinari. Epileptic Syndromes in Infancy, Childhood and Adolescence, 4th Edition, France: John Lib­bey Eurotext Ltd; 2005: p 315-35.         [ Links ]

5. Trinka E, Baumgartner S, Unterberger I, Unterrainer J, Luef G, Haberlandt E, et al. Long-term prognosis for childhood and juvenile absence epilepsy. J Neurol 2004; 251: 1235-41.         [ Links ]

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7. Hwang H, Kim H, Kim SH, Kim SH, Lim BC, Chae J-H, et al. Long-term effectiveness of ethosuximide, valproic acid, and lamotrigine in childhood absence epilepsy. Brain Dev 2012; 34: 344-8.         [ Links ]

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