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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.20 no.4 Porto  2011

 

Prevenção de Acidentes: o que sabem os pais

 

Ana Margarida Costa1, Aida Sá1, José Fraga1, Fátima Dias1, Maria João Serafino2

1 S. Pediatria, HSPedro, CH Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real

2 Unidade de Saúde Familiar Fénix, Vila Real

CORRESPONDÊNCIA

 

RESUMO

Introdução: Os acidentes domésticos e rodoviários são causa frequente de morbilidade e mortalidade infantil.

Objectivo: avaliar o conhecimento das normas de segurança infantil por parte dos pais, tendo em conta o grau de habilitações académicas (Ensino Básico (B), Ensino Secundário (S), Ensino Superior (SU)).

Material e métodos: Estudo transversal com aplicação de um inquérito aos pais de crianças entre os 9 meses-6 anos. Na análise estatística utilizou-se o teste χ2 (p<0,05), recorrendo ao programa SPSS versão17.0.

Resultados: Foram recolhidos 281 inquéritos (46% SU). As principais fontes de informação sobre prevenção de acidentes foram os meios de comunicação (86,7%) e o médico (69,5%).

Relativamente às medidas de segurança gerais da habitação salientam-se os seguintes resultados: 40,2% sem trincos de segurança nas varandas ou janelas (B 26,8%, S 36,8%, SU 48,5%, p=0,014); ausência de protecção nas escadas em 47,5% (B 17,9%, S 44,4%, SU 59,5%, p=0,000) e nas lareiras 28,1%; 33,1% sem protecções de tomadas eléctricas e 70,2% sem protecções de esquinas. Na cozinha, 30,2% dos pais deixavam as crianças sozinhas; 22,8% cozinhavam com crianças ao colo; 49,5% não guardavam em local inacessível os detergentes e 8,5% mudavam a embalagem original (B19,6%, S11,6%, SU1,5%, p=0,000). O uso de andarilho registou-se em 34,2% dos inquéritos.

No automóvel, 32,4% dos pais transportaram o filho ao colo.

Conclusões: Verifica-se que muitos pais não cumprem as regras básicas de segurança e não adoptam estratégias de prevenção de acidentes domésticos.

Considerando os diferentes níveis de educação, na generalidade, os comportamentos inadequados são comuns a todos os grupos.

Aos profissionais de saúde cabe orientar e alertar os pais na mudança de atitudes e comportamentos.

Palavras-Chave: Acidentes domésticos, prevenção de acidentes, normas de segurança.

 

Accident prevention: what parents know

ABSTRACT

Introduction: Home and traffic accidents are a frequent cause of child morbidity and mortality.

Objective: To assess parents’ knowledge of child safety standards, taking into account their level of education (Basic (B), Secondary (S), Academic degree (A)).

Materials and methods: Cross-sectional study with application of a questionnaire to parents of children aged 9 months to 6 years. The χ2 test (p <0.05) was used for the statistical analysis, using the SPSS version 17.0.

Results: A total of 281 inquiries were collected (46% A). The main sources of information about accident prevention were the media (86,7%) and the doctor (69,5%).

At home, 40,2% of the houses did not have safety latches on the balconies or windows (B 26,8%, S 36,8%, A 48,5%, p=0,014); 47,5% of those with stairs had no protection (B 17,9%, S 44,4%, A 59,5%, p=0,000), as well as 28,1% of those with fireplace; 33,1% had no protection for electrical outlets, or corners (70,2%). In the kitchen, 30,2% of the parents left their children alone; 22,8% cooked with children in their arms; 49,5% didn’t keep detergents in an inaccessible place and 8,5% changed the original packing (B 19,6%, S 11,6%, A 1,5%, p=0,000). 34,2% of the children used walkers.

32,4% of the parents carried the child on their lap in the car.

Conclusions: We conclude that many parents are not aware of basic safety rules and do not implement measures to prevent home accidents. Considering the different level of education, in the generality, inappropriate attitudes were found in all groups. Health professionals should guide and alert parents to change attitudes and behaviours.

Keywords: Domestic accidents, accident prevention, safety standards.

 

INTRODUÇÃO

Os traumatismos e as lesões são, em Portugal, a principal causa de morte das crianças e adolescentes entre os 0 e os 19 anos.(1) Entre 2001 e 2005 houve uma redução acentuada no número de mortes (menos 151 mortes). (1) No entanto, os traumatismos e lesões continuam a ser responsáveis por mais de 25% do total de mortes neste grupo etário. (1)

Apesar desta redução, não podemos esquecer que as mortes são apenas a “ponta do iceberg”, e que centenas de crianças são hospitalizadas na sequência de acidentes que, muitas vezes, deixam sequelas para toda a vida.

Os acidentes rodoviários continuam a ser os mais importantes, sobretudo entre os 15 e os 19 anos; enquanto o ambiente doméstico é onde ocorrem mais frequentemente os acidentes durante os primeiros anos de vida. (1) Na verdade, muitos destes acidentes acontecem em circunstâncias relativamente previsíveis. As crianças pequenas não têm capacidade para avaliar o perigo, pelo que qualquer objecto que encontram em casa é um brinquedo potencial.(2)

O nível socio-económico e a escolaridade paterna baixa são identificados como factores de risco para acidentes. Estas crianças têm maior probabilidade de estarem expostas a mais riscos, seja pelas condições precárias da habitação ou por ambientes familiares problemáticos.(3)

Cabe aos cuidadores a vigilância e adopção de medidas e condutas seguras de forma a evitar acidentes sérios. Contudo, não nos podemos esquecer que a criança se desenvolve explorando o mundo que a rodeia, usando para isso os cinco sentidos. Assim, as medidas de prevenção de acidentes, devem, dentro do possível, permitir a liberdade necessária para esse desenvolvimento.(2,3)

 

OBJECTIVOS

Avaliar o conhecimento das normas de segurança infantil (regras gerais de segurança da habitação, entre outras) e atitudes para a prevenção de acidentes por parte dos pais, tendo em consideração o grau de habilitações académicas (Ensino Básico (B), Ensino Secundário (S), Ensino Superior (SU)).

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi efectuado um estudo transversal, através da aplicação de um inquérito, aos pais de crianças com idades compreendidas entre os 9 meses e os 6 anos de idade, que frequentam infantários em Vila Real (concelho com 50131 habitantes), Peso da Régua (concelho com 16992 habitantes) e Santa Marta de Penaguião (concelho com 8075 habitantes).(4)

Na análise estatística utilizou-se o teste χ2 (p<0,05), recorrendo ao programa SPSS versão 17.0.

Após preenchimento do inquérito, procedeu-se à distribuição de panfletos com informações sobre prevenção de acidentes.

 

RESULTADOS

Foram entregues 350 inquéritos, tendo sido recolhidos 281 adequadamente preenchidos por pais de crianças com idades compreendidas entre os 9 meses os 6 anos de idade. A média de idade das crianças foi de 2,9 anos.

 

Figura 1 – Distribuição das idades das crianças

 

Quanto às habilitações académicas dos pais: 20% (56) tinham a escolaridade básica, 34% (95) o ensino secundário e 46% (130) tinham o ensino superior. A maioria (99%) já tinha ouvido falar de prevenção de acidentes, sendo as principais fontes de informação os meios de comunicação (86,7%), o médico (69,5%) e os amigos (33,3%).

Na Tabela 1 apresenta-se os resultados (totais e segundo a escolaridade académica) às diferentes questões.

 

Tabela 1 – Resultados totais e segundo as habilitações académicas dos pais.

 

Relativamente às medidas de segurança gerais da habitação salientam-se os seguintes resultados: 40,2% sem trincos de segurança nas varandas ou janelas (B 26,8%, S 36,8%, SU 48,5%, p=0,014); ausência de protecção nas escadas em 47,5% (B 17,9%, S 44,4%, SU 59,5%, p=0,000) e nas lareiras 28,1%. Referiram não ter protecções de tomadas eléctricas 33,1% e 70,2% não usavam protecções das esquinas de móveis. Apenas 49% possuíam material antiderrapante para os tapetes.

Admitiram já ter deixado crianças sozinhas na cozinha 30,2% dos pais; 19,5% não tinham facas guardadas em locais inacessíveis a crianças e 22,8% já tinham cozinhado com as crianças ao colo. A maioria (86,1%) preocupava-se em usar os bicos de trás do fogão e afastava da sua borda, os cabos ou pegas (95,0%). Em relação aos detergentes, 49,1% não os guardavam em local inacessível e 8,5% admitiram mudar o detergente da sua embalagem original, sendo este acto mais frequente nos pais de escolaridade mais baixa (B 19,6%, S 11,6%, SU 1,5%, p=0,000).

No banho, 15,3% já deixaram o filho sozinho na banheira, a maioria (94,3%) esvaziava imediatamente a banheira, 97,5% verificavam a temperatura da água e 84,0% tinham tapetes anti-derrapantes.

No quarto, 6,0% dos pais admitiram usar cobertores eléctricos ou botijas de água quente e 2,8% cobriam o candeeiro com pano para reduzir a luminosidade.

Todos os pais escolhiam os brinquedos de acordo com a idade; 34,2% das crianças usa ou usou andarilho e 22,4% já deixaram os filhos ao cuidado de um menor (B 30,4%, S 25,3%, SU 7,8%, p 0,039). Apenas metade dos pais (52,3%) tinham capacete para os filhos andarem de bicicleta ou triciclo.

No carro, 98,2% possuíam o sistema de retenção adequado, mas 32,4% admitiram já ter transportado o filho ao colo.

A maioria (95,0%) tinha os medicamentos guardados em armários fechados ou inacessíveis e cerca de metade (49,1%) tomava medicamentos em frente às crianças.

Apenas 19 pais (6,8%) possuíam armas de fogo, em todos os casos guardados em locais inacessíveis, mas 4 delas guardadas com munições.

No total, 19% já tinham sofrido algum tipo de acidente doméstico, o qual motivou avaliação médica.

 

DISCUSSÃO/CONCLUSÕES

Muitos adultos não cumprem as regras básicas de segurança e a maioria das habitações não parece estar devidamente preparada para a segurança das crianças.

Um número significativo de pais não possui trincos de segurança nas varandas ou janelas ou protecções nas escadas (40,2% e 47,5%, respectivamente), medidas de prevenção importantes, dado que as quedas são um motivo frequente de recurso ao serviço de urgência (3). Nestas medidas de prevenção de acidentes os pais com habilitações académicas superiores são menos cumpridores, com valores estatisticamente significativos.

Apesar do material de protecção de tomadas e esquinas dos móveis estar disponível em locais acessíveis à população, muitos pais ainda não os aplicam nas habitações (33,1% e 70,2%, respectivamente).

Os pais com menores habilitações académicas parecem ter maior propensão à troca da embalagem original dos detergentes, causa comum de intoxicações na infância e deixam mais vezes os filhos ao cuidado de um menor. Essas diferenças tiveram significado estatístico.

Salienta-se o número ainda elevado (34,2%) de pais que permitem o uso do andarilho e apenas cerca de metade, promove o uso de capacete para as bicicletas ou triciclos.

As campanhas de prevenção de acidentes rodoviários, bem como o uso obrigatório de sistema de retenção(5), levam a que a grande maioria tenha o sistema adequado à idade; mas há ainda um número expressivo de pais (32,4%) que admitem transportar os filhos ao colo no carro.

Considerando os diferentes graus de escolaridade e a aplicação de medidas de segurança na habitação e no carro, só encontramos diferenças estatisticamente significativas em quatro parâmetros dos 26 avaliados, não se evidenciando uma relação entre o nível de educação e a adopção de medidas de prevenção de acidentes pelas famílias.

Podemos observar que muitas regras de segurança são ainda desconhecidas ou, então, não são bem implementadas pelos pais. Os médicos são sugeridos como uma das principais fontes de informação sobre a prevenção de acidentes. A consulta é a ocasião por excelência em que o médico pode promover a educação da família na prevenção de acidentes, ao fornecer a informação de uma forma clara e compreensível.

Os profissionais de saúde têm uma grande responsabilidade na educação e alerta da família para a prevenção de acidentes, pois estes conferem-lhe uma grande credibilidade. São intervenientes activos na mudança de comportamentos e atitudes, no sentido da prevenção de acidentes e minimização das sequelas que deles podem advir.

Face à sua importância, este tema tem estado na ordem do dia. A percepção como factor causador de doença grave potencialmente evitável, tem levado à adopção de medidas legais, criando normas adequadas à idade e tamanho pediátrico, pretendendo criar um mundo mais seguro para as crianças. A criação de associações cívicas com o objectivo de identificar as potenciais causas e informar sob a sua prevenção tem permitido a execução de um trabalho de grande importância, que se tem reflectido na melhoria dos indicadores.

Qualquer acidente com uma criança é uma situação potencialmente dramática, com cobertura dos meios de comunicação social, que divulgando o facto lhe vai dar importância e secundariamente alertar para as medidas de prevenção possíveis, promovendo a sensibilização da população para este grave problema.

Desde há vários anos que a sociedade científica se centra na prevenção primária de acidentes. A todos os profissionais de saúde cabe um papel de extrema responsabilidade, quando sensibilizam e fornecem informação aos cuidadores sobre esta problemática nos contactos programados ou incidentais que têm com a criança.

 

BIBLIOGRAFIA

1. Alto Comissariado para a Saúde, Direcção Geral de Saúde, Associação para a Promoção da Segurança Infantil. Estratégia para a Prevenção dos Acidentes em Portugal. Maio 2009        [ Links ]

2. Associação para a Promoção da Segurança Infantil. Evitar os acidentes no primeiro ano de vida. In Vale a pena crescer em segurança. Lisboa: APSI; 2003 Lisboa, 3ª Edição. 2003        [ Links ]

3. Rivara FP, Grossman D. Injury control. in Kliegman. Nelson Textbook of Pediatrics. 18th ed. Saunders Elsevier; 2007. p.366-374        [ Links ]

4. Associação Nacional de Municípios. In http://www.anmp.pt/        [ Links ]

5. Direcção Geral de Saúde. Transporte de Crianças em Automóvel desde a alta da Maternidade. Circular Normativa º 16/ DSMIA, de 02/12/2002        [ Links ]

 

CORRESPONDÊNCIA

Ana Margarida Costa

E-mail: anampbc@gmail.com

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