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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.20 no.3 Porto  2011

 

Tratamento dietético no metabolismo proteico

 

Manuela Ferreira de Almeida1

1 Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães

2 Dep. Genética, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, IP

 

As doenças hereditárias do metabolismo (DHM) são consideradas mais importantes pela sua gravidade que pela sua frequência. Segundo uma perspectiva patofisiológica, estas doenças podem ser enquadradas em três grupos: as que envolvem distúrbios da síntese ou degradação de moléculas complexas, as que dão origem a intoxicação por acumulação de substratos ou as que interferem no metabolismo energético.

Os efeitos negativos das DHM podem ser evitados ou significativamente diminuídos se for feito um diagnóstico precoce, de modo a iniciar um programa terapêutico atempado. O Programa Nacional de Diagnóstico Precoce (PNDP) teve o seu início em 1979-80, com o rastreio da fenilcetonúria e hipotiroidismo, ten­do sido recentemente alargado com o uso da Espectrometria de Massa em Tandem (MS/MS) a 23 novas patologias susceptíveis de tratamento numa fase precoce. A colheita de sangue deve ser efectuada em papel de filtro entre o 3º e o 6º dia de vida, habitualmente nos Centros de Saúde, com envio imediato das amostras para o Laboratório Nacional de Rastreios – Centro de Genética Médica, INSA IP. Neste sentido, os doentes rastreados precocemente pelo PNDP, e/ou diagnosticados clinicamente são encaminhados para centros especializados no tratamento deste tipo de patologias (despacho nº 4326/2008, 2ª série), onde se ini­cia de imediato o tratamento, evitando as graves consequências típicas da fase aguda, realçando de entre elas, a instalação de sequelas neurológicas irreversíveis. O diagnóstico atempado e o bom controlo metabólico são cruciais para assegurar o prognóstico favorável destes doentes.

De entre as mais de 300 DHM descritas, algumas desencadeiam quadros de intoxicação, tais como as causadas por defeitos no metabolismo dos aminoácidos, sendo designadas como doenças hereditárias do metabolismo proteico (DHMP), e de que fazem parte as aminoacidopatias, as acidúrias orgânicas e as doenças do ciclo da ureia.

As DHMP têm particular interesse, na medida em que é possível uma abordagem nutricional no seu tratamento. Os princípios gerais do tratamento, neste tipo de patologias, consistem:

- no controlo do aporte de proteína natural, reduzindo assim a disponibilidade do substrato na via metabólica afectada;

- na diminuição do catabolismo proteico e na promoção do anabolismo, evitando assim a acumulação dos produtos tó­xicos e lesões no sistema nervoso central;

- em manter uma preocupação constante com a promoção de uma nutrição correcta para permitir o crescimento.

Para tal, é necessário o conhecimento rigoroso da composição nutricional dos alimentos disponíveis e permitidos no sentido de melhor adaptar os planos alimentares às necessidades dos doentes.

Este tipo de tratamento requer uma estreita relação entre os familiares e os profissionais de saúde especializados em variadas áreas (médico, nutricionista, psicólogo, geneticista, bio­químico/ farmacêutico, etc.) para estabelecer a terapia adaptada a cada caso e controlar a sua resposta à terapêutica.

Nesta apresentação particularizamos o tratamento nutricional e dietético de três aminoacidopatias rastreadas através do PNDP: fenilcetonúria (PKU), Homocistinúria (HOM), Leucinose (MSUD) e de uma das doenças do ciclo da ureia que não é pas­sível de ser diagnosticada através do PNDP: Défice da transcar­bamilase da ornitina (OTC).

A actuação nutricional e dietética é similar nestas patologias, sendo fundamental quantificar/restringir a ingestão de certos alimentos. O tratamento consiste em todas estas DHMP na implementação de uma dieta restrita em proteína natural e no caso da PKU, HOM e MSUD, nos aminoácidos que provo­cam intoxicação (Tabela 1). De modo a garantir as necessidades proteicas, é feita uma suplementação com uma mistura de aminoácidos essenciais no caso da OCT, ou com misturas de aminoácidos isentas dos aminoácidos que provocam intoxicação no caso da PKU, HCU e MSUD. A esta mistura deve adicionar-se uma fonte de proteína natural e fontes glicídicas e lipídicas, devendo dividir-se o mais possível o total das tomas ao longo do dia. O aporte em glícidos e lípidos, suplementados ou fornecidos em parte pelos alimentos hipoproteicos, permite satisfazer as necessidades energéticas, tentando evitar o catabolismo proteico e constituindo uma mais-valia para o encaminhamento dos aminoácidos para os processos de síntese. Dadas as restrições alimentares características deste padrão alimentar, é feita suplementação em micronutrientes.

 

Tabela 1 – Doenças Hereditárias do Metabolismo Tratadas com uma Dieta Hipoproteica

 

Em situação crítica de descompensação, para evitar as consequências graves para a criança, a dieta terá de sofrer modificações do aporte nutritivo, com restrição do aporte proteico e incremento do aporte energético (dietas de semi-urgência e de urgência).

O estado nutricional destes doentes deve merecer uma atenção especial. Deve realizar-se uma investigação analítica global com estudo hematológico, bioquímico e das funções renal e hepática. A ingestão lipídica deve ser devidamente monitoriza­da de modo a optimizar o aporte de ácidos gordos essenciais. A avaliação da composição corporal, por bioimpedância eléctrica tetrapolar, será igualmente útil, de modo a constatar a evolução da massa celular e do ângulo de fase.

A preocupação inicial do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce centrou-se na prevenção das consequências neurológicas impostas pelas doenças. Actualmente, e com este primeiro objectivo concretizado para as patologias que rastreia, apresentam-se as recomendações e alguns aspectos particulares da intervenção nutricional nas DHMP, focando-se o tratamento dietético na generalidade e a adaptação da dieta às diferentes fases da vida do doente, tendo em vista a optimização do estado nutricional dos doentes hereditários do metabolismo proteico.

 

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