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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.28 no.3 Lisboa set. 2020

https://doi.org/10.32932/rpia.2020.09.039 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Hipersensibilidade a corticosteroides – Uma revisão

Hypersensitivity to corticosteroids – A review

 

Iolanda Alen Coutinho, Joana Pita, Ana Luísa Moura, Marta Alves, Carlos Loureiro, Ana Todo Bom

Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Coimbra

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Os corticosteroides são fármacos anti-inflamatórios amplamente utilizados na prática clínica e as reações de hipersensibilidade, com apresentação imediata ou tardia têm sido cada vez mais descritas na literatura. As reações de hipersensibilidade podem ocorrer devido aos corticosteroides ou aos excipientes utilizados nas suas preparações. Os testes cutâneos podem auxiliar na confirmação diagnóstica e na identificação de uma alternativa terapêutica.

O presente trabalho tem como objetivo a revisão do conhecimento atual sobre a apresentação clínica, a avaliação e abordagem diagnóstica das reações de hipersensibilidade imediata e tardia a corticosteroides.

Palavras-chave: Corticosteroides, hipersensibilidade, testes cutâneos.

 

ABSTRACT

Corticosteroids are anti-inflammatory drugs widely used in clinical practice. Hypersensitivity reactions, with immediate or late presentation, have been increasingly described in the literature. Hypersensitivity reactions may occur due to the corticosteroid or due to the excipients used in its preparation. Skin tests may aid in the diagnostic confirmation and in the identification of an alternative therapeutic agent.

Our objective is to review current knowledge about the clinical presentation, evaluation and diagnostic approach of immediate and delayed hypersensitivity reactions to corticosteroids.

Key-words: Corticosteroids, hypersensitivity, skin tests.

 

INTRODUÇÃO

Os corticosteroides (também designados glicocorticoides ou esteroides) (CT) são um grupo de hormonas esteroides produzidas pelas glândulas suprarrenais ou derivados sintéticos1. São compostos químicos derivados do colesterol, cuja estrutura consiste em três anéis com seis átomos de carbono e um anel com cinco átomos de carbono1. Os diferentes CT apresentam variações a nível das ligações covalentes, particularmente nos grupos metil e ligações acetonido, que determinam as suas características de solubilidade, preparação e degradação2.

As propriedades terapêuticas dos CT foram demonstradas por Edward Kendall e Philip Hench em 19483,4. Consideram-se substâncias lipofílicas que interferem no metabolismo dos hidratos de carbono, lípidos e proteínas, sendo considerados uma das classes farmacológicas mais potentes com funções anti-inflamatórias, imunossupressoras, antiproliferativas e antialérgicas.

O principal mecanismo de ação consiste na inibição da fosfolipase A2 e consequente inibição do metabolismo do ácido araquidónico e outros mediadores inflamatórios, como prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos1,5,6. Durante a década de 1950 descobriu-se que a hidrocortisona poderia reduzir a inflamação e proliferação em algumas doenças de pele7. As modificações químicas deste fármaco deram origem a múltiplos CT de potência variável, cada um com propriedades específicas7.

Quanto às vias de administração, estão disponíveis formulações administradas por vias oral, intramuscular, endovenosa, intra-articular e tópica (nomeadamente: cutânea, nasal, inalatória e ocular)8.

A hipersensibilidade aos CT, com apresentação imediata ou tardia, tem sido descrita na literatura nos últimos 30 anos9. O diagnóstico de uma reação de hipersensibilidade a CT continua a ser um desafio9.

Com a presente revisão pretende-se caracterizar a epidemiologia, manifestações clínicas, abordagem diagnóstica e orientação terapêutica perante reações de hipersensibilidade a CT.

HIPERSENSIBILIDADE A CORTICOSTEROIDES

Epidemiologia

Apesar de ser frequente o uso de CT em diferentes doenças, as reações de hipersensibilidade (HS) são incomuns, podendo ser subdiagnosticadas especialmente nos casos em que os CT são utilizados no tratamento de reações alérgicas10.

A incidência de reações de HS aos CT na população geral é baixa, com valores reportados na ordem dos 0,1‑0,3%11, sendo mais comuns em doentes sob terapêutica frequente com estes fármacos12. Os CT mais frequentemente implicados são a metilprednisolona e a hidrocortisona6.

Em termos epidemiológicos, as reações de hipersensibilidade do tipo imediato podem atingir todas as faixas etárias e ocorrem de forma semelhante em ambos os sexos11.

Via tópica

A frequência de reações de HS a CT tópicos cutâneos varia de 0,2 a 5%11,13. Habitualmente as reações são do tipo tardio, sendo a dermatite de contacto a manifestação clínica mais comum9-11.

Via sistémica

As reações de HS após administração sistémica de CT são raramente descritas na literatura7. Em 1998, Klein-Gitelman et al, num estudo de coorte de 213 crianças com doença reumatológica, verificou uma taxa de incidência de 0,1% de reações de HS, na sua maioria imediatas, num total de 10 000 doses de CT sistémicos administradas7.

Na literatura estão descritos cerca de 100 casos de reações de hipersensibilidade imediata a CT após administração oral e parentérica14.

Vias de sensibilização

Existe uma enorme variedade de moléculas de CT e muitas vias de administração disponíveis7. Terapêuticas tópicas e sistémicas são amplamente utilizadas, podendo qualquer uma delas levar a sensibilização do doente7. A via de sensibilização mais comum é, no entanto, a via tópica cutânea, sendo a sensibilização por via nasal ou brônquica menos frequente7.

É de realçar que um doente que apresente uma reacção de HS a um CT administrado por via sistémica pode apresentar como via de sensibilização a via tópica, e vice‑versa7.

Fatores de risco

Via tópica

Os doentes submetidos a tratamentos tópicos cutâneos de longo prazo, como no eczema crónico, dermatite de estase, ulceração crónica, dermatite actínica crónica, entre outras situações, apresentam um risco superior de sensibilização7,15. A alteração da barreira cutânea e/ou ambiente pró-inflamatório presente nestas patologias são os fatores determinantes mais prováveis7.

Vários estudos referem a possibilidade de a atopia ser considerada fator de risco de sensibilização aos CT tópicos7,10,16,17.

Via sistémica

Os fatores de risco para o desenvolvimento de sensibilização aos CT sistémicos ainda não estão esclarecidos, contudo há descrição de uma maior ocorrência de reacções em doentes asmáticos e em doentes tratados regularmente com CT sistémicos7.

Hipersensibilidade alérgica imediata

As reações de HS podem ser classificadas com base no intervalo de tempo entre a exposição ao fármaco e o início das manifestações clínicas18. As reações imediatas ocorrem frequentemente com um intervalo de tempo inferior a uma hora e as reações tardias manifestam-se em intervalos de tempo variáveis, entre mais de uma hora a vários dias após a administração do fármaco18–20.

As reações do tipo imediato são habitualmente IgE mediadas; contudo, estas reações podem ser também dependentes da ativação de células T com posterior libertação de mediadores pró-inflamatórios e citocinas18,19.

Há diversas teorias sobre a ativação celular T nas reacções de hipersensibilidade do tipo imediato, sendo as mais amplamente aceites as seguintes:

– Teoria de ativação por haptenos: Consiste na ligação de aminoácidos resultantes do metabolismo do fármaco que interagem com o complexo principal de histocompatibilidade (MHC) e resultam na apresentação a células apresentadoras de antigénios (APC);

– Conceito p-i: Um fármaco quimicamente inerte, na sua forma nativa, liga-se diretamente (por ligações não covalentes) a moléculas pertencentes ao antígeno leucocitário humano (HLA) ou recetores de células T (TCR), induzindo a ativação e a proliferação clonal de linfócitos T, após contacto com a APC18,19.

Clinicamente, as reações imediatas apresentam um largo espetro de gravidade, de reações que cursam com manifestações mucocutâneas isoladas, como urticária e/ou angioedema, a reações de maior gravidade que se apresentam com anafilaxia/choque anafilático18,21,22. Os casos relatados de anafilaxia e fatalidades ocorreram na primeira hora após administração de CT11.

As reações de HS do tipo imediato a CT são menos frequentes relativamente às reações HS tardias20,21.

Os CT sistémicos mais frequentemente implicados são a metilprednisolona (41%), a prednisolona (20%), a triamcinolona (14%) e a hidrocortisona (10%) e a apresentação clínica mais frequentemente descrita na literatura é a urticária generalizada8,11,20. Contrariamente, a hipersensibilidade à dexametasona é extremamente rara20.

Hipersensibilidade alérgica tardia

As reações tardias, também designadas por reacções de HS do tipo IV, ocorrem através da estimulação de vários tipos de células T por antigénios específicos e atingem frequentemente a pele (um órgão rico em linfócitos T e APC)18,22.

Dependendo do tipo de citocinas produzidas pelos linfócitos T e o tipo de células efetoras envolvidas, as reações de tipo IV subdividem‑se em IVa (células Th1 produtoras de IFN‑γ e TNF‑α com ativação de monócitos/macrófagos), IVb (células Th2 produtoras de IL4/IL5/IL13 com recrutamento e ativação de eosinófilos), IVc (linfócitos T CD4+ e CD8+ com capacidade citotóxica) e tipo IVd (linfócitos produtores de CXCL‑8/GM‑CSF com recrutamento de neutrófilos)18,22.

Clinicamente, as reações de HS tardias podem manifestar-se num espetro que pode variar de urticária, eritema pigmentado fixo, eritema multiforme (associado ou não a componente vasculítico), reação a fármacos com eosinofilia e sintomas sistémicos (DRESS), pustulose exantemática generalizada aguda (AGEP) e dermatoses bolhosas (síndrome de Stevens-Johnson / necrólise epidérmica tóxica)18,21,22.

As reações de hipersensibilidade tardias a CT têm, geralmente, uma apresentação clínica menos grave, consistindo sobretudo em manifestações de dermatite de contacto, por vezes associada a eczema e/ou angioedema6,13.

A principal via de sensibilização aos CT é a pele6,13. Contudo, outras vias de sensibilização são possíveis, como o contacto indireto através da exposição a aerossóis13. Estão descritos na literatura casos de dermatite de contacto em funcionários da área da saúde e familiares de doentes com exposição frequente a aerossóis de budesonida13. Outras vias de sensibilização foram descritas, conjuntival, nasal, respiratória e gastrointestinal13.

O reconhecimento das reações de HS do tipo tardio a CT pode ser um desafio diagnóstico, dada a sua apresentação pouco específica, exigindo um elevado índice de suspeição clínica, particularmente no grupo de doentes que apresenta agravamento clínico da patologia cutânea após a sua utilização13. A apresentação clínica poderá associar-se ainda aos efeitos adversos “clássicos” da utilização crónica de CT, como a atrofia cutânea, a rosácea e a dermatite perioral ou perinasal. Em doentes sensibilizados, a utilização de CT tópicos de uso oftálmico pode resultar em edema facial ou periorbitário e/ou eczema, conjuntivite, enquanto os CT nasais/inalados podem provocar erupções eczematosas em torno dos orifícios (narinas e lábios), bem como reações na mucosa, como estomatite, congestão nasal e rinite crónica8,10,13,23. Estão descritas reações de flare-upem zonas de pele previamente afetada13.

Os excipientes utilizados nas preparações tópicas destes fármacos também podem causar dermatite de contacto e deverão ser testados em casos suspeitos9. Os componentes envolvidos podem ser ésteres (por exemplo succinato, fosfato, butirato e aceponato), lactose, parabenos, formaldeído, isotiazolinonas, lanolina, perfumes, propilenoglicol, carboximetilcelulose, álcool benzílico, polissorbato/tween80, alergénios comummente presentes em preparações tópicas9,10,14,24. Estes aditivos resultam no aumento da penetração e/ou solubilidade do CT na pele9. O éster de sucinato, em particular, é utilizado para aumentar a solubilidade em preparações parentéricas e foi implicado como alergénio em vários casos descritos de hipersensibilidade imediata a CT9.

Hipersensibilidade não alérgica

As reações de HS não alérgicas são mais frequentes, sendo também designadas por “pseudoalergias”, “falsas alergias” ou “intolerância a fármacos”25. Estas reacções podem ocorrer após a primeira administração do fármaco, não requerendo sensibilização prévia26. Um exemplo deste tipo de hipersensibilidade é a toxicidade cardiovascular aguda após a administração de CT em altas doses e/ou em perfusão rápida7. A apresentação clínica como broncospasmo pode ocorrer pela ação de inibição da enzima ciclo-oxigenase6 como no broncospasmo induzido por AINEs em doentes com asma6.

CLASSIFICAÇÃO, POTÊNCIA E REATIVIDADE CRUZADA

A maioria dos estudos sobre alergia aos CT e reatividade cruzada referem-se aos CT tópicos e baseiam-se nos resultados de testes epicutâneos7. Atualmente, perfis semelhantes de classificação são aplicados aos CT sistémicos7.

A classificação proposta inicialmente em 1989 por Coopman et al categoriza os CT tópicos em quatro grupos farmacológicos principais, com base nas características químicas e configurações moleculares: A, B, C e D (Quadro 1)7,27,28, posteriormente reforçada pelos trabalhos de Lepoittevin et al7. Mais tarde, em 2000, Matura et al, através da análise do comportamento particular de certos constituintes dos ésteres do grupo D, propôs a subdivisão adicional em dois subgrupos, ou seja D1, constituído por ésteres estáveis, e D2, constituído por ésteres lábeis7,29.

 

 

A labilidade destes ésteres condiciona uma alteração a nível das propriedades lipofílicas (aumentando a penetração na pele), resultando numa metabolização mais rápida7.

As reações de HS, baseadas em resultados de testes epicutâneos, têm sido descritas com maior frequência para os grupos que não apresentam metilação e halogenação no carbono 16 (grupos A e D2 e também com a budesonida) em comparação com os grupos C e D17. O comportamento da budesonida, que não só reage com outros acetonidos, como também com ésteres, pode ser atribuído à sua estrutura molecular única e estereoespecificidade, resultando numa semelhança com moléculas dos grupos B e D7.

A reatividade cruzada é frequente dentro de cada grupo8, sendo também observada, em menor grau, entre os grupos A e D228. Os CT dos grupos C e D1 raramente cursam com reações de HS e, geralmente, não interagem com CT de outros grupos7. Os CT que apresentam substituição no grupo metil C16 ou alteração do éster em C17, como é o exemplo do furoato de mometasona e do propionato de fluticasona, apresentam características próprias, impedindo a ligação proteína-hapteno, o que justifica o baixo risco de sensibilização primária a estes CT e o baixo risco de reatividade cruzada7.

Com base em resultados de testes epicutâneos e na análise molecular dos CT, Baeck et al propuseram em 2011 uma classificação mais simplificada, que subdivide os CT em três grupos distintos (Quadro 2):

– Grupo 1: Moléculas não metiladas e, maioritariamente, não halogenadas, anteriormente integradas nos grupos A, D2 e budesonida. Trata-se do grupo com maior ocorrência de reações alérgicas.

– Grupo 2: Moléculas halogenadas com estrutura cis-cetal/diol C16/C17; corresponde ao anterior grupo B.

– Grupo 3: Moléculas halogenadas e metiladas em C16; corresponde aos anteriores grupos C e D1.

Os CT deste grupo raramente cursam com reacções de hipersensibilidade13.

Tendo em conta a nova classificação, foram identificados dois perfis de HS tardia aos CT tópicos: perfil 1, em que os doentes reagem a moléculas de um único grupo (mais frequentemente do grupo 1); e perfil 2, em que os doentes podem reagir a qualquer CT (isto é, Grupo 1 e Grupo 2 e/ou Grupo 3). Assim, para doentes com o perfil 1, os agentes alternativos podem ser escolhidos dentro dos grupos 2 e 313. Para os doentes correspondentes ao perfil 2, a utilização de um CT alternativo deverá ser individualizada, após avaliação de sensibilização/tolerância13,30. Outra opção alternativa aos CT tópicos, em algumas patologias cutâneas, são os inibidores da calcineurina, tacrolimus e pimecrolimus13.

A reatividade cruzada entre CT foi também observada para as reações imediatas, no entanto com uma classificação e padrão de reatividade cruzada diferentes das reações tardias, mais associadas a CT tópicos13. Deste modo, estão descritos alguns casos de reações de hipersensibilidade à hidrocortisona e metilprednisolona sem evidência de reatividade cruzada13. Vários autores relataram reações alérgicas apenas aos CT associados a ésteres de succinato na sua composição, não apresentando assim reatividade cruzada com moléculas não esterificadas, ou com aquelas que apresentavam outros ésteres em substituição, isto é, fosfato ou acetato13. Na maioria dos casos de reação imediata a CT sistémicos, os doentes apresentam tolerância a moléculas halogenadas, como por exemplo à betametasona e à dexametasona13. A estratégia diagnóstica assenta na avaliação sistemática e individualizada dos perfis de sensibilização e tolerância13.

Num estudo português foram estudados retrospectivamente seis doentes com história de reação imediata a um ou mais CT sistémicos (metilprednisolona, prednisolona e/ou hidrocortisona)20 submetidos a testes cutâneos por picada e intradérmicos com leitura imediata a hidrocortisona, metilprednisolona, prednisolona e dexametasona, apresentando todos eles resultados positivos para pelo menos um dos CT testados e em três doentes para mais do que um CT20. Todos os testes realizados com a dexametasona foram negativos, o que permitiu a sua utilização como CT alternativo por via parentérica em dois doentes20. Todos foram submetidos a prova de provocação oral alternativa com deflazacorte, apresentando resultados negativos em todos os casos avaliados, por isso este estudo sugere a utilização de deflazacorte como alternativa terapêutica viável e segura para administração oral em doentes com história de reação de HS a CT sistémicos20.

A potência dos CT está estreitamente relacionada com a sua potência anti-inflamatória. O Quadro 3 apresenta a potência relativa e as doses equivalentes dos CT sistémicos e o Quadro 4 agrupa os CT tópicos por graus de potência23,31.

 

 

DIAGNÓSTICO DE REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE A CORTICOESTEROIDES

Os testes cutâneos são ferramentas diagnósticas de grande utilidade na avaliação da HS a fármacos9. A determinação sérica dos valores de IgE específica para diagnóstico de HS a CT não está disponível na prática clínica diária, sendo atualmente apenas realizada no âmbito de investigação científica11.

O algoritmo para abordagem diagnóstica de doentes com história suspeita de reações de HS após administração de CT depende da via de administração utilizada (tópica ou sistémica) e do tempo decorrido entre a administração do medicamento e o desenvolvimento de sintomas10. Na Figura 1 apresentamos uma proposta de algoritmo de abordagem às reações de HS a CT.

Via tópica

Relativamente às reações de hipersensibilidade a CT tópicos, o gold-standard para o diagnóstico são os testes epicutâneos/patch tests, que permitem uma deteção de cerca de 90% dos doentes alérgicos10,32 Quadro 5. Os resultados falsos positivos podem resultar de reacções cutâneas irritativas de caráter não alérgico10.

Atualmente o pivalato de tixocortol e a budesonida pertencem às baterias de testes epicutâneos-padrão americana e europeia Thin-layer rapid use epicutaneous patch test for Topical Use Only (T.R.U.E. test) e The European Baseline Series, respetivamente33. Num trabalho realizado em Inglaterra foi estudada uma população de 2123 doentes com dermatite de contacto a CT e aplicados testes epicutâneos com seis CT diferentes – pivalato de tixocortol, budesonida, butirato de hidrocortisona, valerato de betametasona, butirato de clobetasona e propionato de clobetasol34. A combinação dos resultados dos testes epicutâneos ao pivalato de tixocortol e budesonida permitiu a identificação de cerca de 91,3% dos doentes desta população11,34. Num estudo retrospetivo realizado nos EUA foram avaliados os resultados de testes epicutâneos em doentes com suspeita de dermatite de contacto a CT tópicos num período de 6 anos33. O pivalato de tixocortol e a budesonida têm sido dos fármacos mais frequentemente implicados nas reações de HS a CT tópicos, sob forma de apresentação de dermatite de contacto13,33.

Apesar de os testes epicutâneos serem recomendados como método de eleição para o diagnóstico de reações de HS tardia a CT, a frequência de falso-negativos não é conhecida7,10,30 e alguns autores recomendam que, perante a suspeita diagnóstica e resultados negativos nos testes epicutâneos, sejam realizados testes intradérmicos com leituras tardias (24-72h)7,10,30.

Os testes intradérmicos com leituras tardias, apesar de detetarem casos adicionais de HS a CT, não devem ser realizados rotineiramente devido ao risco importante de atrofia cutânea30.

Deve ainda ter-se em consideração a possibilidade de hipersensibilidade aos excipientes em doentes com testes epicutâneos negativos aos CT apesar de clínica sugestiva, ou em doentes que toleram apenas formulações específicas9,14.

Os doentes com manifestações de dermatite de contacto a CT podem tolerar os mesmos fármacos administrados por via sistémica; no entanto, deve considerar-se a possibilidade de ocorrência de dermatite de contacto sistémica10. Apesar de tipicamente as manifestações sistémicas de HS a CT se associarem a CT administrados por via sistémica, reações como dermatite de contacto sistémica podem ocorrer, nomeadamente após a aplicação de CT tópicos por via nasal ou inalatória7.

Via sistémica

Tipicamente as reações de HS imediata a CT associam-se a CT sistémicos administrados por via oral ou parentérica7,14. A abordagem diagnóstica inicial cursa com a realização de testes cutâneos por picada7,14 e testes intradérmicos com leitura imediata realizados em concentrações crescentes e não irritativas (Quadro 6)7,14.

 

 

Os testes podem também permitir a identificação de um agente alternativo14.

Dados recentes têm contribuído para aferir a validade da utilização dos testes intradérmicos no diagnóstico de reações de HS imediata a CT, contudo os valores de especificidade e de sensibilidade ainda não foram determinados9,14.

Apesar da baixa utilidade dos testes in vitro(IgE específica e teste de ativação de basófilos) no diagnóstico de HS a CT, foram descritos recentemente três casos de reações de HS imediata após administração de succinato de metilprednisolona, onde o mecanismo IgE mediado específico foi detetado, não só através da realização de testes cutâneos, como também através de testes in vitro, nomeadamente teste de ativação de basófilos e Immuno-CAP®35. O teste de ativação de basófilos consiste na identificação, por citometria de fluxo, do aumento da expressão de marcadores de superfície dos basófilos, após estimulação com alergénios ou fármacos36. O Immuno-CAP® consiste num método de medição capaz de identificar e determinar semiquantitativamente a presença de anticorpos específicos da classe IgE37.

Contudo, a prova de provocação duplamente cega e controlada por placebo mantém-se o gold standard para o diagnóstico5,8.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Os CT são uma classe farmacológica amplamente utilizada na prática clínica diária em diversos campos da medicina38, cujas reações de hipersensibilidade têm vindo a ser descritas na literatura com uma frequência crescente39.

A utilização de CT no tratamento de patologias alérgicas torna o diagnóstico de hipersensibilidade aos CT um desafio. A realização de uma história clínica detalhada associada a um elevado grau de suspeição são essenciais para o diagnóstico, sendo particularmente importante perante quadros de dermatite crónica recorrente, com uma evolução paradoxal pela possibilidade de sensibilização aos CT tópicos utilizados.

As reações do tipo imediato, apesar de menos frequentes, podem ser fatais e não devem ser subestimadas. A realização de testes cutâneos por picada/intradérmicos e epicutâneos auxiliam na identificação do fármaco implicado e de potenciais alternativos. No entanto, a prova de provocação mantém-se o gold standard.

A investigação futura deverá aferir a utilidade dos testes cutâneos, de forma a elevar a capacidade de diagnóstico de hipersensibilidade aos CT e excipientes.

 

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Contacto:

Iolanda Alen Coutinho

Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Praceta Prof. Mota Pinto

3000-075 Coimbra, Portugal

Email: iolandaalen@gmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram que não existem conflitos de interesses.

 

Data de receção / Received in: 21/06/2019

Data de aceitação / Accepted for publication in: 04/12/2019

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