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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

Print version ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.28 no.2 Lisboa June 2020

https://doi.org/10.32932/rpia.2020.06.036 

CASO CLÍNICO

 

Eczema herpeticum: A propósito de um caso clínico

Eczema herpeticum: A case-report

 

Ana Rodolfo1, Ana Maia2, Artur Bonito-Vítor2

1 Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar de São João, Porto

2 Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de São João, Porto

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Lactente de 8 meses, do género masculino, seguido em consulta de pediatria por dermatite atópica (DA) grave, recorreu ao serviço de urgência por agudização da DA, anorexia, febre e mau estado geral com três dias de evolução e sem melhoria, apesar de antibioterapia com amoxicilina/ácido clavulânico, por suspeita de otite média aguda. Ao exame objetivo constatavam-se múltiplas lesões eczematosas crónicas com erosões extensas, exsudativas e friáveis, predominantemente na região perioral. Apresentava, adicionalmente, múltiplas lesões em alvo com vesícula central e agrupamento herpetiforme ao nível dos ombros, flexuras antecubitais e poplíteas, dorso das mãos e períneo, pelo que foi internado com a hipótese diagnóstica de complicação da DA no contexto de eczema herpeticum e medicado empiricamente com amoxicilina/ácido clavulânico e aciclovir endovenosos. A colheita do exsudado cutâneo confirmou infeção por vírus Herpes simplex do tipo 1. Obteve-se apirexia ao terceiro dia de aciclovir, com melhoria progressiva das lesões cutâneas e do apetite. Alta após nove dias de internamento.

Palavras-chave: Dermatite atópica, eczema herpeticum, vírus herpes simplex.

 

ABSTRACT

An 8-month-old male infant, followed in a pediatric consultation for severe atopic dermatitis (AD), went to the emergency department due to exacerbation of AD, anorexia, fever and poor general condition with three days of evolution and without improvement despite being under antibiotic therapy with amoxicillin / clavulanic acid, on suspicion of acute otitis media. On objective examination, multiple chronic eczematous lesions with extensive, exudative and friable erosions were found, predominantly in the perioral region. In addition, he presented multiple target lesions with central vesicle and herpetiform grouping at the shoulders, antecubital and popliteal flexures, back of the hands and perineum, so he was admitted with the diagnostic hypothesis of AD complication in the context of eczema herpeticum and empirically medicated with intravenous amoxicillin / clavulanic acid and acyclovir. The collection of skin exudate confirmed infection with Herpes Simplex Virus type 1. Apyrexia was reached on the third day of acyclovir, with progressive improvement of skin lesions and appetite. Discharged after nine days of hospitalization.

Key-words: Atopic dermatitis, eczema herpeticum, simplex herpes virus.

 

INTRODUÇÃO

O EH é caracterizado pela sobre-infeção vírica de uma dermatose inflamatória preexistente, com maior incidência relativa em doentes com o diagnóstico de dermatite atópica (DA)1. É habitualmente condicionado pelos vírus Herpes simplex (VHS) tipo 1 e 22, sendo considerada uma entidade clínica que, apesar de rara, se assume como uma das poucas emergências dermatológicas existentes, com elevadas morbilidade e mortalidade associadas à disseminação sistémica da infeção viral3,4.

CASO CLÍNICO

Apresentamos o caso de um lactente de 8 meses, do género masculino, internado por agravamento progressivo da DA desde há cerca de um mês, mesmo sob corticoterapia sistémica, acompanhado por febre com cerca de 72h de evolução (temperatura máxima de 40,9º C), anorexia e prostração marcadas. Observado no início do quadro febril por Medicina Geral e Familiar e medicado com amoxicilina/ácido clavulânico (D3) por suspeita de otite média aguda. À observação, encontrava-se prostrado e com sinais de desidratação, com adenomegalias cervicais palpáveis e eczema exuberante disperso, com múltiplas lesões impetiginadas, com particular atingimento da região perioral. Apresentava simultaneamente múltiplas lesões em alvo com vesícula central e agrupamento herpetiforme, localizadas na face (com atingimento dos pavilhões auriculares), ombros, flexuras antecubitais e poplíteas, dorso das mãos e períneo.

Os pais do lactente desconheciam o tempo de evolução destas lesões, uma vez que não as diferenciavam das restantes alterações cutâneas presentes. Sem sinais de dificuldade respiratória, sinais meníngeos ou outras alterações relevantes ao exame objetivo. Foi realizado estudo analítico com hemograma, sem alterações, nomeadamente sem leucocitose, porém com PCR de 109 mg/dL.

Dados os diagnósticos prováveis de sobreinfeção bacteriana da DA e de eczema herpeticum (EH), foi internado no serviço de pediatria medicado com antibioterapia empírica com amoxicilina/ácido clavulânico endovenoso (90 mg/kg/dia) e aciclovir endovenoso (250mg/m2) e realizaram-se zaragatoas do exsudado das lesões para estudo bacteriológico, micológico e pesquisa de ácido desoxirribonucleico (ADN) dos VHS 1 e 2 e do vírus varicela-zóster (VVZ).

Obteve-se positividade para Candida albicans e para o ADN do VHS1. Realizou ainda serologias para VHS 1 e 2 e hemocultura, que foram negativas. Optou-se por não realizar antifúngico, uma vez que se considerou colonização por Candida albicans. Dada a existência de lesões na região periocular, foi solicitada avaliação por of talmologia, que excluiu quaisquer complicações oftalmológicas. A análise do exsudado cutâneo é positiva para o ADN do VHS1. As serologias para VHS tipos 1 e 2, pesquisa de ADN do VVZ no exsudado cutâneo e bacteriologia do exsudado cutâneo foram negativos. O estudo micológico demonstrou igualmente sobreinfeção por Candida albicans. A hemocultura foi negativa. O lactente teve alta após 9 dias de internamento, concluídos 7 dias de aciclovir endovenoso.

O lactente era previamente seguido em consulta de pediatria e imunoalergologia por DA grave e refratária ao tratamento desde os dois meses, observando-se reversão clínica significativa habitualmente apenas após introdução de corticoterapia sistémica (betametasona). Encontrava-se igualmente em estudo por hipogamaglobulinemia (com IgG total de 188mg/dL e ligeira diminuição dos CD3CD8+ e CD19+) e por suspeita de alergia alimentar ao ovo (IgE específica para clara do ovo de 5,97 KU/L) e ao trigo (IgE específica para de 17,6 KU/L), com aparente impacto na gravidade da DA. Não tinha antecedentes familiares de atopia ou imunodeficiência. Nas Figuras 1 e 2 é possível observar a criança em causa em D3 de internamento e 9 meses depois, respetivamente.

 

 

 

CONCLUSÃO

O caso apresentado alerta para a necessidade de considerar o EH como um possível diagnóstico diferencial durante a avaliação de doentes com DA grave e/ou agudizada, sobretudo aquando da coexistência de comprometimento do estado geral. O EH deverá ser ponderado em particular em doentes com compromisso imunológico, nomeadamente com origem iatrogénica (corticoterapia, inibidores da calcineurina)3,5, que podem apresentar inclusivamente coinfeção cutânea por bactérias (sobretudo o Staphylococcus aureus) e/ou fungos (como a Candida albicans)6,7. O desenvolvimento precoce de DA parece ser também um fator de risco importante2. O diagnóstico precoce é fundamental, uma vez que permite o início imediato do tratamento específico de forma a diminuir a elevada morbilidade e mortalidade associadas a esta entidade clínica.

O EH é caracterizado por alterações eritematovesiculares, que se apresentam sob a forma de pequenas vesículas monomórficas com distribuição herpetiforme, as quais sofrem rutura, originando lesões com uma pequena depressão sobre um fundo eritematoso3. As vesículas herpéticas distribuem-se geralmente de forma extensa na superfície mucocutânea, com envolvimento sobretudo da face, região cervical e região superior do tronco5. As manifestações mucocutâneas são com frequência acompanhadas por mau estado geral, febre e adenomegalias2. O facto de o EH poder ser confundido com a dermatose inflamatória de base ou com uma possível sobre-infeção bacteriana (que geralmente coexiste) dificulta o diagnóstico. O diagnóstico diferencial é, portanto, complexo e inclui fundamentalmente o impetigo e a varicela, sobretudo na infância2. Outras infeções cutâneas víricas deverão ser também consideradas, nomeadamente o vírus do molluscum contagiosum e o vírus do papiloma humano (verruga vulgar)2.

Dada a complexidade do diagnóstico diferencial, a realização de exames complementares de diagnóstico é geralmente necessária5,6. Existem múltiplas técnicas disponíveis para o diagnóstico do EH, porém a identificação do ADN do vírus por PCR é o método diagnóstico mais comummente realizado, por ser económico e simples, para além de eficaz3. Uma vez que esta técnica nem sempre se encontra disponível, o teste de Tzanck é um método diagnóstico alternativo e eficaz2. A infeção bacteriana secundária destas lesões é frequente (nomeadamente por Staphylococcus aureus), pelo que o estudo bacteriológico das zaragatoas das lesões é essencial. Uma vez que o compromisso do sistema imunitário está associado a um risco aumentado de EH, deve ser realizado o estudo do status imunológico do doente.

Perante a suspeita clínica de EH deverá ser realizado esfregaço/biópsia cutânea para confirmação da infeção por HSV1 e iniciada, de imediato, a administração de aciclovir, por via oral (20 mg/kg/dose, quatro vezes por dia, durante cinco a sete dias, dose máxima de 800 mg/dose) ou endovenosa (25mg/kg/dia divididos em três administrações diárias, durante cinco a dez dias)2,3. A administração por via endovenosa deverá ser considerada nos casos de maior gravidade, incluindo doentes com imunodeficiência, assim como em crianças com menos de 24 meses3.

Embora em alguns casos possa ser simultaneamente iniciado tratamento empírico com antibioterapia sistémica e tópica, a aplicação generalizada de antibioterapia empírica não parece ter um impacto significativo no prognóstico dos doentes7. Dado o elevado risco de complicações oculares, a observação por oftalmologia deve ser ponderada6, sobretudo se existirem leões perioculares ou alterações oculares.

Uma vez que a infeção por HSV pode ser primária ou secundária, a recorrência do EH é possível, embora pouco frequente2.

 

REFERÊNCIAS

1. Hsu DY, Shinkai K, Silverberg JI. Epidemiology of eczema herpeticum in hospitalized U.S. children: Analysis of a nationwide cohort. J Invest Dermatol 2018;138(2):265-72.         [ Links ]

2. Wollenberg A, Zoch C, Wetzel S, Plewig G, Przybilla B. Predisposing factors and clinical features of eczema herpeticum: a retrospective analysis of 100 cases. J Am Acad Dermatol 2003;49(2):198-205.         [ Links ]

3. Blanter M, Vickers J, Russo M, Safai B. Eczema herpeticum: Would you know it if you saw it? Pediatr Emerg Care 2015;31(8):586-8.         [ Links ]

4. Dudgeon JA. Eczema herpeticum: a potentially fatal disease. Br Med J (Clin Res Ed) 1987;294(6576):905.         [ Links ]

5. Frisch S, Siegfried EC. The clinical spectrum and therapeutic challenge of eczema herpeticum.         [ Links ] Pediatr Dermatol 2011;28(1):46-52.

6. Liaw FY, Huang CF, Hsueh JT, Chiang CP. Eczema herpeticum: a medical emergency. Can Fam Physician 2012;58(12):1358-61.         [ Links ]

7. Aronson PL, Yan AC, Mohamad Z, Mittal MK, Shah SS. Empiric antibiotics and outcomes of children hospitalized with eczema herpeticum. Pediatr Dermatol 2013;30(2):207-14.         [ Links ]

 

Contacto:

Ana Rodolfo

Email: anaiprodolfo@gmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram que não existem conflitos de interesse.

 

Data de receção / Received in: 23/08/2019

Data de aceitação / Accepted for publication in: 03/10/2019

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