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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.28 no.1 Lisboa mar. 2020

https://doi.org/10.32932/rpia.2020.03.031 

CASO CLÍNICO

 

Caso clínico: Hipersensibilidade tardia à budesonida inalada

Case Report: Late hypersensitivity to inhaled budesonide

 

Sara Carvalho1, Guilherme Oliveira2, Fátima Cabral Duarte1, Manuel Pereira Barbosa1,3

1 Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte

2 USF Rodrigues Miguéis, ACES Lisboa Norte

3 Clínica Universitária de Imunoalergologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Introdução: A budesonida é um glucocorticoide usado no tratamento de várias patologias, como asma e rinite. As reações de hipersensibilidade à budesonida são pouco frequentes e na sua maioria são reações tardias. Casoclínico: Doente do sexo feminino, 59 anos, iniciou terapêutica inalatória com budesonida 160mcg+formoterol 4,5mcg em contexto de quadro de tosse e pieira recorrente com 6 meses de evolução. Uma semana após o início deste tratamento, apresentou dispneia e ardor orofaríngeo de agravamento progressivo seguido de edema da úvula. Posteriormente, foi encaminhada para a consulta de imunoalergologia. Do estudo realizado, salientam‑se testes epicutâneos com a bateria standard do Grupo Português de Dermatites de Contacto positivos para a budesonida (0,1%) e com produtos da doente, apenas positivos para a associação budesonida 160mcg+formoterol 4,5mcg, ambos às 96h. Discussão/Conclusão: Foi, assim, estabelecido o diagnóstico de reação de hipersensibilidade tardia à budesonida inalada, tendo os testes epicutâneos confirmado hipersensibilidade tipo IV.

Palavras‑chave: Asma brônquica, budesonida, hipersensibilidade tipo IV, rinite alérgica, testes epicutâneos.

 

ABSTRACT

Background: Budesonide is a glucocorticoid used in the treatment of various pathologies such as asthma and rhinitis. Hypersensitivity reactions to budesonide are uncommon and are mostly late reactions. Clinical case: Female patient, 59 years old, started inhaled therapy with budesonide 160mcg + formoterol 4.5mcg in a context of recurrent cough and wheezing with 6 months of evolution. A week after the onset of this treatment, the patient presented with bronchospasm, oropharyngeal burning of progressive aggravation followed by edema of the uvula. Later, she was referred for immunoallergology consultation. From the allergology study, epicutaneous tests with the standard Portuguese Group of Contact Dermatitis were positive for budesonide (0.1%) and tests with patient’s products were positive for budesonide 160mcg + formoterol 4.5mcg, both at 96h. Discussion/Conclusion: The diagnosis of delayed hypersensitivity reaction to inhaled budesonide was established and epicutaneous tests confirmed type IV hypersensitivity.

Keywords: Allergic rhinitis, bronchial asthma, budesonide, hypersensitivity type IV, patch tests.

 

INTRODUÇÃO

A budesonida é um glucocorticoide utilizado no tratamento de várias patologias, nomeadamente asma, doença pulmonar obstrutiva crónica, rinite alérgica e outras doenças do foro respiratório e cutâneas1,2.

Os corticosteroides podem ser divididos em 4 classes (Quadro 1) com base na semelhança da estrutura química.

 

 

Há um aumento de probabilidade de reatividade cruzada dentro da mesma classe, mas também pode ocorrer entre classes diferentes e interindividualmente1.

Os corticosteroides podem causar um grande espetro de reações adversas, quer em termos de manifestações clínicas quer de mecanismos fisiopatológicos1. Estas reacções podem ser não alérgicas ou alérgicas. Do ponto de vista clínico, estas últimas podem ser classificadas como imediatas (surgindo dentro de 1 hora), habitualmente são IgE‑mediadas e caracterizadas mais frequentemente pela presença de urticária, sintomas respiratórios, cardiovasculares, podendo chegar à anafilaxia; e não imediatas (mais de 1 hora após), mais frequentemente não IgE‑mediadas e em que são referidos episódios de exantema maculopapular e urticária tardia1-5. As reações de hipersensibilidade aos corticosteroides são na sua maioria reações tardias1-5.

O uso extensivo de corticosteróides tópicos tem vindo a ser cada vez mais frequentemente associado ao aumento da prevalência dos casos de reações tardias, com uma prevalência estimada de 0,5 a 5%1,3,6,7.

As reações alérgicas causadas por budesonida manifestam‑se geralmente por obstrução nasal, prurido local ou inflamação da mucosa nasal quando administrada por via nasal ou tosse seca, dispneia e edema glossofaríngeo quando administrada por via inalatória1,6,8.

Os corticosteroides mais frequentemente associados a reações de hipersensibilidade, quer imediatas quer tardias, são a hidrocortisona e a budesonida, associadas a administração tópica, e a metilprednisolona e hidrocortisona a administração sistémica4.

As reações de hipersensibilidade à budesonida são geralmente descritas como reações tardias após inalação ou aplicação nasal, levando a assumir que com maior probabilidade se devem a um mecanismo mediado por células T – hipersensibilidade de tipo IV1. A positividade dos testes epicutâneos confirma este mecanismo de hipersensibilidade não mediado por IgE, no entanto pode ser de difícil interpretação, dado o efeito anti‑inflamatorio da molécula de corticosteroide poder inibir a própria reação tardia1,3. Assim, segundo a literatura, os testes epicutâneos com corticosteroides são habitualmente realizados com concentrações de 1%, pois assume‑se que concentrações mais elevadas poderão induzir resultados falso‑negativos devidos à atividade anti‑inflamatoria destes fármacos, enquanto concentrações mais baixas podem diminuir a sensibilidade dos testes4.

CASO CLÍNICO

Os autores descrevem o caso clínico de uma doente de 59 anos, caucasiana, que apresenta manifestações clínicas de rinite persistente moderada a grave com 10 anos de evolução, medicada e controlada com furoato de fluticasona 27,5mcg de aplicação nasal e levocetirizina 5 mg/dia.

A doente fez anteriormente outras terapêuticas de aplicação nasal, que não sabia especificar. Mais recentemente apresentava ainda quadro com 6 meses de evolução de tosse persistente e pieira recorrente, tendo‑lhe sido proposta, na consulta de Pneumologia, terapêutica inalatória com a associação de budesonida 160mcg e formoterol 4,5mcg. Uma semana após o início deste tratamento, cerca de 4 horas após a última toma, apresentou dispneia, ardor orofaríngeo de agravamento progressivo seguido de edema da úvula. Perante este quadro, automedicou‑se com prednisolona 20mg e levocetirizina 5mg, sem melhoria.

Posteriormente recorreu ao serviço de urgência do hospital da área de residência, onde fez terapêutica endovenosa (não especificada), com resolução total da sintomatologia cerca de 3 horas depois. Após este episódio, a doente recorreu à consulta de Pneumologia, tendo sidodada indicação para suspender a terapêutica com a associação de budesonida 160mcg e formoterol 4,5mcg e iniciar, como alternativa, a associação salmeterol 50mcg e propionato de fluticasona 250mcg, que realizou com bom controlo das queixas respiratórias e sem reações. Foi posteriormente encaminhada para a consulta de Imunoalergologia, para investigação desta reação suspeita de hipersensibilidade. Na consulta de Imunoalergologia realizou testes epicutâneos com a série básica do Grupo Português de Dermites de Contacto (inclui 17‑butirato de hidrocortisona 0,1% e budesonida 0,1%) e adicionalmente testes epicutâneos com betametasona creme 1mg/g e prednisolona em comprimido 20mg (macerado), ambos aplicados no dorso em oclusão durante 48 horas utilizando Finn Chambers® e com realização de duas leituras: às 48h (cerca de 15 minutos após remoção de oclusão) e às 96h. Dos testes descritos, foram positivos apenas na leitura às 96h para budesonida 0,1% (++). A doente fez ainda testes epicutâneos com os seus próprios produtos/fármacos usados (Figura 1), com aplicação diretamente na pele (dorso) e realizada oclusão durante 48h utilizando Finn Chambers®. Os cremes, pomada e o spray nasal foram aplicados diretamente nas Finn Chambers®, os comprimidos e o pó seco dos inaladores DPI foram macerados e realizada mistura numa pequena quantidade de soro fisiológico e posteriormente aplicados nas câmaras. A primeira leitura às 48h (15 minutos após retirar oclusão) foi negativa e a segunda e última leitura, às 96h, apresentou resultados positivos apenas para a associação budesonida 160mcg e formoterol 4,5mcg (++). Paralelamente, foram realizados da mesma forma testes epicutâneos com os mesmos fármacos/produtos usados pela doente, nomeadamente a associação budesonida 160mcg e formoterol 4,5mcg (DPI – pó seco), em 10 indivíduos-controlo saudáveis e foram todos negativos.

A doente realizou adicionalmente testes cutâneos por picada para aeroalergénios, que foram negativos, e estudo funcional respiratório com evidência de obstrução ligeira com reversibilidade na prova de broncodilatação.

A doente, desde então, mantém evicção de todos os produtos contendo budesonida e cumpre terapêutica inalatória alternativa a associação propionato de fluticasona 250mcg e salmeterol 25mcg, que e para a qual tinha sido feito teste epicutâneo prévio que foi negativo.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

As reações de hipersensibilidade aos corticosteroides, apesar de raras, têm vindo a ser descritas cada vez com maior frequência. Na maioria dos casos, têm sido reportados episódios de reações tardias, como na doente do caso descrito, e, portanto, habitualmente assumido o diagnóstico de hipersensibilidade tipo IV6.

A sintomatologia inicial da doente, nomeadamente dispneia, ardor orofaríngeo e edema da úvula, poderia sugerir um quadro de hipersensibilidade tipo I, mediado por IgE. Doravante, com a positividade dos testes epicutâneos, demonstrou‑se que se tratava de uma reacção de hipersensibilidade tipo IV, não mediada por IgE, à budesonida, sem reatividade com corticosteroides de outros grupos. Apesar de menos frequente, há casos descritos na literatura de reações de angioedema e urticária a fármacos que não são reações mediadas por IgE7.

Foram realizados testes epicutâneos com a associação de budesonida 160mcg e formoterol 4,5mcg em 10 indivíduos-controlo saudáveis, que foram negativos, o que nos permitiu definir como não irritativa a concentração utilizada para o teste que se revelou positivo nesta doente.

Assim, apesar de não estarem estandardizados, os testes epicutâneos com corticosteroides permitiram estabelecer um diagnóstico de hipersensibilidade tardia à budesonida e encontrar uma alternativa terapêutica.

Relativamente aos testes epicutâneos, estes não devem ser utilizados como testes de rastreio, uma vez que uma pequena percentagem de doentes pode apresentar testes cutâneos positivos sem clínica associada à sua administração – falsos positivos. Por outro lado, em doentes asmáticos que desenvolvem lesões cutâneas ou agravamento de queixas respiratórias após inalação de corticosteroides, deve ser considerada a possibilidade de se tratar de uma reação de hipersensibilidade.

O caso descrito é de particular interesse, já que as reações alérgicas a corticosteroides inalados em doentes com asma ou rinite são raros e, é um desafio na manutenção de terapêutica, dada a necessidade de utilização crónica de corticosteroides.

São poucos os casos semelhantes que se encontram descritos na literatura, mas atentando aos últimos 11 anos é descrito em 2008 o caso de uma mulher de 49 anos com edema da língua, disfonia e disfagia após 24 horas da administração da associação de budesonida e formoterol inalado6, e em 2009 são descritos dois casos refentes a uma mulher de 37 anos com angioedema labial e prurido nasal três dias após administração de budesonida nasal e uma adolescente de 15 anos com queixas de edema e prurido nasal associado a eritema facial 13h após a última administração nasal de budesonida8. Nos anos seguintes, é ainda publicado um caso de um homem de 40 anos com urticária generalizada e de uma mulher de 35 anos com angioedema dos lábios e pálpebras, ambos cerca de 8 horas após a administração de budesonida nasal9,10. Foram realizados testes epicutâneos com budesonida (0,1%) e vários outros corticosteroides em todos estes doentes, tendo sido em todos os casos positivas as leituras das 48h e 96h para budesonida (0,1%).

Apenas, num caso houve testes de outros corticosteroides positivos – tixocortol8. Mais recentemente, em 2016 é descrito o caso de uma criança de 8 anos, com quadro de urticária generalizada, recorrente, sempre após 4 horas da administração de budesonida inalada. Neste caso não foram realizados testes cutâneos, mas foi assumido o diagnóstico dado o quadro recorrente e reprodutível5.

Relativamente à doente descrita neste caso clínico, é ainda de ressalvar que além de se tratar de uma reacção de hipersensibilidade rara os sintomas apresentados poderiam sugerir um caso de hipersensibilidade de tipo I. Contudo, os resultados dos testes epicutâneos demonstraram uma hipersensibilidade tipo IV restrita a budesonida (grupo B), sem reações aos principais corticosteroides de outros grupos, o que é concordante com a maioria dos casos descritos na literatura.

 

REFERÊNCIAS

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Contacto:

Sara Carvalho

Avenida Professor Egas Moniz

1649-035 Lisboa

e-mail: saracarvalho111@hotmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram que não existem conflitos de interesse.

 

Data de receção / Received in: 16/06/2019

Data de aceitação / Accepted for publication in: 26/06/2019

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