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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.27 no.3 Lisboa set. 2019

https://doi.org/10.32932/rpia.2019.07.019 

CASO CLÍNICO

 

Caso clínico: Urticária como síndrome paraneoplásica

Urticaria as a paraneoplastic syndrome: A case report

 

Ana Margarida Mesquita, Alice Coimbra, José Luís Plácido

Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar e Universitário de São João EPE, Porto

 

Correspondência para:

 

RESUMO

A urticária é uma doença complexa com etiologia multifatorial e pode constituir um episódio inaugural para uma condição maligna ainda desconhecida. Descrição do caso: Homem de 74 anos, com uma história com quatro meses de evolução de lesões de urticária, migratórias, com prurido intenso, sem angioedema ou outro sinal/sintoma associado. Do estudo realizado foi detetada uma gamapatia monoclonal completa IgG/lambda e no mielograma realizado não foram encontradas características fenotípicas do mieloma múltiplo. Conclusão: Neste doente, a gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) foi diagnosticada durante a investigação da urticária. O MGUS é uma das doenças pre‑malignas mais comuns e por esse motivo estes doentes precisam de uma vigilância mais exaustiva. A urticária crónica associada a síndromes paraneoplásicas é relativamente rara, mas é importante documentar estes casos para que haja uma investigação direcionada a este tipo de patologia.

Palavras‑chave: MGUS, urticária e síndrome paraneoplásica.

 

ABSTRACT

Urticaria is a complex disease with multifactorial etiology and it may be a warning of an underlying malignant condition. Report: A 74‑year‑old male, with a 4‑month history of intensely pruritic migratory urticarial lesions, without angioedema nor any other signs or symptoms. In his study was detected a complete IgG / lambda monoclonal gammopathy of undetermined significance and the myelogram did not present a characteristic phenotype of multiple myeloma. Conclusion: In this patient, MGUS was diagnosed during the workup of another disease. MGUS is one of the most common pre‑malignant disorders and therefore, appropriate follow‑up with malignancy screening is warranted. Chronic urticaria associated with paraneoplastic syndromes is relatively rare but it is important to document these cases in order to increase their awareness.

Keywords: MGUS, urticaria, paraneoplastic syndrome

 

INTRODUÇÃO

A relação que existe entre o estado geral de saúde do doente e a sua pele é complexa e dinâmica.

As síndromes paraneoplásicas referem‑se a distúrbios clínicos que não podem ser diretamente atribuídos aos efeitos físicos do tumor primário ou metastático e o seu aparecimento pode ser síncrono à neoplasia, mas também pode preceder ou suceder ao seu diagnóstico1.

A urticária é uma condição caracterizada pelo desenvolvimento de pápulas, angioedema ou ambos. As lesões típicas têm um alo central de tamanho variável rodeado por eritema, prurido ou sensação de ardor associados, que duram entre 30 minutos a 24 horas. Na urticária crónica (UC) estes episódios ocorrem durante um período superior a seis semanas2.

A UC afeta até 1% da população a qualquer dado momento, sendo que cerca de 2/3 das UC são espontâneas e aproximadamente 1/3 tem autoanticorpos contra a cadeia α do receptor de alta afinidade para IgE em basófilos e mastócitos, que desencadeiam a libertação de histamina2,3.

A urticária pode ser o primeiro indício de uma neoplasia maligna sistémica, pelo que não deverá ser um sintoma menosprezado. É então importante identificar a neoplasia causal, visto que muitas delas são neoplasias com alto grau de malignidade e que podem ser muito agressivas4.

DESCRIÇÃO DO CASO

Em agosto de 2016, um operário fabril reformado de 74 anos foi referenciado à consulta externa com uma história de lesões maculopapulares pruriginosas, migratórias, sem angioedema ou outro sinal, sem fator desencadeante conhecido, com 4 meses de evolução. Negava febre, dores musculares, astenia, anorexia ou outra alteração do estado geral.

Tinha como antecedentes pessoais dislipidemia, gastrite crónica e hiperplasia benigna da próstata. Ex‑>fumador desde há 23 anos. Foi submetido a apendicectomia em criança, a polipectomia benigna do cólon em 2009 e 2014.

Sem história pessoal ou familiar de atopia. À data da primeira consulta estava medicado com atorvastatina 10mg/ezetimiba 10mg, tansulosina 0.4mg e omeprazol 20mg. Os antecedentes familiares eram irrelevantes.

Do estudo complementar efetuado, os testes cutâneos por picada com aeroalergénios comuns foram negativos. No estudo analítico, o hemograma, a velocidade de sedimentação, a função hepática, a função renal, o ionograma, a função tiroideia, o estudo da coagulação e as imunoglobulinas estavam dentro dos valores normais. Os marcadores víricos (HIV e HCV) foram negativos.

Ainda do estudo complementar inicial a eletroforese de proteínas revelou uma gamopatia monoclonal completa IgG/lambda de significado indeterminado e por esse motivo o doente foi referenciado à consulta de hematologia clínica.

Relativamente ao estudo dirigido efetuado por hematologia, o mielograma não apresentou características fenotípicas de mieloma múltiplo nem excesso de plasmócitos; a radiografia do esqueleto não apresentava alterações significativas e a urina de 24 horas não tinha excreção de cadeias leves e não apresentava outras alterações. Como tal, trata‑se de um MGUS sem critérios de mieloma múltiplo.

As queixas cutâneas apresentadas inicialmente foram controladas com anti‑histaminico oral (Bilastina 20mg/dia) e loção hidratante corporal. O doente tem‑se mantido assintomático com necessidade de ligeiros ajustes da terapêutica anti‑histaminergica e mantém vigilância semestral na consulta de hematologia clínica.

CONCLUSÃO

A gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) ocorre em mais de 3% da população geral com mais de 50 anos, com idade média de diagnóstico aos 70 anos5. Como se trata de uma doença assintomática, esta condição pode existir durante vários anos sem ser descoberta e é muitas vezes diagnosticada em procedimentos de rotina quando os doentes são submetidos a uma eletroforese de proteínas como parte de uma avaliação clínica de uma variedade de sintomas e distúrbios6.

As doenças dermatológicas relatadas em doentes com MGUS incluem líquen mixedematoso, pioderma gangrenoso, síndrome Sezary e síndrome de Schnitzler7. A síndrome de Schnitzler, a mais comum, é caracterizada por UC, febre, dor óssea ou artralgia, elevada sedimentação  eritrocitária e gamopatia por IgM8,9. Portanto, a associação de gamopatia monoclonal com urticária crónica pode ter múltiplos fenótipos5.

Neste caso, o MGUS foi diagnosticado durante a investigação da urticária e torna‑>se difícil diferenciar se existe uma relação causal ou acidental. No entanto, o MGUS é um dos distúrbios pre‑malignos mais comuns e, portanto, o seguimento adequado com o rastreio de malignidade é justificado10. A urticária crónica associada a síndromes paraneoplásicas é relativamente rara4, mas é importante documentar estes casos.

 

REFERÊNCIAS

1. Pelosof LC, Gerber DE. Paraneoplastic syndromes: an approach to diagnosis and treatment. Mayo Clin Proc 2011;86:364.         [ Links ]

2. Zuberbier T, Aberer W, Asero R, et al. The EAACI/GA²LEN/EDF/WAO guideline for the definition, classification, diagnosis and management of urticaria. Allergy 2018;73:1393‑414.         [ Links ]

3. Costa C, Gonçalo M. Diagnostic and therapeutic approach of chronic spontaneous urticaria: Recommendations in Portugal. Acta Med Port 2016;29:763‑81.         [ Links ]

4. Sotelo MR, González S, Weber FL, GreenII ED, et al. Urticaria maligna. Acta Médica Grupo Angeles 2013;11:132‑6.         [ Links ]

5. Rajkumar SV, Dimopoulos MA, Palumbo A, et al. International Myeloma Working Group updated criteria for the diagnosis of multiple myeloma. Lancet Oncol 2014;15:e538‑48.         [ Links ]

6. Therneau TM, Kyle RA, Melton LJ 3rd, et al. Incidence of monoclonal gammopathy of undetermined significance and estimation of duration before first clinical recognition. Mayo Clin Proc 2012;87:1071.

7. Daoud MS, Lust JA, Kyle RA, et al. Monoclonal gammopathies and associated skin disorders. J Am Acad Dermatol 1999;40:507-35.         [ Links ]

8. Lipsker D. The Schnitzler syndrome. Orphanet J Rare Dis 2010;5:38.         [ Links ]

9. Goupille P, Pizzuti P, Diot E, et al. Schnitzler’s syndrome (urticarial and macroglobulinemia) dramatically improved with corticosteroids. Clin Exp Rheumatol 1995;13:95-8.         [ Links ]

10. Kyle RA, Therneau TM, Rajkumar SV, Larson DR, Plevak MF, Offord JR, et al. Prevalence of monoclonal gammopathy of undetermined significance. N Engl J Med 2006; 354:1362-9.         [ Links ]

 

Contacto:

Ana Margarida Mesquita

Serviço de Imunoalergologia,

Centro Hospitalar de São João, Porto

mesquita.amb@gmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram que não existem conflitos de interesse.

 

Data de receção / Received in: 09/02/2019

Data de aceitação / Accepted for publication in: 28/04/2019

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