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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

Print version ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.27 no.2 Lisboa June 2019

https://doi.org/10.32932/rpia.2019.03.008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Biomarcadores de sensibilização primária e reatividade cruzada em doentes alérgicos a veneno de himenópteros

Biomarkers of primary sensitization and cross-reactivity in patients allergic to Hymenoptera venom

 

Letícia Pestana1,2, Alcinda Campos Melo1, Elisa Pedro2, Manuel Pereira Barbosa2,3, Maria Conceição Pereira Santos1,3

1 Laboratório de Imunologia Clínica, Faculdade de Medicina – Instituto de Medicina Molecular, Universidade de Lisboa

2 Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria, CHLN

3 Clínica Universitária de Imunoalergologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Introdução: A maioria dos doentes com alergia à picada de himenópteros apresenta dupla positividade (testes cutâneos-TC/IgE específica-sIgE) para veneno de abelha (A), vespa (V) e Polistes (P), constituindo um problema quer no diagnóstico quer na seleção para imunoterapia específica (IT). Objetivo: Caraterização do perfil de sensibilização de doentes alérgicos à picada de himenópteros, através da utilização de alergénios recombinantes, fosfolipases, hialuronidases e determinantes dos carboidratos para distinguir dupla sensibilização de reatividade cruzada. Avaliação da contribuição do teste de ativação de basófilos (TAB) no diagnóstico. Métodos: Foram incluídos 124 doentes com história de reação sistémica (RS), não submetidos a IT, e um grupo-controlo de 30 indivíduos sem história de reação. Os TC foram realizados com extratos comerciais (EC) de veneno, assim como determinação de sIgE sérica. Doseou-se também sIgE para recombinantes, Api m1, Ves v5, Ves v1, Pol d5 e CCD. Em doentes com TC/sIgE negativos, foi realizado o TAB em seis concentrações. Resultados: Baseada na sIgE, 66 doentes (53%) encontravam-se polissensibilizados e 38 doentes (31%) monossensibilizados. Em 20 doentes (16%) os TC/sIgE foram negativos. Dos 66 doentes polissensibilizados, 32 (49%) apresentavam dupla sensibilização, 23 (35%) reatividade cruzada e 11 (16%) sIgE negativa para recombinantes. A sIgE para CCD foi positiva em 25 doentes, todos com dupla sensibilização com EC, demonstrando reatividade cruzada em 23. Os 20 doentes com TC/sIgE negativos apresentaram sIgE negativa para os recombinantes. A especificidade para os quatro componentes moleculares foi elevada. O TAB foi realizado em 5 doentes, sendo positivo em 3 para veneno (A). Conclusão: Os alergénios recombinantes para veneno (A) e (V) complementam o diagnóstico de alergia à picada de himenópteros, permitindo distinguir dupla sensibilização de reatividade cruzada e uma melhor seleção de doentes para IT. O TAB poderá ser um contributo importante em casos de difícil diagnóstico.

Palavras-chave: Alergia a veneno de himenópteros, alergénios recombinantes, dupla sensibilização, reatividade cruzada, teste de ativação de basófilos.

 

ABSTRACT

Background: Diagnostic tests in patients allergic to hymenoptera venom are often positive for bee (B), wasp (W) and Polistes (P) venom, being difficult to choose the appropriate immunotherapy. Aim: Characterization of sensitization profile of patients allergic to hymenoptera venom using recombinant allergens, to distinguish true double sensitization from crossreactivity of venoms. Evaluation of basophil activation test (BAT) contribution in diagnosis of patients with systemic reactions with negative skin test (ST) and specific IgE (sIgE). Methods: 124 patients with systemic reactions to Hymenoptera stings and 30 controls without history of reaction to insect stings were included. ST were performed with commercial extracts (CE) of (B), (W) and (P) venoms, as well as sIgE with the same extracts and recombinant allergens for Api m1, Ves v5 and Ves v1, and to Pol d5 and carbohydrate determinants (CCD). In patients with negative ST/sIgE, BAT was performed in six concentrations using both venoms. Results: Based on sIgE, 66 patients (53%) were polisensitized and 38 patients (31%) were monosensitized. In 20 patients (16%) ST and sIgE were negative. Of the 66 polisensitized patients, 32 (49%) had double sensitization, 23 (35%) revealed cross-reactivity and 11 (16%) had none recombinants allergens. sIgE to CCD was positive in 25 patients, all with double sensitization with CE, showing crossreactivity between species in 23. The 20 patients with negative ST/sIgE had also negative allergen recombinants. The specificity for the four components was high, since only a control had positive sIgE to Vesv1/Vesv5. BAT was performed in 5 patients to both venoms and it was positive in 3 for B venom. Conclusions: Recombinant allergens for bee and wasp venom sIgE complements the diagnosis of venom allergy, allowing discrimination between true double sensitization and crossreactivity, as well as a better selection of patients for VIT. BAT seems to be useful in cases of difficult diagnosis.

Keywords: Hymenoptera venom allergy, recombinant allergens, double sensitization, cross-reactivity, basophil activation test.

 

INTRODUÇÃO

As picadas de insetos desencadeiam, na maioria dos casos, reações locais devido à toxicidade do veneno. No entanto, está descrito que cerca de 3,5% da população em geral tem história de reacção sistémica (RS), incluindo anfilaxia1. A imunoterapia (IT) é considerada um tratamento altamente eficaz na prevenção de reações graves em doentes alérgicos ao veneno de himenópteros, mas requer um diagnóstico cuidadoso que visa identificar não só a alergia mas também o inseto responsável1,2. Porém, o diagnóstico, que se baseia na história clínica, testes cutâneos (TC) e na quantificação de anticorpos IgE específicas séricas (IgE esp) para veneno de himenópteros, pode ser dificultado por vários fatores.

Estima-se que cerca de 50% dos doentes com alergia ao veneno destes insetos apresentem resultados positivos, TC e/ou IgE esp, tanto para veneno de abelha (Apis mellifera) como para veneno de vespa (Vespula germanica e Polistes dominula, as duas principais espécies no nosso país)1,2. Por outro lado, alguns autores descrevem que mais de 30% dos doentes com RS à picada de insetos apresentam TC e IgE esp negativos, provavelmente devido à sensibilidade limitada destes métodos3. A dupla positividade para veneno de abelha e veneno de vespa pode representar uma verdadeira dupla sensibilização ou reatividade cruzada a ambos os venenos devido à homologia de sequência entre proteínas destes venenos, tais como hialuronidases ou mesmo determinantes dos carboidratos (CCD).4 Por outro lado, este diagnóstico serológico pode também ser dificultado pela presença e reconhecimento de fontes alergénicas não relacionadas, como pólen e materiais derivados de plantas (por exemplo, látex), que apesar de não demonstrarem atividade alergénica podem dar origem a falsos positivos5. Ainda, nestes casos, pode ser difícil (e às vezes impossível) o doente identificar o inseto responsável pela reação6. O diagnóstico assertivo é crucial na seleção de venenos para IT, uma vez que o tratamento com ambos os venenos está apenas indicado nos casos de verdadeira dupla sensibilização.

Durante um longo período de tempo, apenas os testes laboratoriais por inibição de anticorpos IgE permitiam a distinção entre dupla sensibilização primária e reatividade cruzada. Estes testes são dispendiosos, demorados, difíceis de interpretar e, portanto, raramente utilizados na prática clínica6-10. O desenvolvimento contínuo de testes in vitro mais específicos e sensíveis tem-se revelado muito importante. Como tem sido amplamente demonstrado em diversas áreas, os alergénios recombinantes podem ser ferramentas úteis no diagnóstico de alergia ao veneno de himenópteros, tornando-o mais preciso, sendo a sua utilidade, no diagnóstico in vitro e in vivo, já demonstrada em vários estudos7,9,10.

Neste trabalho, os autores avaliam a utilidade dos alergénios recombinantes: fosfolipase A2 de veneno de abelha (Api m1), fosfolipase A1, antigénio 5 (Ves v1 /Ves v 5), Pol d5 de veneno de vespa e CCD, no diagnóstico de alergia a veneno de himenópteros, identificando dupla sensibilização primária e reatividade cruzada. Por outro lado, avaliou-se a contribuição do teste de ativação de basófilos (TAB) com o veneno de abelha e vespa no diagnóstico de doentes com história de RS e com TC e IgE esp negativos para ambos os venenos.

MÉTODOS

População

Neste estudo foram incluídos 124 doentes (76 homens, 48 mulheres, idades compreendidas entre os 21 e os 78 anos, idade média 52±3,81) com história de RS a picadas de himenópteros, não submetidos a IT. Os critérios de inclusão foram no mínimo uma RS de tipo imediato de grau I a IV (de acordo com a classificação Muller11) após picada de himenópteros e IgE esp positiva para veneno destes insetos.

O grupo-controlo incluiu 30 indivíduos, não atópicos, sem história de reação à picada de himenópteros, com IgE esp negativa para veneno de abelha, veneno de vespa e veneno de polistes. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital de Santa Maria/Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Todos os indivíduos assinaram o consentimento informado para a colheita e o processamento das amostras.

Testes cutâneos

Foram realizados testes cutâneos intradérmicos com veneno de abelha, veneno de vespa e veneno de polistes (Bial Aristegui, Bilbao, Espanha) em todos os doentes com concentrações sucessivas de 0,0001, 0,001, 0,01 e 0,1 mg/mL com um controlo positivo (dicloridrato de histamina) e controlo negativo (solução salina), de acordo com as recomendações da European Academy of Allergology and Clinical Immunology 8. Um diâmetro de pápula ≥3 mm foi considerado como uma reação positiva.

Quantificação de IgE sérica

A determinação da IgE específica sérica (IgE esp) para os extratos convencionais de veneno de abelha, vespa, veneno de polistes, determinantes dos carboidratos – CCD (MUXF3), alergénios recombinantes major fosfolipase A2 (Api m 1), fosfolipase A1 (Ves v 1) e antígeno 5 (Ves v 5) foi avaliada no soro de doentes e grupo‑controlo de acordo com as instruções do fabricante, ImmunoCAP (Thermo Fisher Diagnostics, Upsala, Suécia).

Uma concentração ≥0,35 kU/L foi definida como teste positivo.

Teste de ativação dos basófilos

O TAB foi realizado com o extrato estandardizado de veneno de abelha e vespa nas concentrações de 0,02; 0,04; 0,2; 1; 2,5; 5 μg/ml, de acordo com a literatura, usando o método Flow2 CAST (Bühlmann Laboratories AG, Schönenbuch, Suíça) e com as instruções do fabricante.

Resumidamente, a 50 μl de sangue total heparinizado adicionaram-se 50 μl de cada uma das concentrações dos venenos, 50 μl do péptido quimiotático N-formil-Met-Leu-Phee (FMLP) e um anticorpo monoclonal anti-FcεRI (controlos positivos) e 50 μl de solução tampão-PBS (controlo negativo). A cada tubo foram adicionados 100 μl de tampão de estimulação (IL-3), 20 μl dos anticorpos monoclonais, anti-CD63-FITC e anti-CCR3-PE seguindo-se uma incubação de 15 minutos a 37ºC. Foi posteriormente efetuada a lise dos eritrócitos, lavagem e ressuspensão das células em PBS. A aquisição por citometria de fluxo (FACSCalibur, Becton Dickinson) ocorreu nas duas horas a seguir à finalização da técnica.

A população de basófilos foi identificada como CCR3+ e a ativação foi determinada pela expressão de CD63, sendo analisadas usando o software Flow Jo (TreeStar). Em cada ensaio, pelo menos 800 basófilos foram avaliados.

Os resultados foram considerados positivos quando se verificou uma percentagem de ativação superior a 10% com índice de estimulação igual ou superior a dois como confirmado em estudos anteriores12,13,14.

Análise Estatística

A análise estatística foi realizada usando o programa SPSS para software Windows (SPSS Inc., Chicago, EUA).

RESULTADOS

Doze doentes não identificaram o tipo de inseto em pelo menos um dos episódios, 56 doentes referiram picada por abelha, 38 por vespa e 18 por ambos os insetos.

Cinquenta e cinco doentes apresentaram TC positivo para mais de um veneno e 47 apenas para um veneno.

Vinte doentes descreveram uma RS para veneno de abelha e/ou veneno de vespa, mas verificaram-se TC e IgE esp negativos para ambos os venenos.

Os resultados obtidos da avaliação da IgE esp para extrato de veneno convencional (tendo sido este o critério utilizado para definir mono/polissensibilização) demonstraram monossensibilização em 38 doentes (31%) (abelha, n=31; vespa, n=4; polistes n=3), polissensibilização em 66 (53%) e duplamente negativos em 20 (16%).

Nos doentes monossensibilizados a veneno de abelha, a IgE esp para o recombinante Api m 1 foi detetada em 21 dos 31 doentes com alergia a veneno de abelha, revelando uma sensibilidade de 68%. Por outro lado, a IgE esp para Ves v 1 foi detetada em todos os doentes com alergia a veneno de vespa (sensibilidade de 100%) e a Pol d5 foi apenas detetada num doente do grupo dos monossensibilizados a veneno de polistes, sendo a sua sensibilidade de 33%.

Nenhum dos 7 doentes com alergia a veneno de vespa ou veneno de polistes reagiram a Api m 1, correspondendo a uma especificidade de 100%. O mesmo ocorreu nos doentes monossensibilizados a veneno de abelha os quais não revelaram positividade a Ves v 1/Ves v 5. Apenas um controlo positivo apresentou uma IgE esp positiva a Ves v 5, revelando uma especificidade de 98% para este componente molecular (Quadro 1).

No grupo dos 66 doentes polissensibilizados, através da avaliação da IgE específica para extrato de veneno convencional, 32 (49%) apresentaram dupla sensibilização aquando da avaliação com componentes moleculares (IgE esp positiva para Api m1, Ves v1/Pol d5 (1), Api m1/Ves v1 (7) ou Api m1/Pol d5 (8); Ves v1/Pol d5 (9); Ves v5/Pol d5 (2), Ves v1/Ves v5/Pol d5 (5)); 23 (35%) revelaram reatividade cruzada Api m 1 (10); Ves v 1 (8), Ves v 5 (1), Ves v 1/Ves v 5 (2) e Pol d5 (2).

Os restantes 11 doentes (16%) apresentaram resultados de IgE esp negativos para todos os componentes moleculares.

A avaliação da IgE específica para CCD demonstrou que 25 (38%) dos 66 doentes polissensibilizados com IgE para extrato de veneno convencional tiveram IgE específica positiva para CCD (Quadro 2), correspondendo a 23 doentes que apresentaram reatividade cruzada entre espécies.

No grupo de doentes duplamente sensibilizados que não identificaram o inseto responsável, 7 (57%) dos 12 doentes revelaram IgE esp para Api m 1 (5) ou Ves v 1 (2), enquanto os restantes 5 doentes tiveram IgE esp positiva para ambos os alergénios recombinantes. Curiosamente, 20 (16%) doentes com história de anafilaxia apresentaram TC e IgE específica com extrato de veneno convencional negativos, assim como para os alergénios recombinantes testados.

Foi realizado o TAB com veneno de abelha e vespa em 5 doentes (uma vez que este é um método de diagnóstico dispendioso e moroso), todos com TC/IgE esp negativos, e 5 controlos, em 6 concentrações 0,01; 0,04; 0,2, 1, 2,5 e 5 μg/ml. A população de basófilos foi identificada como CCR3+. A ativação dos basófilos foi avaliada pela percentagem de expressão da molécula CD63 (Figura 1A).

Três doentes tiveram resultado positivo com a concentração de 2,5 μg/ml com índice de estimulação superior a 2% e cut-off de ativação de basófilos de 10,57%, 11,50% e 15,20%, respetivamente, para veneno de A (Quadro 3). Os três doentes descreveram a última reacção sistémica, após picada destes insetos, num período inferior a um ano. Em indivíduos não alérgicos a percentagem de ativação de basófilos foi inferior a 5% (Figura 1 B e C).

DISCUSSÃO

Neste estudo, os autores avaliam a utilidade dos alergénios recombinantes no diagnóstico de alergia a veneno de himenópteros numa amostra de doentes da população portuguesa. Foram analisados os resultados de quantificação de anticorpos IgE esp para os componentes moleculares major de veneno de himenópteros e os obtidos no doseamento com extrato total de veneno. Foi também avaliado o contributo do TAB no grupo de doentes com história sugestiva de alergia mas com TC e IgE esp negativos.

Os resultados deste estudo com dados da população nacional são globalmente concordantes com os dados internacionais e apresentam implicações clínicas claras para abordagem destes doentes.

Foi demonstrado que a IgE esp para os componentes moleculares dos alergénios major de veneno de abelha e de vespa (fosfolipase A2-Api m 1, veneno de espécies

Vespula, fosfolipase A1-Ves v 1, antigen5-Ves v 5 e Polistes, Pol d5), utilizados no diagnóstico de doentes com alergia a veneno de himenópteros, apresenta elevada sensibilidade e especificidade, uma vez que só um individuo do grupo-controlo apresentou positividade ao componente Ves v 5.

Sendo a imunoterapia (IT) com veneno de himenópteros considerada um tratamento altamente eficaz para estes doentes, prevenindo reações anafiláticas graves, a identificação do inseto responsável torna-se crucial, de forma a permitir uma seleção adequada da IT15-19. Embora, em alguns casos, esta possa ser feita pelo próprio doente, necessita de confirmação, através da realização de TC e quantificação de IgE específicas para os respectivos venenos16,17. Contudo, os TC podem revelar testes falsos-negativos, dada a baixa qualidade e concentração dos extratos alergénicos18. Por outro lado, o uso de concentrações mais elevadas pode resultar em reacções falsamente positivas devido às propriedades tóxicas do veneno. Para além disso, mesmo doentes não sensibilizados podem apresentar testes falsos-positivos para extratos do veneno, o que pode ser explicado pela presença de determinantes dos carboidratos, possíveis responsáveis por reatividade cruzada, mas sem significado clínico17-21.

Cerca de 80% dos doentes com alergia a veneno de himenópteros apresentam resultados positivos nos TC e mais de 50% revelou anticorpos IgE esp para os venenos abelha, vespa e polistes, ainda que a maioria destes indivíduos apenas tenha reagido à picada de um destes insetos.

De acordo com a literatura, a dupla positividade baseada em TC positivos, com concentrações <1 μg/ml, é observada em 40–50% dos doentes com alergia a himenópteros17-19.

Torna-se então muito importante fazer a distinção entre verdadeira dupla sensibilização a ambos os venenos e reatividade cruzada. Neste contexto, é sugerido a avaliação de componentes moleculares para veneno de abelha, vespa e polistes, já comercialmente disponíveis e considerados uma mais-valia. Pensou-se que, assim, o problema da identificação da dupla sensibilização/reatividade cruzada, em doentes com IgE específica positiva para CCD, ficaria solucionado. No entanto, como verificado no presente estudo, alguns destes indivíduos identificam IgE específica tanto para Api m 1, Ves v 1, Ves v 5 ou Pol d 5. Hofmann et al. concluíram que cerca de 50% dos doentes com dupla positividade nos TC e sensibilizados a CCD apresentavam IgE específica para ambos os marcadores Api m 1 e Ves v 5, o que vem colocar em causa a possibilidade de existência de reatividade cruzada.15 Neste estudo, 38% dos doentes polissensibilizados a veneno de abelha e veneno de vespa apresentaram positividade para CCD, sendo que só em 35% foi identificada reatividade cruzada.

Foi obtida uma sensibilidade mais baixa para o componente molecular Api m 1 e Ves v5 (68% e 25%, respetivamente) em relação à referida em outros estudos18,20. Sendo esta diferença causada provavelmente pela seleção da população de doentes. Em estudos anteriores, foram selecionados e analisados doentes com história de reação à picada de insetos nos últimos 12 meses, enquanto neste estudo foram incluídos e avaliados doentes com história documentada há mais de 10 anos, seguidos em consulta de alergia a himenópteros, fornecendo deste modo uma amostra mais realista da nossa prática clínica.

As diferentes sensibilidades obtidas para os componentes moleculares testados podem, de certa forma, reflectir a possibilidade de alguns destes doentes poderem estar sensibilizados a outros componentes moleculares específicos de espécie e não testados neste estudo. Alargar o espetro de alergénios moleculares, como por exemplo, hialuronidase – Api m 2, fosfatase alcalina – Api m 3, melitina – Api m 4, icarapina – Api m 10, na avaliação do perfil de sensibilização destes doentes poderia representar uma mais valia, quer no diagnóstico, quer na escolha mais adequada de IT.22-24 É bem conhecido que a eficácia da IT depende de vários fatores, como duração do tratamento, dose de veneno durante a manutenção e tipo do veneno. A falha do tratamento mais frequente é com veneno de abelha, tendo sido recentemente referida a falta da proteína Api m 3 e Api m 10 na composição da vacina22.

A utilidade do TAB no diagnóstico da alergia a veneno de himenópteros tem sido demonstrada em diversos trabalhos, principalmente no sentido da avaliação de dupla sensibilização/reatividade cruzada. Neste contexto, Balzer et al. referem que o TAB realizado com alergénios recombinantes pode incrementar a especificidade, representando assim um importante e confiável teste de diagnóstico in vitro em doentes alérgicos a himenópteros18,21. Também no sentido de melhorar a sua sensibilidade têm sido propostas algumas sugestões, quer no que diz respeito à identificação da população de basófilos, quer na avaliação da ativação, com utilização de novas moléculas (marcadores de ativação, CD63 ou CD203c, e de identificação de basófilos-CCR3, HLA-DR, CD123)24,25. No nosso estudo foi feita a identificação da população de basófilos com a utilização da molécula CCR3, proposta mais recentemente. Em relação aos doentes em que foi realizado TAB, apresentavam TC e IgE esp negativas para ambos os venenos e o teste foi positivo apenas para o veneno de abelha em 3 dos casos do grupo de estudo, permitindo a identificação do inseto e a iniciação de IT com este veneno. Estes 3 doentes referiam ter tido sido picados num período inferior a um ano. Como referido na literatura, o tempo decorrido entre a reação e a realização do teste é considerado um fator relevante nesta avaliação23,25. Uma vez que estes doentes tinham uma história de RS grave, com TC e IgE esp negativos, sendo difícil a tomada de decisão, foi uma mais-valia a avaliação pelo TAB. No entanto, não podemos descartar a hipótese, como referido na literatura, da relevância da realização do TAB com alergénios recombinantes18,24,25.

Em conclusão, a análise do perfil de sensibilização utilizando um painel de componentes moleculares para veneno de abelha, vespa e Polistes, aumenta a sensibilidade e precisão do diagnóstico em doentes com alergia a veneno de himenópteros. Além disso, contribui para a discriminação entre a verdadeira dupla sensibilização e reatividade cruzada em doentes com resultados duplamente positivos para extratos convencionais do veneno.

Este facto permite otimizar a seleção de doentes para imunoterapia, evitando protocolos de tratamento desnecessários com ambos os venenos. O TAB poderá ser considerado útil em casos difíceis e de diagnóstico inconclusivo, mas mais estudos e com maior número de doentes deverão ser realizados.

 

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Contacto:

Letícia Pestana

E-mail: marialeticiapestana@gmail.com

 

DECLARAÇÕES ÉTICAS

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram que seguiram os protocolos sobre a publicação dos dados individuais e que todos os doentes incluídos no estudo receberam informações claras e completas, dando o seu consentimento informado por escrito para participação.

Direito à privacidade e consentimento informado. Os autores obtiveram o consentimento informado de todos os doentes e indivíduos de grupo-controlo. O autor para correspondência possui este documento.

Proteção de seres humanos em pesquisa. Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos da Comissão de Ética em Pesquisa Clínica e de acordo com os da Associação Médica Mundial e a Declaração de Helsínquia.

 

Apoio financeiro

Os autores agradecem à Thermofisher Diagnostics o apoio pela cedência de alergénios recombinantes utilizados no estudo.

 

Contributo dos autores

LP, EP, MCPS, escrita do projeto; LP, EP, AM, MCPS desenvolveram o estudo e a análise de dados; LP, EP e MPB estiveram envolvidos na investigação clínica; LP, EP, MPB e MCPS, discussão de resultados; LP e MCPS, escrita do artigo.

 

Conflito de interesse

Os autores declaram que não apresentam quaisquer conflitos de interesse.

 

Data de receção / Received in 15/09/2017

Data de aceitação / Accepted for publication in: 05/10/2018

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