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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.26 no.4 Lisboa dez. 2018

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Anafilaxia a agentes anestésicos

Anaphylaxis to anesthetic agentes

 

Emília Faria

1Assistente Graduada de Imunoalergologia, Serviço de Imunoalergologia, Hospitais da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

2Membro do Grupo de Interesse da “Alergia a Fármacos” (GIAF) da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC)

 

Correspondência para:

 

RESUMO

A anafilaxia é uma reação sistémica grave que pode ocorrer em qualquer momento do ato anestésico. A anafilaxia perioperatória é uma das causas mais frequentes de anafilaxia fatal na idade adulta. Neste artigo de revisão serão abordados os principais aspetos do conhecimento atual sobre anafilaxia perioperatória (APO), destacando-se as manifestações clínicas e fatores de risco, os principais agentes anestésicos envolvidos, o algoritmo diagnóstico e as medidas preventivas. Realça-se a alta eficácia dos testes cutâneos no diagnóstico da alergia, quando aplicada uma metodologia rigorosa, que passa pela realização de testes a todos os anestésicos e outras substâncias a que o doente esteve exposto, utilizando concentrações determinadas. São ainda abordadas as particularidades de situações que exibem uma abordagem diferenciada: outros procedimentos médicos sob anestesia geral, a idade pediátrica, o asmático e a anestesia de urgência. Destaca-se a importância da parceria entre a anestesia e a imunoalergologia no rastreio dos doentes em risco de APO e da orientação precoce nas suspeitas de sensibilização a agentes anestésicos ou outras substâncias usadas no perioperatório, de modo a minimizar os casos de APO e complicações cirúrgicas.

Palavras-chave: Alergia, anafilaxia, anestesia, anestésicos, fármacos, hipersensibilidade, perioperatório.

 

ABSTRACT

Anaphylaxis is a severe systemic reaction that can occur at any time during the anesthetic act. Perioperative anaphylaxis is a frequent cause of fatal anaphylaxis in a hospital environment in adulthood. We herein review the current knowledge about perioperative anaphylaxis (POA). We focus on the clinical manifestations associated with the main anesthetic agents, the diagnostic algorithm, the risk factors and the preventive measures of POA. Skin tests are efficacious for the diagnosis of allergy to perioperative agents. A rigorous methodology is required; all anesthetics and other substances to which the patient was exposed need to be tested and standard concentrations must be used. We also discuss the particularities of situations that require a differentiated approach, namely, other medical procedures under general anesthesia, the pediatric age, the asthmatic patient and the emergent anesthesia. The importance of the implementation of protocols between anesthesia and immunoallergology is emphasized in the early investigation of cases of suspected sensitization to anesthetic agents or other substances used in the perioperative period, in order to minimize cases of POA and medical or surgical complications.

Keywords: Allergy, anaphylaxis, anesthesia, anesthetic, anaphylaxis, drugs, hypersensitivity, perioperative.

 

INTRODUÇÃO

A anafilaxia é uma manifestação rara que pode ocorrer no perioperatório cirúrgico ou durante outros procedimentos que exigem a administração de agentes anestésicos ou de outras substâncias administradas no bloco operatório ou no recobro. Pela possibilidade de comprometer o equilíbrio hemodinâmico e cardiovascular, pode complicar ou mesmo interditar a intervenção anestésica e/ou cirúrgica. Estima-se que a anafilaxia no perioperatório (APO) seja a causa de morte em 3 a 9% dos casos, mesmo quando a reação é tratada de forma rápida e adequada.

Considera-se reação anafilática quando existe uma reação de hipersensibilidade (RHS) sistémica aguda grave com envolvimento simultâneo de dois ou mais sistemas ou órgãos, afetando particularmente a pele, as vias respiratórias, o aparelho gastrointestinal e/ou o sistema cardiovascular1,2.

Os agentes anestésicos são uma causa importante de anafilaxia a fármacos. Foi recentemente realizado um estudo sobre os agentes causais de anafilaxia a fármacos reportados aos serviços de Imunoalergologia em Portugal durante um período de 4 anos. Neste estudo, que incluiu 313 doentes, os anestésicos gerais foram a terceira causa de anafilaxia a fármacos em adultos, com cerca de 6,1% do total de casos, sendo superados apenas pelos anti-inflamatórios não esteroides (AINE) (48%) e antibióticos (36%)3. Também no Brasil se observou que os AINE, foram os agentes mais frequentemente envolvidos na anafilaxia a fármacos (76%), particularmente dipirona e diclofenac4,5.

A incidência de APO é variável em diferentes países, ocorrendo entre 1/3500 a 1/20 000 dos procedimentos anestésicos6. A maioria das publicações refere-se à incidência de APO em França, Austrália, Noruega, Espanha, Inglaterra e EUA. Em França, onde o registo nacional se efetua de forma sistemática desde 1985, calcula-se que ocorra 1 caso de anafilaxia em 13 000 anestesias gerais6,7. A dificuldade na análise comparativa destes estudos prende-se com diferenças no conceito de anafilaxia e com a ausência de estandardização dos métodos de diagnósticos utilizados, por vezes em diferentes centros no mesmo país8.

Qualquer fármaco pode ser uma causa potencial de APO. A administração simultânea de fármacos, hemoderivados e outros agente torna a investigação destes casos um desafio para o clínico (Quadro 1). Na maioria dos estudos epidemiológicos, os relaxantes neuromusculares (RNM) são os principais causadores de anafilaxia6,7. Em França, num estudo que incluiu 2516 doentes, o diagnóstico de reação mediada por IgE foi confirmado em 73,2% dos doentes, a maioria dos quais do sexo feminino, e os agentes mais frequentemente envolvidos foram os RNM (58%), seguidos do látex (19,6%) e dos antibióticos (12,9%)6,8.

Parecem existir, no entanto, diferenças de risco relativo de anafilaxia a diferentes agentes anestésicos em distintas populações. Enquanto na Europa RNM, antibióticos, látex e clorohexidina são os agentes mais frequentemente envolvidos6,7, nos EUA os antibióticos foram a principal causa de APO, seguidos dos RNM e do látex10,11.

Em Coimbra foi efetuado um estudo retrospetivo de 45 doentes com suspeita de reações adversas no perioperatório observados na consulta de Alergia a Fármacos no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra entre 1994 e 2005. Os RNM foram os agentes mais frequentemente implicados (62,5%), seguidos do látex (18,7%) e de antibióticos (6,3%)12.

As percentagens de reações imputadas a distintos fármacos têm-se modificado ao longo dos anos. Os estudos epidemiológicos prospetivos publicados mostram, nos últimos anos, uma diminuição da anafilaxia atribuída ao látex e aumento dos casos de anafilaxia à clorohexidina e corantes.

Não estão descritas reações adversas aos anestésicos inalatórios, apesar do seu uso generalizado, sendo raros os casos de anafilaxia imputados às benzodiazepinas, atropina, protamina ou coloides6,7.

O crescente aumento do número de procedimentos médicos efetuados em que há necessidade da administração de anestésicos aumenta o risco de reações alérgicas sistémicas fora do bloco operatório. Esta é uma área recente, em expansão e de incidência de RHS desconhecida.

Neste artigo de revisão serão abordados os principais aspetos do conhecimento atual sobre APO, destacando-se as manifestações clínicas e fatores de risco, principais agentes anestésicos envolvidos, algoritmo diagnóstico e medidas preventivas. São ainda abordadas as particularidades em outros procedimentos médicos sob anestesia geral, em idade pediátrica, no asmático e na anestesia de urgência.

Este artigo tem por objetivo apresentar uma revisão dos conceitos atuais da APO e métodos de diagnóstico e orientação recomendados, com base na experiência da autora e na prática clínica de centros diferenciados. Pretende-se ainda contribuir para a uniformização da abordagem destes casos em consultas de imunoalergologia a nível nacional.

MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS

Entre 60 a 70% das APO reações anafiláticas são mediadas por anticorpos IgE contra o agente farmacológico, o metabolito ou o excipiente13. No entanto, reacções imunológicas com sintomatologia semelhante às reacções anafiláticas podem ser mediadas por mecanismos não imunológicos. Estas reações, anteriormente designadas reações “anafilactoides”, são atualmente designadas “anafilaxia não imunológica”, de acordo com o consenso recentemente publicado pela World Allergy Organization (WAO)2.

As reações mediadas por IgE são potencialmente mais graves. Em França estima-se que entre 30 a 60% dos casos de APO sejam reações mediadas por IgE, com uma mortalidade entre 3,5 e 10%9.

A maioria das reações anafiláticas aos RNM é mediada por anticorpos IgE contra epitopos dos iões amónio terciários e quaternários ou relacionada com estimulação celular direta e libertação de histamina.

As reações alérgicas podem ser mediadas por anticorpos IgG, como é exemplo IgG contra as macromoléculas de dextrano, que produzem imunocomplexos com o antigénio e ativam o sistema do complemento.

Os exatos mecanismos nas RHS não imunológicas podem representar até 50% dos casos aos RNM. Poderá ser o resultado de uma estimulação farmacológica direta sobre os mastócitos e basófilos, causando libertação direta de mediadores, à semelhança do que está descrito com a morfina e derivados6.

PRINCIPAIS AGENTES ANESTÉSICOS INDUTORES DE APO

Qualquer fármaco ou outro agente a que o doente esteve exposto no perioperatório pode induzir RHS. A investigação deve ser iniciada pelos agentes mais frequentemente implicados na APO: RNM, látex, antibióticos, desinfetantes, hipnóticos, coloides e opioides. Na Figura 1 encontra-se esquematizado o algoritmo de orientação de doentes com RHS em anestesia proposto pelo grupo de trabalho da SFA e grupo de interesse de alergia a fármacos da EAACI/ENDA13.

RNM

O risco de sensibilização aos RNM depende da frequência de utilização da população em estudo e do risco relativo de sensibilização dos diferentes RNM. A incidência de anafilaxia aos RNM difere nos diversos países: é superior em França e Noruega, comparativamente à Suécia, Dinamarca e EUA6,11.

A diferença de risco relativo de RHS para diferentes RNM foi reconhecida em distintos estudos. Mertes e col. classificam como RNM de alto risco succinilcolina, rocurónio e alcurónio, de médio risco pancurónio e vecurónio, e de baixo risco o atracúrio e cis-atracúrio5,8.

Estudos recentes confirmam o aumento do risco relativo de reação alérgica à succinilcolina e rocurónio, em comparação com o vecurónio e o atracúrio, enquanto o cis-atracúrio mostrou o mais baixo risco de RHS7,15.

A reatividade cruzada demonstrada para os RNM dificulta a escolha de um fármaco alternativo. Mertes e col. observaram que um indivíduo alérgico a um RNM apresenta um risco de alergia a outro RNM entre 60 a 70%7,9. O padrão de reatividade cruzada varia entre os doentes e parece ser mais frequente entre os RNM do grupo aminoesteroides (pancurónio, vecurónio e rocurónio) do que entre os derivados benzilisoquinolinas (D-Tubocuramina, cis-atracúrio, atracúrio, mivacúrio e alcurónio). O cis-atracúrio mostrou a mais baixa taxa de reatividade cruzada em doentes alérgicos a outros RNM7.

Outro aspeto curioso na RHS aos RNM é que a APO pode ocorrer na primeira exposição ao fármaco em 15 a 50% dos casos. No presente estudo, em 37,5% dos casos a reação ocorreu no primeiro contacto com os agentes anestésicos, um valor próximo do encontrado na Austrália e mais elevado do que os 12,3% referidos em França12. Este facto sugere a possibilidade de sensibilização prévia aos iões amónio-quaternários, que são epitopos ubiquitários, presentes em fármacos, alimentos, cosméticos e desinfetantes. A maior percentagem de casos de anafilaxia aos RNM é observada no sexo feminino, o que sugere que a exposição a cosméticos seja uma via de sensibilização primária importante6,7. A sensibilização prévia aos iões amónio-quaternários poderá explicar as diferenças na incidência de reações aos RNM em diferentes países. É o caso das RHS aos RNM, seis vezes mais frequente na Noruega do que na Suécia, o que poderá ser explicado pela maior exposição na Noruega ao folcodina, um antitússico de venda livre em diferentes países da Europa e que contém iões amónio-terciários com reatividade cruzada aos RNM e que parece importante na alta prevalência de alergia aos RNM nestes paises7, comparativamente com outros, como a Dinamarca, onde esta substância não entra na constituição de fármacos e onde a maior causa de anafilaxia APO é aos antibióticos, seguido da clorohexidina, e em terceiro lugar os RNM. Curiosamente, 6 anos após a interdição do folcodina na Noruega observou-se uma diminuição significativa da sensibilização ao suxametónio e uma diminuição do número de casos de APO num período de três anos15.

As reações não alérgicas aos RNM podem ocorrer com os derivados da D-Tubocuramina e não estão descritos com os derivados grupo aminoesteróides.

Recentemente foram descritos casos de RHS ao sugamadex, um antagonista farmacológico que reverte rapidamente o bloqueio neuromuscular produzido pelo rocurónio e vecurónio16,17.

Antibióticos

A maioria dos casos de APO nos EUA11 e entre 12 a 15% dos casos de APO em França são atribuídos aos antibióticos. As penicilinas e cefalosporinas são responsáveis por cerca de 70% das APO imputadas a antibióticos, seguidos da vancomicina e quinolonas6.

Os casos de APO aos antibióticos aumentaram significativamente nos últimos 20 anos, particularmente a cefalosporinas e aminopenicilinas18. Em Portugal, a cefazolina foi a responsável por 56,5% das APO a cefalosporinas, um elevado número que se deve, possivelmente, à elevada frequência da prescrição deste antibiótico nos protocolos de profilaxia cirúrgica3. Também numa série de casos de RHS no perioperatório num hospital em Boston a cefazolina foi a causa identificada com maior frequência na APO11.

São reportadas RHS à vancomicina e quinolonas, mas a ausência de testes cutâneos (TC) validados e IgE específica dificulta o diagnóstico6.

Látex

Várias séries apontam o látex como segunda causa de APO, depois dos RNM, sendo em alguns estudos a primeira causa de APO nas crianças6,9.

Em geral, a anafilaxia por alergia ao látex é de menor gravidade que a induzida pelos RNM e antibióticos6,9. Em cerca de 30% dos casos os doentes apresentavam sintomas prévios sugestivos de alergia ao látex ou fatores de risco não valorizados (Quadro 3). Os TC por picada apresentam uma sensibilidade próxima dos 90% e a confirmação pode ser avaliada pela determinação da IgE sérica ao látex. Estes doentes apresentam diferentes padrões de sensibilização, e a determinação das proteínas recombinantes do látex distingue os doentes com maior risco de anafilaxia (por exemplo: Hev b 1, 2, 5, 6 e 13) comparativamente aos com alergia à profilina (Hev b 8)6,19.

 

 

Assistiu-se nas últimas décadas a uma diminuição da incidência de alergia ao látex no perioperatório em vários países, consequência da implementação, desde 1998, de medidas de prevenção primárias educacionais e do uso generalizado de luvas sem látex e sem pó lubrificante18.

Hipnóticos e opioides

As reações alérgicas aos hipnóticos são raras, mas o risco é superior nos doentes com antecedentes de alergia aos RNM. As RHS ao tiopental ocorrem em 1:30 000 casos e ao propofol em 1:60 000 casos. O propofol é constituído por um veículo lipídico com óleo de soja e fosfatídio de ovo purificado e as recomendações mais recentes vão no sentido de não interditar o propofol nos doentes alérgicos ao ovo, soja ou amendoim20. As RHS ao midazolam, etomidato ou ketamina são ainda mais raras. Na investigação de reação alérgica a estes fármacos devem ser usadas as concentrações apresentadas no Quadro 213.

As RHS aos opioides são muito raras e, em geral, não alérgicas, manifestando-se com prurido, urticária e/ou hipotensão ligeira e devem-se à capacidade de activação direta e inespecífica dos mastócitos cutâneos, mas sem capacidade de ativação dos basófilos e mastócitos. A reatividade cruzada entre a morfina e a codeína é frequente, mas não está demonstrada reatividade cruzada entre diferentes classes de opioides. Os TC poderão ser úteis no diagnóstico se forem utilizadas as concentrações recomendadas (Quadro 2)

Antisséticos/desinfetantes

A maioria das RHS descritas aos antisséticos é devido à clorohexidina, um agente de uso generalizado no bloco operatório para desinfeção da pele, dos cateteres venosos e urinários. A incidência da APO à clorohexidina é desconhecida e possivelmente subdiagnosticada. A incidência é muito variável, é apontada como segunda causa de APO em algumas séries, enquanto outras atribuem apenas 5 a 8 % das causas de APO. A maioria dos casos de APO à clorohexidina ocorre na cirurgia urológica, cardiotorácica ou na neurocirurgia. Não foi encontrado risco acrescido no doente atópico21,22. Os estudos sugerem que as diferenças de HS dependem de fatores geográficos e genéticos.

Num estudo decorrido na Dinamarca, a sensibilização à clorohexidina foi identificada em 9,6% dos 228 doentes com APO através da positividade nos TC, IgE específica e/ou testes de ativação de basófilos (TAB)23. Num estudo multicêntrico em Inglaterra, em 104 doentes com RHS à clorohexidina, a confirmação de alergia foi obtida por TC em 53% dos casos, e encontrou-se uma sensibilidade do TC por picada, TC intradérmico e TAB de 35%, 68% e 50%, respetivamente22. Vinte e oito por cento dos doentes com alergia à clorohexidina apresentavam também TC positivos a RNM, o que pode confundir o diagnóstico desta HS e realça a importância de efetuar o estudo alergológico a todos os agentes a que o doente foi exposto22.

São raros os casos descritos de anafilaxia após a aplicação tópica de povidona iodada.

Anti-inflamatórios não esteróides (AINE)

Os analgésicos podem ser causa de anafilaxia, particularmente no pós operatório. Os derivados pirazolínicos, metamizol e os seus metabolitos (dipirona), e o diclofenac são considerados os principais AINE responsáveis por reações imediatas mediadas por IgE. Estima-se a ocorrência de anafilaxia entre 18 e 30% dos casos de RHS ao metamizol6. As reações anafiláticas atribuídas a analgésicos e AINE seriam, na sua maioria, específicas de fármaco ou de grupo6,24. Foram documentados casos pontuais de positividade nos TC, IgE específica e/ou TAB aos derivados pirazolínicos.

São excecionais as APO descritas ao paracetamol e aos AINE inibidores seletivos ou preferenciais da COX-2.

Outros agentes/substâncias

Estão descritos casos de reação anafilática aos colóides sintéticos, sobretudo aos expansores do plasma como gelatina e dextranos, e em geral devem-se à activação dos mastócitos e basófilos por estimulação direta não específica. Há casos descritos de reações anafilácticas à gelatina, mediados por IgE, confirmada por TC e/ou IgE específica, mas a eficácia dos TC no diagnóstico da APO à gelatina não está determinada6.

Estão publicados casos de RHS aos corantes, particularmente ao azul-patente e ao azul-de-metileno usados no mapeamento linfático do gânglio-sentinela na cirurgia do carcinoma da mama. No caso de comprovada sensibilização IgE-mediada a um destes corantes, a reatividade cruzada é pouco provável, por estes apresentarem estrutura química distinta25.

As RHS aos anestésicos locais são muito raras, ocorrem em menos de 3% das administrações, sendo a incidência de reações alérgicas inferior a 1%26,27, mas nos casos de suspeita de reação imediata é recomendada a realização de prova de provocação subcutânea27. Dentro dos anticoagulantes estão descritas reações anafilácticas à atropina mediada por IgE e por IgG. Parece existir risco acrescido de RHS à atropina se a readministração ocorrer num período inferior de 6 meses6.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de reação de HS a fármacos durante a anestesia fundamenta-se numa história clínica exaustiva, no nível de triptase sérica e na resposta à terapêutica após a reação. É importante excluir outras causas de reações sistémicas graves que podem ocorrer no perioperatório, como o choque cardiogénico ou a hipotensão, com ou sem relação direta com os fármacos. Os TC são a base do diagnóstico e deverão ser efetuados com todos os agentes anestésicos e substâncias a que o doente esteve exposto. No caso de confirmação do agente etiológico, é essencial investigar alternativas seguras.

A Figura 1 representa uma proposta de algoritmo diagnóstico nos casos de APO em situação de necessidade de anestesia de urgência ou para procedimento anestésico programado.

Manifestações clínicas

O diagnóstico clínico de anafilaxia na anestesia baseia-se na avaliação pormenorizada das circunstâncias em que ocorreu a reação, identificação dos agentes anestésicos administrados antes, durante e após o procedimento anestésico, relação temporal entre a administração dos fármacos e a reação, e a identificação de eventuais fatores de risco. A diversidade dos agentes envolvidos na cirurgia ( Quadro 1) e a presença de outras variáveis, como doença associada, terapêutica de base e complicações cirúrgicas, podem influenciar as manifestações clínicas.

A ausência de um registo clínico sistemático no perioperatório dificulta, frequentemente, a identificação dos agentes anestésicos ou outros produtos a que o doente foi exposto, comprometendo a investigação da causa da APO.

A gravidade da RHS é variável e pode ser classificada de grau I a IV segundo a escala de gravidade de Ring e Messmer1.

A APO pode ocorrer de forma imprevisível em qualquer momento da cirurgia. Na maioria dos casos é imediata e ocorre minutos após a indução anestésica e segundos ou minutos após a administração de RNM ou antibióticos. Se os sintomas ocorrem após a primeira hora deve suspeitar-se de alergia ao látex, expansores do plasma, corantes ou outros6. Os casos mais raros de RHS retardada estão, em geral, associados aos anestésicos locais, heparina, antibióticos, produtos de contraste iodados ou antisséticos13.

Na anafilaxia a fármacos é característico existir predomínio de sintomatologia cutânea, associada frequentemente a sintomas cardiovasculares, respiratórios e/ou gastrointestinais. As RHS mediadas por IgE são em geral imediatas e mais graves, com maior compromisso do cardiovascular e respiratório, enquanto as RHS não mediadas por IgE são em regra mais ligeiras e com predomínio de sintomas cutâneos6,9. No entanto, a ausência de sintomas mucocutâneos não exclui anafilaxia e deve ser salientada a importância da valorização precoce de outros sintomas extracutâneos no diagnóstico clínico2,6.

A anafilaxia pode manifestar-se apenas com um sintoma isolado (por exemplo broncospasmo ou taquicardia com hipotensão), o que pode atrasar o diagnóstico e ser fatal, como é o caso da ocorrência isolada de isquemia do miocárdio, designado por síndrome de Kounis. Em geriatria observa-se maior frequência de sintomas cardiovasculares com início súbito. A evolução da anafilaxia é particularmente grave em doentes asmáticos.

A confirmação da suspeita clínica deve ser orientada em função dos conhecimentos dos agentes mais comummente envolvidos nas RHS no perioperatório naquela população.

Testes cutâneos de alergia

A confirmação da suspeita clínica fundamenta-se na avaliação dos resultados dos TC e testes in vitro. Os testes devem ser realizados entre 4 a 6 semanas após a reação.

Os testes cutâneos (TC) são considerados o método com maior eficácia na confirmação do diagnóstico de alergia aos agentes anestésicos mediada por IgE. Devem ser realizados TC por picada ao látex e TC por picada e intradérmicos (ID) a todos os anestésicos e a outros agentes não anestésicos administrados no perioperatório. São efetuados com as preparações comerciais em concentrações ditas “não irritativas” definidas para cada fármaco e publicadas pela Sociedade Francesa de Anestesia e Reanimação (SFAR), em conjunto com EAACI (Quadro 2)9,13. Sempre que possível, a confirmação do agente etiológico deve ser efetuada por mais de um teste.

Estima-se uma sensibilidade dos TC aos RNM entre os 94 e 97%6. Um estudo recente, em que foram efetuados TC aos RNM em 111 indivíduos saudáveis, confirmou o baixo risco de falsos positivos quando se usam as concentrações recomendadas pelos consensos, mas sugere que os testes ID ao rocurónio e mivacúrio sejam realizados até concentrações máximas de 1:2006 (Quadro 2).

Pelo elevado valor preditivo negativo dos TC aos RNM e alta frequência de reatividade cruzada entre os RNM, no caso de alergia a um RNM, todos os RNM disponíveis devem ser testados para seleção de um RNM alternativo seguro6,7.

A sensibilidade dos TC a outros agentes é muito variável: é elevada para a gelatina sintética e azul-patente, mas baixa para os opiáceos, barbitúricos e benzodiazepinas.

Foram recentemente comercializados na Europa extratos para TC com frações aquosas de sementes de papoula e morfina (Papaver somniferum), mas é ainda controversa a utilidade deste extrato no diagnóstico de RHS aos opiáceos28.

No caso de a RHS ocorrer mais de 12 horas após o procedimento anestésico (reação tardia), deve ser considerada a realização de patch test a antibióticos, produtos de contraste iodados e outros alergénios, como desinfetantes, antisséticos ou outros agentes usados no perioperatório13.

Importa alertar para o risco de reação sistémica no decurso dos TC a anestésicos. O risco de reação, bem como as particularidades técnicas na execução destes testes, reforça a necessidade de a investigação ser efetuada por médicos especialistas com experiência nesta área, em meio hospitalar e com equipamento de reanimação disponível.

Testes in vitro

Dos testes in vitro destacam-se o doseamento da triptase sérica, o doseamento de IgE específica e os testes de ativação dos basófilos.

O doseamento dos níveis séricos de triptase e histamina após a reação no perioperatório são considerados úteis no diagnóstico de anafilaxia. A triptase é preferida por apresentar uma especificidade muito superior à histamina e por manter níveis mensuráveis até à 6.ª hora, com o pico aos 30 minutos e semivida média de 90 minutos. O valor preditivo positivo da triptase (> 25 μg/L) no diagnóstico de APO situa-se nos 92,6%, com uma sensibilidade de 64% e uma especificidade de 89%6. A gravidade da RHS na anestesia correlaciona-se com níveis mais elevados de triptase durante o episódio14,29. Níveis normais de triptase na fase aguda não excluem, no entanto, a ocorrência de reação anafilática. O nível de triptase basal deve ser determinado em período assintomático pelo menos dois dias após a APO.

Foi recentemente publicada uma proposta de validação do nível total de triptase sérica na ativação mastocitária na APO. Segundo os autores, o valor de triptase obtido na equação (1,2 x nível basal de triptase + 2μg/L) apresenta uma alta especificidade e moderada sensibilidade de ativação mastocitária na APO30.

A histamina sérica diminui rapidamente após a reacção anafilática, pelo que o doseamento deve ser feito na primeira meia hora após a reação, altura em que apresenta uma sensibilidade próxima de 75% e especificidade de 51%, com valor preditivo positivo próximo dos 75%6.

O doseamento sérico de IgE específica pode ser realizada por Thermo-Fisher Immunocap® ou por radioimunoensaio e apresenta menor sensibilidade e especificidade do que os TC. Está atualmente disponível Thermo‑Fisher Immunocap® para o rocurónio, suxametónio, morfina, tiopental, clorohexidina e látex. O seu estudo está reservado aos casos de impossibilidade de execução dos TC ou em doentes com TC negativos mas com clínica sugestiva de anafilaxia a um determinado fármaco. Os estudos publicados concluem que a IgE ao rocurónio é útil por apresentar uma sensibilidade superior a 85% e especificidade absoluta6. Segundo Anderson e col., as sensibilidades das IgE especificas aos RNM e à clorohexidina aumentam quando se considera um cutoff superior a 0,20 kUA/L31.

Os testes de inibição de IgE podem ser úteis na avaliação clínica das reações cruzadas entre os RNM.

Nos casos de RHS a antibióticos, a IgE sérica específica à penicilina e amoxicilina é considerada menos sensível do que os TC.

Os testes de ativação dos basófilos (TAB) por citometria de fluxo usando os marcadores CD63 e /ou CD203c são considerados um complemento aos TC no diagnóstico de RHS aos RNM. Apresentam uma sensibilidade e especificidade de 68,2% e 100%, respetivamente, quando realizados em centros com experiência32. Considera-se uma técnica promissora na confirmação da RHS aos RNM e ao metamizol e na avaliação da reatividade cruzada aos RNM33. No entanto, os TAB não substituem os TC no diagnóstico de alergia aos RNM34.

A realização de ECG e doseamento sérico de mioglobina, troponina I, CK e CKMB na fase aguda permite afirmar a presença de choque cardiogénico e/ou hipotensão aguda que pode ocorrer durante a anestesia geral, com ou sem relação com os agentes anestésicos administrados.

FATORES DE RISCO DE ANAFILAXIA E MEDIDAS PREVENTIVAS NO PERIOPERATÓRIO

Estão referidos no Quadro 3 os principais fatores de risco de APO considerados atualmente pela maioria dos autores13,29.

A mastocitose e outras síndromes de ativação mastocitária devem ser investigadas nos casos de antecedentes de episódios graves de anafilaxia, particularmente se ocorreram em doentes do sexo masculino, sem causa aparente, ou relacionados com picadas de himenópteros, alimentos e/ou no decurso de anestesia ou outros procedimentos invasivos35-37. Foram recentemente publicadas recomendações de abordagem nos doentes com mastocitose submetidos a procedimentos médico-cirúrgicos que requerem administração de anestésicos gerais ou produtos de contraste iodado (PCI)38. Segundo os autores, a realização de pré-medicação adequada e a evicção de estímulos físicos diminui em 10 vezes o risco de anafilaxia iatrogénica38.

Mirone e col. encontraram um aumento significativo de risco de APO em doentes com idade avançada, em asmáticos, em indivíduos com hipertensão arterial ou sob terapêutica com inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou antagonistas dos recetores da angiotensina II. Neste estudo observou-se que os doentes com reações anafiláticas mediadas por IgE apresentavam maior percentagem de sintomas cardiovasculares e antecedentes de RHS a antibióticos29. Num estudo retrospectivo com 703 doentes asmáticos submetidos a anestesia geral, o risco de broncospasmo aumenta com a idade e em doentes com asma não controlada35,39.

Os doentes idosos com doença cardiovascular estão definidos como tendo alto risco de reação anafiláctica fatal a anestésicos, antibióticos e PCI40. Não está comprovado um risco acrescido no doente atópico ou nos doentes com alergia a outros fármacos, que não os administrados no ato anestésico.

Os fatores de risco devem ser investigados sistematicamente pelo anestesista e cirurgião em consultas pré-anestésicas. No caso de cirurgia programada, os doentes com risco de APO (Quadro 3) devem ser orientados para consulta de Imunoalergologia ou sempre que possível para consulta conjunta com o imunoalergologista e o anestesiologista (consulta alergo-anestesia).

Nos doentes com comprovada alergia a RNM ou uma RHS em anestesia anterior deve ser efetuada a investigação de sensibilização aos diferentes RNM disponíveis.

No caso de fatores de risco de alergia ao látex, é necessário confirmar a sensibilização, incrementar as medidas de evicção e, quando indicada, efetuar imunoterapia específica ao látex. Uma vez identificada a alergia ao látex, deve ser dada especial atenção à evicção do contacto com todo o material contendo látex: as intervenções cirúrgicas deverão ser realizadas no primeiro tempo cirúrgico e em ambiente isento de látex19.

Outras situações particulares de antecedentes de alergia a antibióticos, analgésicos ou outros fármacos, devem ser investigadas e avaliadas caso a caso.

Não há teste preditivo para identificar os doentes de risco APO, não estando indicado o rastreio de sensibilização aos anestésicos na população geral, exceto em alguns doentes com fatores de risco reconhecidos. A prevenção do risco de APO deve basear-se na prevenção secundária e na investigação sistemática e precoce dos casos de RHS no perioperatório, para minimizar o risco de anafilaxia em posterior anestesia.

ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA

As linhas gerais do tratamento de APO seguem as linhas gerais de terapêutica da anafilaxia de acordo com a gravidade da reação, antecedentes patológicos do doente e resposta ao tratamento, incluindo, se necessário, medidas de gerais de ressuscitação cardiorrespiratória1,2,13. É importante a existência de protocolos de consenso entre a Anestesia e a Imunoalergologia para o diagnóstico, orientação terapêutica e recomendações no caso de suspeita de RHS aguda no perioperatório, à semelhança do recentemente publicado pela Sociedade Espanhola de Alergia e Imunologia Clínica (SEAIC), em parceria com a Sociedade Espanhola de Anestesia (SEDAR)41. Desde 2006, desenvolvemos um protocolo de colaboração entre o Serviço de Imunoalergologia e o Serviço de Anestesiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Os casos de suspeita de RHS durante um ato anestésico devem ser referenciados à consulta de alergo-anestesia através do registo da informação clínica em folha própria (Figura 2)12.

PARTICULARIDADES

Outros procedimentos médicos sob anestesia

A frequência e etiologia das reações sistémicas que ocorrem no decurso de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos sob analgesia profunda, sedação e/ou anestesia, são desconhecidos42.

Na prática hospitalar são cada vez mais comuns os exames realizados sob indução medicamentosa ou sob anestesia geral fora do bloco operatório. Destacam-se: na gastroenterologia, a endoscopia alta e baixa com sedação; em cardiologia, estudos hemodinâmicos e angiocardiográficos, como os cateterismos e cardioversão elétrica externa eletiva; em pneumologia, a broncofibroscopia com sedação; em neurologia, a anestesia para realização de eletroconvulsoterapia; e em radiologia, casos especiais de RNM ou TAC.

Os hipnóticos são os agentes anestésicos mais comummente usados, normalmente o propofol, e, em casos excecionais, o tiopental ou etomidato. Por vezes, há necessidade de administração de opioides, como o fentanil ou ramifentanil, ou sedativos, como o midazolam.

No caso de suspeita de RHS no decurso destes procedimentos deve ser excluída a alergia ao látex, antibióticos, desinfetantes e outras substâncias usadas42. Em Portugal, Cardoso e col. estudaram os casos de reacções alérgicas em procedimentos médicos invasivos e os agentes envolvidos foram diversos, com destaque para o metamizol, RNM e midazolam43.

Em idade pediátrica

São raros os estudos epidemiológicos existentes em crianças. Mertes e col. observaram que 122 dos 266 doentes com idade inferior a 18 anos com APO apresentaram reação mediada por IgE; o látex foi a causa mais frequente (41,8%), seguido dos RNM (31,9%) e dos antibióticos (9%), e, ao contrário dos adultos, não se encontrou maior incidência no sexo feminino9. À semelhança dos adultos, não se observou relação com atopia, asma ou HS a fármacos, e as manifestações mediadas por IgE foram, em geral, mais graves. O algoritmo de diagnóstico de APO na criança segue as mesmas linhas já descritas.

No doente asmático

A diversidade dos fenótipos de asma e comorbilidades obriga que o anestesista tenha uma avaliação individualizada do asmático antes, durante e após o procedimento anestésico. As características específicas de diferentes fármacos poderão condicionar a escolha dos agentes anestésicos a utilizar no doente asmático39. As complicações perioperatórias no doente com asma são raras, sendo a mais frequente o broncospasmo e o laringospasmo, mais comum no período de indução anestésica, e o risco aumenta com a idade e em doentes com asma não controlada. Na presença de um quadro broncospasmo grave deve ser considerado, de imediato, a possibilidade de anafilaxia, que deve ser identificada e controlada precocemente, pelo risco acrescido de reação fatal35,39,40.

É fundamental uma avaliação pré-anestésica imunoalergológica cuidadosa que deve incluir: avaliação do controlo da asma, dos fatores de risco e manutenção de tratamento anti-inflamatório e broncodilatador antes e após o ato anestésico e, eventualmente, terapêutica pré-operatória. As particularidades da anestesia no doente asmático foram por nós revistas em publicação recente39.

Anestesia de urgência

Nos casos de anestesia geral de urgência devem ser ponderados os fatores de risco de APO versus a necessidade de cirurgia emergente. Nestes casos há, em geral, um risco acrescido de complicações perioperatórias pelo desconhecimento dos fatores de risco do doente e pela impossibilidade de otimização da terapêutica pré-anestesia.

Nos doentes com risco de anafilaxia, sempre que possível, deve ser preferida a anestesia locorregional (Figura 1)13,36.

Nos casos de cirurgia com anestesia geral de urgência imprescindível em doente com antecedentes de reacção adversa em anestesia anterior, recomenda-se a sua realização em campo cirúrgico “isento de látex” e a preferência de agentes com menor risco de RHS, como o cis-atracúrio ou vecurónio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A APO pode ocorrer em qualquer momento da anestesia. Regra geral, as formas mais graves ocorrem de forma súbita na indução anestésica.

Todos os casos de anafilaxia merecem uma análise aprofundada no sentido de investigar todos os agentes potencialmente sensibilizantes a que o doente esteve exposto, conhecer os fatores de risco e alternativas anestésicas.

O trabalho desenvolvido por equipas multidisciplinares permite, hoje, a existência de protocolos de consenso sobre o diagnóstico, terapêutica e seguimento de doentes com reações adversas a anestésicos, fundamentais na uniformização dos procedimentos diagnósticos e na confirmação do agente etiológico na APO.

Na investigação de reações adversas no perioperatório é fundamental uma abordagem multidisciplinar entre o imunoalergologista, o anestesista e o cirurgião, sendo imprescindível a análise do registo clínico das circunstâncias em que ocorreu a reação. Os testes devem ser orientados para deteção de IgE específica através de testes cutâneos de alergia. Chama-se a atenção para a necessidade de rastreio pré-operatório em Consulta de Imunoalergologia dos doentes com fatores de risco de APO, com o objetivo de minimizar o risco anestésico de anafilaxia.

Após o estudo, o doente deve ser portador de informação dos fármacos a que é alérgico, das alternativas terapêuticas e dos fatores de risco anestésico identificados.

 

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Contacto:

Emília Faria

Serviço de Imunoalergologia

Hospitais da Universidade de Coimbra

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3000- 075 Coimbra

E-mail: emiliamfaria@hotmail.com

 

Financiamento: Nenhum

 

Conflito de interesses: Nenhum

 

Data de receção / Received in: 22/03/2018

Data de aceitação / Accepted for publication in: 24/04/2018

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