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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

Print version ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.26 no.2 Lisboa June 2018

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Identificação de diferentes padrões de resposta ao omalizumab em doentes com urticária crónica espontânea

Identification of different response patterns to omalizumab in patients with chronic spontaneous urticarial

 

João Marcelino1, Célia Costa1, Pedro Aguiar2, Manuel Pereira‑Barbosa1,3

1 Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte

2 Escola Nacional de Saúde Publica, Universidade Nova de Lisboa

3 Clínica Universitária de Imunoalergologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Introdução: O omalizumab está aprovado no tratamento da urticária crónica espontânea (UCE) grave, resistente à terapêutica quádrupla com anti‑histaminicos H1 não sedativos (nsAH). No entanto, existem poucos dados que permitam prever a resposta dos doentes com UCE ao omalizumab. O objetivo deste trabalho é procurar identificar preditores/padrões de resposta de doentes com UCE submetidos a omalizumab. Métodos: Estudo retrospetivo (de 2006 a 2015) de doentes com UCE, tratados com omalizumab por um período superior a 6 meses. Realizaram‑se estatísticas descritivas e análise estatística com qui‑quadrado, odds ratio, modelos lineares generalizados. Resultados: Vinte e três doentes com UCE (3 do género masculino) foram incluídos no estudo. Antes de iniciarem tratamento com omalizumab, todos estavam medicados com dose quádrupla de nsAH, montelucaste e corticoterapia sistémica, e 15 faziam ainda anti‑histaminicos H2. Oito doentes tinham tentado tratamento prévio com imunoglobulina G endovenosa, ciclosporina e azatioprina, sem eficácia. O uso de modelos lineares generalizados mostra que por cada administração de omalizumab observou‑se uma redução do UAS (urticaria activity score) de 16 % (p <0,001) e do UAS 7 (urticaria activity score 7) de 20 % (p<0,001); as mulheres apresentaram uma redução do UAS de 15 % (p<0,001) e UAS7 de 17 % (p<0,001), comparativamente com os homens, que têm uma redução do UAS de 2 % (p=0,067) e UAS7 de 8 % (p<0,067). Doentes com uma IgE total sérica basal superior a 500kU/L apresentaram uma redução, por administração de omalizumab, do UAS de 28 % (p<0,001) e do UAS7 de 41 % (p<0,001), comparativamente a doentes com IgE total inferior a 100kU/L, que apresentaram uma redução do UAS de 12 % (p<0,001) e do UAS7 de 20 % (p<0,001). Conclusões: A resposta ao omalizumab parece ser mais rápida em doentes com valores de IgE total sérica basal mais elevada e no género feminino.

A ausência de resposta a terapêuticas imunomoduladoras prévias não foi preditora de não resposta ao omalizumab.

Palavras‑chave: Omalizumab, anti‑IgE, urticária crónica espontânea, UAS, IgE total.

 

ABSTRACT

Introduction: Omalizumab is approved for severe chronic spontaneous urticaria (CSU), non‑responsive to non‑sedating H1‑antihistamines. However, there is little data to predict patients’ response to omalizumab. We aim to identify possible predictors of response to omalizumab in CSU patients. Methods: Retrospective chart‑review study (2006‑2015), of CSU adults treated with omalizumab for 6 or more months. Statistical analyses: descriptive statistics, chi‑square, odds ratio analysis and generalized linear models. Results: Twenty‑three patients (3 men) were included. Prior to omalizumab, all were medicated with montelukast, quadruple daily dose of non‑sedating H1‑antihistamine and systemic oral corticosteroids; additionally, 15 were on H2‑antihistamines. IVIg, cyclosporine and azatioprine had previously been tried in 8 patients with no efficacy. Using generalized linear models, patients showed a reduction, per omalizumab administration, of 16% (p<0.001) of the UAS (urticaria activity score) score and 20% (p<0.001) of the UAS7 (urticaria activity score 7). Women had a reduction, per omalizumab administration, of the UAS (15%, p<0.001) and UAS7 (17%, p<0.001); compared to men’s UAS (2%, p=0.067) and UAS7 (8%, p=0.067) score’s. Patients with baseline total serum IgE>500kU/L had a reduction, per omalizumab administration, of the UAS (28%, p<0.001) and UAS7 (41%, p<0.001) scores; compared to IgE<100kU/L patients who had a reduction of the UAS (12%, p<0.001) and UAS7 (20%, p<0.001) scores. Conclusions: Response to omalizumab seems to be faster in patients with higher baseline total serum IgE and in women. A lack of response to immune‑modulating therapies prior to omalizumab does not predict a lack of response to omalizumab.

Keywords: Omalizumab, anti‑IgE, chronic spontaneous urticaria, UAS, total IgE.

 

INTRODUÇÃO

A urticaria crónica é uma doença cutânea debilitante, caracterizada pelo aparecimento de lesões cutâneas (maculo‑pápulas eritematosas pruriginosas) e/ou angioedema durante um período superior a seis semanas1,2,3,4. A urticaria crónica subdivide‑se em espontânea, quando as lesões surgem sem identificação de qualquer fator externo desencadeante, e indutível, quando se identifica um fator externo (físico ou não) desencadeante2,3,5.

A prevalência da urticária crónica espontânea (UCE) varia entre 0,5 e 1 % da população num dado momento1,2.

A UCE tem um significativo impacto negativo na qualidade de vida dos doentes, nomeadamente nas atividades de vida diária e de lazer, no sono, no estado mental, na interacção social, na autoperceção e na autoestima. Alguns estudos sugerem que este impacto é igual ou superior ao da dermatite atópica, da psoríase e da doença coronária grave a aguardar cirurgia de bypass1,3,6. Desta forma, é possível perceber que na urticária (como noutras doenças cutâneas) há um extenso impacto no bem‑estar psicológico, funcionamento social e atividades diárias dos doentes. Assim, a qualidade de vida tornou‑se um endpoint importante, uma vez que muitas doenças cutâneas são crónicas e o seu peso se associa mais na vivência com a doença do que falecimento por ela. Vários instrumentos dermatológicos específicos têm sido descritos para avaliar este impacto. Entre eles, o Dermatology Life Quality

Index (DLQI) foi o primeiro a ser desenvolvido e é um dos mais usados internacionalmente31.

As recomendações atuais da EAACI/GA(2)LEN/EDF/WAO, publicadas em 2014, sobre a abordagem da urticária crónica, estabelecem como objetivo terapêutico, a resolução completa dos sintomas2. A primeira linha de tratamento inclui os anti‑histaminicos H1 não sedativos (nsAH), cuja dose pode ser aumentada até uma dose diária quádrupla (segunda linha terapêutica), tendo sido retirados os anti‑histaminicos H2 do algoritmo terapêutico2,3,5.

No entanto, menos de 50 % dos doentes responde à dose aprovada em RCM de nsAH 1x/dia e cerca de 1/4 a 1/3 dos doentes permanece sintomático após a subida para a dose diária quádrupla1,4,710.

Nestas recomendações, surgem como terceira linha terapêutica três fármacos em paralelo: montelucaste, ciclosporina e omalizumab.

O omalizumab está aprovado no tratamento da UCE grave resistente aos nsAH desde 20142,4. O omalizumab é um anticorpo IgG anti‑IgE monoclonal humanizado recombinante que se liga à porção Fc da IgE livre e sequestra a IgE livre4,7,8,11.

Estudos realizados na asma alérgica grave (baseados nos dados do estudo INNOVATE) mostraram que, para doentes com asma com valores iniciais de IgE total sérica mais baixos (IgE <75 IU/mL), havia um menor benefício do efeito do tratamento do que em doentes com valores de IgE mais elevados12,13. Outros estudos têm sugerido que, na asma alérgica grave, factores associados a asma mais grave (história de tratamento de emergência, FEV1 reduzido e medicação com doses altas de corticoide inalado) eram preditores de uma maior resposta relativa à terapêutica add‑on do omalizumab1416.

No entanto, no caso da UCE há poucos dados sobre fatores prognósticos de resposta à terapêutica com omalizumab. Apenas muito recentemente, um estudo de Deza e colegas mostrou que doentes com UCE respondedores ao omalizumab tinham maiores valores de IgE total sérica basal e basófilos com maior expressão basal do recetor FcεRI, que doentes com UCE não respondedores17.

Neste estudo, procuramos identificar possíveis preditores ou padrões de resposta de doentes com UCE tratados com omalizumab num serviço de imunoalergologia.

Avaliou‑se também a eficácia e perfil de segurança do omalizumab na UCE e o seu impacto na qualidade de vida dos doentes.

MÉTODOS

Realizou‑se um estudo retrospetivo de junho de 2006 a julho de 2015 dos doentes adultos com urticária crónica espontânea tratados com omalizumab durante pelo menos 6 meses num serviço de imunoalergologia.

Os doentes foram caracterizados de acordo com dados demográficos e clínicos, nomeadamente idade, género, presença de comorbilidades atópicas, idade de início da urticária crónica, duração da urticária crónica, idade de início do omalizumab, terapêuticas prévias e atuais, dose inicial de omalizumab, IgE total sérica inicial e resultado de exames complementares efetuados, incluindo teste do soro autólogo (TSA).

Antes da recomendação internacional da dose de 300mg a cada 4 semanas, cinco doentes iniciaram omalizumab com uma dose diferente, calculada com base nas tabelas da asma.

Como o questionário CU‑QoL (chronic urticaria quality of life questionnaire) não está ainda validado na língua portuguesa, os autores utilizaram o questionário dermatológico (Dermatology Life Quality Index (DLQI)) validado em língua portuguesa para avaliar o impacto da urticária na qualidade de vida dos doentes incluídos no estudo. De acordo com os valores de DLQI, pode‑se definir o impacto na qualidade de vida em vários graus: 0 – 1: Não afeta a qualidade de vida; 2 – 5: Impacto ligeiro; 6 – 10: Moderado; 11 – 20: Elevado; 21 – 30: Extremamente elevado32,33.

A resposta clínica dos doentes ao tratamento com omalizumab foi avaliada usando questionários validados para a língua portuguesa: score de atividade da urticária (UAS e UAS7) antes e ao longo do tratamento com omalizumab e DLQI pré-início de omalizumab e reavaliação entre os 6 e 12 meses após início.

Os doentes iniciaram omalizumab associado à terapêutica prévia. Quando o controlo da urticária era conseguido (definido como UAS7≤6 na altura da administração do omalizumab), realizava‑se uma diminuição da terapêutica pela seguinte ordem: corticoterapia oral, anti‑histaminicos H2 (se estiver a fazer), antagonistas dos recetores dos leucotrienos (exceto aqueles que os tomavam para controlo das comorbilidades atópicas), nsAH (4 comprimidos/dia → 3 comprimidos/dia → 2 comprimidos/ dia →1 comprimido/dia → em SOS para exacerbações pontuais ligeiras).

Os doentes foram caracterizados, em julho de 2015, de acordo com a sua resposta ao omalizumab (classificação adaptada de Har e colegas, referência 18) em: 1) Respondedores completos, que necessitavam apenas de nsAH em esquema SOS além do omalizumab para manterem UAS7≤6 (incluíam também doentes a fazer montelucaste para controlo de comorbilidades atópicas); 2) Respondedores parciais, que necessitavam de medicação diária além do omalizumab para manterem um UAS7≤6, mas que tinham tido melhoria clínica evidente após início do omalizumab; 3) Não respondedores, que incluía os doentes que haviam iniciado omalizumab e que não tinham tido qualquer melhoria após pelo menos 6 meses de terapêutica.

Os respondedores completos foram subsequentemente categorizados de acordo com a sua resposta à tentativa de descontinuação do omalizumab: 1) Não dependentes, que incluía os doentes que após suspensão do omalizumab mantinham controlo da urticária apenas com nsAH em esquema SOS; 2) Dependentes que incluía os doentes que tinham exacerbações/reinício de lesões de urticária quando se tentava espaçar administrações do omalizumab ou se tentava a sua suspensão.

A descontinuação do omalizumab foi realizada da seguinte forma: se o doente apresentasse um UAS7≤6 em 2 administrações consecutivas do omalizumab e se encontrasse apenas sob nsAH em esquema SOS (incluía também doentes a fazer montelucaste para controlo de comorbilidades atópicas), as administrações do omalizumab eram espaçadas de forma sequencial em: de 4/4 semanas → para 5/5 semanas → para 6/6 semanas → para 8/8 semanas. Após 2 administrações consecutivas de 8/8 semanas, se o doente mantivesse controlo, era tentada a suspensão do omalizumab.

As reações adversas foram monitorizadas após cada administração do omalizumab e divididas em reacções imediatas (vigilância em Hospital de Dia durante 150 minutos após as 3 primeiras administrações e 60 minutos após as subsequentes) e reações tardias (por revisão dos diários da urticária dos doentes).

Foram realizadas estatísticas descritivas e análise estatística dos dados usando software SPSS versão 22.0 (IBM Corporation, New York, USA): teste qui‑quadrado, odds ratio, modelos lineares generalizados assumindo uma distribuição gama com função de lincagem logarítmica e uma estrutura de correlação dentro do doente do tipo AR(1) para avaliação da evolução dos scores de atividade da urticária. Um valor p<0,05 foi considerado significativo.

Foi obtido para este estudo o consentimento da Comissão de Ética do Centro Académico de Medicina de Lisboa (Ref. 628/15, Comissão de Ética do Centro Académico de Medicina de Lisboa).

RESULTADOS

Caraterização da população

Neste estudo, foram incluídos 23 doentes (20 mulheres e 3 homens) com UCE. Os dados encontram‑se resumidos nos Quadros 1 e 2.

A maioria (12 doentes, 52 %) dos doentes apresentava comorbilidades atópicas, nomeadamente 10 com rinite, 4 com asma, 3 com hipersensibilidade medicamentosa e 2 com alergia alimentar.

Em todos os doentes foram pesquisados anticorpos antitiroideus, sendo positivos em 7 doentes (30 %). Dos 7, apenas 1 apresentava alteração dos valores séricos das hormonas tiroideias (hipotiroidismo) em contexto de uma tiroidite de Hashimoto. Os restantes mantinham‑se eutiroideus e assintomáticos, apesar da presença dos autoanticorpos.

O teste do soro autólogo (TSA) foi realizado em 15 doentes e positivo em 9. Os restantes não conseguiram parar terapêutica anti‑histaminica tempo suficiente para realizar o teste.

Antes de iniciarem omalizumab, todos os doentes (100 %) encontravam‑se medicados com montelucaste, nsAH dose diária quádrupla e corticoterapia sistémica oral e 15 doentes (65 %) encontravam‑se também medicados com anti‑histaminicos H2. Outras terapêuticas imunomoduladoras tentadas previamente para controlo da urticária, sem eficácia, foram: imunoglobulina IgG endovenosa em 4 doentes, ciclosporina em 3 doentes e azatioprina em 1 doente.

À data final do estudo, nenhum doente se encontrava a fazer corticoterapia oral. Treze (57 %) doentes faziam nsAH em esquema de SOS e 10 (43 %) faziam nsAH 1 a 2x/dia. Três (15 %) doentes mantêm montelucaste, mas por comorbilidades atópicas.

À data final do estudo, 16 doentes encontravam‑se a fazer omalizumab (duração média do tratamento: 30±23 meses) e 7 tinham suspendido omalizumab por controlo da urticária.

Dos 16 doentes, 12 encontravam‑se em fase de diminuição terapêutica e foram classificados como respondedores parciais.

Quatro são respondedores completos dependentes de omalizumab. Sete (30 %) pararam omalizumab, são respondedores completos não dependentes do omalizumab e a duração do tratamento foi, em média, de 30±18 meses.

Todos os doentes que tiveram de reiniciar omalizumab após suspensão, ou voltar a encurtar o intervalo entre administrações, não tiveram nenhuma diminuição da resposta ao omalizumab. Não houve não respondedores na nossa população.

Durante os 72 meses de tratamento com omalizumab não se verificaram reações adversas sistémicas.

Análise estatística

A atividade da urticária foi determinada através do cálculo dos scores UAS e UAS7 durante os primeiros 12 meses de terapêutica e a sua evolução avaliada usando modelos lineares generalizados (Figuras 1, 2 e 3). Os modelos lineares generalizados permitem avaliar simultaneamente os efeitos de múltiplas variáveis e são uma expansão da simples regressão linear ao permitir que as variáveis de resposta tenham uma distribuição diferente de uma distribuição normal.

Neste trabalho, o modelo mostra como os scores dos doentes respondem, em média, às administrações mensais de omalizumab durante o primeiro ano de terapêutica.

Considerando o UAS, os doentes mostram uma redução do score por administração mensal de omalizumab de 16% (p<0,001) relativamente ao valor do mês anterior. Quando os resultados foram avaliados de acordo com o género dos doentes, as mulheres apresentaram uma redução do score por administração mensal de omalizumab de 15 % (p<0,001) e os homens de 2 % (p=0,067). Quando os resultados foram avaliados de acordo com o valor de IgE total sérica basal dos doentes (considerando‑se 3 intervalos: <100kU/L, 100‑500kU/L e >500kU/L), os doentes apresentaram uma redução do score por administração mensal de omalizumab de 12 % (p<0,001) se IgE<100kU/L, de 11 % (p<0,1) se IgE entre 100‑500kU/L e 28 % (p<0,001) se IgE>500kU/L.

Considerando o UAS7, os doentes mostraram uma redução do score por administração mensal de omalizumab de 20 % (p<0,001). Quando os resultados foram avaliados de acordo com o género dos doentes, as mulheres apresentaram uma redução do score por administração mensal de omalizumab de 17 % (p<0,001) e os homens de 8 % (p=0,067). Quando os resultados foram avaliados de acordo com o valor de IgE total sérica basal, os doentes apresentaram uma redução do score por administração mensal de omalizumab de 20 % (p<0,001) se tinham IgE total <100kU/L e de 41 % (p<0,001) se IgE total>500kU/L.

Para o UAS7 dos doentes com IgE entre 100‑500kU/L, a existência de alguns registos incompletos impossibilitou a determinação do valor.

Foi procurada uma associação entre o género feminino e valor de IgE sérica total basal. O teste qui‑quadrado não encontrou nenhuma associação (p=0,027). O teste de odds ratio também não encontrou nenhuma associação estatisticamente significativa (odds ratio 0,075 [intervalo confiança 95 % 0,005‑1,105] com um teste de Fisher com p=0,085).

DISCUSSÃO

Os resultados descritos sugerem que, apesar de todos estes doentes terem respondido ao omalizumab, os doentes do género feminino e os doentes com valores mais elevados de IgE sérica total sérica basal parece terem uma resposta mais rápida ao omalizumab.

O omalizumab foi aprovado como terapêutica add‑on para a UCE em 201418. Tendo um uso relativamente recente, pouco é conhecido sobre os efeitos a longo prazo nesta patologia na vida real. Os principais dados são conhecidos através de pequenos grupos de casos e os ensaios clínicos têm um período muito reduzido de follow‑up11,1924.

Adicionalmente, nenhum estudo descreve ou parece ter encontrado algum fator preditor de resposta ao omalizumab na UCE.

Conseguir predizer a resposta ao omalizumab é de grande importância na prática clínica, uma vez que o omalizumab é uma terapêutica extremamente dispendiosa, e de acordo com os ensaios clínicos nem todos os doentes respondem ao omalizumab. Aproximadamente 41 a 48 % de doentes com UCE em ensaios clínicos2527 e 17 a 23 % de doentes em descrições clínicas de real world setting22,24,28 não apresentam resposta completa ou significativa ao omalizumab. Deste modo, é importante tentar encontrar formas de selecionar os doentes que mais beneficiarão deste fármaco.

Do que é do conhecimento dos autores, nenhuma outra publicação aplicou modelos lineares generalizados no estudo da progressão do score de atividade da urticária em resposta ao omalizumab. Este modelo analisa todo o primeiro ano de terapêutica mensal com omalizumab e determina os valores médios dos scores de UAS e UAS7 e o decréscimo mensal médio dos scores, comparativamente ao mês prévio. O uso de modelos lineares generalizados permitiu calcular, com significado estatístico (p<0,001), um decréscimo médio do score UAS de 16 % e do score UAS7 de 20 % por administração mensal de omalizumab. Este decréscimo ocorreu simultaneamente com a diminuição da outra terapêutica de controlo que os doentes se encontravam a realizar. O decrescimento dos scores foi mais marcado em doentes do género feminino, quando comparados com género masculino, e em doentes com valores de IgE total sérica basal superiores a 500kU/L, quando comparados com valores inferiores.

No que diz respeito às diferenças entre géneros, os autores apresentam estes resultados com alguma cautela.

Não existe nenhuma descrição desta variação entre géneros em doentes com UCE a realizar omalizumab ou em doentes com asma a realizar omalizumab. Adicionalmente, a amostra global é muito pequena, o que pode condicionar os resultados obtidos. Em particular no caso do género masculino, em que só são avaliados 3 doentes e p>0,05. Finalmente, os scores são subjetivos, e tendo as mulheres um valor médio inicial superior ao dos homens nesta amostra, pode também significar diferenças de perceção da urticária entre géneros. Portanto, a melhoria da perceção do quadro clínico baseado no UAS e UAS7 parece ser superior no sexo feminino, mas são necessários mais estudos para confirmar estes resultados.

Relativamente à IgE total sérica, a resposta ao omalizumab parece ser mais rápida em doentes com valores séricos mais elevados.

Vários mecanismos de ação têm sido descritos relativamente ao omalizumab na urticária, alguns dos quais podem explicar parte dos presentes resultados: 1) a produção de autoanticorpos IgG contra o recetor de alta afinidade FcεRI existente na superfície de mastócitos e basófilos, contra IgE ou ambos permite o cross‑link

Dos recetores FcεRI e a ativação celular; 2) a produção de autoanticorpos IgE contra autoantigénios (nomeadamente autoanticorpos antitiroideus) pode desgranular mastócitos; 3) IgE monomérica livre, mesmo na ausência de cross‑link dos recetores FcεRI, pode‑se ligar ao receptor nos mastócitos e induzir vários efeitos sem causar desgranulação, efeitos como indução de diferenciação, proliferação, sobrevida, geração de citocinas e aumento da transcrição de 58 genes para mais do dobro do nível basal29,30. Ao ligar‑se à IgE livre, o omalizumab inibe o efeito da IgE monomérica, dos autoanticorpos IgE e da ativação por anticorpos IgG contra a IgE. Vai também induzir uma down‑regulation dos recetores FcεRI e FcεRII das células B que, por sua vez, reduz a formação de novos plasmócitos secretores de IgE29,30. Estes mecanismos podem explicar por que doentes com valores mais elevados de IgE sérica total basal têm uma resposta mais rápida ao omalizumab.

Em linha com dados prévios do nosso Serviço de Imunoalergologia20 e dados reportados por Savic e colegas11, os nossos doentes com UCE parece terem uma tendência para valores elevados de IgE sérica total basal.

De acordo com o descrito por outros autores1,2,11, os nossos doentes apresentavam um predomínio do género feminino.

A melhoria da qualidade de vida é semelhante à reportada por Savic e colegas11, que apresentavam um score inicial de 19,5±2 (semelhante aos 18,2±6 dos nossos doentes) e mostraram uma redução de 75 % com o tratamento com omalizumab.

Todos os nossos doentes responderam ao omalizumab. Esta taxa é mais elevada do que a reportada por Har e colegas (10 em 17 doentes)19 e Savic e colegas (27 em 36 doentes)11. No entanto, alguns doentespermanecem dependentes de omalizumab para se manterem assintomáticos.

Nenhum estudo tem demonstrado durante quanto tempo esta terapêutica pode ser realizada com segurança.

Neste estudo, doentes a realizar terapêutica há um máximo de 72 meses não parecem mostrar efeitos adversos ou perda de eficácia.

Sete doentes permaneceram assintomáticos após a suspensão do omalizumab. A duração média de tratamento nestes doentes foi de 30±18 meses. A suspensão do omalizumab deve sempre ser tentada, uma vez que a remissão é possível.

Outro ponto importante mostrado por este estudo, e também descrito por Metz e colegas21, é a aparente ausência de perda de eficácia do omalizumab com o seu reinício após suspensão.

No entanto, este estudo apresenta algumas limitações, uma vez que é retrospetivo com um número reduzido de doentes. É necessária a análise futura de mais doentes com UCE a realizar omalizumab para obter dados seriados dos scores de qualidade de vida e de atividade da urticária. Estes dados adicionais poderão confirmar, ou não, as tendências observadas neste estudo e possibilitar, também, a evolução do DLQI com modelos lineares generalizados.

CONCLUSÕES

A resposta ao omalizumab parece ser mais rápida em doentes com IgE total sérica mais elevada e em mulheres.

Na presente coorte, o omalizumab mostrou ser uma terapêutica eficaz e segura no tratamento da UCE, melhorando significativamente os scores de QoL e de atividade da urticária. A ausência de resposta a terapêuticas imunomoduladoras prévias ao omalizumab não parece ser preditor de ausência de resposta ao omalizumab.

 

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Contacto:

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E-mail: JLAM_1987@sapo.pt

 

Financiamento: Nenhum.

 

Declaração de conflito de interesses: Nenhum.

 

Data de receção / Received in: 24/07/2017

Data de aceitação / Accepted for publication in: 12/12/2017

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