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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.25 no.3 Lisboa set. 2017

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Conceitos subjacentes à utilização dos medicamentos biológicos

Underneath mechanisms for the use of biologics

 

Luís Taborda Barata1,2,3

1 Professor Associado, NuESA – Núcleo de Estudos em Saúde e Ambiente, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior, Covilhã

2 CICS – Centro de Investigação em Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior, Covilhã

3 Assistente Hospitalar Graduado de Imunoalergologia, Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar Cova da Beira, EPE, Covilhã

 

Contacto

 

RESUMO

Os medicamentos biológicos e biossimilares são desenvolvidos a partir de células vivas, com maior ou menor grau de modificação em relação às moléculas originais, através de metodologias biotecnológicas variadas. Diversos desafios tiveram de ser vencidos para que se pudessem obter biofármacos com elevada especificidade, baixa imunogenicidade e verificável eficácia terapêutica. Ao longo dos tempos, tem havido uma aplicação crescente deste tipo de medicamentos, que envolvem desde hormonas e fatores hematopoiéticos até anticorpos monoclonais, sendo estes últimos os mais amplamente utilizados, particularmente em duas áreas: terapêutica oncológica e terapêutica anti‑inflamatoria de base autoimunitária ou não. De facto, o espetro de utilização deste tipo de anticorpos tem vindo a alargar‑se, não só devido ao aumento da sua tolerabilidade, por diminuição de imunogenicidade, mas também por causa de um incremento na sua semivida e optimização funcional. Atualmente, existe um leque alargado de anticorpos com eficácia terapêutica demonstrada, baseada na interferência em um ou mais mecanismos imunopatológicos. Para além disso, novos anticorpos monoclonais estão em estudo. Uma utilização criteriosa, baseada em normas claras, no âmbito de uma medicina personalizada do futuro, é imprescindível.

Palavras‑chave: Anticorpos monoclonais, biossimilares, biotecnologia, medicamentos biológicos, terapêutica biológica.

 

ABSTRACT

Biologicals and biosimilars are drugs developed from live cells, with more or less modifications regarding to the original molecules, after using variable biotechonological methodologies. Several challenges have been overcome in order to obtain biopharmacals with high specificity, low immunogenicity and therapeutical efficacy. During the last years there has been a growing application of this type of drugs, evolving from hormones and hematopoieical factors to monoclonal antibodies, being the last ones the most used particularly in two areas: oncology and anti-inflammatory therapy for autoimmunity or not. In fact the spectrum of utilization of this type of antibodies has became larger, not only due to its tolerability, and diminished immunogenicity, but also due to its increasingly higher half-time and functional optimization. Nowadays, there is a vast number of monoclonal antibodies with proven efficiency based on its interference in one or more immunopathological mechanisms. Beyond this, new antibodies are being developed. In the future, its mandatory to have its judicious utilization, based on clear guidelines.

Keywords: Monoclonal antibodies, biosimilars, biotechnology, biological drugs, biological therapy.

 

ALGUNS CONCEITOS GERAIS

As definições Medicamentos biológicos são aqueles que são produzidos e isolados a partir de sistemas vivos, como bactérias, leveduras ou células de mamíferos, recorrendo a tecnologia do ADN recombinante.

A Food and Drug Administration (FDA) considera que “produtos biológicos” são “um leque alargado de produtos, como vacinas, sangue e componentes sanguíneos, alergénios, células somáticas, terapia génica, tecidos e proteínas terapêuticas recombinantes, isolados a partir de várias fontes celulares naturais vivas – humana, animal, microorganismo – e podem ser produzidos por métodos de biotecnologia e outras tecnologias de ponta”1. A FDA refere ainda que “produtos biológicos de base genética e celular, por exemplo, estão frequentemente na vanguarda da investigação biomédica e podem ser usados para tratar uma variedade de condições médicas para as quais não haja outros tratamentos disponíveis”. Também o Infarmed define “medicamento biológico” de forma semelhante2.

Para além dos medicamentos biológicos, também os medicamentos “biossimilares” têm vindo a ganhar relevância crescente. Como refere a European Medicines Agency (EMA), “Um produto biológico medicinal similar, também conhecido como “biossimilar”, é um produto similar a um medicamento biológico com uso já autorizado, o chamado “produto medicinal de referência”3. O Infarmed refere que “Medicamento biossimilar (conceito introduzido na legislação europeia em 2005) é aquele produzido por um novo fabricante que demonstra a sua semelhança farmacocinética e farmacodinâmica com um medicamento biológico conhecido e já aprovado, a que se chama “medicamento biológico de referência”. Os medicamentos biossimilares destinam‑se a ser utilizados para o tratamento da mesma ou mesmas doenças, na mesma dose e via de administração2. É de realçar que embora um medicamento biossimilar consista na mesma substância biológica da do biofármaco de referência, poderá haver pequenas diferenças na sua composição, uma vez que se trata de compostos complexos e que podem ter sido obtidos por técnicas com ligeiras diferenças metodológicas.

Assim, para a aprovação de um biossimilar é necessário demonstrar, através de estudos de comparabilidade, que as eventuais diferenças existentes em relação ao biofármaco de referência não têm tradução em termos de farmacocinética, farmacodinâmica, eficácia ou segurança.

Os vários tipos de medicamentos biológicos

Os medicamentos biológicos podem ser classificados de diferentes maneiras mas, de forma geral, envolvem hormonas (insulina, eritropoietina), hemoderivados, factores de coagulação e anticoagulantes recombinantes, fatores de crescimento hematopoiético, enzimas, citocinas (interferões, interleucinas), medicamentos imunológicos variados (soros, vacinas recombinantes), anticorpos monoclonais, proteínas recombinantes, medicamentos envolvendo oligonucleotídeos antisense (ligam‑se a mRNA, bloqueando‑o) e mesmo terapêuticas de base celular4.

É também possível restringir‑se o conceito de biofármacos a uma definição mais restrita, que envolva apenas aqueles que modulam o funcionamento do sistema imunitário, diminuem respostas inflamatórias ou apoiam respostas específicas contra tumores.

OS VÁRIOS ASPETOS DE UMA EVOLUÇÃO

Aspetos gerais

A utilização de medicamentos biológicos, em termos mundiais, tem vindo a ganhar um peso crescente. De facto, em 2017, os biofármacos constituem cerca de 20% do mercado mundial de medicamentos, o que equivale a cerca de 221 mil milhões de dólares5. Há mais de 250 medicamentos biológicos no mercado e mais de 400 em ensaios clínicos de diferentes fases, o que corresponde a cerca de 1/3 do total de medicamentos em desenvolvimento.

De forma igualmente relevante, os anticorpos monoclonais, que constituem a maior parte dos medicamentos biológicos, também têm conhecido um incremento muito significativo do seu uso.

A evolução

A tecnologia usada no desenvolvimento de medicamentos biológicos envolve a transferência de genes humanos que codificam proteínas de interesse para bactérias, leveduras ou outros sistemas orgânicos que, em cultura, permitem a inserção desses genes no seu genoma, passando a produzir as respetivas proteínas em elevada quantidade6. Nos biofármacos de primeira geração, os genes inseridos não eram artificialmente modificados por engenharia genética dirigida. Assim, as proteínas produzidas pelas bactérias continham uma estrutura aminoacídica sobreponível à das proteínas humanas “naturais” respetivas. Contudo, seria desejável, em certos caso, produzir proteínas “melhoradas” que demonstrassem maior eficácia e especificidade de ação, bem como menor quantidade de efeitos secundários e capacidade de activar uma resposta reativa do sistema imunitário contra elas (imunogenicidade). Assim, surgiram os biofármacos de segunda geração, nos quais se introduziam modificações génicas que conduziam a alterações na estrutura primária de proteína produzida.

Como exemplos, temos as proteínas de fusão de uma fração Fc de uma cadeia pesada de imunoglobulina, com um recetor para um antigénio de interesse – quimerismo molecular.

E como é possível transferir os genes de interesse para as bactérias que irão produzir as proteínas respectivas em grandes quantidades? Essa transferência, ou transfeção, implica arranjar uma estrutura “transportadora” que permita inserir os genes. Esses transportadores têm variado ao longo do tempo, mas envolvem variantes de plasmídeos (porções de ADN bacteriano circular) e de bacteriófagos (vírus) – cosmideos‑fosmideos, ou fagemídeos.

Qualquer um destes tipos de vetores permite a integração de genes de interesse (modificados ou não) no ADN de células hospedeiras. Os plasmídeos permitem a inserção de fragmentos génicos claramente inferiores, em tamanho, aos que permitem os bacteriófagos. De qualquer forma, há dois períodos que foram fundamentais no desenvolvimento deste tipo de tecnologia. Em 1973, conseguiu‑se transfetar E. coli com plasmídeos construídos in vitro e que incluíam genes, para a resistência a antibióticos7.

Em 1979, conseguiu‑se aplicar esta tecnologia à produção da primeira hormona humana recombinante –a insulina8.

O desenvolvimento de anticorpos monoclonais

1986 marca a aprovação do primeiro anticorpo monoclonal para uso terapêutico (Orthoclone OKT3) e que permitiu prevenir a rejeição de rins transplantados, em casos de doentes que resistiam à terapêutica imunossupressora habitual9. Mas como é que se chegou aqui? Através da junção de duas técnicas fundamentais: a primeira já é nossa conhecida, a técnica de transfeção de genes de interesse através de plasmídeos. A segunda resultou da técnica de produção de anticorpos resultantes de apenas um clone de células B – a tecnologia dos hibridomas, com resultados demonstrados em 197510. Esta técnica consiste em imunizar ratinhos com antigénios contra os quais se querem desenvolver anticorpos. Após algumas semanas, sacrificam‑se os animais e retira‑se o baço, fonte ideal de linfócitos B produtores de anticorpos. Seguidamente, isolam‑se e incubam‑se essas células B com células B tumorais imortalizadas, de uma linha celular de mieloma. Esta incubação é efetuada em polietilenoglicol, que favorece a fusão celular entre os dois tipos de células.

Contudo, essa fusão não ocorre em todas as células e, assim, acaba‑se por obter três populações de células: linfócitos B de ratinho e células de mieloma, que não se fundiram entre si, e células híbridas, resultantes dessa fusão. Em seguida, colocam‑se todas as células num meio agressivo (meio de hipoxantina‑aminopterina‑timidina; HAT). Este meio de cultura, através da aminopterina, inibe o metabolismo dos folatos, o que bloqueia a síntese de ADN de novo. Contudo, a hipoxantina (derivado purínico) e a timidina (um desoxinucleosídeo) presentes no meio de cultura podem ser usadas para um metabolismo normal do ADN, nas células que têm o material enzimático necessário (timidina quinase). Ora as células do mieloma contêm uma mutação na timidina quinase que não permite a construção de ADN a partir da hipoxantina e timidina. Por outro lado, as células B contêm os enzimas necessários à sobrevivência num meio HAT mas, ao contrário das células tumorais imortalizadas, morrem após um determinado número de ciclos de proliferação (a chamada “Lei da Vida”). Assim, após algum tempo, apenas as células híbridas conseguem sobreviver à base do melhor que as células B têm para oferecer (a capacidade de sintetizar o ADN mesmo em meios como o HAT) e o melhor que as células do mieloma podem aportar (a quase‑imortalidade).

Uma parte destas células híbridas produz anticorpos específicos contra os antigénios usados para a sensibilização. Os passos seguintes consistem na seleção adicional, em diversas fases, das células B com maior afinidade para o antigénio, através da técnica de diluição limitante que permite acabar por ter apenas clones de células com maior afinidade para o antigénio sensibilizante. Uma vez confirmada a presença de clones de células híbridas que produzem “bons” anticorpos, induz‑se a proliferação in vivo ou in vitro desses clones produtores de anticorpos com a mesma especificidade e afinidade – os anticorpos monoclonais.

Aqui começa o “casamento” entre a técnica de hibridomas e as técnicas de engenharia genética. De facto, pode‑se “otimizar” a produção de anticorpos monoclonais se se amplificarem os genes das regiões variáveis (V) dos anticorpos obtidos pela técnica de hibridoma e se depois estes forem transfectados para bactérias, para uma produção em larga escala. Finalmente, é necessário rastrear os anticorpos produzidos pelas bactérias e identificar os que têm a maior afinidade – anticorpos monoclonais de 1.ª geração11,12.

As novas gerações de anticorpos monoclonais

Os anticorpos monoclonais com origem em ratinho têm, contudo, vários problemas que dificultam o uso terapêutico em humanos: grande imunogenicidade (com produção rápida de anticorpos anti‑Igs de ratinho); semivida curta; e baixa capacidade de ativação de funções imunitárias através da região Fc, pois recetores para Fc ou o complemento humanos ligam‑se com muito pouca afinidade a estas regiões de Igs de ratinho. Idealmente, os linfócitos B usados para criar os hibridomas deveriam ter origem humana, mas a produção de anticorpos monoclonais humanos, pela técnica de hibridomas, mostrou‑se muito complicada. Assim, uma vez mais, foi a engenharia  genética que levou à resolução do problema, ao permitir uma solução de recurso: a humanização de anticorpos monoclonais de ratinho – anticorpos monoclonais de 2.ª geração, com modificações estruturais em relação às moléculas de Ig originais11,12. Estas modificações criam verdadeiras quimeras, com parte da molécula final de ratinho e outra parte humana. Para tal, produzem‑se anticorpos monoclonais de ratinho pela técnica de hibridoma mas, em vez de se transfetarem genes para as regiões variáveis e constantes de Igs de ratinho, transfetam‑se apenas os genes das regiões variáveis em conjunto com genes codificadores das regiões constantes de Igs humanas. Estes anticorpos monoclonais híbridos “quiméricos” são claramente menos imunogénicos quando administrados em humanos, têm uma muito maior capacidade funcional, bem como uma semivida muito aumentada6,11,12.

Mas os anticorpos monoclonais de 2.ª geração ainda foram um passo mais além: em vez de juntar toda a região variável de uma Ig de ratinho com a região constante de Ig humana, conseguiu‑se efetuar a transfeção de apenas os genes que codificam as regiões “hipervariáveis” (complementarity determining regions – CDR; frações da região variável que realmente contactam com o antigénio) de Ig de ratinho, em conjunto com os genes humanos para codificarem toda a restante estrutura do anticorpo. Estes anticorpos “humanizados” têm todas as vantagens dos anticorpos “quiméricos” referidos, mas são ainda menos imunogénicos.

Mas a evolução tecnológica permitiu ainda o aparecimento de anticorpos monoclonais de 3.ª geração: os anticorpos totalmente humanos11,12, através de duas técnicas diferentes: a tecnologia de transfeção através de fagos e a tecnologia de modelos transgénicos. A primeira técnica é sobreponível à que permitiu a geração de anticorpos monoclonais de 1.ª e 2.ª gerações, mas com uma diferença: em vez de plasmídeos, usam‑se vírus (bacteriófagos ou fagos) como vetores. Este novo tipo de vetor permitiu a inserção de longos fragmentos génicos (com muito menos limitações, em tamanho, do que os plasmídeos) para a transfeção. Em 1990, conseguiu‑se efetuar, pela primeira vez, a expressão de genes para as regiões variáveis de Igs humanas pela transfeção através de fagos para bactérias13. Isto permitiu selecionar os fagos que expressavam os genes V de Igs com maior afinidade, através de cromatografia de afinidade, mimetizando uma “selecção natural” de mutações aleatórias nos genes clonados, no sentido de se escolherem os de muito elevada afinidade.

O primeiro anticorpo monoclonal de 3.ª geração assim produzido foi o adalimumab, dirigido contra o fator de necrose tumoral.

A segunda técnica, de modelos transgénicos, tinha um objetivo simples: silenciar genes endógenos que codificavam imunoglobulinas em ratinhos e introduzir genes que codificavam anticorpos humanos, a nível germinativo deste modelo animal. Esta “mutagénese dirigida, de substituição”, permitia fazer com que ratinhos transgénicos e seus descendentes tivessem os seus sistemas imunitários a trabalhar de forma natural na produção de anticorpos humanos contra antigénios para os quais eram sensibilizados.

Através do processo natural de “maturação de afinidades”, bastava obter esses anticorpos e expandi‑los, otimizando‑os, se necessário, em linhas celulares. O primeiro anticorpo monoclonal de 3.ª geração produzido desta forma, totalmente humano, foi o panitumumab (dirigido contra o recetor do Epidermal growth factor – EGFR), aprovado pela FDA em 2006.

A designação dos anticorpos monoclonais e de outros fármacos biológicos

A Organização Mundial de Saúde esteve na base da elaboração de um documento que normalizava os nomes atribuídos a anticorpos e outras proteínas terapêuticas,

revelando a sua origem e âmbito de atuação11. Alguns exemplos:

a) Quanto ao tipo funcional (indicado no sufixo):

kin (interleucinas)

kinra (antagonistas de recetores de interleucinas)

cept (moléculas de recetores)

mAb (anticorpo monoclonal)

b) Quanto à espécie de origem:

o‑ratinho

xi‑quimérico (2.ª geração)

zu‑humanizado (2.ª geração)

u‑humano (3.ª geração)

c) Quanto ao alvo terapêutico

b(a)‑bacteriano

k(i)‑interleucina

l(i)‑imunomodulação

t(u)‑tumor

v(i)‑viral

Suporte para uma utilização justificada

Os anticorpos monoclonais e proteínas de fusão têm sido usados essencialmente nos campos da oncologia e da patologia inflamatória grave, autoimune ou não. Ao utilizar‑se este tipo de medicamentos, os objetivos gerais podem ser servir como competidor contra moléculas com acção indesejável, substituir moléculas deficitárias, servir como agonista, amplificando a ação de moléculas endógenas ou a ativação de células de interesse, inibir ou bloquear a acção de moléculas e células, ou mesmo eliminar moléculas e células deletérias, nomeadamente tumorais. Vários mecanismos que interferem com o sistema imunitário suportam a utilização deste tipo de abordagem terapêutica12,15, nomeadamente:

a) Citotoxicidade: os anticorpos monoclonais são dirigidos contra antigénios expressos em membranas de celulas‑alvo (p.e. tumorais), opsonizando as células que os expressam. Células NK têm recetores para a fração Fc de IgG e podem ficar ativadas dessa forma, destruindo as celulas‑alvo por lise osmótica (por perforinas) e por apoptose (por granzimas). Um outro mecanismo citolítico também pode estar envolvido: a ativação da via clássica do sistema do complemento, pela ligação do fator C1 à fração Fc das IgG que opsonizam a celula‑alvo.

Esta ligação dá início à cascata do complemento, culminando na formação do complexo de ataque à membrana, e lise celular.

b) Fagocitose: a opsonização de celulas‑alvo por anticorpos monoclonais IgG pode também ter como consequência a ligação de células com capacidade fagocítica (como monócitos, macrófagos ou neutrófilos) às células opsonizadas, pois os fagócitos têm recetores para a fração Fc da IgG. Ligações extensas deste tipo conduzem à fagocitose da celula‑alvo e sua destruição.

c) Modulação da activação celular T: vários anticorpos monoclonais e proteínas de fusão modulam a activação de celulas‑alvo, através de diferentes mecanismos. Como exemplo, o abatacept (proteína de fusão entre IgG1 e CTLA‑4), através da sua componente CTLA‑4 (inibitória), liga‑se às moléculas coacessórias CD80/CD86 em células apresentadoras de antigénio (APC), não permitindo que o outro ligando de CD80/CD86 – o CD28, activador, expresso em células T – possa completar a activação das células T que estejam a interagir com as APC.

Isto inibe a ativação de células T efetoras, por exemplo no campo de doenças autoimunes. Mecanismos semelhantes são usados por outras proteínas de fusão e anticorpos monoclonais, em relação a outras moléculas coacessórias. Por outro lado, também se podem usar anticorpos monoclonais para aumentar a ativação de células T efetoras, nomeadamente através do bloqueio da expressão da molécula inibitória CTLA‑4, expressa em células T. O ipilimumab é um exemplo deste tipo de anticorpos monoclonais que permite prolongar a ativação de linfócitos T antitumorais.

d) Modulação da sinalização imunitária: também é possível bloquear a sinalização de citocinas através de diversas abordagens. Um exemplo é a IL‑4, cujas ações podem ser bloqueadas através de diferentes tipos de medicamentos biológicos, com maior ou menor sucesso. Assim, é possível usar‑se um anticorpo quimérico contra a IL‑4 (pascolizumab), um anticorpo humano contra a cadeia alfa do receptor para a IL‑4 (e IL‑13) (dupilumab), uma molécula recombinante solúvel do recetor para a IL‑4 (altrakincept) ou uma proteína IL‑4 mutada (pitrakinra), que funciona como um antagonista da IL‑4.

e) Prevenção da proliferação celular: é uma forma de modulação da sinalização que consiste no bloqueio de fatores de crescimento e seus recetores que possam ser relevantes para o crescimento tumoral, como o EGFR ou o VGEF.

f) Neutralização de agentes estranhos: um bom exemplo é o bloqueio da proteína de fusão (F) do VSR, efetuado pelo anticorpo monoclonal palivizumab, que conduz à desagregação da maquinaria necessária à reprodução do virião.

g) Bloqueio de mediadores: consiste no bloqueio de mediadores relevantes, não citocínicos, como a IgE. Neste caso, o omalizumab, um anticorpo humanizado dirigido contra a IgE, consegue reduzir, de forma indirecta, a ativação mastocitária.

Problemas na utilização

A utilização de medicamentos biológicos e biossimilares pode associar‑se a efeitos secundários. Como exemplo, a Direção de Gestão do Risco do Medicamento, do

Infarmed recebeu, entre 2009 e 2014, um total de 448 notificações relativas a este tipo de medicamentos. A maior parte das reações foram consideradas graves e envolveram perturbações gerais e alterações no local de administração, infeções e infestações, doenças respiratórias, torácicas e do mediastino ou afeções dos tecidos cutâneos e subcutâneos.

Perspetivas futuras

Com o desenvolvimento tecnológico continuado, é de esperar que a produção de medicamentos biológicos se torne ainda mais eficiente, segura e entusiasmante, alargando o leque de possibilidades até aos “nanocorpos”17 e outras modificações de anticorpos monoclonais. Mais ainda, numa época de crescente relevância da Medicina de precisão, com conhecimentos mais aprofundados acerca da imunopatologia de doenças, a caracterização de fenótipos e endótipos permitirá focar ainda mais os alvos a atingir com biofármacos. Mas as verdadeiras questões residem na necessidade de uma utilização criteriosa, baseada em normas claras, bem como na definição da sua aplicabilidade no âmbito de uma medicina personalizada do futuro, procurando as fronteiras dessa utilização, versus outros medicamentos imunomoduladores.

 

REFERÊNCIAS

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Contacto:

Luís Taborda Barata

Faculdade de Ciências da Saúde

Universidade da Beira Interior

Avenida Infante D. Henrique

6200‑506 Covilhã

 

Financiamento: Nenhum.

 

Declaração de conflito de interesses: Nenhum.

 

Data de receção / Received in: 11/04/2017

Data de aceitação / Accepted for publication in: 14/04/2017

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