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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.24 no.4 Lisboa dez. 2016

 

ARTIGO ORIGINAL

Teste cutâneo positivo para parietária. Qual o significado?

Positive prick test to parietaria. What´s the meaning?

 

Bárbara Kong Cardoso, Filipa Semedo, Elza Tomaz, Ana Paula Pires, Filipe Inácio

Serviço de Imunoalergologia – Centro Hospitalar de Setúbal

 

Contacto

 

RESUMO

Fundamento: A positividade do teste cutâneo prick (TCP) ao pólen de parietária é na maioria dos casos acompanhada de TCP positivos a outros pólenes. Por outro lado, uma percentagem significativa destes doentes não apresenta IgE específica para rPar j 2, considerado atualmente como marcador de alergia à parietária. Objetivo: Encontrar critérios preditivos de alergia ao pólen de parietária em doentes com TCP positivo a este pólen. Métodos: Foram recolhidos dados clínicos, resultados dos TCP e doseamentos de IgE específica para rPar j 2 de 64 doentes com TCP positivos à parietária – pápula com diâmetro médio (dm) igual ou maior que 3 mm. Foi construída uma árvore de classificação de alergia à parietária (tomando como referência de “verdadeira alergia” a positividade da IgErPar j 2), utilizando o algoritmo CHAID (quisquared automatic interaction detection). Resultados: No grupo estudado, 36 doentes eram do sexo feminino e a média de idades de 25,0±15,0; 70,3 % apresentava TCP positivos para ácaros (do pó), 84,4 % para pólen de gramíneas, 78,1 % a oliveira e 62,5 % para “outros pólenes” (excluindo as gramíneas ou a oliveira). Os fatores preditivos do melhor modelo obtido foram a relação entre as dimensões da pápula do TCP à parietária e à histamina, o sexo e o resultadodos TCP a “outros pólenes”. Assim, os doentes com pápula do TCP à parietária superior à da histamina do sexo feminino tiveram IgErPar j 2 positiva em 100 % dos casos. Por outro lado, um dm de pápula igual ou inferior à histamina acompanhado de TCP positivos para “outros pólenes” associou‑se a uma probabilidade de negatividade a este recombinante de 95,5 %. O modelo gerado pela árvore de decisão apresentou bom ajuste, tendo estimativa de risco de 0,16 (erro‑padrao= 0,04), mostrando‑se estável, considerando‑se que o risco estimado pela validação cruzada foi próximo do modelo final (risco 0,19; ep=0,05). Conclusões: Foi possível, com base nos resultados de um estudo alergológico básico, criar um modelo preditivo de alergia ao pólen de parietária com classificação correta em 84 % dos casos e boa capacidade de generalização. Palavras-chave: Alergénio recombinante rParj 2, algoritmo, modelo preditivo, polinose a parietária.

Palavraschave: Alergénio recombinante rParj 2, algoritmo, modelo preditivo, polinose a parietária.

 

ABSTRACT

Background: In most cases a positive prick test (PT) to parietaria goes along with positive PT to other pollens. On the other hand, a significant percentage of this patients don´t presenta rPar j2 specific IgE, which is currently considered as a marker to parietaria allergy. Objective: To define predictive criteria for allergy to parietaria pollen in patients with a positive PT to this pollen. Methods: We collected the medical records, PT results and rPar j 2 specific IgE levels of 64 patients with a positive PT to parietaria – wheal with mean diameter equal or larger then 3mm. Using the CHAID algorithm (Qui‑squared Automatic Interaction Detection) we were able to create a classification tree of parietaria allergy (considering “true allergy” the positivity of specific IgE to rPar j 2). Results: In our study group, 36 were female and mean age was 25.0±15,0; 70.3% had a positive PT to dust mites, 84.4 % to grass pollen, 84.4% to olive tree pollen and 62.5% to “other pollens” (non grass nor olive tree pollen). Predictive factors identified by the best model were the ratio between mean diameters of histamine and parietaria PT wheals, the patient gender and the result of the PT to “other pollens”. Therefore, patients with a PT wheal to parietaria larger than histamine that were female hada rPar j 2 positive in 100% of the cases. In the other hand, a PTwheal to parietaria equal or smaller to histamine followed by a positive PT to “other pollens” were related to a 95.5% probability of negative rPar j 2IgE. The computed tree estimated risks were: re‑substitution 0.16 (standard error 0.04) and cross‑validation 0.19 (standard error 0.05). Conclusion: Basic allergological patient evaluation allowedto create a predictive model of parietaria pollen allergy with a reasonable performance.

Keywords: Algorithms, parietaria pollinosis, predictive modeling, recombinant par j 2 allergen.

 

INTRODUÇÃO

Parietaria é um género botânico pertencente à família Urticaceae, descrito por Carl Linnaeus em 17531.

O seu nome deriva do latim paries, que significa parede, em referência à sua presença frequente em muros, ruínas e lugares pedregosos. Engloba mais de dez espécies, sendo a Parietaria judaica a mais representativa no território nacional, bem como em toda a bacia mediterrânica e Inglaterra. É uma erva comum em todas estas regiões, bem como na Europa Central, aqui acompanhada pela Parietaria officinalis. Na Figura 1 está representada a sua distribuição em Portugal, sendo conhecida vulgarmente entre nós por alfavaca‑de‑cobra ou erva‑das‑paredes2.

 

 

De entre as Urticaceae, a parietária é a principal responsável por patologia alérgica respiratória e, de acordo com E. Caeiro et al., o pólen de Urticaceae esteve entre os tipos polínicos mais frequentemente detetados pela Rede Portuguesa de Aerobiologia em 20073. A parietária apresenta um longo período de polinização, sendo possível detetar o respetivo pólen durante todo o ano, com uma intensidade máxima nos meses de abril e maio e é, por isso, responsável por sintomatologia multissazonal, ou mesmo perianual, como em algumas zonas do Sul de Itália4. A polinose causada pela parietária é pouco comum em doentes com menos de 10 anos, sendo mais frequente entre esta idade e os 30 anos. As manifestações habituais são a rinite e/ou asma5. Num estudo de coorte retrospetivo, a sensibilização a Parietaria judaica estava associada a um aumento significativo do risco de asma, enquanto essa associação não se verificava em relação à sensibilização a ácaros do pó da casa ou a outros pólenes6.

De acordo com a prática clínica dos autores, a positividade do teste cutâneo prick (TCP) ao pólen de parietária é frequente em Portugal e na maioria dos casos acompanhada de positividade de TCP a outros alergénios, como aliás se verifica no grupo de doentes estudado no presente trabalho. Esta observação é aliás concordante com o facto de a maioria dos doentes com alergia respiratória apresentar sensibilizações a dois ou mais alergénios7.

Por outro lado, uma percentagem significativa dos doentes com TCP positivo para parietária não apresenta IgE específica para rPar j 2, considerado atualmente como marcador de alergia à parietária8. Assim, seria útil que dados de fácil obtenção pudessem ajudar a interpretar o significado de um TCP positivo à parietária, principalmente quando se trata de escolher os alergénios a integrar em imunoterapia.

O objetivo deste trabalho foi analisar os dados da história clínica e o resultadodos TCP a uma bateria de alergénios inalantes e identificar, entre estes, eventuais fatores preditivos de alergia à parietária em doentes com TCP positivo a este pólen.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram analisados os processos clínicos de 64 doentes com TCP positivo à parietária e registados sexo, idade, patologia, sazonalidade, resultadosdos TCP à histamina, pólen de parietária, de gramíneas, oliveira, “outros pólenes” (plátano, plantago, artemísia, chenopódio e salsola kali), a ácaros e os doseamentos de IgE específica para rPar j 2.

Nos testes cutâneos foram utilizados extratos alergénicos estandardizados e cloridrato de histamina (Bial‑AristeguiTM) e foram efetuados com lancetas metálicas do tipo Morrow‑Brown de aplicação perpendicular na pele com 1mm de penetração (Prick Lancetter – Dome Hollister StierTM).

Todos os testes cutâneos foram realizados e registados por método de decalque pela mesma pessoa.

Os TCP com pápula de diâmetro médio (dm) igual ou maior que 3 mm foram considerados positivos e tomados como referência de “verdadeira alergia” a positividade da IgErPar j 2.

O dosemento da IgE específica para rPar j 2 foi realizado por ImmunoCAP®.

Com base nos dados recolhidos, foi construída uma árvore de classificação de alergia à parietária utilizando o algoritmo CHAID (Quisquared Automatic Interaction Detection).

Na análise estatística foi utilizado o programa SPSS, versão 21.0.

RESULTADOS

No grupo estudado, 36 doentes eram do sexo feminino e 28 do masculino, com idades entre os 6 e os 65 anos (média 25,0±15,0).

Em relação ao quadro clínico, os doentes apresentavam rinoconjuntivite em 67,2 % dos casos, rinoconjuntivite e asma em 18,7 % e rinite e asma em 14,1% (Figura 2), sendo os sintomas estacionais em 67,2 % dos doentes (Figura 2).

 

 

Os TCP foram positivos para ácaros do pó em 70,3 % dos doentes, para gramíneas em 84,4 %, para oliveira em 78,1 % e para “outros pólenes” em 62,5 % (Figura 3).

 

 

As médias dos dm das pápulas dos TCP à histamina e à parietária foram respetivamente de 6,7mm±2,1 e 7,4mm±3,9 e a relação dos dm parietária/histamina variou entre 0,25 e 5,67, sendo superior a 1 em 32 casos (50 %).

Em 28 doentes (43,7%) a IgE específica para rPar j 2 foi positiva.

A árvore de classificação e alergia à parietária correspondente ao melhor modelo preditivo obtido está representada na Figura 4.

As variáveis que este modelo identificou como preditivos da positividade de Par j 2 foram a relação entre as dimensões da pápula do TCP à parietária e à histamina, o sexo e o resultadodos TCP a “outros pólenes”.

Assim, e de acordo com a árvore apresentada (Figura 4), 50 % dos doentes apresentaram uma pápula do TCP à parietária superior à da histamina. No mesmo diagrama podemos verificar que, destes, os do sexo feminino tiveram IgE rPar j 2 positiva em 100 % dos casos e os do sexo masculino apenas em 35,7 % dos casos.

Por outro lado, nos 50 % de doentes com um dm de pápula igual ou inferior à histamina, a ocorrência de TCP positivos para “outros pólenes” associou‑se a uma probabilidade de ausência de IgE específica para rPar j 2 de 95,5 %, enquanto os TCP negativos para outros pólenes se associaram a uma probabilidade de negatividade de 60 % para o referido recombinante (Figura 4).

O modelo gerado pela árvore de decisão apresentou bom ajuste, tendo estimativa de risco de 0,16 (erro‑padrao=0,04), considerando‑se que o risco estimado pela validação cruzada foi próximo do modelo final (risco‑0,19; EP=0,05).

DISCUSSÃO

O presente estudo demonstrou que foi possível, com base nos resultados de uma avaliação alergológica básica, criar um modelo preditivo de alergia ao pólen de parietária com classificação correta em 84 % dos casos e boa capacidade de generalização.

Analisaremos os fatores preditivos da positividade da IgE específica para rPar j 2 identificados pelo modelo apresentado:

1. A identificação da “relação entre as dimensões dos TCP à parietária e à histamina” como fator significa que a positividade da IgE para rPar j 2 se associa a maior dimensão do TCP à parietária, o que era expectável. Para além disso, a relação entre a resposta cutânea ao alergénio e à histamina apareceu como significativa na interpretação do teste, o que vem contrariar as linhas de orientação sobre TCP mais recentes9,10, que desvalorizam esta relação na avaliação da positividade dos mesmos;

2. A “positividade a outros pólenes” como fator preditivo negativo nos doentes com relação entre as dimensões dos TCP à parietária e à histamina igual ou inferior a um resultará provavelmente do facto de TCP à parietária de menores dimensões poderem resultar da resposta a alergénios que não o rPar j 2, comuns a diferentes géneros ou famílias.

3. A influência do fator “sexo” na respostaaos TCP será fácil admitir, dado que, pelo menos para a histamina, está descrita uma diferença de reatividade cutânea entre os sexos – reatividade aumentada no sexo masculino11,12.

O modelo mostrou um desempenho razoável, levando a uma predição correta em 84 % dos casos. A validação cruzada evidenciou uma boa de probabilidade de ter uma eficácia semelhante em outros grupos, eventualmente com características diferentes. Não obstante, alterações na metodologia, como a utilização de extratos alergénicos diferentes, poderão alterar o seu desempenho.

Parece‑nos ainda de realçar que não tenha surgido como preditivo o fator “sazonalidade”, o que vem de encontro à ideia dos sintomas multissazonais ou perianuais atribuídos ao pólen de parietária4, se bem que a elevada frequência de cossensibilização a ácaros possa também explicar a não sazonalidade da sintomatologia.

A associação da alergia à parietária com clínica de asma também não surgiu neste modelo, ao contrário do verificado em outros estudos6.

Salientamos que, tal como se propuseram, os autores propõem um modelo de predição da sensibilização a Par j 2 em doentes com TCP positivo para parietária. A questão da relevância clínica desta sensibilização encontra‑se fora do âmbito deste estudo. A sua vantagem é usar a informação resultante de elementos clínicos e de um estudo alergológico básico.

Teria interesse comparar os presentes resultados com os obtidos noutras condições, nomeadamente com diferentes extratos alergénicos ou com grupos de doentes com outras características, mas não são conhecidos dos autores estudos ou modelos publicados que permitam essa comparação.

CONCLUSÕES

Concluindo, a árvore de classificação construída permitiu neste grupo atribuir a um TCP positivo para a parietária um grau de probabilidade de “verdadeira alergia”:

1. Probabilidade elevada – TCP com pápula de dm superior à histamina em doente do sexo feminino;

2. Probabilidade média – TCP com pápula de dm superior à histamina em doente do sexo masculino ou TCP com pápula inferior à da histamina, com testes negativos a pólenes que não da oliveira ou de gramíneas.

3. Probabilidade baixa – TCP com pápula inferior à da histamina com TCP positivos para pólenes que não da oliveira ou de gramíneas.

 

REFERÊNCIAS

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3. Caeiro E, Brandão R, Carmo S, Lopes L, Almeida MM, Gaspar Â, et al. Rede Portuguesa de Aerobiologia: Resultados da monitorização do pólen atmosférico. Rev Port Imunoalergologia 2007;15:235‑50.         [ Links ]

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Contacto:

Bárbara Kong Cardoso

Centro Hospitalar de Setúbal, Hospital São Bernardo

Rua Camilo Castelo Branco,

2910‑446

Setúbal

Telef. 265 549 000

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à enfermeira Eulália Matos pela realização dos testes cutâneos por picada.

 

Financiamento: Nenhum.

 

Declaração de conflitos de interesse: Nenhum.

 

Data de receção / Received in: 24/02/2016

Data de aceitação / Accepted for publication in: 02/07/2016

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