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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.24 no.3 Lisboa set. 2016

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Síndrome de asma crítica numa unidade de cuidados intensivos em Portugal

Critical asthma syndrome in a portuguese intensive care unit

 

Cátia Guimarães1,2, Mónica Seidi1, Sara Custódio Alves1, Vítor Fonseca1, Manuel Irimia1, Armindo Ramos1

1 Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente e Cuidados Intermédios – Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, Cascais

2 Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital Egas Moniz, Lisboa

 

Contacto

 

RESUMO

A síndrome de asma crítica (SAC) necessita de tratamento urgente, habitualmente em unidades de cuidados intensivos/intermédios (UCI/UCIP). Objetivos: Caraterização dos doentes admitidos numa UCI/UCIP com o diagnóstico de SAC. Métodos: Revisão retrospetiva dos processos clínicos dos doentes admitidos por SAC num período de 4 anos. Resultados: 18 doentes com diagnóstico de SAC, dos quais 9 (50%) apresentavam critérios de asma grave e 1 (5,6%) era previamente corticodependente. Dos 11 admitidos em UCI: New Simplified Acute Physiology Score 35,5±20,9, Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation 17,5±9,2 e mortalidade prevista de 30,2%±34,8. Em média, os valores da gasimetria arterial realizada ainda no serviço de urgência foram: pH 7,19±0,17, PaCO2 78,6±33,7, PaO2 91,7±60,8. À data da alta da UCI verificou‑se aumento do pH (7,42 ± 0,06; p = 0,001) e diminuição do PaCO2 (41,3 ± 6.2; p = 0,001), estatisticamente significativos. Verificou‑se paragem cardiorrespiratória em 4 doentes (22,2%) e entubação orotraqueal em 12 (83,3% entubados nas primeiras 24 horas). O sedativo mais utilizado foi o propofol (11 doentes); 2 doentes fizeram sevoflurano e 1 fez ketamina. Três doentes foram curarizados [duração de internamento superior (p=0,027) e maior número de dias sob ventilação mecânica invasiva (p=0,009)]. Foi utilizada ventilação mecânica não invasiva em 4 doentes (22,2%). Apenas se registou um óbito (5,6%). Conclusão: 50% dos doentes apresentava critérios de asma grave, o que corrobora a necessidade de internamento em UCI/UCIP. Apesar da maioria dos doentes necessitar de ventilação mecânica invasiva, a evolução ao longo do internamento foi favorável, com melhoria gasimétrica significativa e reduzida mortalidade.

Palavraschave: Asma, exacerbação grave, insuficiência respiratória, prognóstico, síndrome de asma crítica.

 

ABSTRACT

Introduction: critical asthma syndrome (CAS) needs emergency care, usually in intensive/intermediate care unit (ICU/ITCU). Objectives: characterization of patients admitted to the ICU/ITCU with the diagnosis of CAS. Methods: retrospective review of medical records of patients admitted with CAS, over a period of four years. Results: 18 patients were admitted with the diagnosis of CAS; 9 patients (50%) had severe asthma, and only once (5.6 %) was steroid dependent. Of the 11 patients admitted to the ICU the New Simplified Acute Physiology score was 35.5 ± 20.9, Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation was 17.5 ± 9.2 and predicted mortality was 30.2% ± 34.8. Blood gas values at admission in emergency department: pH 7.19 ± 0.17, PaCO2 78.6 ± 33.7, PaO2 91.7 ± 60.8. At hospital discharge, there was a statistically significant increase in pH (7.42 ± 0.06, p = 0.001) and a statistically significant decreased in PaCO2 (41.3 ± 6.2, p=0,001). Cardiopulmonary arrest occurred in 4 patients (22.2 %), and was necessary endotracheal intubation in 12 patients (83.3% intubated in the first 24 hours). Propofol was the most commonly used sedative (11 patients); 2 patients were sedated with sevoflurane and one patient with ketamine. Three patients were curarized [longer length of stay (p=0.027) and more days under mechanical ventilation (p=0.009)]. Noninvasive ventilation was used in 4 patients (22.2 %). We only registered one death (5.6%). Conclusion: half patients had severe asthma criteria, which supports the need for hospitalization in ICU/ITCU. Although most patients required mechanical ventilation, the outcome was favorable, with significant blood gas improvement and low mortality rate.

Key-words: Asthma, critical asthma syndrome, respiratory failure, severe exacerbation, prognosis.

 

INTRODUÇÃO

A asma brônquica é uma das doenças crónicas mais frequentes no Mundo, com uma incidência que pode atingir 18%, dependendo do país em questão1. Habitualmente apresenta um prognóstico favorável com tratamento de manutenção adequado (corticóides e broncodilatadores de longa ação, por via inalatória)2. A asma brônquica progride com exacerbações de diferentes intensidades, podendo culminar em agudizações graves com risco de vida para o doente1,3. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO), a asma causa 250 000 mortes por ano1.

A síndrome de asma crítica (SAC) é um termo usado para definir a deterioração grave e aguda do controle da asma brônquica que necessita de tratamento urgente, agressivo, e frequentemente evolui para insuficiência respiratória4. A SAC engloba o mal asmático, a asma ameaçadora da vida e a asma quase fatal, sendo que a maioria dos doentes necessita de admissão em unidades de cuidados intensivos (UCI)5. O uso precoce de corticoides sistémicos e de terapêutica broncodilatadora agressiva é primordial, sendo considerada imprescindível nas exacerbações graves6,7. Dos doentes admitidos em UCI, 10‑30% necessita de entubação orotraqueal (EOT) com ventilação mecânica (VM)8.

Segundo a literatura, a mortalidade dos doentes com SAC admitidos em UCI varia de 6% a 38%, sendo que tem vindo a diminuir810.

O objetivo deste trabalho é a descrição das características clínicas e o prognóstico dos doentes com SAC admitidos na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente e Cuidados Intermédios do Hospital de Cascais – Dr. José de Almeida num período de 4 anos.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizada uma revisão retrospetiva dos processos clínicos dos doentes admitidos com o diagnóstico de SAC na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente e Cuidados Intermédios do Hospital de Cascais – Dr. José de Almeida entre fevereiro de 2010 e fevereiro de 2014 (4 anos).

Foram avaliados dados demográficos, presença de comorbilidades, critérios de asma grave, terapêutica habitual, tempo de internamento, proveniência, índices de gravidade e mortalidade, etiologia, alterações gasimétricas, paragem cardiorrespiratória (PCR), EOT, VM, duração de ventilação mecânica invasiva (VMI), terapêutica, complicações e resultado.

A asma grave foi definida, segundo a American Thoracic Society, pela presença de pelo menos 1 critério major e dois critérios minor. Os critérios major são: necessidade de tratamento com altas doses de corticosteroides inalados (>800 μg/dia de fluticasona ou equivalente); tratamento com corticosteroides orais (CO) durante > 50% do ano.

Os critérios minor são: necessidade de tratamento de manutenção diário adicional (beta2‑agonista de longa ação, teofilina, antagonistas dos recetores dos leucotrienos, omalizumab); sintomas da asma com necessidade de utilização de salbutamol diário; obstrução persistente das vias aéreas (FEV1 <80%, PEF >20%); uma ou mais idas ao serviço de urgência (SU) por ano; 3 ou mais ciclos de CO por ano e evento de asma quase fatal no passado4.

A presença de comorbilidades subentende a presença de qualquer patologia crónica de órgão.

Os índices de gravidade e de morbilidade utilizados para avaliar os doentes internados na UCI foram: SAPS II (New Simplified Acute Physiology Score), APACHE II (Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation) e mortalidade prevista.

A análise estatística foi realizada com software estatístico (SPSS 10). Os resultados estão expressos em número, percentagem e média ± desvio-padrão. Os valores de p<0.05 foram considerados significativos.

A comparação entre grupos foi realizada usando o teste U de Mann‑Whitney.

RESULTADOS

Entre fevereiro de 2010 e fevereiro de 2014 foram admitidos na UCI 18 doentes com o diagnóstico de SAC (Quadro 1). Nove doentes eram do sexo feminino (50%) e 9 do sexo masculino; a idade média dos doentes foi de 51,4 ± 15,6 anos. A idade de início da asma brônquica foi em média 27,4 ±12,4 anos. Oito doentes (44,4%) avaliados possuíam comorbilidades. Apenas um doente (5,6%) era corticodependente antes da admissão na UCI e 5 (27,8%) estavam apenas medicados com salbutamol (terapêutica de alívio). Dez doentes (55,5%) apresentavam episódios recorrentes (>1 episódio ao ano) de agudizações da sua asma brônquica no ano anterior à admissão na UCI com necessidade de recorrer ao SU. A duração dos sintomas antes da admissão na UCI foi em média de 3,1 ± 2,4 dias.

 

 

Nove doentes (50%) preenchiam os critérios de asma grave. Em média a duração do internamento na UCI foi de 8,7±8,8 dias; a maioria dos doentes era proveniente do SU (16 doentes – 88,9%). Dos 18 doentes avaliados, 11 foram admitidos diretamente para a UCI, dos quais 7 foram admitidos inicialmente na unidade de cuidados intermédios.

Dos 11 doentes admitidos inicialmente na UCI: a média do SAPS II foi de 35,5 ± 20,9, a média do APACHE foi de 17,5 ± 9,2 e a média de mortalidade de 30,2% ± 34,8.

Relativamente à causa de descompensação da asma brônquica, 4 doentes (22,2%) apresentavam incumprimento terapêutico, 5 (27,8%) apresentavam uma infeção respiratória, 2 (11,1%) uma reação alérgica a um anti‑inflamatorio não esteroide (AINE) e em 7 doentes (38,9%) não foi possível determinar a causa. Tinha sido realizada, no SU, uma dose única de sulfato de magnésio endovenoso (EV) a 6 doentes (33,3%) e aminofilina ev a 12 doentes (66,7%).

Na UCI, a todos os doentes foi administrada corticoterapia sistémica em esquemas diversificados e broncodilatadores por via inalatória. Verificou‑se PCR em 4 doentes (22,2%). Doze doentes (66,7%) necessitaram de EOT, maioritariamente nas primeiras 24 horas (10 doentes – 55,6%). A duração média da VMI foi de 5,9 ± 7,5 dias. Foi utilizada ventilação mecânica não invasiva (VMNI) em 4 doentes (22,2%). Relativamente à sedação utilizada na UCI, os fármacos prescritos foram: propofol (11 doentes), alfentanilo (2), midazolam (8), sevoflorano (2) e ketamina (1).

Foi utilizada curarização com rocurónio em 3 doentes; estes apresentaram duração de internamento superior (p=0,027) e maior número de dias sob VMI (p=0,009).

Em média, os valores da gasimetria arterial inicial realizada no SU foram: pH 7,19 ± 0,17, PaCO2 78,6 ± 33,7, pO2 91,7 ± 60,8 (Quadro 2). Comparativamente com a gasimetria arterial realizada à data da alta da UCI, observou‑se um aumento estatisticamente significativo do pH (média 7,42 ± 0,06; p = 0,001), uma diminuição estatisticamente significativa do PaCO2 (média 41,3 ± 6,2; p = 0,001), não se verificando alteração estatisticamente significativamente no valor de PaO2 (Quadro 2).

 

 

Registaram‑se complicações durante o internamento na UCI em 8 doentes (44,4%): fibrilhação auricular em 2 (11,1%), infeções respiratórias nosocomiais em 4 (22,2%), enfarte agudo do miocárdio em um (5,6%); hipotensão em um (5,6%). Apenas se registou um óbito (5,6%) na sequência de um enfarte agudo do miocárdio.

DISCUSSÃO

A asma brônquica pode cursar com complicações graves como a SAC. Os doentes que recorrem ao SU com uma agudização que não melhoram com tratamento otimizado devem ser admitidos em UCI/UCIP para monitorização contínua de parâmetros fisiológicos (oximetria de pulso, eletrocardiograma, pressão venosa central e arterial) e tratamento por equipas experientes.

O presente estudo demonstra que há um grupo de doentes asmáticos com exacerbações graves, deterioração aguda e resistência à terapêutica inicial que frequentemente desenvolvem insuficiência respiratória e beneficiam de tratamento em UCI.

No presente estudo o número de doentes do sexo feminino era igual ao do sexo masculino, o que difere da literatura que advoga que as admissões por asma grave em UCI são mais comuns entre as mulheres, provavelmente devido a alterações hormonais associadas ao sexo e fatores bioquímicos/anatómicos (diferenças no diâmetro da via aérea)2. Segundo alguns estudos, a maioria dos doentes com asma são mulheres, a que se associa maior número de hospitalizações por esta patologia e maior número de dias de internamento9,11.

Do presente estudo destacam‑se5 doentes (27,8%) que se encontravam apenas medicados com salbutamol (terapêutica de alívio), apesar de a maioria dos doentes (55,5%) apresentar episódios recorrentes de agudizações e metade apresentar critérios de asma grave; este facto comprova os dados da literatura que referem que os doentes asmáticos graves raramente recebem o melhor tratamento disponível em ambulatório7. O uso reduzido de medicação de controlo leva a um número superior de idas ao SU12.

Segundo a literatura, a maioria dos doentes cujo óbito se atribui à asma brônquica ou que experiencia uma SAC teve contacto com os serviços hospitalares no ano anterior, o que deve representar uma oportunidade de intervenção13. Foram identificados na literatura marcadores associados a um aumento do risco de morte por asma, dos quais o mais importante é uma admissão hospitalar nos 12 meses anteriores, associando‑se a ocorrência de múltiplas admissões hospitalares por asma a aumento marcado do risco14. A duração dos sintomas antes da admissão na UCI foi em média de 3,1 ± 2,4 dias. O tempo entre o início dos sintomas e a necessidade de VM tem vindo a diminuir, mas o prognóstico tem melhorado, com menos mortes e menos taxas de complicações15.

Metade dos doentes (n=9) apresentava critérios de asma grave, o que corrobora a necessidade de internamento em UCI/UCIP.

Relativamente às causas de descompensação da asma brônquica, no presente estudo as infeções respiratórias foram os eventos causais mais frequentes, o que corrobora os dados da literatura16,17. Em Espanha as exacerbações ameaçadoras da vida apresentam como principais causas reações alérgicas a AINE, alimentos, sulfitos, exposição a alergénios ambientais e inalação de fumo irritante12.

O tratamento dos doentes com SAC em UCI deve basear‑se em altas concentrações de oxigénio inspirado, broncodilatadores inalados e corticoterapia endovenosa8,14,15.

O tratamento precoce com doses adequadas de corticoterapia sistémica melhora o prognóstico da asma aguda grave8,15. Os benefícios são maiores nos doentes com asma ameaçadora da vida e nos que não estão medicados com corticoides sitémicos em ambulatório14. A todos os doentes presentes no estudo foi administrada corticoterapia sistémica e broncodilatação inalatória, sendo que apenas um doente era corticodependente previamente. Os beta2‑agonistas são os pilares da terapêutica broncodilatadora18,19. O papel da corticoterapia inalada, quando adicionada à sistémica, ainda está para ser estabelecido nos doentes com SAC8,14. Nestes doentes está contraindicada a utilização de beta‑bloqueantes, aspirina, AINE e adenosina15.

Ainda no SU foi realizada uma dose única de sulfato de magnésio ev a 6 doentes (33,3%) e aminofilina ev a 12 doentes (66,7%). O uso de sulfato de magnésio ev. Está recomendado em doentes com agudizações ameaçadoras da vida, pelas suas propriedades broncodilatadoras(10,14).

A sua utilização leva a uma melhoria da função pulmonar e redução das admissões hospitalares nos doentes que respondem mal ao tratamento inicial10,14,20. Atualmente a evidência propõe uma dose única (sulfato de magnésio 2000 mg diluído em 50 mL de cloreto de sódio 0,9%, administrado durante 30 min); a eficácia de uma infusão contínua ou doses repetidas ainda está para ser determinada14.

Em estudos farmacoepidemiológicos a utilização de teofilina tem sido consistentemente associada ao aumento do risco de eventos adversos graves13. A junção de aminofilina não acrescenta efeito broncodilatador ao uso de doses adequadas de beta2‑agonistas14,15.

Atualmente, não está recomendado o uso de aminofilina como primeira linha de tratamento na asma aguda grave e a sua introdução como um agente de segunda linha está a ser debatida15.

A VM providencia o suporte respiratório enquanto os fármacos revertem o broncoespasmo e a inflamação da via aérea. A abolição da hipoxemia é o objetivo primordial15.

A maioria dos doentes (n=12; 66,7%) em estudo necessitou de VMI. Mas a EOT pode agravar o broncoespasmo, induzir laringoespasmo, aumentar o barotrauma e deprimir a função circulatória, estando associada a uma taxa de mortalidade de 10‑13%19. Uma sedação eficaz é necessária para preparar a intubação e permitir o sincronismo entre o doente e o ventilador8. Relativamente à sedação utilizada, foram prescritos propofol, alfentanilo, midazolam, sevoflorano e ketamina. O sevoflurano foi utilizado em 2 doentes que apresentavam broncoespasmo recidivante e resistente às terapêuticas prévias, tendo‑se verificado uma resolução do mesmo, com melhoria da oxigenação. O propofol é um excelente agente anestésico, dado ter um rápido início de ação e duração de acção curta8,21, adicionalmente tem propriedades broncodilatadoras8.

A ketamina é um agente anestésico geral, com propriedades sedativas, analgésicas, anestésicas e broncodilatadoras, pelo que tem sido usado em doentes asmáticos antes, durante e depois da EOT8,15,18,22. Os opioides podem ser um acrescento útil aos sedativos, providenciando analgesia durante a EOT e VM15. Não são usualmente recomendados nos doentes asmáticos pelo potencial de induzir hipotensão8. O fentanilo é uma boa opção de opioide para a EOT, uma vez que inibe os reflexos das vias aéreas e é de curta ação15. Os agentes anestésicos inalados (halotano, isoflurano e sevoflurano) são potentes broncodilatadores em doentes asmáticos sob ventilação mecânica que não responderam a terapêutica anteriormente instituída (agentes beta-adrenérgicos)15,21,23.

Evidências sugerem um efeito relaxante direto no músculo liso brônquico, assim como atenuação de mecanismos broncoconstritores (vagais, histamínicos, alergénios e hipoxemiantes)15,21,24. A resposta broncodilatadora espelha‑se pela redução do pico de pressão nas vias aéreas em minutos, associada a melhoria da ventilação (redução da paCO2) e redução do air trapping15. O sevoflurano é praticamente desprovido de efeitos secundários cardiorrespiratórios e pode ser o agente preferido15; apresentando um perfil hemodinâmico favorável, reduzida taxa de metabolização e propriedades broncodilatadoras mais intensas que os agentes anestésicos voláteis mais antigos24.

A administração de concentrações subanestésicas deste agente através de máscara facial pode aliviar o broncoespasmo refratário aos agentes convencionais. O processo de extubação é dos períodos mais complicados em doentes asmáticos ventilados, uma vez que a presença do tubo endotraqueal na laringe e traqueia induz broncoconstrição, que começa a ser prejudicial assim que se retira a sedação na preparação para a extubação. O uso de agentes anestésicos inalados permite que o tubo endotraqueal seja retirado sob anestesia, com a expectável rápida recuperação assim que o anestésico é descontinuado15.

A utilização de bloqueadores neuromusculares (BNM) em doentes com SAC tem sido desencorajada4,15; estudos na literatura associam aumento da morbilidade com aumento da pneumonia associada ao ventilador, miopatia pos‑entubacao, aumento das secreções nas vias aéreas e aumento da duração do internamento na UCI nos doentes que fizeram BNM8,9. A incidência de miopatias e fraqueza muscular em doentes asmáticos a quem foram administrados BNM é de cerca de 30%15. No presente estudo, 3 doentes foram curarizados com rocurónio, a que se associou duração de internamento superior (p=0,027) e maior número de dias sob ventilação mecânica invasiva (p=0,009). Como potenciais vantagens da utilização destes agentes destaca‑se diminuição do assincronismo doente‑ventilador, diminuição do risco de barotrauma, redução do consumo de oxigénio e produção de dióxido carbono e redução da acumulação de lactato8.

O uso de VMNI nas exacerbações de asma brônquica é controverso; num ambiente apropriado como é uma UCI/UCIP com uma equipa médica especializada, pode ser tentada em doentes selecionados, sem contraindicações1,3,8,15.

Não deve ser usada por rotina, mas pode ser considerada em doentes que não responderam inicialmente ao tratamento de primeira linha16. Nestes doentes, a VMNI pode reduzir o trabalho respiratório e a fadiga dos músculos respiratórios, ganhando tempo para que a medicação farmacológica faça efeito14. Há também evidência que pode diminuir a resistência das vias aéreas, reexpedir áreas do pulmão atelectasiadas e diminuir potenciais complicações associadas à VMI14,25. Apesar de poder prevenir a VMI em alguns doentes, nos que estão em deterioração pode atrasar a EOT, o que é uma preocupação14.

No presente estudo, em 4 doentes foi utilizada a VMNI. Independentemente dos doentes estaremsob VMI ou VMNI, devem continuar a realizar terapêutica inalatória com broncodilatadores, adequando‑se o sistema de aerossol com o ventilador15. No presente estudo, verificou‑se uma melhoria gasimétrica importante quando comparamos a gasimetria inicial, ainda no SU, com a final (à data da alta da UCI), com aumento estatisticamente significativo do pH e diminuição estatisticamente significativa do PaCO2, o que comprova a excelência dos cuidados prestados em UCI.

Das complicações registadas durante o internamento na UCI, as infeções respiratórias foram as mais frequentes.

No presente estudo, das verificadas no período pos‑entubacao (16,7%) destaca‑se a fibrilhação auricular e a hipotensão. Segundo a literatura, as disritmias ou a hipotensão nesse período podem ser observadas em cerca de 10% dos doentes9.

A reduzida taxa de mortalidade observada no presente estudo corrobora os dados da literatura9,11. Como descrito na literatura, a maioria das mortes associa‑se a complicações secundários e não diretamente à SAC4; historicamente, as altas taxas de mortalidade têm sido associadas a complicações decorrentes da utilização de VMI, alcançando taxas de mortalidade de cerca de 42%9,17.

A aplicação no SU de protocolos de avaliação e tratamento dos doentes com agudizações de asma brônquica permite rapidamente identificar os doentes com mau prognóstico, assegurar uma avaliação médica de qualidade, facilitar a referenciação para UCI se assim se justificar e melhorar o resultado, ao diminuir o tempo de internamento e o número de idas ao SU subsequentes.

Os doentes com SAC apresentam um risco aumentado de recidiva precoce e readmissão hospitalar nos 2‑3 meses subsequentes, pelo que é necessário manter vigilância.

Os doentes que apresentam diversas idas ao SU por asma devem ser reconhecidos como um grupo de alto risco que têm pior autocontrolo da doença e muitas vezes inadequado seguimento médico nas comunidades, pelo que estes doentes devem ser sinalizados e a estes deve ser prescrita terapêutica correta, otimizada, revista a técnica inalatória antes da alta e descrito um plano de ação em ambulatório14.

A mortalidade por asma vai continuar a ser uma preocupação para a comunidade médica. Nas últimas décadas, porém, tem‑se assistido a uma diminuição da mortalidade, das hospitalizações e das exacerbações entre os asmáticos17.

O presente estudo disponibiliza informações de doentes asmáticos com exacerbações graves que necessitaram de admissão em UCI/UCIP. Questões como o acesso aos cuidados de saúde, a adesão ao tratamento, evicção de fatores desencadeantes, fatores socioeconómicos e psicológicos devem ser tidos em conta.

Limitações do estudo

Estes resultados representam os dados de apenas uma instituição médica. Outra limitação foi o facto de o estudo ser retrospetivo e limitado ao período de tempo descrito.

O número de doentes é limitado, dado o diagnóstico em questão. Todas as decisões finais relativamente à terapêutica, instituição de VMNI ou VMI e decisão de alta foram deixadas ao critério de cada clínico responsável pelo doente, apesar de serem sempre decisões partilhadas com outros colegas na UCI.

CONCLUSÃO

Metade dos doentes apresentava critérios de asma grave, o que reforça a necessidade de internamento em unidade de cuidados intensivos/intermédios. Os índices de gravidade apresentavam valores reduzidos, apesar de a maioria dos doentes necessitar de ventilação mecânica invasiva. A evolução ao longo do internamento foi favorável, com melhoria gasimétrica significativa e reduzida mortalidade. Iniciamos a nossa experiência com agentes anestésicos inovadores nos doentes com broncoespasmo refratário, com bons resultados, o que abre a janela do futuro a novas utilizações.

 

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Contacto:

Cátia Guimarães

Serviço de Pneumologia, Hospital de Egas Moniz

Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental

Rua da Junqueira 126

1349‑019 Lisboa

Telefone: 210 431 000

 

Financiamento: Nenhum.

Declaração de conflitos de interesse: Nenhum.

 

Data de receção / Received in: 03/02/2016

Data de aceitação / : 07/04/2016

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