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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

Print version ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.21 no.3 Lisboa Sept. 2013

 

Avaliação da função respiratória: Comparação entre valores de referência percentuais fixos e o 5.º percentil para diagnóstico de obstrução das vias aéreas

Lung function evaluation: Comparing fixed percentual values and the 5th percentile for diagnosing airway obstruction

 

Luís Miguel Borrego1,2, Mariana Couto1,3,4, Isabel Almeida1, Lara Pimenta1, Sara Matos1, Mário Morais-Almeida1,5

1Centro de Imunoalergologia, Hospital CUF Descobertas, Lisboa

2CEDOC, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa

3Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar São João, Porto

4Serviço e Laboratório de Imunologia, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

5Clínica Universitária de Pneumologia, Faculdade de Medicina de Lisboa

 

Contacto

 

RESUMO

Introdução: Têm sido utilizados critérios fixos para avaliação funcional de doentes com patologia respiratória. É actualmente recomendado pelas orientações internacionais a utilização preferencial do limite inferior (LLN) ou superior da normalidade (inferior ou superior ao 5.º percentil). Objectivo: Comparar os resultados das provas de função respiratória (PFR), utilizando os valores percentuais fixos versus 5.º percentil (método de referência) como limites da normalidade, no diagnóstico funcional de obstrução das vias aéreas. Métodos: Análise retrospectiva dos registos de PFR (espirometria e pletismografia corporal) efectuados pelos autores em 2011. Foi avaliada a concordância entre os dois métodos na amostra global, sendo os doentes distribuídos por faixas etárias.Posteriormente foram seleccionadas as PFR com razão FEV1/VC (volume expiratório máximo no 1.º segundo/capacidade vital) < LLN. Nestas, foram analisados os parâmetros FEV1, FVC (capacidade vital forçada), TLC (capacidade pulmonar total) e RV (volume residual) quando considerados o 5.º percentil versus valores percentuais fixos. A análise estatística for realizada com SPSS 20.0, com recurso ao teste Kappa de Cohen. Resultados: Em 2011, 1358 indivíduos realizaram PFR. Foram excluídos 8 por dados incompletos. O grau de concordância entre os dois critérios foi Kappa = 0,655 ± 0,035. Entre os 124 doentes que apresentavam obstrução pelo LLN, 32 (26%) tiveram um teste normal pelo cut-off de 0,70, pelo que seriam erradamente subdiagnosticados. Este facto apenas se verificou nas faixas etárias mais jovens, enquanto nos grupos etários mais idosos se observou uma elevada taxa de sobrediagnóstico (51 indivíduos – 36%). Entre os doentes com obstrução, a concordância para os restantes parâmetros foi boa, excepto para a hiperinsuflação diagnosticada por TLC. Conclusão: A utilização de valores percentuais fixos para diagnóstico de obstrução resulta em elevada taxa de subdiagnóstico em idades jovens e sobrediagnóstico em idades avançadas.

Palavras-chave: Asma, função respiratória, obstrução brônquica, testes diagnósticos, valores de referência.

 

ABSTRACT

Introduction: Fixed criteria have been classically used in the functional characterization of patients with respiratory diseases. International guidelines actually recommend the preferential use of the lower (LNN) or upper limit of normality (below or above the 5th percentile). Objective: To compare the results of lung function (LF) obtained in clinical practice for diagnosis of airway obstruction, using fixed percentage values versus the 5th percentile (the reference standard) as normality limits. Methods: Retrospective analysis of LF (spirometry and body plethysmography) performed in 2011 by the authors. It has been evaluated the concordance of both methods in the global sample, and divided by age groups. Those with criteria for airway obstruction considering the FEV1/VC (forced expiratory volume in one second / vital capacity) ratio < LLN were selected and among these, we analyzed FEV1, FVC (forced vital capacity), TLC (total lung capacity) and RV (residual volume) considering the 5th percentile and the fixed percentage values. Statistical analysis was performed with SPSS 20.0, using Cohen’s Kappa test. Results: During 2011, 1358 subjects underwent LF; 8 were excluded due to incomplete data. Overall, the agreement between the two criteria was kappa = 0.655 ± 0.035. Among the 124 patients who had obstruction diagnosed by LLN, 32 (26%) had a normal test with the 0.70 cut -off, and would be wrongly underdiagnosed. This occurred only in younger age groups, while in older ones a high rate of overdiagnosis (51 subjects – 36%) was observed. Among patients with airway obstruction, the agreement of the 2 criteria for the remaining parameters was good, except for inflation diagnosed with TLC. Conclusion: Using fixed percentage criteria for the diagnosing airway obstruction leads to a high rate of underdiagnosis in younger and overdiagnosis in older ages.

Keywords: Asthma, bronchial obstruction, diagnostic tests, lung function, reference standards.

 

INTRODUÇÃO

As provas de função respiratória são instrumentos essenciais na avaliação de diversas patologias, nomeadamente na asma e na doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), para confi rmação diagnóstica, monitorização da evolução natural, ou após intervenção terapêutica1,2. A sua correcta interpretação baseia-se na avaliação dos resultados obtidos em função de equações de referência publicadas internacionalmente, que estabelecem os valores previstos de normalidade para cada parâmetro funcional respiratório, obtidos em estudos de controlos saudáveis da população em geral. Os valores previstos variam em função da idade, altura, género e etnia, sendo os valores medidos classicamente comparados com um valor previsto expresso em valor percentual. Esta avaliação pressupõe uma constância do coeficiente de variabilidade entre diferentes indivíduos, o que não se verifica de facto, estando comprovado que a variabilidade dos valores medidos não é proporcional ao valor previsto1-3.

A demonstração de uma relação FEV1/VC (volume expiratório máximo no 1.º segundo / capacidade vital) ou FEV1/FVC (capacidade vital forçada) diminuída permanece como o critério universalmente aceite para o diagnóstico de obstrução das vias aéreas na prática clínica. Efectivamente, tem sido uma prática comum a utilização de um valor fixo de cut -off para esta finalidade, geralmente inferior a 0,70, com base sobretudo nos critérios apontados pelas recomendações Global Initiative for Asthma (GINA)4 e Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD)5.

Embora não havendo base epidemiológica, fisiológica ou estatística para a escolha de 0,70 (ou, na verdade, para qualquer outra proporção que pudesse ser arbitrariamente definida como um ponto de cut-off com esta finalidade), esta prática permanece implementada em muitos laboratórios de função respiratória, tal como na rotina clínica, um pouco por todo o mundo6.

As mais recentes orientações internacionais, consensualmente propostas pela American Thoracic Society (ATS) e pela European Respiratory Society (ERS), desencorajam a definição do limite de normalidade com base em valores percentuais fixos, recomendando a utilização do 5.º percentil7-9. A utilização do 5.º percentil traduz-se na avaliação com base em 90% do limite de confiança do valor previsto, isto é, considerando 5% de erro para os limites inferior e superior da normalidade7,10. O seu cálculo resulta do produto de 1,645 pelo desvio-padrão residual (RSD)11. Para parâmetros cujo valor seja igualmente valorizável como baixo ou como elevado (como ocorre, por exemplo, na determinação pletismográfica da capacidade pulmonar total – TLC, do volume de gás intratorácico – ITGV ou do volume residual – RV), efectua-se o mesmo raciocínio para o cálculo de limite superior da normalidade (ULN). Na espirometria não é relevante, do ponto de vista clínico, a utilização de limites superiores da normalidade, pelo que, neste contexto, apenas se utiliza a referência do limite inferior da normalidade2.

Vários estudos populacionais têm documentado a existência de uma discrepância na utilização dos valores fixos de percentagem do previsto em comparação com a utilização do limite inferior de 90% do intervalo de confiança (5.º percentil)2,11 -15.

Foi objectivo deste trabalho comparar os resultados de função respiratória obtidos na prática clinica, utilizando os valores percentuais fixos versus os valores do 5.º percentil, como limite da normalidade (método de referência), para diagnóstico funcional de obstrução das vias aéreas.

MATERIAL E MÉTODOS

Desenho do estudo

Foram analisadas retrospectivamente todas as provas de função respiratória (espirometria e pletismografia corporal) em regime basal, efectuadas pelos autores no Laboratório de Exploração Funcional Respiratória, de Janeiro a Dezembro de 2011. Foram incluídos os exames de todos os indivíduos com idade igual ou superior a 6 anos, a quem foi solicitado um estudo funcional respiratório pelo médico assistente do ambulatório de Imunoalergologia.

Excluíram-se deste estudo todas as provas de função respiratória em que estavam dados omissos. Foram registados os dados antropométricos, bem como a idade e o género.

Não foram considerados para efeitos desta análise os motivos pelos quais foi solicitado o estudo funcional respiratório ou outros detalhes clínicos, incluindo o tabagismo e o diagnóstico.

O estudo foi aprovado pela comissão de ética da instituição.

Parâmetros funcionais respiratórios

Foi utilizado o equipamento Jaeger MasterScope Spirometer (v.4.65, CareFusion Ltd, San Diego, Estados Unidos da América) por um técnico especializado. Para cada indivíduo, foram registados os melhores valores dos parâmetros funcionais respiratórios, de entre pelo menos três manobras reprodutíveis tecnicamente aceitáveis. Inicialmente foi avaliado o grau de concordância entre os dois métodos de avaliação da função respiratória (limites da normalidade e valor percentual fixo) para diagnóstico de obstrução brônquica em todos os exames funcionais respiratórios incluídos no presente estudo. Após distribuição por faixas etárias, foi avaliada em cada uma destas a proporção de exames classificados como tendo obstrução por cada um dos métodos.

Considerando os doentes que apresentaram critérios de obstrução para a razão FEV1/VC de acordo com o método de referência, LLN, foram analisados os parâmetros razão FEV1/VC, FEV1, e FVC, considerando os limites da normalidade e as percentagens do previsto (FEV1/VC >70%, FEV1 e FVC >80%), sendo efectuada a avaliação após distribuição por faixa etária.

De igual modo, nos doentes com obstrução, foram avaliados a TLC e o RV pelo ULN e pela percentagem superior do previsto (superior a 120% para TLC e superior a 140% do previsto para RV) para determinar hiperinsuflação, bem como o LLN e valor fixo percentual (TLC inferior a 80%) para diagnóstico de síndrome ventilatória mista.

Análise estatística

A análise estatística dos dados foi realizada com recurso ao SPSS versão 20.0 para Windows (SPSS, Chicago, IL, Estados Unidos da América).

Utilizou -se a definição FEV1/VC inferior ao LLN como padrão de referência para identificar e valorizar as verdadeiras obstruções funcionais das vias aéreas. Calculou-se grau de concordância com o diagnóstico de obstrução na amostra global usando o cut -off 0,70 com recurso ao teste de concordância Kappa de Cohen.

Para todo os parâmetros funcionais respiratórios foi estimada a proporção de resultados mal classificados como tendo, ou não, obstrução brônquica utilizando o método percentual fixo. Também foram calculadas sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo do método percentual fixo, em relação ao LLN, bem como o grau de concordância de cada parâmetro entre os dois métodos utilizados, pelo teste de concordância Kappa de Cohen.

RESULTADOS

Durante o ano de 2011 foram efectuados 1358 estudos de função respiratória, que corresponderam aos critérios de inclusão. Destes, foram excluídos 8 em que estavam omissos dados. A amostra final incluiu 1350 indivíduos, com idades compreendidas entre os 6 e os 90 anos.

Destes, 175 (13%) apresentavam obstrução com base na relação FEV1/VC pelos dois métodos (percentagem do previsto e limite inferior da normalidade), 1092 tinham um estudo funcional respiratório normal e 83 apresentavam resultados discordantes. Globalmente, o grau de concordância entre os dois critérios foi apenas razoável (Kappa= 0,655 ± 0,035).

Entre os 124 doentes que apresentavam obstrução utilizando a definição do LLN, 32 (26%) teriam tido um estudo funcional considerado normal se utilizado o cut–off 0,70. Este subdiagnóstico funcional verificou-se sobretudo nas classes etárias mais jovens (Figura 1 e Figura 2).

 

 

 

Pelo contrário, quando utilizado o valor percentual fixo de 0,70 para diagnóstico de obstrução das vias aéreas, identificaram-se 143 casos. Entre estes, apenas 92 (64%) apresentavam uma verdadeira obstrução usando o método de referência (LLN).

A utilização do cut-off 0,70 conduziria a um sobrediagnóstico, errado em 36% dos casos. Tal verificou-se sobretudo nas classes etárias de idades mais elevadas, nomeadamente dos 46 aos 55, dos 56 aos 65 e dos 66 aos 75 anos (Figura 1 e Figura 2).

A utilização do método percentual fixo para diagnóstico de obstrução das vias aéreas, comparativamente à utilização do percentil 5, apresentou nesta amostra uma sensibilidade de 74%, especificidade de 96%, valor preditivo positivo de 64% e valor preditivo negativo de 97%.

Os parâmetros FEV1, FVC e TLC nos doentes com obstrução brônquica encontram-se no Quadro 1, considerando ambos os critérios, os LLN e as percentagens fixas. O grau de concordância entre os valores de FVC e TLC pelos dois critérios é elevada (Kappa=0,845 e Kappa=1, respectivamente), o que permite inferir que a taxa de sobrediagnóstico de defeitos ventilatórios mistos não será elevada se usado indiferentemente qualquer um dos critérios. Entre os doentes com obstrução, cerca de metade (n=61) apresentava redução do FEV1 quando usado o LLN e, em 59 desses, houve concordância na diminuição deste parâmetro se usado o cut -off 80% do previsto (Kappa = 0,807 ± 0,053).

Relativamente à hiperinsuflação, os parâmetros TLC e RV nos doentes com uma verdadeira obstrução brônquica encontram-se no Quadro 2, considerando-se ambos os critérios, os ULN e as percentagens fixas. Observou-se hiperinsuflação diagnosticada por um valor de RV acima do ULN em 86 doentes, dos quais 11 seriam erradamente classificados se usado o critério de RV acima de 140% do previsto (Kappa=0,807±0,055). Já no que diz respeito à utilização da TLC para o mesmo fim, a taxa de concordância foi muito baixa (Kappa = 0,243 ± 0,053), observando-se uma elevada taxa de subdiagnóstico quando utilizado o valor percentual fixo (Quadro 2).

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo demonstra que a utilização de valores percentuais fixos para diagnóstico de obstrução das vias aéreas conduziria a uma elevada taxa de indivíduos erradamente classificados. O resultado do estudo funcional respiratório apoia muitas vezes a decisão clínica de step-up ou step-down terapêutico em doentes com asma ou DPOC, pelo que a sua correcta interpretação e classificação são fundamentais. O subdiagnóstico afectaria sobretudo classes etárias mais jovens e o sobrediagnóstico as classes etárias mais elevadas. Algumas pessoas saudáveis têm um ratio FEV1/VC inferior a 0,70, e a proporção de indivíduos nessas circunstâncias aumenta com o avançar da idade16, o que se encontra de acordo com os resultados observados no presente estudo. A utilização do método percentual fixo para diagnóstico funcional de obstrução das vias aéreas apresentou nesta amostra uma sensibilidade e valor preditivo positivo baixos, comparativamente ao método de referência, apesar de apresentar uma boa especificidade e valor preditivo negativo. Além disso, observou -se que, quando seleccionados os doentes com uma obstrução brônquica efectivamente diagnosticada pelo critério valorizado como gold-standard, a posterior utilização de um critério percentual fixo para identificar alteração dos restantes parâmetros funcionais não resultou em prejuízo ou erro de classificação significativos, nomeadamente no que diz respeito a síndromes ventilatórias mistas.

Já relativamente à hiperinsuflação, muitas vezes a primeira demonstração de asma ou DPOC, a utilização do valor percentual fixo deu origem a uma elevada taxa de subdiagnóstico.

Apesar da recomendação das normas GINA e GOLD para a importância da valorização do valor fixo da relação FEV/FVC, bem como da classificação da gravidade da obstrução com base no FEV1 4,5, a utilização de um cut-off fixo não tem em consideração as alterações nos valores previstos em relação à idade, altura, etnia e género. A utilização de uma percentagem fixa do previsto poderia justificar-se apenas se os parâmetros respiratórios fossem razoavelmente constantes durante a vida e se os dados absolutos, a partir dos quais deriva a equação de regressão, tivessem uma distribuição heterocedástica, de tal modo que a dispersão de dados variasse em proporção com a mudança de uma variável de previsão15,17. Stanojevic et al., num grande estudo populacional, comprovaram que a utilização de valores fixos em espirometria conduz a erros de classificação quanto à normalidade da mesma3.

São vários os estudos que têm documentado a existência de uma significativa divergência para os valores dos estudos funcionais respiratórios com a utilização dos valores fixos de percentagem do previsto em comparação com a utilização do limite inferior de 90% do intervalo de confiança (5.º percentil)2,11-15. Embora os dois critérios se possam aproximar em algumas situações, tal ocorrência é muitas vezes casual e acontece ao longo de uma faixa muito estreita de valores15.

Os presentes resultados não se encontram de acordo com o previamente reportado por Gaspar-Marques et al., que encontraram um elevado grau de concordância entre os dois métodos; no entanto, no referido estudo, os autores apenas avaliaram doentes em idade pediátrica, com um número limitado de casos incluídos na análise18. Por outro lado, refira-se que a discrepância entre os dois métodos de avaliação da função respiratória encontra-se bem definida como discordante, em adultos jovens e em idosos, o que constitui a maioria dos doentes do presente estudo.

Torna-se assim importante a utilização universal do mesmo método de avaliação nos laboratórios de função respiratória para todas as faixas etárias consideradas.

Estudos populacionais16 e clínicos6 têm sugerido a mais-valia da utilização de valores de referência com base no percentil 5, de acordo com o reportado no presente estudo.

Miller et al., que efectuaram um estudo de cariz clínico com base na avaliação retrospectiva de provas de função respiratória (espirometria, avaliação de volumes estáticos por pletismografia e difusão) efectuadas em diversos laboratórios de exploração funcional respiratória, concluíram que a utilização de valores fixos percentuais como referência, em relação à utilização dos valores de referência do 5.º percentil, conduziu a uma errada classificação de doença em mais de 20% dos doentes17.

Como limitações do presente estudo, devemos apontar a natureza retrospectiva da análise que, embora incluindo um grande número de indivíduos, não permite avaliar factores relacionados com os indivíduos, como a presença de tabagismo, o motivo de realização do estudo funcional respiratório ou o diagnóstico clínico. De facto, a informação clínica é de primordial importância quando se analisam os resultados de função respiratória. Güder et al. concluíram recentemente que, nos doentes com DPOC, a concordância tanto do critério GOLD como LLN foi apenas razoável quando considerado como goldstandard o diagnóstico clínico19. Mais ainda, os referidos autores demonstraram que apenas a incorporação de outros parâmetros respiratórios (FEV1 e RV/TLC) aos critérios GOLD ou ao percentil 5 aproximava as duas definições do diagnóstico médico de DPOC e da prática clínica diária19.

Será também importante referir que não foram avaliados neste estudo outros factores, como a altura ou o género, que, além da idade, podem contribuir para as discrepâncias observadas entre os dois critérios. Não foram também analisados outros padrões, nomeadamente restritivo ou misto, pois o objectivo do trabalho centrou–se apenas no diagnóstico funcional de obstrução das vias aéreas.

Por outro lado, a reversibilidade ao broncodilatador, critério que apoia também o diagnóstico nosológico de asma versus DPOC, e cuja avaliação é defendida pelas guidelines internacionais GOLD e GINA, não foi considerada nesta análise.

Não obstante, por terem sido seguidos sempre os mesmos critérios de aceitabilidade e de reprodutibilidade, pelo facto das provas terem sido executadas no mesmo equipamento e sempre por técnicos especializados, bem como o grande número de casos estudados, conferem a este trabalho robustez. É o primeiro estudo com um elevado número de doentes e incluindo todos os grupos etários realizado em Portugal. Os resultados são sólidos e apoiados pela literatura e por outros estudos com semelhante metodologia.

Estudos prospectivos, com amostras de maior dimensão e tendo em conta variáveis como a altura e o género, bem como a presença de tabagismo e, sobretudo, o diagnóstico clínico efectuado pelo médico, deverão ser levados a cabo para suportar os resultados observados no presente estudo.

A comprovação do benefício da utilização dos valores de 5.º percentil como referência permitirá a adopção generalizada dos mesmos nos laboratórios de função respiratória, possibilitando uma correcta interpretação das alterações da função respiratória e uma melhor prestação de cuidados aos doentes com patologia respiratória.

CONCLUSÃO

A avaliação da função respiratória é um meio de confirmação diagnóstica e de avaliação da gravidade da obstrução brônquica, fornecendo informações complementares acerca de diferentes aspetos do controlo da doença.

Porém, a utilização de critérios percentuais fixos resulta, quer em subdiagnóstico, quer em sobrediagnóstico de obstrução, numa percentagem significativa de casos, resultando naturalmente em prejuízo da qualidade assistencial desses indivíduos. A utilização dos valores de 5.º percentil como referência deverá ser adoptada nos laboratórios de função respiratória, possibilitando uma correcta interpretação das alterações da função respiratória e uma melhor prestação de cuidados aos doentes com patologia respiratória obstrutiva crónica.

 

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Contacto:

Luís Miguel Borrego

Centro de Imunoalergologia, Hospital CUF Descobertas

Rua Mário Botas

1998-018 Lisboa

E -mail: borregolm@gmail.com

 

Financiamento: Nenhum.

Declaração de conflitos de interesse: Nenhum.

Nota: Prémio da Sociedade Luso -Brasileira de Alergia e Imunologia Clínica (SLBAIC) 2012 (Prémio ex-aequo)

 

Data de recepção / Received in: 26/11/2012

Data de aceitação / Accepted for publication in: 26/11/2012

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