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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.32 no.2 Braga Dec. 2019

https://doi.org/10.21814/rpe.19110 

RECENSÃO

 

LOPES, J. Bernardino; VIEGAS, Clara & PINTO, Alexandre (Eds.) (2018). Melhorar Práticas de Ensino de Ciências e Tecnologia. Registar e Investigar com Narrações Multimodais. Lisboa: Edições Sílabo.

 

Ana Peixotoi

iEscola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal

 

Melhorar Práticas de Ensino de Ciências e tecnologia – Registar e investigar com Narrações Multimodais, trata-se de uma obra, publicada pelas Edições Sílabo, editada por Bernardino Lopes, Clara Viegas e Alexandre Pinto conta com a participação de 23 autores. Esta obra convida todo o tipo de leitor, investigador, professor ou mero curioso, aprofundar conhecimento relativo a diferentes formas de desenvolvimento profissional, acrescentando o desenvolvimento pessoal, onde, atendendo ao pensamento de Schön, a reflexão sobre a prática, a reflexão na prática e a reflexão sobre a reflexão que se faz da prática, se encontra sempre presente, fazendo uso de um instrumento que os autores denominaram por Narrações Multimodais.

Antes de mergulhar na leitura da obra o leitor encontra dois prefácios da autoria de duas referências nacionais e internacionais, no que concerne ao desenvolvimento profissional e à supervisão pedagógica. O primeiro, da autoria de Isabel Alarcão, apresenta o seu olhar sobre a obra, identificando os aspetos que a diferenciam de obras similares e chamando atenção para a importância da observação nos processos de desenvolvimento profissional, mas também para a contínua dificuldade de ultrapassar a barreira de entrar na sala de aula, impedindo, muitas vezes, práticas supervisivas colaborativas que contam com o olhar do outro em contexto natural e real.

O segundo prefácio, da autoria de Maria Guiomar C. Tommasiello, fornece ao leitor a sua visão sobre a prática e como a obra, ao centrar toda o seu enfoque no professor, abordando problemáticas de como o aluno aprende e a relação entre as práticas do professor com via ao desenvolvimento das aprendizagens dos alunos.

Antes da parte I o leitor encontra um prólogo que convida a outras pesquisas e a outras leituras colocando a questão, se a investigação se encontra ao serviço da prática, ou pelo contrário, se a prática está ao serviço da investigação. Neste momento o leitor dá por si a questionar-se sobre os dois contributos, sobre as tomadas de posição dos investigadores em geral, pelo papel dos professores na investigação e pela importância em ser, simultaneamente, professor e investigador das suas próprias práticas.

Sobre a estrutura da obra pode dizer-se que se encontra dividida em cinco partes, cada uma delas dividida em capítulos que podem ir de quatro a seis capítulos por parte, abordando, cada um deles, uma temática diferente, embora se encontrem interligados.

Destaca-se, nesta obra, a organização. Antes de cada parte o leitor encontra um resumo que o esclarece sobre o que vai ler, dando-lhe a possibilidade de optar pela leitura ou avançar para outras partes ou capítulos. Este facto permite leituras independentes e focadas o que se torna muito positivo para leitores com caminho traçado num objeto a investigar.

A parte I desta obra, Narrações Multimodais: o que são e cenários de uso, da autoria dos editores mas contado também com a colaboração de José Paulo Cravino, integra quatro capítulos, iniciando pela explicação do instrumento das narrativas multimodais (NM). O capítulo I narrações multimodais: o que são e para que servem apresenta-se de leitura obrigatória, pois explica a construção e uso do instrumento (NM), apresentando-se como necessária para compreender os capítulos seguintes, obrigando o leitor a, por vezes, ter que o revisitar para esclarecer dúvidas ou conflitos de conceitos que, entretanto, vão surgindo durante a leitura e cuja sistematização se encontra bem explícita na página 27 da obra. Esta parte apresenta ao leitor o culminar de mais de uma década de investigação envolvida na construção do instrumento, apresentando todo o seu desenvolvimento, respondendo assim à questão porquê narrações e não narrativas? A sua leitura cuidada elucida o leitor sobre o percurso de construção do instrumento, as várias validações porque passou, fundamenta as dificuldades da prática, nomeadamente em encontrar espaços de aula abertos à supervisão, referindo a complexidade da docência e da observação focada, a sua natureza holística e ecológica do processo de ensino e aprendizagem, como referem os autores.

A partir daqui a leitura da obra transforma-se numa leitura comentada, tornando-se impossível ler sem questionar. É aqui que as questões vão surgindo: o que distingue a NM da observação naturalista? Como pode o investigador externo emitir parecer sobre as NM se não é ator dentro de um cenário de sala de aula? Como garante o processo de visão holística? Ao ser leitor não está a interferir na narrativa apoiada nas suas conceções sobre a prática e a alterar a prática observada? Todas estas questões acabam por ser respondidas ao longo da leitura da obra, pois a forma como os dados são cruzados, o cuidado na elaboração de categorias de análise discutidas, umas emergentes outras previamente definidas, ajudam o leitor a compreender as tomadas de decisão dos autores. O segundo capítulo da autoria de Bernardino Lopes explica-nos a importância do uso de narrações multimodais no desenvolvimento profissional. Colocando o enfoque nos processos de ensino aprendizagem das ciências físicas, quer no ensino secundário, quer no ensino superior, elucida a temática da ligação da prática profissional, desenvolvimento profissional e ligação professor investigador, salientando a importância da divulgação científica e abrindo a outros investigadores o olhar sobre o trabalho desenvolvido apoiado em metodologias de investigação-ação.

Aqui salienta-se todo o acervo bibliográfico que a obra nos fornece.

Ao longo de toda a obra a fundamentação do pensamento com base no pensamento de outros autores encontra-se patente no final de cada capítulo. Este aspeto apresenta-se como muito positivo para o leitor desafiando-o a ir além da obra e mergulhar no pensamento de diferentes autores corroborando, ou não, com as essas linhas de pensamento.

Um outro aspetos que se apresenta sempre muito importante é aplicação de qualquer instrumento na formação inicial de professores. Contexto diferenciado dos demais e que é aqui abordado, no capítulo 3 por Alexandre Pinto, apresentando ao leitor abordagens reflexivas de um projeto piloto desenvolvido com alunos futuros professores s do 1.º e 2.º ciclos do ensino básico e que decorreu durante três anos letivos. Os vários episódios que são apresentados remetem para a importância dos diários colaborativos, que embora não apareçam na obra de forma explícita, induz o leitor a integrar este instrumentos nos outros possíveis de serem utilizados. Este capítulo permite constatar que a NM permite rever as nossas práticas e o exercício da prática e constatar que, face à abordagem da mesma temática, podem ser desenvolvidas práticas idênticas, ou muito diferenciadas, dependendo, ou não, do local onde são desenvolvidas e dos contextos onde são aplicadas. Daí o carácter ecológico da obra que anteriormente foi demarcado.

Os professores, investigadores, cooperantes da prática pedagógica podem ver aqui espelhados alguns episódios de práticas já vivenciadas e refletir sobre o contributo deste instrumento para o desenvolvimento profissional dos envolvidos. Já no capítulo 4, desta temática, uso de narrações multimodais na investigação em didática de Ciências e Tecnologia o leitor pode constatar a diversidade de assuntos e de aplicações da NM, bem como os níveis de formação e etapas educativas onde pode ser aplicado, mostrando a sua abrangência e a versatilidade e utilidade das NM.

A parte II, Reflexões sobre as práticas de ensino através de narrações multimodais, é um bom exemplo da versatilidade, anteriormente referida, pois aborda, desde a aplicação das NM no estudo de relação conceptuais relacionadas com a água e a energia, as NM na melhoria do ensino em sala de aula de ciências físicas, mostrando narrativas dos alunos, as narrativas do professor mas também os esquemas a que o professor recorre para ilustrar situações físicas, apresentando-se como um bom exemplo que faz mergulhar o leitor no pensamento sobre as melhores estratégias para a lecionação de um conceito. Segue-se um capítulo sobre a discussão de situações inesperadas na sala de aula onde são apresentados bons exemplos de situações concretas de sala de aula. As reflexões sobre as práticas são importantes face às NM apresentadas. Como não podia deixar de ser a avaliação e o fornecer de feedback é também um tema em análise. Os autores apresentam a importância do feedback na lecionação de Física do Ensino Superior apresentando diferentes NM que levam o autor a identificar níveis de pensamento e de aprendizagem dos alunos e o contributo do feedback dos professores nessas aprendizagens. Também se apresenta a importância de observar práticas de ensino em contexto de ensino (UC) de álgebra linear contou com o contributo de dois professores desta UC permitindo questionar sobre análise das NM e o contributo que a supervisão pedagógica, em sala de aula, poderia trazer à análise efetuada, colocando a questão, será que as aulas supervisionadas dariam ao observador externo a mesma leitura que foi fornecida pela NM? No estudo apresentado as NM são partilhadas pelos dois professores, mas uma observação em contexto desafiaria os professores envolvidos ao cruzamento de dois olhares sobre a prática. Neste estudo a importância da práxis, como nos refere Idália Sá-Chaves, daria um contributo muito importante para o desenvolvimento profissional dos docentes envolvidos. Por último, as NM aplicadas a um curso de profissionalização docente em contexto on-line. Este desafio, apresenta-se como um grande desafio, dado os contextos não estarem facilitados. Esta parte de natureza mais complexa, não só por estar a lidar com ensino on-line, mas por envolver formandos com formações académicas muito diversas no âmbito: da Informática; Electrónica; Tecnologia de Informação e redes de Sistemas de Informação. Aqui a importância das categorias de análise torna-se muito relevante após a aplicação do instrumento NM. A reflexão deste estudo é disso bom exemplo, mostrando a dificuldade em desenvolver práticas com docentes e com professores, salientando a diferença entre formar para o ensino e formar para a especialidade em áreas fora do ensino. O contexto torna-se muito complexo mas que o autor tem disso consciência, apontando caminhos para a resolução destas dificuldades.

A parte III desta obra, Investigação de práticas de ensino através de NM, apresenta seis capítulos com estudos de investigação em diferentes áreas nomeadamente: em ciências físicas; C&T no ensino secundário; álgebra linear; ensino C&T em diferentes níveis de ensino; ensino novamente do C&T ao longo do tempo recorrendo a um processo de reflexão NM; e por fim, no desenvolvimento das práticas de ensino de um professor ao longo do tempo. Trata-se de seis estudos com um bom acervo bibliográfico nas diferentes temáticas abordadas alguns dos quais com carácter longitudinal que se mostram como bons exemplos da aplicação das NM em diferentes contextos, em diferentes áreas disciplinares e com diferentes alunos, quer do ensino secundário, quer do ensino superior.

A parte IV, Olhares prospetivos sobre o uso de NM, apresenta cinco olhares diferenciados sobre este instrumento aplicado ainda a outros contextos não explorados nas partes anteriores nomeadamente: na comunicação da ciência nos museus; na formação e desenvolvimento profissional do professor; numa experiência de uma professora de ciências naturais do 2.º ciclo do ensino básico sobre a utilização das NM em sala de aula; uma experiência brasileira com as NM; e as NM no ensino aprendizagem de ciência e tecnologia. Estes olhares externos de aplicação do instrumento NM, embora não apresentem a profundidade dos estudos anteriores descrevem pequenos ensaios de aplicação deste instrumento a diferentes contextos abrindo portas aos leitores para outra possibilidade de aplicação das NM e alargando a visão de que ele não se confere apenas à investigação e à formação de professores mas pode ser alargado à formação do público em geral e à formação de outros profissionais.

A obra termina com a parte V, Acervo de narrações multimodais, dando indicações aos leitores para a consulta do site http://multimodal.narratives.utad.pt que uma centena de NM dando informações, segundo os autores, sobre como se encontram organizadas e sobre a diversidade de contextos educativos onde foram desenvolvidas.

Em jeito de síntese trata-se de uma obra muito completa pois associa a investigação às práticas, dando exemplos claros sobre essas práticas, de leitura muito agradável e comentada permitindo ao leitor viajar sobre a sua experiência profissional e pensar sobre ela e a sentir-se desafiado para a utilização das NM nas suas práticas. Boa leitura e parabéns aos autores.

 

Recebido em 19 de dezembro de 2019

Aceite para publicação em 27 de dezembro de 2019

 

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