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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.32 no.2 Braga Dec. 2019

https://doi.org/10.21814/rpe.14153 

ARTIGOS

 

Satisfação Profissional dos Professores em Pré-Reforma

Professional Satisfaction of Teachers in Pre-Retirement

Satisfacción Profesional de los Profesores en Pre-Reforma

 

Sheila Catherine Oliveira Furtadoi
https://orcid.org/0000-0002-5795-1670

Teresa Medeirosii
https://orcid.org/0000-0003-2142-485Xi

iFundação Gaspar Frutuoso, Universidade dos Açores, Portugal

iiUniversidade dos Açores, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Portugal

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

A docência é uma das profissões que tem sofrido alterações tanto ao nível da sua prática como da carreira profissional. Com as diversas modificações que têm sido efetuadas, os professores veem-se confrontados com uma panóplia de fatores que influenciam o seu desempenho profissional e que poderão influenciar a sua satisfação profissional. A partir de uma amostra de 114 professores dos ensinos básico e secundário da Região Autónoma dos Açores (RAA), dos quais 73 são do género feminino (64%) e 41 do género masculino (46%), com idades compreendidas entre os 50 e os 65 anos, pretendeu-se analisar os níveis de satisfação profissional dos professores, saber se a satisfação profissional se altera em função da preparação para a reforma e de variáveis sociodemográficas. Para a recolha de dados foram utilizados três questionários, que permitem estudar as variáveis sociodemográficas dos participantes, a sua satisfação profissional e a sua preparação para a reforma. Os resultados obtidos indicam que a maioria dos professores do ensino básico e secundário da amostra não prepara a sua reforma, que as escolas básicas e secundárias da RAA não desenvolvem programas de preparação para a reforma, que os docentes estão relativamente satisfeitos com a sua profissão e que a satisfação profissional varia em função da idade, numa relação diretamente proporcional. O estudo evidencia a necessidade de uma intervenção organizada no âmbito da preparação para a reforma, junto dos professores do ensino básico e secundário da Região, muito embora se verifique que os docentes estão relativamente satisfeitos com o seu trabalho. Sugere-se, ainda, o desenvolvimento de novos estudos, no sentido de verificar se o facto de os professores estarem relativamente satisfeitos com a profissão influencia a falta de preparação a reforma.

Palavras-chave: Satisfação profissional; Professor; Reforma; Pré-reforma

 

ABSTRACT

Teaching is one of the professions that has undergone changes in both, its practice and career development. With the various modifications that have been made, teachers are faced with a panoply of factors that influence their professional performance and their professional satisfaction. From a sample of 114 teachers of elementary and secondary school in the Autonomous Region of the Azores (RAA), of which 73 are female (64%) and 41 male (46%), aged between 50 and 65, the aim was to analyse teachers’ levels of job satisfaction, whether job satisfaction varies with preparation for retirement and sociodemographic variables. For data collection, three questionnaires were used to study participants’ socio-demographic variables, their job satisfaction and their preparation for retirement. The results indicate that most of the primary and secondary school teachers do not prepare their retirement, that RAA primary and secondary schools do not develop retirement preparation programs, that teachers are relatively satisfied with their profession and that job satisfaction varies with age in a directly proportional relationship. The study highlights the need for organized intervention in the context of preparation for retirement among primary and secondary school teachers in the Region, although teachers are relatively satisfied with their work. Further studies are suggested to check whether the fact that teachers are relatively satisfied with the profession influences the lack of preparation for retirement.

Keywords: Professional satisfaction; Teacher; Retirement; Pre-retirement

 

RESUMEN

La enseñanza es una de las profesiones que ha experimentado cambios tanto en su práctica como en la carrera profesional. Con las diversas modificaciones que se han realizado, los maestros se enfrentan a una serie de factores que influyen en su desempeño profesional y su satisfacción profesional. De una muestra de 114 maestros de educación primaria y secundaria en la Región Autónoma de las Azores (RAA), de los cuales 73 son mujeres (64%) y 41 hombres (46%), con edades entre 50 y 65 años, el objetivo era analizar los niveles de satisfacción laboral de los docentes, si la satisfacción laboral varía con la preparación para la jubilación y las variables sociodemográficas. Para la recopilación de datos, se utilizaron tres cuestionarios para estudiar las variables sociodemográficas de los participantes, su satisfacción laboral y su preparación para la jubilación. Los resultados indican que la mayoría de los maestros de escuelas primarias y secundarias no preparan su jubilación, que las escuelas primarias y secundarias de RAA no desarrollan programas de preparación para la jubilación, que los docentes están relativamente satisfechos con su profesión y que la satisfacción laboral varía con la edad de una manera directamente proporcional. El estudio destaca la necesidad de una intervención organizada en el contexto de la preparación para el retiro entre los maestros de escuelas primarias y secundarias de la Región, aunque los docentes están relativamente satisfechos con su trabajo. Se sugieren estudios adicionales para verificar si el hecho de que los docentes estén relativamente satisfechos con la profesión influye en la falta de preparación para la jubilación.

Palabras-clave: Satisfacción profesional; Profesor; Reforma; Pre-Reforma

 

Introdução

A história da profissão docente é acompanhada de períodos de crise e descontentamento dos professores, situação que ainda hoje é visível, não obstante o longo caminho percorrido no âmbito da sua evolução. As situações de indisciplina, a carga horária e o excesso de burocracia são apenas alguns exemplos que têm vindo a fomentar o mal-estar entre os professores e a sua insatisfação profissional, com consequente impacto na vida pessoal. Das alterações efetuadas ao longo dos anos, destaca-se a Reforma Veiga Simão – caraterizada sobretudo pela construção de mais escolas e pelo alargamento da escolaridade obrigatória e gratuita para os oito anos escolares – numa forte contribuição para a democratização do ensino. A partir de então, o sistema de ensino português foi criado e organizado e nasce o Estatuto da Carreira Docente, o que contribuiu para a consolidação da profissão docente em Portugal e para a definição dos valores que regem a ação educativa.

Ainda nos dias de hoje, os professores dos ensinos básico e secundário veem-se confrontados com uma panóplia de fatores que influenciam o seu desempenho profissional, tais como a vasta burocracia e a sobrecarga que está implícita nas funções docentes, a heterogeneidade e o número acrescido de alunos de uma mesma turma, as situações de indisciplina, a par de alguma falta de interesse dos alunos e seus encarregados de educação no processo de ensino-aprendizagem (Afonso, 2011) e, ainda, instabilidade, precariedade profissional e mobilidade. Está-se perante condições conjunturais desfavoráveis, que poderão influenciar a satisfação profissional dos professores, o que poderá ter impacto, também, nas suas vidas pessoais e sociais. Deste modo, e perante a complexa realidade que enforma a carreira docente, a reforma, enquanto retirada do mundo laboral, poderá significar o alívio de uma angústia, o fim de uma vida profissional atribulada e o início de um período de descanso e lazer, sobretudo quando os docentes não estão satisfeitos com o seu trabalho e escolhem pôr fim à sua carreira (e.g., nas reformas antecipadas mesmo com penalização salarial). Não obstante, o processo de transição-adaptação à reforma poderá constituir uma situação de vida stressante e que é frequentemente associada à velhice (Alves, Azevedo, & Gonçalves, 2014; Benavente, Queiroz, & Aníbal, 2015; Fonseca, 2004; Sousa, 2013), até mesmo para os que estão envolvidos de forma positiva com a profissão.

Têm sido várias as alterações à idade legal de reforma, por parte das entidades governamentais, com o intuito de manter as pessoas ativas no mercado de trabalho por mais tempo. No entanto, não são tidas em consideração as condições de trabalho dos professores de mais idade, que, como tal, não têm a mesma capacidade física e disponibilidade psicológica que os mais novos, o que poderá ter impacto na satisfação profissional dos professores em fase de pré-reforma, que se veem confrontados com os constantes desafios da sua profissão e a ausência de estratégias para colmatar essa situação (Fernandes, 2011; Ferreira, 2013; Fonseca, 2012); nem tão pouco são tidos em conta problemas de saúde ou outros de um contexto mais pessoal e idiossincrático.

A presente investigação pretende aprofundar os níveis de satisfação profissional dos professores do ensino básico e secundário, em fase de pré-reforma, dada a ausência de estudos que versem o tema, no contexto da Região Autónoma dos Açores (RAA), as implicações na docência e a importância deste assunto no suporte de programas de intervenção com vista à adaptação à reforma. Ademais, tenha-se presente que vários autores (cf. Fernandes, 2011) reconhecem a reforma como um processo de transição-adaptação de extrema relevância no desenvolvimento do adulto, influenciado por variáveis profissionais como a satisfação profissional, pelo que se julgou pertinente estudar a preparação para a reforma e a satisfação profissional no contexto da profissão docente.

 

1. Profissão docente

A profissão docente refere-se ao ato de transmitir conhecimento organizado com o intuito de promover a aprendizagem de outra pessoa, muito embora nem sempre tenha feito parte do quotidiano das sociedades, emergindo apenas em meados do século XVII, quando os religiosos tomaram o ensino como uma prática ocupacional secundária, não especializada.

Com a democratização do ensino – após o 25 de abril de 1974 – surgiu o interesse em universalizar o direito à educação e alargar a escolaridade obrigatória ao 9.º ano (atualmente alargada ao ensino secundário), num processo complexo que suscitou debates educativos sobre a necessidade de tornar acessível a escolaridade básica a todos os cidadãos e sobre a concretização dos objetivos e conteúdos da educação. Apesar da controvérsia gerada, a tónica permaneceu na alfabetização da população e na construção de um sistema público de ensino capaz de assegurar o direito à aprendizagem, pelo que foram diversas as alterações efetuadas a partir de então e esse foi o período mais crítico da evolução da profissão docente e que ficou conhecido como a reforma do ensino, pela dimensão do seu impacto na realidade escolar e no contexto do desenvolvimento profissional do docente (Alves et al., 2014; Barros & Pisciotta, 2012; Benavente, Costa, & Grácio, 1989; Costa, Silva, Bessa, & Caldas, 2014; Nóvoa, 1992; Stoer, 1983; Vieira & Relvas, 2003).

Ao ter presente a especificidade da profissão docente, diversos autores voltaram a sua atenção para o ciclo profissional do professor e estudaram as principais caraterísticas das fases pelas quais o docente passa e os dilemas com que se depara (e.g., Alves et al., 2014; Barros & Pisciotta, 2012; Costa et al., 2014; Jesus, 1993, 2004; Nóvoa, 1992).

De acordo com Morais e Medeiros (2007), o desenvolvimento profissional consiste num “processo de mudança nas formas dos pensamentos dos professores, nas suas crenças e nas suas perceções, tendo em consideração o pensamento e as aprendizagens dos estudantes”(p. 78). Daqui decorre que o desenvolvimento do docente é diferente nas várias fases da sua carreira, num processo influenciado por variáveis pessoais, sociais e profissionais.

Huberman (1989) defende que o desenvolvimento profissional do professor ocorre com o início da própria carreira, num processo composto por cinco fases. A primeira fase é de exploração (primeiros anos de experiência profissional), caraterizada pelo desempenho de diferentes papéis na prática pedagógica e pela avaliação da competência profissional. Esta avaliação pode resultar em três formas motivacionais: sobrevivência (quando o confronto com a realidade escolar resulta em fracasso), descoberta (aquando do sucesso no confronto com a realidade escolar) e indiferença (quando a opção pela docência é devida à ausência de outras alternativas, e não à vocação). Esteve (1992) identifica o grupo dos professores insatisfeitos com a sobrevivência, os professores realizados com a descoberta e os professores desinteressados com a indiferença. A segunda fase – fase de estabilização (4-6 anos de serviço docente) – traduz o assumir da identidade profissional e o compromisso definitivo com a carreira docente. Geralmente os professores sentem-se satisfeitos, competentes e autoconfiantes, pelo que relativizam os insucessos ocorridos. A terceira fase – fase de diversificação/pôr-se em questão – ocorre entre os 7 e os 25 anos de serviço e nela o docente poderá experienciar dinamismo (evidencia as suas capacidades e procura o reconhecimento profissional) ou inibição e rotina (desinteresse pela carreira e ausência de estratégias de desenvolvimento profissional). Segue-se a quarta fase – fase de conservadorismo/distanciamento afetivo (25-30 anos de serviço) –, que representa os professores rígidos que vivem o seu quotidiano a lamentar as suas condições profissionais (conservadorismo), ou os que não se envolvem de forma afetiva com os alunos e tarefas profissionais. A última fase do ciclo profissional é o desinvestimento (35-40 anos de serviço), que corresponde ao balanço que o professor realiza acerca do seu passado profissional e pode apresentar dois polos: a serenidade, quando o docente aceita o seu desempenho de forma plena e com integridade, ou a amargura, perante a frustração relativamente ao seu desenvolvimento profissional (Carvalho & Abdalla, 2015).

A análise das fases do ciclo profissional do professor (Huberman, 1989) permite observar a alternância entre fases críticas (de questionamento, frustração, desilusão e mal-estar) e fases de estabilidade, ao longo do seu desenvolvimento profissional. Os professores em pré-reforma estariam nas últimas fases do seu desenvolvimento profissional, a saber: a fase do conservadorismo/distanciamento afetivo e a fase do desinvestimento, numa forma de desligamento para preparação da reforma; uma espécie de moving in (entrada na transição para a reforma) de que fala Schlossberg (1981) no seu modelo explicativo das transições.

 

2. Satisfação profissional

A definição de satisfação profissional não é unânime na literatura, já que existem diferentes abordagens ao constructo e, consequentemente, distintas definições. A satisfação profissional é considerada uma avaliação do trabalho que envolve uma diversidade de variáveis cognitivas, que determinam a atitude perante a profissão e podem ser de ordem concreta (relacionadas com o bem-estar pessoal) ou simbólica (relacionadas com a experiência do quotidiano profissional) (Alves, 2010; Ambrose, Huston, & Norman, 2005; Barbosa, 2014; Hagedorn, 2000; Watson, Hatton, Squires, & Soliman, 1991).

No âmbito da profissão docente, o estudo da satisfação profissional emergiu na década de setenta – altura que coincide com o período de democratização do ensino – e tem revelado uma importância acrescida no processo de ensino e aprendizagem, tendo em conta a sua influência na saúde física e mental do professor, bem como no seu comportamento profissional. As definições frequentemente encontradas na literatura associam satisfação profissional a um estado emocional positivo/sentimento positivo perante a docência, demonstrado através da dedicação ao trabalho e por uma atitude positiva e de felicidade perante as experiências e o contexto de trabalho (Alves, 1994; Fonseca, 2014; Pedro, 2011; Soares, 2014).

Os fatores que contribuem para a satisfação dos professores são agrupados em cinco categorias, designadamente: fatores económicos (salário), institucionais (organização escolar, pressão dos órgãos de gestão e dissociação entre as orientações educativas e as respetivas condições materiais e institucionais), pedagógicos (condições que revestem o processo de ensino-aprendizagem e respetivo sucesso), relacionais (relação professor-aluno e professor-professor) e sociais (representação social da carreira docente e possibilidade de progredir na carreira) (Alves, 1994; Chagas & Pedro, 2014; Schubert-Irastorza & Fabry, 2011). Outros fatores são enunciados no âmbito das diversas abordagens ao conceito de satisfação profissional, pelo que se irá analisar, ainda que de forma subtil, as teorias que incidem sobre o constructo e respetivos fatores promotores.

A Teoria das Expetativas (Vroom, 1964) assume que a motivação depende dos objetivos pessoais e do contexto de trabalho e analisa o processo motivacional através de cinco variáveis, designadamente: resultados (recompensa pelo trabalho desenvolvido); valência (relação entre um objetivo profissional e o significado pessoal que acarreta); instrumentalidade (perceção pessoal da relação entre o desempenho profissional e o resultado obtido); expetativa (o que o trabalhador crê ser capaz de fazer, após realizar um esforço nesse sentido); e força (esforço despendido ou tensão acumulada, capaz de motivar o trabalhador). À luz desta teoria, a satisfação profissional é considerada um estado geral positivo e emocional que advém das recompensas associadas ao trabalho desenvolvido, pelo que um trabalhador sente motivação para o desempenho da profissão quando admite que o seu esforço irá suscitar resultados positivos, tais como aumento do salário, reconhecimento profissional e promoção. Assim, a satisfação profissional resulta da avaliação que o professor faz do nível de conforto experienciado no local de trabalho, bem como do contributo da profissão para a satisfação das suas necessidades individuais, de tal modo que um docente com satisfação profissional demonstra dedicação, envolvimento e felicidade relativamente ao desempenho da docência (Carvalho & Abdalla, 2015; Lunenburg, 2011).

Sob a égide do Modelo das Caraterísticas do Trabalho (Hackman & Oldham, 1976), existem cinco dimensões que contribuem para a satisfação profissional, a saber: competências (grau de exigência da tarefa e conhecimento necessário à realização da mesma); identidade das tarefas (grau de requisito de uma tarefa em que seja possível identificar o seu princípio e fim e onde o resultado é reconhecido); significado (impacto do desempenho profissional no trabalhador); autonomia (independência na execução das tarefas); e feedback (informação transmitida ao trabalhador sobre o seu desempenho e resultados alcançados). Neste sentido, a satisfação profissional é promovida através da motivação que advém do desempenho de uma determinada tarefa e perante resultados positivos (Afonso, 2011). Neste conjunto concetual julga-se pertinente atender a uma visão holística das condições individuais, sociais e profissionais que poderão promover a satisfação profissional, tendo em conta a sua influência no desempenho do professor, na sua motivação e no seu bem-estar físico e subjetivo (Borges & Daniel, 2009; Moreira, Ferreira, & Ferreira, 2014; Pedro, 2011).

Por ter presentes as modificações que têm sido efetuadas no mundo laboral e, mais especificamente, no âmbito da profissão docente e por reconhecer que tais alterações poderão influenciar a satisfação profissional e a preparação para a reforma, pretendeu-se analisar essas variáveis no contexto da profissão docente. A este respeito, recorde-se que a satisfação profissional pode, eventualmente, ter impacto na preparação para a reforma, no sentido em que os professores em pré-reforma estão nas últimas fases do seu desenvolvimento profissional (conservadorismo/distanciamento afetivo e desinvestimento), podendo negar a necessidade de se preparar para esse processo de transição-adaptação, que, por si, se reveste de uma importância acrescida à vivência da reforma e, consequentemente, ao seu processo de envelhecimento.

 

3. Metodologia

Tendo como população os professores dos ensinos básico e secundário da Região Autónoma dos Açores (RAA) (Portugal), das ilhas de Santa Maria, São Miguel, Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico, Faial e Flores, optou-se por um estudo quantitativo, exploratório e correlacional. Partimos das seguintes questões de investigação: Como se caraterizam os níveis de satisfação profissional dos professores da RAA? Será que a satisfação profissional varia em função de dados sociodemográficos? Nos professores, a satisfação profissional diferirá em função da preparação para a reforma?

Partimos do princípio que, por ser uma região caracterizada por fortes suportes sociais e onde as distâncias geográficas são curtas, há uma grande estabilidade nas escolas e boas condições de vida, pelo que a satisfação é favorecida e, neste sentido, a nossa hipótese é que os professores terão satisfação profissional elevada.

De acordo com as questões da investigação, foram formuladas as hipóteses de estudo: H1 – Os professores da RAA têm níveis elevados de satisfação profissional; H2 – A satisfação profissional varia em função de dados sociodemográficos (idade, género e estado civil); H3 – A satisfação profissional varia em função da preparação para a reforma.

 

Amostra

Para testar as hipóteses em estudo, selecionou-se a amostra de professores dos ensinos básico e secundário das ilhas já mencionadas. De acordo com a estatística disponibilizada pela Direção Regional da Educação, e através do contacto direto com os estabelecimentos de ensino da região, verificou-se que existiam cerca de 400 docentes a lecionar esses níveis de ensino na Região Autónoma dos Açores, no ano letivo 2014/2015, com idades compreendidas entre os 50 e os 65 anos. Deste modo, a amostra pretendida – estimando os professores da Região Autónoma dos Açores, com idades compreendidas entre os 50 e os 65 anos, num total de 400 – foi calculada em 195 indivíduos, para um erro de 5% e um nível de confiança de 95%, pelo que tem associado um erro inferior a aproximadamente 8%, relativamente à amostra.

A amostra é composta pelos professores que aderiram voluntariamente à investigação (n=114 professores da RAA), dos quais 73 são do género feminino (64%) e 41 do género masculino (46%), com idades compreendidas entre os 50 e os 65 anos. A maioria dos participantes encontra-se no intervalo etário dos 50 aos 56 anos de idade, onde o valor com menor ocorrência corresponde aos 51 anos (sete participantes – 6,1%) e onde a moda de idades corresponde aos 50 anos (16 participantes – 14%). A partir dos 59 anos começa a haver uma diminuição das frequências observadas, com apenas uma situação de idade igual a 65 anos (0,9%).

No que diz respeito ao estado civil, os participantes são maioritariamente casados (64; 56,1%), sendo que, dos restantes, 24 (21,1%) são divorciados ou separados, 21 (18,4%) são solteiros, quatro (3,5%) vivem em união de facto e um (0,9%) é viúvo.

Os níveis de ensino mais representados neste estudo são o 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB) (32; 28,1%), o 2.º CEB (28; 24,6%) e o ensino secundário (21; 18,4%), havendo apenas seis docentes (5,3%) a lecionar unicamente o 3.º CEB. Existem ainda professores a lecionar mais do que um ciclo de estudos, dos quais 23 (20,2%) lecionam o 3.º CEB e o ensino secundário, três (2,6%) dedicam-se ao 2.º e 3.º CEB, e apenas um (0,9%) desempenha a profissão nos três ciclos que compõem o ensino básico.

 

Instrumentos

Para a recolha de dados foram utilizados três instrumentos: (i) Questionário Sociodemográfico; (ii) Questionário de Satisfação Profissional para Professores (Pedro & Peixoto, 2006); e (iii) Questionário de Preparação para a Reforma (Furtado, 2015).

O Questionário Sociodemográfico é composto por questões que pretendem identificar o sexo, idade, estado civil e nível de ensino lecionado – variáveis selecionadas a partir de investigações consultadas aquando da revisão de literatura. Este instrumento parte permite compreender as caraterísticas dos participantes, refletir sobre aspetos considerados na literatura e proceder à análise da sua relação com a satisfação profissional, com base em investigações já desenvolvidas sobre o tema.

O Questionário de Satisfação Profissional para Professores (Pedro & Peixoto, 2006) é direcionado a docentes do ensino básico e secundário de Portugal Continental e compreende cinco partes. Não obstante, e ao ter em consideração o propósito do estudo, apenas foi utilizada a última parte desse instrumento. Deste modo, a satisfação profissional foi avaliada através de um conjunto de 23 itens, tendo por base a classificação de Likert através de cinco níveis, em que 1 corresponde a Não me satisfaz, 2 a Satisfaz-me pouco, 3 a Satisfaz-me, 4 a Satisfaz-me bastante e 5 a Satisfaz-me completamente. O conjunto dos itens que enformam esta escala apresenta uma boa consistência interna, uma vez que o respetivo coeficiente alfa de Cronbach é de 0,91. A Análise de Componentes Principais deste instrumento permitiu identificar quatro dimensões de satisfação profissional, à semelhança do estudo de validação da mesma, nomeadamente: dimensão alunos (a = 0,83), composta por cinco itens; dimensão sociopolítica (a = 0,74), composta por sete itens; dimensão relações interpessoais e institucionais (a = 0,87), composta por cinco itens; dimensão estabilidade e realização pessoal (a = 0,72), composta por seis itens. Todas as dimensões têm consistência interna, comprovada pelo valor do coeficiente alfa de Cronbach (a) – com base no intervalo [0,6; 1] (Laureano, 2013).

O Questionário de Preparação para a Reforma (Furtado, 2015) é constituído por quatro questões que pretendem saber se os professores pensam com frequência na reforma, se desenvolvem estratégias de preparação para esse processo de transição-adaptação, quais as estratégias utilizadas e se os estabelecimentos do ensino básico e secundário onde trabalham desenvolvem projetos de educação para a reforma.

 

Procedimentos de recolha e análise de dados

Foi solicitada e autorizada a investigação pela instituição que tutela o ensino básico e secundário na RAA (Direção Regional da Educação do Governo Regional dos Açores). Contactaram-se os Presidentes dos Conselhos Executivos das escolas, explicitaram-se os objetivos, identificaram-se os participantes com idades superiores a 50 anos e esclareceu-se a forma de preenchimento dos instrumentos (envio de link para preenchimento online, através de e-mail), pois, dada a descontinuidade territorial do contexto de investigação, tornou-se impraticável a deslocação às oito ilhas do estudo e a cada escola. Os participantes selecionados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedeu-se à codificação de dados, através do download das respostas ao questionário online, em ficheiro Excel, o qual foi posteriormente transferido para o programa SPSS Statistics, versão 21.0, para a análise. Procedeu-se, depois, à determinação das frequências descritivas para analisar os níveis de satisfação profissional dos participantes. Para averiguar se a satisfação profissional varia em função de dados sociodemográficos, recorreu-se ao coeficiente de correlação de Spearman, porque se está face a variáveis ordinais. Para comparar as dimensões de satisfação profissional, segundo a variável nominal dicotómica prepara/não prepara a reforma, foi aplicado o teste de Mann-Whitney U.

 

4. Resultados

Preparação para a reforma

A análise descritiva dos dados recolhidos permite verificar que 52,6% dos professores pensam com frequência na reforma (60 indivíduos), contrariamente aos 47,4% que não refletem acerca desse processo de transição-adaptação (54 docentes).

Verifica-se que a maior parte dos docentes não prepara a sua reforma (85 inquiridos; 74,6%) e os que o fazem (29 participantes; 25,4%) não recorrem a um processo de preparação psicológica ou de procura de centros de interesse motivacionais alternativos para o tempo da reforma, mas antes indicam estratégias externas limitadas a uma dimensão económica, as quais podem ser consultadas na Tabela 1.

 

 

Ao serem questionados sobre a existência de programas de preparação para a reforma nos estabelecimentos de ensino onde lecionam, todos os professores (100%) responderam negativamente, pelo que se conclui que os estabelecimentos de ensino básico e secundário da RAA não desenvolvem programas de preparação para esse processo de transição-adaptação.

 

Satisfação profissional

A análise descritiva dos dados permitiu averiguar que, em média, os docentes estão moderadamente satisfeitos com o seu trabalho (M=2,74) e que, apesar de existirem professores muito insatisfeitos (o mínimo verificado é 1), o mesmo não acontece com o oposto, ou seja, não existe nenhum docente muito satisfeito (dado que o máximo observado é 4, quando a escala apresenta uma amplitude de 5 pontos). O desvio-padrão não é acentuado (DP=0,56), pelo que se pode concluir que não existe uma dispersão significativa dos dados relativamente à média, o que é reforçado pela leitura dos percentis (Tabela 2).

 

 

No que respeita às dimensões de satisfação profissional, a dimensão sociopolítica (condições de trabalho como salário, estatuto social e carga horária) é a que apresenta a média mais baixa (M=2,29; DP=0,53), ao passo que as relações interpessoais e institucionais (relação com os vários membros do contexto escolar) correspondem à dimensão com a média mais alta (M=3,37; DP=0,77) (Tabela 3).

 

 

Estes resultados indicam que os professores do ensino básico e secundário da Região Autónoma dos Açores estão relativamente satisfeitos com o seu trabalho, apesar de existirem também alguns professores muito insatisfeitos com a sua profissão.

 

Satisfação profissional e variáveis sociodemográficas

Para testar a hipótese H2 – A satisfação profissional varia em função de dados sociodemográficos (idade, género e estado civil), recorreu-se ao coeficiente de correlação de Spearman.

Apenas foi encontrada uma correlação positiva fraca entre a satisfação profissional e a idade dos participantes (? = 0,24), estatisticamente significativa (p <0,05). No entanto, quando analisadas as dimensões de satisfação profissional, constata-se que a correlação entre a idade e a dimensão alunos é positiva fraca (? = 0,13) e não é estatisticamente significativa (p > 0,05), o que não acontece com as demais dimensões, onde existe uma associação positiva fraca e estatisticamente significativa (Tabela 4).

 

 

Conclui-se, assim, que existe uma associação positiva, em geral fraca, entre a idade dos participantes e a satisfação profissional, ou seja, à medida que a idade dos participantes aumenta, verificam-se níveis superiores de satisfação profissional.

 

Satisfação profissional e preparação para a reforma

Pretendeu-se comparar a satisfação profissional com a preparação para a reforma, através da H3 – A satisfação profissional varia em função da preparação para a reforma. De modo a testar a H3 recorreu-se ao teste de Mann-Whitney U. Os resultados do mesmo evidenciam que não existem diferenças estatisticamente significativas na satisfação profissional, pelo facto de os professores prepararem ou não a reforma (Tabela 5).

 

 

Quando se comparam as dimensões de satisfação profissional em função da preparação ou não para a reforma, verifica-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre a preparação para a reforma e a dimensão das relações interpessoais e institucionais, sendo que os professores que não preparam a sua reforma são os que apresentam níveis mais elevados de satisfação (Tabela 5).

 

5. Discussão

Não obstante o facto de os professores se verem confrontados com uma variedade de fatores que influenciam o seu desempenho profissional, os docentes da RAA apresentam níveis moderados de satisfação profissional, resultados que vão no sentido de investigações desenvolvidas em Portugal Continental, segundo as quais os docentes estão moderadamente satisfeitos com a sua profissão, o que poderá estar associado aos desafios com que se deparam no seu quotidiano profissional, como a sobrecarga burocrática, a instabilidade profissional e a diversidade de tarefas incutidas aos docentes (Alves et al., 2014; Barbosa, 2014; Chagas & Pedro, 2014; Fonseca, 2014; Munana, 2010; Pedro, 2011).

O facto de a dimensão sociopolítica apresentar o valor da média mais baixo e de as relações interpessoais e institucionais apresentarem o valor mais elevado ressalva o postulado pela teoria de Herzberg, Mausner e Synderman, (1959) e abordado por diversos autores (Jesus, 1993; Moreira et al., 2014; Pedro & Peixoto, 2006) de que os fatores externos associados à docência (i.e., salário, estatuto social) são os que mais contribuem para a insatisfação, ao passo que os fatores internos (i.e., motivação intrínseca, relações interpessoais) são os que concorrem para a satisfação. Além disso, há que ter em consideração que as relações interpessoais e institucionais correspondem à necessidade de afiliação sugerida por Morais e Medeiros (2007), pelo que constituem um forte contributo para a satisfação profissional.

No que diz respeito à correlação entre satisfação profissional e variáveis sociodemográficas, os resultados mostram que existe uma correlação entre a idade dos participantes e a satisfação profissional, de tal modo que, à medida que o professor avança na idade, mais satisfeito se sente relativamente ao trabalho, o que não vai ao encontro do estudo de Gonçalves (2008) e de Rocha (2015), segundo os quais a satisfação profissional não varia em função da idade. Esta associação poderá dever-se ao envolvimento dos docentes de mais idade relativamente à sua profissão, uma vez que normalmente esses professores são os efetivos e os que têm maior suporte relacional no contexto escolar, mais liberdade, maior prestígio e reconhecimento na escola – esta última referenciada como o conjunto dos respetivos docentes (Medeiros & Melo, 2015; Neri, 1993).

Quando comparada a satisfação profissional com a preparação ou não para a reforma, conclui-se que essas variáveis apresentam diferenças estatisticamente significativas apenas no que respeita à dimensão das relações interpessoais e institucionais, sendo que os professores que não investem na sua preparação para a reforma são os que apresentam níveis superiores de satisfação nessa dimensão. Estes resultados sugerem que o facto de os professores prepararem a sua reforma pode não ter um impacto positivo nas relações interpessoais e institucionais. No entanto, há que ter em consideração que a satisfação profissional depende de diversas variáveis pessoais, sociais e profissionais, o que explica a ausência de diferenças estatisticamente significativas entre as outras dimensões da satisfação profissional segundo a preparação ou não para a reforma (Alves, 2010; Barbosa, 2014; Watson et al., 1991).

Os resultados obtidos permitem reforçar aspetos teóricos abordados pela literatura, nomeadamente o contributo de variáveis sociodemográficas como fatores externos associados à satisfação profissional e a importância das relações interpessoais como necessidade de afiliação para a satisfação profissional. Ademais, foi possível verificar que a preparação para a reforma parece não influenciar a satisfação profissional, muito embora se saiba, através da literatura sobre o tema, que pessoas com elevada satisfação profissional podem encontrar maior dificuldade no processo de transição-adaptação à reforma.

No que diz respeito à preparação para a reforma, os resultados evidenciam que os professores não estão a realizar uma das suas tarefas de desenvolvimento (preparação para a reforma), que representa uma forte contribuição para o sucesso do respetivo processo de transição-adaptação (Coutinho, 2010; McDonnell, Christensen, Price, Burke, & Fessler, 1989; Medeiros, 2013; Oliveira, 2014; Sikes, 1985; Super, 1974), pelo que é crucial uma promoção da educação para a reforma, quer do ponto de vista institucional, quer do ponto de vista pessoal. Além disso, o facto de os professores prepararem a sua reforma poderá ter um impacto positivo nas relações interpessoais e institucionais, sobretudo se as estratégias utilizadas forem desenvolvidas em conjunto com outros membros do contexto escolar (Alves, 2010; Barbosa, 2014; Watson et al., 1991).

 

Conclusões

A docência é uma das profissões que tem suscitado o interesse da comunidade científica, tendo em consideração a contribuição que representa para o desenvolvimento do país e as caraterísticas que a tornam uma profissão de risco, tais como, os níveis elevados de mal-estar que são evidenciados pela literatura, stress, burnout e depressão, fruto das contingências cada vez mais adversas do desempenho dos docentes (Afonso, 2011; Fossatti, Guths, & Sarmento, 2013; Frota & Teodósio, 2012).

As situações de indisciplina, a carga horária e o excesso de burocracia são apenas alguns exemplos que têm vindo a fomentar o mal-estar entre os professores e a sua insatisfação profissional, com consequente impacto na vida pessoal. Contudo, o estudo desenvolvido mostra que os professores dos ensinos básico e secundário da Região Autónoma dos Açores, que participaram na investigação, estão relativamente satisfeitos com a sua profissão.

Os resultados permitem ainda concluir que, à medida que aumenta a idade, aumenta igualmente o nível de satisfação profissional, e que esta última não varia com a preparação para a reforma.

A satisfação profissional constitui uma variável importante no âmbito da profissão docente, uma vez que poderá influenciar o desempenho do professor e, consequentemente, todo o processo de ensino e aprendizagem. Julga-se de extrema relevância o desenvolvimento de novos estudos, no sentido de abranger professores das diferentes fases do ciclo de vida profissional e analisar a sua possível relação com a satisfação profissional, já que os resultados obtidos por Alves et al. (2014) sugerem a importância das caraterísticas que revestem os primeiros anos da carreira docente e que associam essa fase inicial a descoberta, entusiasmo e procura de aceitação pelos membros que compõem o contexto escolar (Gonçalves, 2009; McDonnell et al., 1989). Ademais, novos estudos na área poderão ajudar na compreensão das variáveis profissionais associadas à docência e de preparação para a reforma, num forte contributo para a promoção da satisfação profissional dos professores, com o intuito de potenciar o desenvolvimento profissional e, desta forma, melhorar a qualidade do processo de ensino e aprendizagem, em prol das futuras gerações, bem como melhorar a transição para a reforma e promover o envelhecimento ativo.

 

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Endereço para Correspondência

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Sheila Catherine Oliveira Furtado

Bairro de Sta. Rosa, 57

9600-314 Ribeira Grande, São Miguel-Açores, Portugal

E-mail: sheila.co.furtado@gmail.com

 

Recebido em 9 de abril de 2018

Aceite para publicação em 30 de setembro de 2019

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