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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.32 no.1 Braga June 2019

 

ARTIGOS

Formação de Mediadores Sociais na Europa: Um projeto piloto

Training of Social Mediators in Europe: a pilot project

Formation de Médiateurs Sociaux dans l’Europe: un projet pilote

 

Ana Maria Costa e Silva*
https://orcid.org/0000-0001-8598-7243i

Sílvia Cunha*
https://orcid.org/0000-0001-9337-3129ii

i Departamento de Estudos Curriculares e Tecnologia Educativa, Instituto de Educação & Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Universidade do Minho, Portugal.

ii Instituto de Educação & Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Universidade do Minho, Portugal.

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Um dos desafios da sociedade atual é enfrentar com determinação e qualidade as consequências das múltiplas fragilidades sociais, económicas e políticas que se vivem a nível mundial. Os diversos países e organizações estão, assim, comprometidos com uma resposta urgente e adequada à fragilidade da paz social, concretamente através de estratégias de prevenção e resolução pacífica de conflitos. A mediação social é uma das estratégias fundamentais para promover a paz, a justiça e a coesão social. No sentido de responder às recomendações inscritas em documentos oficiais europeus sobre a importância dos mediadores sociais na construção de comunidades pacíficas, foi implementado um projeto financiado pela Comunidade Europeia e executado entre 2013 e 2016, com a participação de cinco países europeus. O principal objetivo do projeto foi conceber e experimentar um dispositivo de formação de mediadores sociais, inspirado na tradição dos Companheiros do Tour de França através de uma metodologia de ação-investigação-formação colaborativa. A metodologia adotada revelou-se adequada à formação continuada e profissionalização de mediadores sociais e à constituição de uma rede de cooperação entre instituições e profissionais diversos. Os resultados alcançados evidenciam a pertinência do dispositivo na concretização dos objetivos definidos e na construção de um espaço europeu da mediação para a inclusão social.

Palavras-chave: Mediação social; Mediadores; Formação; Investigação-ação colaborativa

 

ABSTRACT

One of the challenges of today’s society is to face with determination and quality the consequences of the multiple social, economic and political fragilities that are experienced worldwide. The several countries and organizations are thus committed to an urgent and adequate response to the fragility of social peace, in particular through strategies for the prevention and peaceful resolution of conflicts. Social mediation is one of the key strategies for promoting peace, justice and social cohesion. In order to respond to the recommendations contained in official European documents on the importance of social mediators in the construction of peaceful communities, a project financed by the European Community was implemented between 2013 and 2016, with the participation of five European countries. The main objective of the project was to design and experiment a training system for social mediators, inspired by the tradition of the Companions of the Tour de France through a collaborative action-research-training methodology. The methodology adopted was adequate for the continuous training and professionalization of social mediators and for the creation of a cooperation network between different institutions and professionals. The results show the appropriateness of the device in the achievement of the defined objectives and in the construction of a European area of ??mediation for social inclusion.

Keywords:Social mediation; Mediators; Training; Collaborative action research

 

RÉSUMÉ

L’un des défis de la société actuelle est de faire face avec détermination et qualité aux conséquences des multiples fragilités sociales, économiques et politiques vécues dans le monde entier. Les différents pays et organisations se sont ainsi engagés à apporter une réponse urgente et adéquate à la fragilité de la paix sociale, notamment par des stratégies de prévention et de règlement pacifique des conflits. La médiation sociale est l’une des stratégies clés pour promouvoir la paix, la justice et la cohésion sociale. Afin de répondre aux recommandations contenues dans les documents européens officiels sur l’importance des médiateurs sociaux dans la construction de communautés pacifiques, un projet financé par la Communauté Européenne a été mis en œuvre entre 2013 et 2016, avec la participation de cinq pays européens. L’objectif principal du projet était de concevoir et expérimenter un système de formation pour les médiateurs sociaux, inspiré par la tradition des Compagnons du Tour de France à travers une méthodologie collaborative d’action-recherche-formation. La méthodologie adoptée était adéquate pour la formation continue et la professionnalisation des médiateurs sociaux et pour la création d’un réseau de coopération entre différentes institutions et professionnels. Les résultats montrent la pertinence du dispositif dans la réalisation des objectifs définis et dans la construction d’un espace européen de médiation pour l’inclusion sociale.

Mots-clés: Médiation sociale ; Médiateurs ; Formation  Recherche-action collaborative

 

Introdução

Sem dúvida, nas sociedades incertas e de risco em que vivemos, a mediação tem muito a seu favor. (Caride, 2016, p. 15)

Em setembro de 2000, no âmbito do programa Oisin, realizou-se um seminário Europeu em Créteil, França, no qual foi discutido o desafio da mediação social para enfrentar os problemas atuais das sociedades democráticas europeias (National Forum of Urban Affairs Professionals, 2000). De acordo com os 42 peritos europeus presentes, a mediação social apresenta-se como um novo método de intervenção social, que promove a convivência entre as pessoas, reforçando laços sociais e a prevenção da violência. Na conclusão dos trabalhos desenvolvidos no âmbito deste seminário e numa tentativa de responder aos acontecimentos dos quais a sociedade global tem sido alvo, geradores de disputas, violência e desconfiança mútua, foi deixada a recomendação de que os estados da União Europeia (UE) deveriam promover práticas de mediação social, desenvolver e apostar na formação, em pesquisas, em experiências inovadoras e avaliações em conformidade com os pressupostos anteriormente avançados (National Forum of Urban Affairs Professionals, 2000). A mesma recomendação foi deixada em outros seminários, como, por exemplo, no ocorrido em Bruxelas, em 2005 (Groupe de Travail d’Euromédiation, 2006). Neste seminário foi reafirmada a necessidade de se desenvolver uma política de mediação europeia. Contudo, é percetível que as atividades e dinâmicas relativas à mediação social continuam sem ganhar o reconhecimento e visibilidade esperados, encontrando-se em fase de expansão. É também importante desenvolver intercâmbios estruturados entre mediadores, organizações profissionais e instituições de formação a nível europeu.

As reflexões produzidas no âmbito dos seminários europeus antes referidos e os desafios colocados à sociedade atual estiveram na origem da conceção de um projeto europeu focado na formação em mediação para a inclusão social através da mobilidade europeia. Este projeto agregou um conjunto de parceiros europeus vinculados a organizações de mediação social e a instituições de ensino superior. O projeto centrou-se na formação de Mediadores/as para a Inclusão Social, através da mobilidade europeia. Foi financiado pela Comunidade Europeia (Projeto Arlekin, referência: 539947-LLP1-2013-1-FR-GRUNDTVIG-GMP) e teve a duração de três anos (de outubro de 2013 a setembro de 2016). O projeto Arlekin tinha a finalidade de contribuir para a construção de um espaço europeu de Mediação para a Inclusão Social (MIS), através da criação de uma rede de organizações profissionais e de formação, como suporte para a sua implementação. Para esse efeito, participaram neste projeto cinco países, nomeadamente França, Bélgica, Espanha, Itália e Portugal.

A MIS é um modo de intervenção social inovador e importante para responder aos novos desafios de coesão social das sociedades contemporâneas. É considerada uma metodologia de intervenção inovadora e adequada em diferentes contextos: em bairros, escolas, espaços e transportes públicos, associações sociais, com evidências expressas enquanto potenciadora da convivência, da regulação da vida coletiva, do acesso a direitos e da inclusão social (Bonafé-Schmitt, 2009; Divay, 2010; Neves, 2010; Silva et al., 2010). Para Divay (2010), “a mediação social é de novo considerada como um modo de regulação social eficaz, distinto da ação dos trabalhadores sociais e das forças de ordem” (p. 139). Bonafé-Schmitt (2009) sublinha a importância da mediação, não apenas como matéria intrínseca à resolução de conflitos mas enquanto regulação social (p. 19). Neves (2010) considera que a mediação social “é a voz dos atores sociais (e não a dos interventores) que dá início aos processos de transformação” (p. 40). No processo da mediação, são trabalhadas competências basilares que promovem a convivência e facilitam, através da criação de pontes, o viver em sociedade. Neste sentido, a mediação social expressa-se numa diversidade de práticas e cenários que precisam ser conhecidos e partilhados, potenciando a (trans)formação e formalização dos saberes experienciais e a profissionalização dos mediadores, bem como a visibilidade e o reconhecimento da mediação social. O projeto promoveu a implementação deste processo através de uma metodologia de investigação-ação-formação colaborativa.

No seminário em Créteil (2000), a mediação social foi definida como um processo de criação e reconstrução de relações sociais e resolução de conflitos da vida quotidiana, em que um terceiro, imparcial e neutro, através de intercâmbios entre pessoas ou instituições, ajuda a melhorar essas relações (National Forum of Urban Affairs Professionals, 2000, p. 128). Foi também considerado que outras práticas têm sido desenvolvidas e denominadas por mediação social, as quais, embora adotem os mesmos objetivos e contem com a intervenção de um terceiro, este não tem necessariamente de cumprir as condições de imparcialidade ou neutralidade (National Forum of Urban Affairs Professionals, 2000). No entanto, considerou-se que, futuramente, estas práticas e declarações devem ser incluídas numa reflexão global acerca da mediação social, de modo a contribuir-se para a afirmação de um marco teórico mais sustentado e consistente.

 

1. A mediação social na Europa: estado da arte e perspetivas face ao futuro

Com os múltiplos acontecimentos na sociedade contemporânea, questões sociais de grande relevância são levantadas. Falamos de assuntos relativos aos fluxos migratórios, aos refugiados, ao terrorismo, à prática crescente de violência, o acentuar das desigualdades, confrontos políticos, deslocação de pessoas fragilizadas em busca de abrigo e paz, entre outros, que potenciam heterogeneidades e disputas. O contributo da mediação social para responder a estas situações é fundamental, pois promove o diálogo e a escuta, favorece a aproximação e a construção da confiança mútua com as pessoas e nas comunidades onde atua.

Tal como é referido no Manifesto de Aubervilliers e Saint-Denis (European Forum for Urban Security, 2012), a Europa está submetida a desequilíbrios e desigualdades que espoletam nos cidadãos europeus um estado de inquietação e fragilizam os laços sociais e a confiança no futuro, que, por sua vez, ameaça a coesão social, deixando emergir o egoísmo e o individualismo. Neste manifesto está expresso que, apesar dos progressos consideráveis ao longo dos últimos 65 anos, a Europa não provoca ainda o sentimento de pertença aos seus cidadãos, o que fomenta um bloqueio no que respeita ao coletivismo entre os seus membros.

Desde o início do século que a mediação social tem vindo a expandir-se em múltiplos contextos, confirmando a sua relevância face aos desafios da sociedade contemporânea. De acordo com o National Forum of Urban Affairs Professionals (2000), a mediação social surge em resposta a problemas muito concretos da vida diária que, embora possam variar de um país para outro, são compartilhados pela maioria dos países europeus. Neste Fórum foi expressa a necessidade e vontade de conhecer as iniciativas levadas a cabo nos diferentes países membros da UE, no sentido de potenciar intercâmbios que fomentassem melhores práticas, partindo da seguinte questão: “as experiências podem ser transpostas de um canto da Europa para outro?” (National Forum of Urban Affairs Professionals, 2000, p. 31, trad. nossa). Concluiu-se que a “prática da mediação social no interior do quadro da Europa deve ser incentivada e desenvolvida” (National Forum of Urban Affairs Professionals, 2000, p. 80, trad. nossa), recomendando-se a aposta na formação com vista ao desenvolvimento e consolidação da mediação, um dos objetivos do projeto que aqui apresentamos.

A Carta de Referência de Mediação Social [1] refere que, durante anos, várias iniciativas foram desenvolvidas sob o termo genérico ‘mediação’. Estas iniciativas pretendiam promover um modo de intervenção nas relações sociais baseadas no diálogo, tendendo a estabelecerem-se como um modo de regulação social, incentivando a promoção de laços sociais para melhorar as relações entre instituições, grupos sociais e/ou indivíduos. Esta disseminação de experiências que envolve a intervenção de um terceiro assume a designação de ‘mediação social’. Ainda conforme o assinalado nessa Carta, estas práticas criam dinâmicas locais reais que estimulam uma maior igualdade de oportunidades na sociedade, promovendo uma maior proximidade do público com as instituições [2].

O National Forum of Urban Affairs Professionals (2000), comparando a mediação tradicional com a mediação social, evidencia que a primeira intervém quando as tensões atingiram o nível expresso de conflito, enquanto a segunda intervém prioritariamente numa fase antecedente; ou seja, é fundamentalmente um procedimento para prevenir dissidências e conflitos. Para além disso, a mediação social promove a capacitação individual, preparando os intervenientes para assumirem a responsabilidade para a manutenção da paz social e prevenção da criminalidade. Deste modo, a mediação social inscreve-se em valores sociais, visando a promoção de uma melhor qualidade de vida, de direitos, da igualdade, do empowerment do indivíduo, potenciando uma convivência saudável e harmoniosa (Silva & Cunha, 2015).

Neste seguimento, e de acordo com o exposto no documento do Forum Français pour la Sécurité Urbaine (Pradet & Moreau, 2010), a mediação não é, na sua prática, limitada a questões relativas ao conflito, atuando também para (re)criar ou reparar o tecido social. Assim, neste documento é reconhecido que a mediação é uma reunião na qual as pessoas, através do diálogo, (com)partilham opiniões, expressões ou estados, para esclarecer um relacionamento, para entender uma situação, para promover a pacificação ou uma solução para um conflito, apoiadas numa estrutura ética, garantida por um terceiro qualificado – o mediador.

De acordo com um dos vários documentos europeus, La médiation, les médiations (Groupe de Travail d’Euromediation, 2006), a finalidade da mediação social é “garantir a ligação social entre a população, associações e comunidade” (p. 9, trad. nossa) e os seus objetivos passam por “resolver conflitos e/ou melhorar as relações entre as pessoas e/ou instituições; assegurar a ligação entre os diferentes atores; observar as necessidades e dificuldades específicas das comunidades; propor e estabelecer recomendações ao poder local” (p. 10, trad. nossa). Percebemos que a mediação social é aqui entendida de modo mais amplo, evidenciando-se o propósito relativo à prevenção e resolução de conflitos e estabelecimento de pontes que promovam os laços sociais (Zabatel, 2007). Ainda de acordo com o documento europeu antes referido, quando falamos em conflitos expressos, estes podem revelar ser a melhor ou a pior das coisas. Tudo dependerá da forma como sejam abordados. A pior, quando o conflito é minimizado ou ignorado, uma vez que esta postura irá, mais cedo ou mais tarde, provocar revoltas e conflitos cíclicos, deteriorando os laços sociais e promovendo atitudes individualistas e reativas. A melhor, quando o conflito é bem gerido e os envolvidos encontram uma solução que permita ultrapassar o conflito, aprendendo com o mesmo (Groupe de Travail d’Euromediation, 2006).

Consideramos que a mediação é uma proposta inovadora e eficiente no âmbito da atuação social, importante na sociedade contemporânea, que, influenciada por diversos fatores, está em expressa metamorfose. Assim, os modos de ação e desenvolvimento social devem acompanhar esta evolução, prevenindo e atuando com mais assertividade e de acordo com os valores aos quais globalmente se apela para a construção de sociedades sustentáveis, pacíficas e justas (Centro de Informação Regional das Nações Unidas para a Europa Ocidental, 2016).

Assumindo a importância da mediação na sociedade contemporânea e a necessidade de um conhecimento alargado das suas diversas expressões, o projeto ao qual nos referimos teve como principais objetivos desenvolver a profissionalização dos mediadores sociais de forma concertada a nível europeu e fomentar a visibilidade da mediação social. Para tal, uma das principais atividades do projeto consistiu na conceção e experimentação de um dispositivo de formação em Mediação para a Inclusão Social através da mobilidade europeia, que apresentamos nos pontos seguintes, bem como os principais resultados alcançados.

 

2. Metodologia

O projeto Arlekin – Formação em Mediação para a Inclusão Social através da mobilidade europeia – inscreveu-se numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, privilegiando a investigação-ação-formação colaborativa em que as dimensões experiencial, reflexiva e autoformativa foram consideradas como especialmente relevantes (Silva, Carvalho, Moisan, & Fortecöef, 2017).

A conceção e experimentação do dispositivo de formação em Mediação para a Inclusão Social (MIS) através da mobilidade europeia assentou na construção progressiva de uma Comunidade de Prática e de Aprendizagem (CPA) que se foi desenvolvendo ao longo das várias fases da sua implementação. De acordo com Wenger (2001), as CPA privilegiam a aprendizagem situada e colaborativa, cujo potencial é cada vez mais reconhecido no contexto da aprendizagem ao longo da vida e do desenvolvimento profissional e organizacional. Podemos também definir as comunidades de aprendizagem como

espaços abertos de questionamento e reflexão sobre temáticas específicas, que albergam e celebram a diversidade de perspetivas disciplinares e o cruzamento de saberes práticos e académicos. Imaginam-se como espaços de co-aprendizagem a partir de uma identificação inicial das experiências e dos saberes dos que as integram e de busca ativa de respostas para as perguntas que qualquer um possa formular no seu seio.(Silva, Piedade, Morgado, & Ribeiro, 2016, p. 21)

No âmbito deste projeto, a CPA constituiu-se inicialmente com os parceiros do projeto em torno dos objetivos do mesmo, sendo progressivamente alargada a outros mediadores e organizações de mediação, consubstanciando “uma comunidade dialogante e participativa, transnacional, interdisciplinar e pluri-institucional que foi progredindo na comunicação, participação e colaboração, revendo e consolidando a finalidade e objetivos do Projeto” (Silva et al., 2017, p. 73).

O dispositivo de formação inspirou-se na tradição dos Companheiros do Tour de France[3], uma modalidade de formação que promove a aprendizagem do ofício pelos aprendizes, junto de mestres, em diferentes cidades. No caso do Tour da Europa dos Mediadores Sociais, os Mediadores-Companheiros (MC) foram acolhidos por Mestres de Aprendizagem (MA), também mediadores, em instituições de um outro país europeu. Com estes observaram práticas e partilharam aprendizagens nos seus contextos de trabalho. Esta (auto)formação-aprendizagem “mondialogante” (Faria-Fortecöef, Moisan, & Gonzalez-Monteagudo, 2014) concretizou-se numa trajetória – uma viagem pela Europa (experiencial e reflexiva) –, através do conhecimento e partilha de experiências biográficas e profissionais entre os mediadores dos vários países envolvidos.

 

2.1. Objetivos

O projeto europeu Arlekin teve como objetivo geral o desenvolvimento da Mediação Social, favorecendo a sua visibilidade e a profissionalização dos mediadores sociais de forma integrada e sustentada a nível europeu.

Com base na metodologia anteriormente referida, o dispositivo de formação-aprendizagem privilegiou os seguintes objetivos específicos: i) Refletir sobre a própria biografia profissional; ii) Identificar a experiência e os conhecimentos profissionais; iii) Conhecer práticas de mediação para a inclusão social noutros países; iv) Analisar as práticas de mediação observadas; v) Conceber um documento para transmitir a experiência e aprendizagens da formação (Silva et al., 2017, p. 78).

 

2.2. Participantes

Foram cinco os países envolvidos no projeto: Bélgica, Espanha, França, Itália e Portugal. Cada um destes países estava representado por uma instituição de ensino superior (é o caso de Espanha, França e Portugal) ou por uma instituição de intervenção no âmbito da Mediação Social (Bélgica e Itália). Para a implementação do dispositivo de formação, cada país estabeleceu parcerias com instituições com atuação no âmbito da mediação para a inclusão social, as quais enviaram e acolheram mediadores companheiros de outro país, num total de 12 instituições.

No Tour da Europa experimental dos Mediadores Sociais (2016), participaram 12 MC e 12 MA, conforme a tabela de mobilidade que se apresenta a seguir.

Participaram mediadores e mediadoras com idades compreendidas entre os 27 e os 64 anos, com formações diversas que variavam entre o ensino secundário especializado e a licenciatura em diversas áreas do conhecimento (Comunicação Social, Psicologia, Direito, Serviço Social, Antropologia e Literatura). Todos os participantes tinham experiência no âmbito da mediação para a inclusão social e a maioria tinha formação especializada em mediação.

 

2.3. Procedimentos e materiais

A conceção e implementação do dispositivo de formação contemplou um conjunto de condições pedagógicas que permitiram a sua materialização e experimentação. Assumindo a metodologia de investigação-ação-formação colaborativa, a formulação dos objetivos, procedimentos e materiais pedagógicos contou com a participação dos diferentes intervenientes, nomeadamente a equipa coordenadora do projeto (investigadores e professores), a equipa pedagógica do Tour da Europa dos Mediadores (alguns elementos da equipa coordenadora do projeto e um mediador experiente) e os/as MC e MA. Neste contexto, foi assumida a coconstrução do conjunto de suportes de formação e de ação, valorizando a diversidade de olhares dos intervenientes, suas idiossincrasias e saberes, articulando os saberes teóricos e os saberes experienciais que os diversos intervenientes aportaram antes, durante e após a mobilidade (Silva et al., 2017, p. 77).

Para facilitar o processo de aprendizagem mútua e experimentar este modelo de formação foram elaborados vários instrumentos de apoio para os/as MC e MA (cf. Tabela 2). Estes instrumentos pedagógicos foram concebidos com a intenção de facilitar: i) a comunicação entre os intervenientes e o conhecimento mútuo; ii) a reflexão e reconhecimento das aprendizagens; iii) a observação e conhecimento dos contextos e das práticas; iv) o registo, análise, reflexão e partilha das aprendizagens.

Os instrumentos acima identificados foram concebidos com a intenção de potenciar o processo de investigação-ação-formação colaborativa, contemplando situações de análise e partilha de experiências profissionais em processos de mediação, bem como o contacto com diferentes contextos para a identificação e observação de casos ou situações de mediação, níveis e formas de intervenção, balizados por critérios de ética e deontologia profissional. Simultaneamente, este processo (auto)reflexivo proporcionou níveis de formação colaborativa entre os mediadores (MA e MC) através de momentos de análise, registo e avaliação de estratégias, técnicas e formas de acompanhamento de diferentes processos de mediação, estimulando um diálogo entre a prática e a teoria e a construção de novos saberes profissionais (Silva et al., 2017, p.79).

Os instrumentos pedagógicos foram disponibilizados a todos os participantes na mobilidade no sítio web do projeto, num espaço especialmente concebido para o intercâmbio entre todos os MC e MA, o qual se designou de Cayenne Virtual. Este espaço constituiu um recurso importante no Tour da Europa dos Mediadores, tal como a Cayenne – casa de acolhimento e encontro dos Companheiros do Tour de França em diferentes cidades por onde passavam para aprenderem os ofícios. É um lugar de rituais próprios de cada ofício, onde os aprendizes se socializam nas normas, ritos e valores que constituem referências específicas e importantes a partilhar e aprender. No caso do dispositivo de formação dos mediadores sociais, este recurso foi adaptado aos meios atuais de comunicação, tendo sido concebida uma ‘Casa Virtual’ que oferecia um espaço de intercâmbios entre todos os mediadores e a equipa pedagógica, constituída por alguns elementos da equipa coordenadora do projeto e por um mediador experiente designado de rouleur. Este mediador profissional, que conhecia bem os problemas concretos da sua prática numa organização, era também um pedagogo que assumia o papel de ‘irmão mais velho’ ou ‘rouleur’ (designação do dispositivo do Tour de França): ficava atento e à escuta dos MC e MA com vista a compreender as suas dificuldades (logísticas, organizacionais e sobretudo pedagógicas) e aconselhava como lhes fazer face. Presente nos diferentes seminários presenciais, estava igualmente disponível para os contactos individuais antes, durante e após o estágio: no Skype, telefone, WhatsApp e Cayenne Virtual.

A formação dos Mediadores Sociais através da mobilidade europeia concretizou-se num processo com vários tempos de formação colaborativa (Silva et al., 2017) e distribuídos em quatro momentos fundamentais:

1. Seminário de formação de dois dias (Paris, França, janeiro de 2016) com todos os MC e MA e com a equipa pedagógica do dispositivo de formação, com o objetivo de se conhecerem mutuamente, partilharem as suas motivações e expectativas e conhecerem a metodologia do Tour da Europa dos Mediadores Sociais;

2. Estágio de 12 dias através da imersão dos MC em organizações e contextos de Mediação para a Inclusão Social nos vários países participantes (cf. Tabela 1), com o acompanhamento dos MA (janeiro de 2016). Para facilitar o trabalho de organização e planificação das atividades a realizar foram concebidos e facultados vários instrumentos pedagógicos de observação, reflexão e registo, os quais facilitaram a organização do diário de bordo dos/as MC e MA (cf. Tabela 2);

3. Seminário de um dia, imediatamente após o estágio, para partilha das experiências e avaliação do estágio com todos/as os/as MC e MA e a equipa pedagógica, seguido de outro dia de jornadas de difusão – Congresso Internacional de Mediação Social (Braga, Portugal, 26 e 27 de janeiro de 2016). Durante o seminário de avaliação, os/as MC e MA fizeram um primeiro balanço individual e coletivo do estágio e apresentaram um primeiro esboço do Chef d’Oeuvre, para o qual tiveram o apoio e supervisão da equipa coordenadora. No segundo dia apresentaram publicamente, no Congresso Internacional, uma síntese das aprendizagens realizadas durante o Tour da Europa (cf. Moisan, Silva, Fortecöef, & Buelens, 2016);

4. O quarto tempo de formação previsto neste dispositivo foi o da apresentação pública e defesa dos trabalhos finais – Chef d’Oeuvre (Lunéville, França, setembro de 2016). A defesa foi realizada perante um júri europeu, composto por académicos e mediadores/as profissionais, em sessão pública e participada pelos MC e MA [4]. Também os/as MA redigiram um Relatório sobre o acompanhamento realizado, que foi avaliado pelo júri para que obtivessem o título de ‘Mestre de Aprendizagem do Tour da Europa’. Após a apresentação dos trabalhos, seguiu-se um dia de jornadas de difusão – Jornadas Europeias de Mediação para a Inclusão Social (Silva et al., 2017, p. 77).

 

O Chef d’Oeuvre é uma designação recuperada do Tour de França dos Companheiros; corresponde à ‘Obra-Prima’ que os Companheiros deveriam elaborar e apresentar documentando a sua ‘arte no ofício’, para assim obter o título de Companheiro. Tal como para os Companheiros do Tour de França, é através da sua ‘obra’ que os/as MC testemunham a sua ‘capacidade de fazer’ e a aquisição do saber-fazer e dos saberes adquiridos. O ‘Chef d’Oeuvre’ dos Mediadores Companheiros corresponde ao Caderno de Viagem (cf. Tabela 2) onde cada um/a regista as suas observações, entrevistas, discussões, descobertas, surpresas e impressões. Cada um/a realiza esse trabalho com a paleta de recursos que desejar: desenhos, fotos, vídeos, montagens, texto, etc., concebendo-o num suporte virtual.

Os diplomas de MC e MA foram atribuídos no dia seguinte à apresentação pública, durante as Jornadas Europeias de Mediação para a Inclusão Social que decorreram no mesmo local.

Para além destes quatro tempos específicos de formação, o dispositivo contemplou o acompanhamento continuado dos mediadores, conforme as modalidades do dispositivo dos Companheiros do Tour de França [5].

 

3. Resultados da implementação do dispositivo de formação de mediadores sociais a nível europeu

A implementação e a avaliação do dispositivo de formação em mediação social através da mobilidade europeia permitiram validá-lo e considerá-lo adequado para a aprendizagem ao longo da vida dos mediadores sociais a nível europeu. Esta constatação sustenta-se em vários aspetos observados: i) dinâmica construída ao longo do processo pelos diversos participantes – MC, MA e equipa pedagógica; ii) avaliação oral efetuada pelos MC e MA nos seminários de formação e avaliação e no questionário online preenchido alguns dias após o Tour da Europa (final de setembro de 2016); iii) resultados expressos nos documentos produzidos pelos MC e MA (Chef d’Oeuvre e Relatórios de Acompanhamento); iv) continuidade da partilha e intercâmbio entre os diferentes intervenientes, que vem sido mantida para além do período previsto para a formação através da mobilidade.

 

3.1. Formação dos Mediadores a partir do reconhecimento e reformulação dos saberes adquiridos e partilhados

O dispositivo de formação-ação está predominantemente centrado no estágio de imersão num contexto específico de um país europeu envolvido no projeto. Todavia, para que os/as MC e MA possam aproveitar o máximo do estágio, precisam estar preparados. Antes, ao longo e após o estágio devem refletir sobre a experiência e avaliá-la de modo a mobilizar e partilhar as aprendizagens nos seus contextos profissionais. A formação pretende também construir um coletivo de pares – MC e MA – que sustente e apoie os/as candidatos/as e consolide as aprendizagens individuais. Os instrumentos pedagógicos e os vários momentos de formação visam promover e facilitar a aprendizagem continuada dos mediadores sociais através da mobilidade europeia.

O modelo do dispositivo assegurou um processo formativo, através de um acompanhamento de investigação-ação colaborativa, que partiu das experiências já adquiridas pelos participantes e do seu questionamento biográfico para um reinvestimento dos saberes adquiridos em projetos futuros – individuais e coletivos.

Os documentos produzidos – Chef d’Oeuvre dos MC e Relatórios de Acompanhamento dos MA – e a avaliação final do Tour da Europa dos Mediadores Sociais validam o dispositivo e evidenciam as aprendizagens realizadas. Estas aprendizagens situam-se a diferentes níveis, nomeadamente:

i) autoconhecimento, enquanto pessoa e profissional, como evidenciam os registos dos mediadores que transcrevemos em seguida:

- “Esta experiência permitiu-me distinguir entre a pessoa que eu sou e o papel de mediador em certos aspetos da minha prática” (MA5, Relatório de Acompanhamento, 10/09/2016);

- “Permitiu-me repensar, acima de tudo, a importância de ser mediador – a relação comigo mesmo (evitando sobrecargas emocionais)” (MA3, questionário final de avaliação, 30/09/2016);

            ii)  conhecimentos sobre a mediação e as competências do mediador, conforme se pode ler nas afirmações abaixo:

- “O estágio permitiu-me descobrir as diferentes formas de mediação, que abrem muitas portas… Esta oportunidade abriu-me os olhos, aprendi muito e encontrei material para fazer as coisas evoluírem… eu descobri e descobri-me” (MC1, Chef d’Oeuvre, 10/09/2016);

- “A formação permitiu-me ter uma visão global do processo de mediação e tomar consciência das características e competências do mediador” (MA2, questionário final de avaliação, 30/09/2016);

- “Estas ferramentas oferecem a oportunidade de ampliar ‘o meu olhar’ para o que significa a mediação social” (MC10, questionário final de avaliação, 30/09/2016);

- “Esta experiência permitiu-me aprofundar os meus conhecimentos sobre uma mediação mais global, e perceber que a conceção de mediação era muito diferente de um país para outro. Isto permitiu-me compreender as dificuldades de um espaço comum para a promoção da mediação, bem como as questões subjacentes que poderiam surgir: reconhecimento, enquadramento difuso, diversidade de práticas e políticas” (MC6, Chef d’Oeuvre, 10/09/2016);

- “É, acima de tudo, um reconhecimento de nossas práticas, a prova é a nossa participação; mas, ao mesmo tempo, enriquece a nossa visão desta profissão, porque observamos outras práticas, adicionamos uma experiência, outro olhar, outra dimensão a este trabalho… e isso é explicado pelo rico debate que tivemos em diferentes reuniões” (MA7, questionário final de avaliação, 30/09/2016);

- “Na minha opinião, isso permitiu que tanto o indivíduo quanto o grupo capitalizassem o enriquecimento da experiência do Tour da Europa, passo a passo (Paris, Braga, Lunéville). De facto, permitiu-nos parar, pensar, confrontar e sintetizar diferentes conceitos. Então eu achei que foi uma maneira muito útil e eficaz para prosseguir o objetivo de uma formalização compartilhada dos aspetos metodológicos da mediação social” (MC3, questionário final de avaliação, 30/09/2016).

Pode, assim, observar-se que o dispositivo de formação contribuiu para que MC e MA refletissem sobre si mesmos e sobre as suas práticas, as suas referências, pertenças, atribuições, identificações, e para o seu reconhecimento coletivo como membros da família profissional de Mediadores.

Outro aspeto a sublinhar é a oportunidade formadora, tanto para os MC como para os MA, como se pode observar nas citações anteriores. A aprendizagem mútua e colaborativa foi outra potencialidade do dispositivo de formação para a construção de uma comunidade de prática e aprendizagem (cf. Brito & Beca, 2016; Campinos-Dubernet & Rodrigues, 2016; Ghobrini & Aguirre, 2016; Jiménez & Ghibaudi, 2016; Russo & Rorpach, 2016; Saladino & Baudis, 2016).

 

3.2. Construção de uma comunidade de prática e de aprendizagem

A dinâmica construída ao longo do processo de mobilidade emerge nos seminários presenciais de formação e através dos meios comunicacionais postos à disposição, nomeadamente a ‘Casa Virtual’ (no sítio web do projeto) e o WhatsApp [6]. Este último meio de comunicação, não estando previsto inicialmente, revelou-se um recurso espontâneo, especialmente acessível a todos os participantes e ágil na partilha de informações, de questionamentos, de reflexões em tempo real. A utilização espontânea e generalizada do WhatsApp por todos os participantes permitiu a partilha de informações com recurso a diferentes suportes (fotografias, vídeos, textos…), possibilitando a rentabilização do tempo e a interação em tempo real. Para além disso, tem permitido a dinamização da comunidade de prática e aprendizagem, conforme documentam as citações seguintes:

- “Arlekin… sempre uma bela experiência, intensa, sincera…” (MC9, mensagem WhatsApp, 19/04/2017);

- “Tornamos vivo este fórum através das nossas experiências, da partilha das nossas ações quotidianas e das reflexões que produzimos sobre elas… é o objetivo deste grupo WhatsApp” (MA12, mensagem WhatsApp, 30/01/2018).

A constituição da comunidade de prática e de aprendizagem, não sendo um objetivo prévio e explícito do projeto, potenciou as dimensões experiencial, reflexiva e autoformativa, que se quiseram privilegiar nesta modalidade de formação. Esta comunidade de prática e de aprendizagem iniciou-se com a mobilidade dos Mediadores Sociais em 2016, mantendo-se e ampliando-se até à atualidade através das partilhas e intercâmbios a diferentes níveis: encontros presenciais (seminários de formação, jornadas abertas à comunidade), partilhas e intercâmbios de práticas através dos meios virtuais; reflexões e avaliações através dos questionários de avaliação online e presencialmente, as quais têm constituído contributos importantes para a revisão dos instrumentos utilizados e dos planos de formação dos seminários presenciais.

No Tour da Europa pretendeu-se identificar o que há em comum nas práticas de mediação social, respeitando as diversas formas da sua concretização nos contextos específicos de cada país. Os mediadores exercem a profissão, a nível mundial e europeu, há já algumas décadas; todavia, a sua formação e regulamentação profissional ainda não se encontra formalizada. Este projeto contribuiu para um conhecimento mais amplo do exercício da profissão de mediador em vários países europeus, proporcionando um levantamento e uma reflexão conjunta sobre as práticas de mediação e formação de mediadores, resultando na constituição de uma comunidade de aprendizagem que tem vindo a alargar-se.

O reconhecimento deste projeto-piloto ficou também refletido no relatório final de avaliação do mesmo, onde pode ler-se: “a ideia de adaptar um modelo antigo de formação às necessidades de aprendizagem contemporâneas é fascinante. Ainda, porque esta modalidade inclui intercâmbios interculturais e intergeracionais” (EACEA, 2017).

Os resultados conseguidos possibilitaram a validação do dispositivo e a candidatura e financiamento de um novo projeto europeu Erasmus+, que se encontra em curso desde dezembro de 2016. Assim, o conhecimento e a comunidade de prática e aprendizagem vêm-se ampliando, com a integração de sete países (Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Itália, Luxemburgo e Portugal) e 32 MC e MA.

Os resultados alcançados com a experimentação deste dispositivo de formação de mediadores confirmam a relevância da formação contínua através da investigação-formação colaborativa em mobilidade europeia que responda a um perfil profissional para intervir em situações complexas e exigentes.

 

Conclusões

A Mediação Social é uma prática ainda emergente, contudo em expansão e com grande relevância nas sociedades contemporâneas. O seu desenvolvimento, reconhecimento e profissionalização passa pela identificação da diversidade de práticas, pelo seu conhecimento e partilha mútua.

Neste sentido, a metodologia e modalidade da formação, através da imersão em contextos de prática, permitiu: i) conhecer novos contextos e outras práticas de mediação na Europa; ii) estabelecer interfaces entre os intervenientes de várias culturas e países; iii) criar sinergias entre os olhares e as vozes dos vários intervenientes no projeto, fomentando o sentimento de pertença a uma comunidade (Silva et al., 2017, p. 81). Os diferentes momentos de formação-ação-investigação colaborativa constituíram contextos de aprender juntos, permitindo ressignificar as práticas de mediação e a identidade profissional dos mediadores. 

Os resultados alcançados com a implementação do dispositivo de formação de mediadores sociais através da mobilidade europeia permitem reconhecer a importância da formação contínua dos mediadores nesta modalidade de mobilidade. Esta experiência valida a diversidade de contextos em que os mediadores atuam para prevenir, gerir e resolver de forma cooperativa os conflitos a nível social, seja nas escolas, nas comunidades ou bairros, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nos transportes ou nos serviços públicos.

Esta experiência-piloto evidenciou também o que já outros estudos revelaram (Bonafé-Schmitt, 2017; Silva, 2015; Silva et al., 2010), nomeadamente que o saber dos mediadores é fundamentalmente um saber da experiência, uma experiência não-dita, não formalizada, um saber incorporado porque adquirido através da experiência.

Este projeto permitiu validar um dispositivo de formação em mediação e uma metodologia de investigação-ação colaborativa e reconhecer que os/as MC e MA mostraram verdadeiro interesse em descobrir reciprocamente as práticas de mediação social e os seus contextos em diferentes países europeus. Este facto sustenta que a homogeneização desta atividade profissional nova e a sua evolução enquanto profissão são construídas de baixo para cima: através da explicitação das práticas e dos saberes tácitos que aquelas desenvolvem para os mutualizar, conforme foi possível observar pela expressividade e reflexividade nas partilhas que foram realizadas entre os Mediadores do Tour da Europa. É também possível afirmar a dimensão europeia como o espaço adequado para a visibilização da mediação social, da diversidade de práticas, a sua externalização e reconhecimento, hipóteses que continuarão a ser validadas no projeto atualmente em curso – Projeto CreE.A: Création d’un Espace Européen de la Médiation Sociale (ref.: 580448-EPP-1-2016-1-FR-EPPKA3-IPI-SOC-IN).

A comunidade em rede, iniciada com este projeto, tem ampliado as colaborações a nível europeu, entre universidades, cidades e diversas redes de organismos sociais internacionais de mediação, de modo a potenciar intercâmbios estruturados entre os mediadores, quer ao nível das instituições, quer das universidades, com o objetivo de partilharem e confrontarem as práticas e as representações sobre as atividades de mediação social e construírem o espaço europeu da mediação.

Porém, a formação dos mediadores não se esgota nesta modalidade de formação contínua, pelo que continua a ser importante a investigação e reflexão sobre a formação inicial e especializada dos mediadores, tanto em Portugal como a nível internacional.

 

Agradecimentos e apoios

Agradecemos aos/às participantes neste projeto: mediadores e mediadoras, equipa pedagógica e equipa coordenadora.

Apoio: EACEA – Programme pour l’éducation et la formation tout au long de la vie – GRUNTVIG – 2013. Projeto Formation à la médiation pour l’inclusion sociale par la mobilité européenne – ARLEKIN, referência: 539947-LLP1-2013-1-FR-GRUNDTVIG-GMP.

 

Referências

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Endereço para Correspondência

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Ana Maria Costa e Silva

Instituto de Educação, Universidade do Minho

Campus de Gualtar

4710-057 Braga, Portugal

Email: anasilva@ie.uminho.pt

 

Recebido em 7 de janeiro de 2018

Aceite para publicação em 17 de abril de 2019

 

NOTAS

[1]Retirado de https://www.cofrimi.com/images/PDF/Charte.Med.Soc.pdf

[2] Retirado de https://www.cofrimi.com/images/PDF/Charte.Med.Soc.pdf

[3] Consultar Fédération Compagnonnique, Le Tour de France des Compagnons, em http://compagnonsdutourdefrance.org/pages/le-tour-de-france

[4]Algumas imagens podem ser observadas em https://www.cree-a.eu/tour-deurope/ - 1ER TOUR D’EUROPE 2016, in https://www.cree-a.eu/

[5]Consultar http://compagnonsdutourdefrance.org/pages/le-tour-de-france

[6] Conferir em https://www.cree-a.eu/tour-deurope/ - ** LA CAYENNE, in https://www.cree-a.eu/

 

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