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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.32 no.1 Braga June 2019

 

EDITORIAL

Editorial, nº 1 de 2019

O número 1 do volume 32 da Revista Portuguesa de Educação (RPE) fecha mais um ciclo de vida da RPE ao coincidir com o final de mandato da atual direção. Após 5 anos, é altura de outros e outras colegas darem continuidade ao desafio que representa dirigir uma Revista desta natureza.

Não se trata de um número que, por aquela razão, apresente alguma particularidade especial, mas é um número que nos interpela pelo conhecimento que traduz múltiplas realidades educativas, desde o jardim de infância à Universidade, envolvendo crianças, estudantes e profissionais da área da educação, trazendo para o debate temas como as relações de género, o racismo, a profissão docente e o papel desta nas sociedades, os processos de integração de jovens com deficiência no ensino superior ou a mediação social. E, do cruzamento de múltiplos olhares, teórica e empiricamente informados, um pouco mais do desvelamento de realidades sociais ainda pouco exploradas, numa maior aproximação ao conhecimento das mesmas.

O texto de Ken Zeichner, da University of Washington, USA, intitulado “The Importance of Teacher Agency and Expertise in Education Reform and Policymaking”, abre a reflexão que a direção da Revista sempre procurou suscitar em torno das mais diversas problemáticas que formam e informam o campo das Ciências Sociais da Educação. O autor faz a defesa da valorização da capacidade profissional das professoras e dos professores para construírem a diferença na vida dos seus alunos e alunas, bem como para serem agentes participantes e críticos na formulação das políticas educativas. Partindo da sua experiência de investigação e conhecimentos das características dos sistemas educativos mais bem sucedidos no mundo, o autor ilustra o modo como a agência e conhecimento profissionais docentes são essenciais para assegurar que os sistemas educativos desenvolvem o seu trabalho no sentido de assegurar o bem estar e sucesso académico das crianças e jovens. Para tal recorre a três exemplos (nos EUA e Canadá) que evidenciam de que modo o trabalho docente se coloca ao serviço da igualdade e justiça social.

Ana Karine Braggio e Alexandre Felipe Fiuza, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil, em “O exílio dos professores brasileiros em Portugal e a documentação da DOPS-PR”, analisam e discutem o material produzido pela imprensa brasileira sobre exilados em Portugal durante o período da ditadura civil-militar no Brasil, em dossiês do acervo da Delegacia de Ordem Política e Social do Estado do Paraná, identificando os nomes de vinte exilados que foram professores no Brasil e/ou em Portugal. Cruzando com a literatura disponível sobre a temática, e apresentando testemunhos de grande relevância, revelam a constituição de uma “rede exilar” que, entre outros efeitos, em muito contribuiu para a disseminação do trabalho de Paulo Feire, também este um exilado.

          O texto “Avaliação de programas de intervenção para a aprendizagem socioemocional do professor: Uma revisão integrativa”, de Alcione Marques, Luiza Hiromi Tanaka e Adriana Queiróz Botelho Fóz,da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Brasil, parte da constatação que, embora objeto de atenção da investigação e da formação no que respeita os estudantes, as competências socioemocionais são escassamente estudadas no que diz respeito aos docentes. Uma vez que a profissão docente está sujeita a níveis elevados de stress e burnout, o aumento da resiliência destes profissionais afigura-se essencial. As autoras realizam um estudo de revisão integrativa da literatura nesta área, em 6 bases de dados internacionais, para concluir que, embora pareça haver um desinteresse por esta área de competência, os estudos realizados salientam ganhos importantes comoefeitos positivos no bem-estar, na saúde ou na eficácia do/a professor/a na sua práticadocente, que acabarão, indiretamente, por se repercutir na qualidade do ensino praticado e no trabalho docente em geral.

          O texto de Samuel Neto (Universidade Estadual Paulista, Brasil), Marina Cyrino (Fundação Hermínio Ometto, Brasil) e Cecilia Borges (Universidade de Montréal, Canadá), intitulado “O estágio curricular supervisionado como lócus central da profissionalização do ensino”, dá-nos uma perspetiva histórica da evolução concetual do trabalho docente e do estágio. Fazendo uma análise de como o trabalho docente tem evoluído de um “ofício sem saberes”, passando por “saberes sem ofício”, para terminar, nos dias de hoje, como um “ofício feito de saberes”, as autoras e autor defendem a necessidade de uma conceção de profissionalidade do ensino, onde as universidades e instituições de ensino superior jogam um papel fundamental, mas em articulação com as escolas, como loci de formação profissional. Concluem pela apresentação de 3 exemplos nacionais de profissionalização do ensino, com enfoque no estágio supervisionado, enquanto experiência prática que, na sua perspetiva, deve estar no centro da formação dos professores.

Prosseguindo a reflexão sobre profissionalismo e identidade docentes, o texto “Entre a fralda e a lousa: a questão das identidades docentes em berçários”, de Rosmari Oliveira e Luciana Viviani, da Universidade de São Paulo, Brasil, reflete sobre as relações entre identidade, cultura, gênero e poder no processo de construção das identidades profissionais de educadore/as de infância em berçário. Estas profissionais estão, historicamente, presas entre conceções da sua profissão que remetem para o cuidar, de natureza assistencial, associadas ao trabalho com a infância, e conceções mais recentes de educar, associadas à definição atual de “professora de educação infantil” no contexto brasileiro. Usando uma abordagem biográfica, com recurso a entrevistas a sete professoras e um professor, o estudo conclui que a nova prática docente de atuação em berçário é um espaço (que continua) feminino por excelência, onde a afetividade e a experiência de saber feito dominam, mas também um espaço de hibridização de culturas, no qual a lógica heteronormativa prevalece, embora a presença masculina provoque desequilíbrios no poder estabelecido.

A reflexão sobre trabalho docente na educação infantil prossegue com o artigo “O mito da ausência de preconceito racial na educação infantil no Brasil”, de Circe Marques (Universidade Alto Vale do Rio do Peixe e Universidade Comunitária da Região de Chapecó) e Leni Dornelles (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Brasil. Procurando desconstruir a ideia que a educação infantil não é espaço para trabalhar temáticas essenciais a uma sociedade democrática, como o racismo ou o preconceito, as autoras apresentam um estudo realizado em 11 escolas de Educação Infantil que recorreu a entrevistas a 22 profissionais (representantes da gestão e professoras) e a observações de espaços que integram crianças dos 0 aos 3 anos. As autoras concluem que as questões raciais são silenciadas nos documentos, espaços e rotinas escolares dos berçários estudados, invisibilizando-se assim as diferentes realidades sociais e culturais do mundo das próprias crianças.

No artigo “Perceção de Competência e Desempenho na Matemática em Alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico”, Natalie Nóbrega, Lourdes Mata, Vera Cristina Monteiro, Cristina Sanches e Marta Gomes, do ISPA – Instituto Universitário, Portugal, apresentam dois estudos quantitativos: um que analisa as caraterísticas psicométricas da Escala de Perceção de Competência na Matemática (361 alunos do 3.º e 4.º ano); e outro que analisa um modelo explicativo da relação entre estas perceções e o desempenho, comparando médias segundo o género (79 alunos do 3.º ano). Foram observadas diferenças de género na Perceção de Competência em ambos os estudos, bem com a indicação de que estas diferenças surgem precocemente, reforçando os estereótipos sociais negativos de menor competência para a matemática por parte das raparigas. É sublinhado o papel de pais e professores para a diminuição destas diferenças socialmente construídas.

O texto “Escala de atribuições de causalidade e rendimento escolar: Estudo de evidência de validade de critério”, de Adriana Satico Ferraz,Acácia Santos (Universidade São Francisco, Campinas/SP, Brasil) e Leandro Almeida (Universidade do Minho, Portugal) continua a reflexão sobre as diferenças de género nas aprendizagens escolares. Apresenta um estudo de validação de uma escala de atribuições causais do rendimento escolar a língua portuguesa e a matemática aplicada a 661 estudantes do ensino fundamental no Brasil. As atribuições de causalidade (para o sucesso e para o fracasso) foram analisadas em função daidade, ano escolar, género e existência de retenções. Os resultados evidenciam a perceção de causasinternas e controláveis, quer para o fracasso, quer para o sucesso. No que respeita às retenções, as meninas obtêm resultados mais favoráveis do que os meninos na autoperceção do seu rendimento, o que não se verifica para a autoperceção de sucesso, onde não há diferenças significativas. As autoras e autor concluem pela validação do critério da escala utilizada, uma vez que a autopercepção de rendimento na escola se mostrou preditora dos fatores em avaliação para atribuição causal do sucesso ou fracasso escolar.

O regime de acesso ao Ensino Superior, em Portugal e tendo em vista a promoção da equidade, permite a pessoas com mais de 23 anos e mediante a prestação de exames, o ingresso no sistema. Rita Barros (Instituto Piaget de Vila Nova de Gaia), Angélica Monteiro (Universidade do Porto) e Cláudia Sousa (Universidade Lusófona do Porto), Portugal, no estudo exploratório “Autoeficácia formativa e envolvimento nos processos de aprendizagem de estudantes portugueses maiores de 23 anos”, revelam os resultados da inquirição de 55 estudantes de duas instituições privadas portuguesas. Todos os estudantes demonstraram envolvimento académico, autoconfiança e motivação assente na possibilidade de melhoria da empregabilidade. Porém, foi possível identificar dois grupos em função da idade: até aos 26 anos e com mais de 26 anos, evidenciando este último um envolvimento mais acentuado na aprendizagem, particularmente emocional e comportamental.

“A inclusão de estudantes surdos no ensino superior brasileiro: O caso de um curso de Pedagogia”, de Isabel Rodrigues Sanches (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Portugal) e Polliana Silva (Faculdade Alpha, Brasil) relata um estudo de caso realizado numa universidade brasileira com 3 estudantes surdos. Recorrendo a questionário e à observação de aulas, as autoras procuram identificar o que pensam estes estudantes sobre a sua inclusão, assim como caracterizar o que fazem durante as aulas, discutindo o papel do docente do ensino superior e do intérprete de LIBRAS no desenvolvimento de práticas efetivas de inclusão que desconstruam a ideia que estudantes falantes e estudantes surdos não conseguem comunicar ou mesmo relacionar-se entre si e que devem apenas frequentar classes especiais separados dos seus colegas ouvintes. Apesar dos desafios, os resultados evidenciam que a inclusão é possível, desde que haja lugar à presença do intérprete e a uma formação de professores para o trabalho pedagógico com estes estudantes.

A mediação social, apesar de prática ainda emergente, é considerada uma forma crucial de enfrentar muitos dos atuais problemas das sociedades democráticas europeias. Ana Maria Costa e Silva e Sílvia Cunha, da Universidade do Minho, Portugal, relatam-nos no artigo “Formação de Mediadores Sociais na Europa: um projeto piloto” o desenvolvimento e resultados de um projeto europeu financiado (2013 e 2016) no qual participaram cinco países que constituíram uma rede de organizações profissionais e de formação. Foi concebido e testado, através de uma metodologia de ação-investigação-formação colaborativa, um dispositivo de formação de mediadores sociais, inspirado na tradição dos Companheiros do Tour de França. Apesar dos resultados do projeto Arlekin validarem a opção metodológica desta formação contínua, as autoras enfatizam a necessidade de reflexão sobre a formação inicial destes/as profissionais.

E… voltando ao princípio. Este número fecha mais um ciclo de vida da Revista e um ciclo de vida das vidas das pessoas que, durante este tempo, a construíram: a direção, a equipa editorial, a equipa do secretariado. Reiteramos, por isso, os nossos agradecimentos às colegas que connosco fizeram este percurso - Ana Afonso, Anabela Santos, Custódia Martins e Daniela Silva -, cujo entusiasmo, sentido de responsabilidade e consciência de trabalho em prol de um bem público comum, em muito nos apoiou e incentivou na continuidade e na procura de fazer mais e melhor. À Susana Costa, Ana Arqueiro e Francisca Viegas, os nossos reiterados agradecimentos pelo profissionalismo, pelo empenho, pelo abraçar de novos desafios constituídos por novas exigências tecnológicas, de indexação, de atualização constante a vários níveis. Enfim, pelo “vestir a camisola” da RPE, mesmo quando os momentos eram de incerteza. Umas palavras de agradecimento ainda à equipa do RCAAP, sempre disponível para partilhar o seu saber com generosidade e grande profissionalismo.

Este percurso foi possível porque outros e outras antes de nós também o construíram. E será certamente mais rico e continuadamente desafiador para a nova direção, a quem desejamos o melhor; o desejar o improvável para que o (im)possível se concretize.

Uma última palavra para as autoras e os autores, as avaliadoras e os avaliadores, as leitoras e os leitores que connosco caminharam. Lado a lado. OBRIGADA.

Maria Alfredo Moreira

Maria José Casa Nova

Lia Raquel Oliveira

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