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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.31 no.2 Braga dez. 2018

https://doi.org/10.21814/rpe.15895 

EDITORIAL

 

Maria Alfredo Moreira, Maria José Casa Nova & Lia Raquel Oliveira

O número 2 do volume 31 da Revista Portuguesa de Educação (RPE) fecha mais um ciclo de vida da revista, ao encerrar o ano de 2018, ano em que a revista completou 30 anos de existência como publicação. Na linha do já habitual, este número caracteriza-se pela pluralidade de olhares sobre um campo abrangente e multifacetado, incluindo artigos que incidem sobre formação de professores e de outros profissionais, educação infantil, necessidades especiais, ensino de disciplinas escolares, fracasso e insucesso educativos, currículo e organização escolar.

O número abre com o texto de Silvia María Redon Pantoja, Natalia Vallejos Silva e José Félix Angulo Rasco, da Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Chile, com o título “Formación ciudadana y abandono escolar: La ciudadanía negada”. As autoras e autor analisam as mudanças curriculares no que respeita à formação para a cidadania no Chile, a partir dos anos 90, período pós-ditadura, e que, no seu entender, trouxeram uma mudança de paradigma, ao visibilizar temáticas e conteúdos antes silenciados. Todavia, quando se analisa a realidade social e escolar daqueles que vivem o fenómeno do abandono escolar (faixas mais desfavorecidas da população chilena) e se procura compreender que sentido tem este currículo para estes jovens, a partir do seu ponto de vista, a realidade mostra algo muito diferente. Quem vive este processo não acede, efetivamente, a um estatuto de cidadão e cidadã, pois acabam por não ter direito a ter direitos de cidadania.

Alberto Filipe Araújo, da Universidade do Minho, e Joaquim Machado Araújo, da Universidade Católica, ambos de Portugal, trazem-nos o texto “A Educação Nova e o Novismo em Educação: O novo como ilusão necessária”. Numa abordagem simultaneamente atual e útil, apesar da ‘idade’ do movimento, debruçam-se sobre a utopia e ideologia do novo e da novidade no artigo. Os autores analisam os fundamentos e afirmações do movimento da Escola Nova e questionam se terá sido radicalmente inovador. Toda a renovação pedagógica necessita da ilusão da inovação, algo que não estará necessariamente garantido neste movimento.

A reflexão ontológica sobre o papel da escola na educação e socialização de cidadãos e cidadãs continua no texto “A impossibilidade de ensinar Filosofia. Reflexões sobre a aprendizagem do pensar”, de Daniel Ramos, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil. O autor parte de uma premissa radical – de que o ensino da disciplina de Filosofia não ensina a pensar tal como se pensa que o faz, ou que o deve fazer, uma vez que aprender a pensar não pode ser oferecido por outrem externo ao próprio sujeito que pensa. O autor conclui que a distorção do papel da disciplina de Filosofia nas escolas, perspectivada enquanto disciplina que ajuda a pensar, acontece devido ao pendor historiográfico e excessivamente pedagogizante que caracteriza o ensino da Filosofia atual.

As reflexões de natureza ontológica sobre o papel da escola na construção do ser humano prolonga-se no texto “Elementos da fenomenologia como uma das possibilidades de compreender o jogo como um movimento humano significativo”, de António Camilo Cunha, da Universidade do Minho, Portugal, Aguinaldo Surdi, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Danieli Marques, Universidade Federal de Santa Catarina, Elenor Kunz, Universidade Federal de Santa Maria, e Evando Carlos Moreira, Universidade Federal de Mato Grosso, do Brasil. Neste texto, o jogo faz parte de movimentos que se afastam de lógicas instrumentalistas e produtivistas associadas ao lúdico e à aprendizagem, contrariando o processo de reprodução associado à escola. A Educação Física é defendida como área de formação essencial para um desenvolvimento completo e harmonioso do ser humano, aparecendo o jogo, como um dos principais conteúdos da Educação Física escolar, ao serviço de um sentido de experiência vivida, conferindo um entendimento significativo ao uso do corpo e movimento humanos.

“’O pré-escolar faz a diferença?’ Políticas educativas na educação de infância e práticas pedagógicas” é um texto de Manuela Ferreira, da Universidade do Porto, e Catarina Tomás, Instituto Politécnico de Lisboa, ambas de Portugal. As autoras questionam o momento de pressão de globalização hegemónica, de índole neoliberal e mercantilista presente na educação pré-escolar que, ao impor, quase exclusivamente, conhecimentos ditos “úteis”, como a literacia, numeracia e ciência, cedem às pressões dos organismos internacionais. As autoras começam por analisar as OCEPE, questionando as conceções de criança, currículo, educação de infância e papel do/a educador/a, seguindo-se o diálogo com práticas observadas em JI. Concluem que a institucionalização da Educação de Infância em Portugal parece estar orientada para uma precoce escolarização da criança, em detrimento de uma aprendizagem pelo brincar, que é real ‘ofício’ da criança.

A reflexão sobre o papel da educação de infância e do/as educadore/as continua no texto “Análise das concepções de profissionais da educação sobre o desenvolvimento infantil: Um estudo em creches de uma cidade da Paraíba – Brasil”, de Vanessa Alexandrino e Fabíola Aquino, da Universidade Federal da Paraíba. Analisando concepções e práticas de professoras, monitoras e psicólogas escolares, as autoras dão continuidade à discussão do papel do brincar e da mediação do mesmo pelos profissionais, como atividade fundamental nesta etapa da educação. Concluem que é essencial planear as atividades de brincadeira, suportadas pelo devido referencial teórico e conceitos atuais de desenvolvimento infantil, para que a educação infantil cumpra o seu desígnio de desenvolvimento holístico da criança.

A defesa da centralidade do brincar no ofício de ser criança continua no texto “Desafios dos professores na mediação das brincadeiras de crianças com necessidades educacionais especiais na educação infantil”, de Maria Madalena Sant’Anna, da Faculdade Método de São Paulo, Eduardo Manzini, da Universidade Estadual Paulista, Dilmeire Vosgerau, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Vera Capellini, da Universidade Estadual Paulista, e Luzia Pfeifer, da Universidade de São Paulo, todos do Brasil. As autoras e autor investigam, mediante a realização de entrevistas, as perceções de professores sobre os desafios experienciados no trabalho com crianças com necessidades educativas especiais. Concluem que o trabalho docente com estas crianças necessita maior sistematicidade, formação e apoio suplementar para os docentes, de modo a dar o apoio individualizado necessário à eficaz integração e socialização de todas as crianças, e não apenas das crianças com necessidades educativas especiais.

Avançando nos níveis de escolaridade, agora para a educação primária, o texto “O Bom Leitor:  Preditores da Literacia de Leitura dos Alunos Portugueses no PIRLS 2016”, de João Marôco do Instituto Superior de Psicologia Aplicada de Portugal, traz-nos a discussão dos resultados deste teste internacional. Apesar de uma primeira leitura dos resultados indicar variáveis como o tipo de escola (pública vs. privada) ou recursos educativos das famílias como essenciais para definir o bom leitor para este programa, uma leitura mais profunda, que combina resultados de uma análise conjunta das variáveis nos diferentes níveis (escola/ professor, família, aluno) produz interpretações diferentes daquelas às quais se chega com a análise isolada em cada um dos níveis.

A reflexão sobre as questões da literacia académica continua com o texto “As vozes e perspetivas dos aprendentes no âmbito da investigação sobre a escrita”, de José António Carvalho, da Universidade do Minho, Luís Barbeiro, do Instituto Politécnico de Leiria, Luísa Álvares Pereira, da Universidade de Aveiro, todos de Portugal, e de Inês Cardoso, da York University, Canadá e Eduardo Calil, da Universidade Federal de Alagoas, Brasil. Reconhecendo que, quer a investigação sobre a escrita, quer as práticas do seu ensino privilegiam o produto, e não o processo de escrita, os autores e autoras revisitam alguns dos seus estudos sobre o desenvolvimento da escrita e os processos de ensino e aprendizagem da mesma, nos quais as vozes dos alunos sobre e durante este processo, aparecem evidenciadas. Concluem questionando o impacto que o conhecimento produzido pela investigação em didática da escrita tem nos programas escolares e outros documentos reguladores, bem como nas práticas pedagógicas, sem deixar de fazer recomendações para uma outra abordagem da escrita na escola.

“Formação docente em processos de mudança: Análise de uma proposta de inovação curricular em cursos de licenciatura” é o texto que inicia o debate da formação (inicial) de professores e outros profissionais. Da autoria de Elize Keller-Franco, do Centro Universitário Adventista de São Paulo, e Marcos Tarciso Masetto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil, o artigo constitui uma reação às recorrentes críticas à formação inicial de professores. A autora e autor, procedendo ao exame da organização curricular de três licenciaturas recentes de uma universidade pública brasileira (Paraná-Litoral), mostram que há fortes indicadores de inovação nos programas de formação. No caso em análise, e não obstante algumas limitações, concluem que a proposta curricular está ancorada em abordagens críticas e pós-críticas, revelando uma visão transformadora e democrática dos processos de formação.

A reflexão sobre a formação de médicos nas questões de género e sexualidade é abordada no texto “Opção sexual ou orientação sexual? A compreensão de professores de um curso de Medicina sobre sexualidade”, de Yalin Yared, da Universidade do Sul de Santa Catarina e Sônia Maria Martins de Melo, da Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil. Partindo da análise de uma proposta curricular inovadora de um curso de Medicina, largamente fundamentada em autores de orientação crítica e progressista, e orientada para a formação humana e científica dos/as futuros/ as médicos/as e cidadãos e cidadãs, as autoras mostram que, quando inquiridos os formadores, há claramente alguma distância entre o discurso normativo e a prática de formação. O estudo conclui que a matriz social heterossexual normativa e normalizadora também se encontra nos discursos e entendimentos da identidade de género nestes profissionais, algo que urge trabalhar na formação continuada.

O texto “Atuar na indução de professores: que implicações para os diretores escolares portugueses?”, de Marta Mateus Almeida, Estela Costa, Ana Sofia Pinho, Joana Pipa, da Universidade de Lisboa, Portugal, regressa à escola para abordar o papel dos diretores de escolas sobre o processo de indução dos professores principiantes. Sendo considerado um período particularmente importante para a socialização destes profissionais numa nova cultura organizacional, os diretores de escola assumem um papel fundamental no seu acolhimento e promoção de processos de desenvolvimento profissional. O estudo realizado conclui que há uma necessidade sentida pelos diretores de um exercício mais eficaz de liderança pedagógica, de criação de mais espaços de reflexão docente e monitoração das práticas pedagógicas, para que o seu papel seja de maior envolvimento e eficácia.

A secção de artigos termina com o texto de Maria Júlia Melo, Lucinalva Almeida, da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, e Carlinda Leite, da Universidade do Porto, Portugal. Intitulado “Sentidos atribuídos ao significante prática curricular nas produções científicas da ANPEd”, o texto traz uma análise de textos e pósteres apresentados em encontros da Associação Nacional de Pesquisa em Educação do Brasil, procurando desenredar a complexidade da relação entre aquilo que é o currículo prescrito e o currículo vivido nas escolas, através da análise da produção científica. As autoras concluem com a necessidade de continuar a desenvolver um olhar aprofundado sobre o modo como as escolas produzem o currículo (vivido, praticado), enquanto lugares de produção e não de mera reprodução curricular.

O número encerra com a recensão do livro de José Ribeiro Dias, “Na Rota do Mistério. Viver, saber, amar”, editado pela Chiado Books, realizada por Justino Magalhães, da Universidade de Lisboa.

Na linha do que têm sido os votos da direção da RPE, esperamos que este número venha ao encontro das expectativas dos leitores da revista, contribuindo para a discussão de temas essenciais ao exercício de um pensamento e de uma prática socialmente mais relevantes associados à investigação em educação.

 

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