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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.30 no.1 Braga June 2017

https://doi.org/10.21814/rpe.10295 

LEITURAS

 

AZEVEDO, FERNANDO & BALÇA, ÂNGELA (Coords.) (2016). Leitura e Educação Literária. Lisboa: Pactor

Micaela Ramon

Centro de Estudos Humanísticos, Instituto de Letras e Ciências Humanas, Universidade do Minho, Portugal

 

Leitura e Educação Literária, volume saído a público em primeira edição em julho último, reúne um conjunto de dez artigos de autoria diversa, sob a coordenação de Fernando Azevedo e de Ângela Balça, investigadores com reconhecido trabalho de mérito nas áreas dos estudos da criança e da promoção da leitura.

Tal como sugerido pelo título, o denominador comum a todos os capítulos do livro é a educação literária, tema que, não sendo novo, ganhou recentemente visibilidade acrescida ao ser assumido de forma explícita como um domínio autónomo do "Programa e metas curriculares de Português para o ensino básico" (2015), documento oficial que regula as práticas de ensino-aprendizagem da língua materna nos três primeiros ciclos de ensino em Portugal.

Ainda que o conceito de educação literária possa, em sentido lato, ser aplicado ao processo de apropriação de objetos estéticos que se sirvam do código verbal tanto na sua modalidade escrita como oral, a relação entre a leitura e a educação literária surge como a mais natural, justificando por si só o título escolhido para a obra.

No já referido programa de Português para o ensino básico são identificados como principais objetivos da educação literária: 1) o desenvolvimento da capacidade de leitura crítica e 2) a partilha de um património cultural nacional e internacional reconhecido pela(s) comunidade(s). Depreende-se, pois, que a educação literária é tarefa ambiciosa e complexa que almeja alcançar resultados não apenas de natureza académica mas também formativa e cultural. Ou seja, não se trata de um desiderato que se circunscreva à escola e à formação curricular dos indivíduos, mas sim de um projeto de formação contínua dos sujeitos ao longo da vida.

Por essa razão, como é defendido em vários pontos desta obra, a educação literária ultrapassa os domínios da relação professor/aluno para implicar um leque bem mais alargado de intervenientes oriundos de vários setores da estrutura social. Por outro lado, convoca também um conjunto de métodos e de técnicas aplicáveis tanto em contextos de aprendizagem formal como de práticas educativas informais.

De uma forma geral, os Capítulos 1, 3, 4 e 9 do volume em análise discutem aspetos relacionados com os agentes da educação literária.

No primeiro capítulo, os coordenadores da obra definem o conceito em apreço, refletem sobre a relevância da sua prática para a formação dos indivíduos e salientam o interesse de a encarar como uma tarefa coletiva, transversal e contínua que envolve as famílias, os educadores e os professores, sem deixar de considerar outros mediadores que possam atuar em espaços como as instituições culturais, os hospitais e centros de saúde, os transportes públicos ou as prisões, numa dinâmica de formação informal que acompanhe todo o percurso de vida dos sujeitos.

Partindo da convicção de que "a literacia familiar estará sempre relacionada com a influência do meio familiar no sucesso escolar da criança" (p. 31), Cristina Almeida Gonçalves, Maria da Graça Sardinha e Paulo Osório, autores do Capítulo 3, enfatizam a importância da família, sobretudo dos pais, para o desenvolvimento de hábitos de leitura dos filhos e sua consequente educação literária. Apoiados nos resultados de um estudo empírico, sustentam que a literacia familiar é um dos fatores que mais influencia, positiva ou negativamente, a literacia escolar das crianças e dos jovens, ao mesmo tempo que constitui o principal garante de que os leitores formados em tenras idades não o deixarão de ser ao longo da vida.

O foco do quarto capítulo são os mediadores de leitura, nomeadamente aqueles que atuam em espaços como as bibliotecas, as livrarias ou outros contextos culturais em que o contacto com os livros e com a leitura se faça preferencialmente de forma lúdica, muitas vezes tendo como destinatários crianças ainda iletradas ou em fases iniciais de letramento. Jorge Passos Martins e Fernando Azevedo sustentam que "a criança consubstancia-se como um destinatário com pouca experiência no contacto com as obras literárias, influenciada ainda pela literatura oral, tendo, da mesma forma, uma competência enciclopédica reduzida" (p. 51). Cabe assim aos mediadores a importante tarefa de selecionar obras relevantes e de desenvolver estratégias e promover práticas que estimulem a leitura "enquanto atividade que se deseja voluntária e exercitável, pelo sujeito, ao longo da vida, em quantidade e em qualidade" (p. 57).

Embora não se enquadrando no género do artigo científico, mas antes do relato pessoal, o texto de Margarida Junça, que constitui o Capítulo 9, integra ainda, pelo seu tema principal, o bloco de ensaios dedicados aos agentes da educação literária. Sendo a autora contadora de histórias de profissão, partilha com os leitores o seu percurso e as suas conceções sobre o contributo e o relevo deste tipo específico de promotores literários cuja atividade explora as potencialidades do texto oral.

Os textos dos Capítulos 5, 7, 8 e 10 apresentam reflexões que incidem sobre os recursos disponíveis para promover a educação literária e as estratégias ou atividades que visam o mesmo fim.

No Capítulo 5, dedicado às narrativas digitais, Ana Medeiros, Íris Pereira e Clara Pereira Coutinho exploram as potencialidades dos novos suportes para o texto escrito, literário e não literário, os quais implicam necessariamente o desenvolvimento de práticas compósitas de literacia – as multiliteracias. Como se pode ler no texto, "um dos traços distintivos das multiliteracias é o uso de novos géneros de texto, emergentes das novas necessidades comunicacionais (por exemplo, sites), e de géneros textuais renovados pela utilização, muitas vezes múltipla, de novos códigos de significação (por exemplo, SMS)" (p. 60). A partir da análise das valências das ferramentas disponíveis na web 2.0, as autoras defendem a sua utilização como recurso educativo capaz de aproximar os alunos da leitura, mormente literária, tornando-os participantes ativos não apenas na construção dos sentidos dos textos, mas das próprias narrativas.

O Capítulo 7, por seu turno, ocupa-se de um dos recursos mais tradicionais, mas também mais universalmente utilizados, para o ensino-aprendizagem das disciplinas curriculares - no caso concreto, os manuais disponíveis no mercado para a disciplina de Português. Tomando como objeto de estudo três manuais concebidos de acordo com os novos programas em vigor desde 2015, António Carvalho da Silva faz um estudo comparativo dos mesmos incidindo sobre três aspetos essenciais: os paratextos introdutórios; a organização das unidades e das sequências didáticas; e as propostas de atividades de leitura literária que tais manuais propõem. O estudo feito permite-lhe concluir que, se bem que não se encontre nestes novos manuais uma distinção clara entre conteúdos de leitura e conteúdos de leitura literária, as atividades em torno do texto literário continuam a ser a âncora da organização das práticas pedagógicas na aula de língua materna.

Dedicando-se ambos à apresentação de estratégias e de atividades para a promoção da educação literária, os Capítulos 8 e 10 exploram uma dimensão eminentemente prática. No primeiro, Moisés Selfa Satra e Fernando Azevedo põem a ênfase no tratamento didático do texto dramático, apresentando um conjunto de propostas concretas de obras pertencentes a este género literário, particularmente produtivas para o trabalho com alunos dos três ciclos do ensino básico. Por seu lado, o capítulo que encerra o volume, também assinado pelos seus coordenadores, propõe "um conjunto de percursos e de estratégias didáticas" (p. 121) para a promoção da leitura, a partir de um corpus textual selecionado com o propósito de permitir desenvolver, simultaneamente, competências linguístico-culturais e valores de cidadania nos jovens leitores.

Do volume fazem ainda parte dois outros capítulos que abordam problemáticas complementares às que são tratadas nos demais.

O Capítulo 2, escrito por Luísa Araújo, Patrícia Dinis da Costa e Célia Folgado, apresenta os dados dos resultados obtidos pelos alunos portugueses do 4º ano do 1º ciclo num estudo internacional – o PIRLS, Progress in International Reading Literacy Study – destinado a avaliar as suas capacidades de leitura de textos autênticos e integrais, tanto literários como informativos. Em ambos os casos, os alunos portugueses obtiveram bons resultados, sendo classificados acima da média dos participantes dos restantes países avaliados. No entanto, estes resultados francamente positivos e encorajadores não se mantêm ao longo do percurso escolar, levando as autoras a concluir que "no plano internacional, os alunos portugueses do 4º ano de escolaridade apresentam um desempenho em leitura acima da média. No entanto, se considerarmos os resultados de leitura dos alunos portugueses de 15 anos no PISA 2012, verificamos que nos situamos abaixo da média dos 65 países participantes (488 contra uma média de 500)" (p. 26). Esta constatação leva-as a questionarem-se sobre as causas desta aparente perda de competências, adiantando elas a hipótese de que "o sistema de ensino português (…) [possa] não estar a contribuir da melhor forma para o desenvolvimento da compreensão leitora " (p. 26), o que impõe uma reflexão sobre a formação dos professores para atuarem nesta área.

É precisamente esse o tópico desenvolvido no Capítulo 6, no qual Juan de Dios Villanueva Roa "analisa os lugares da literatura numa unidade curricular consagrada à sua didática" (p. 75), descrevendo detalhadamente a forma como tal unidade curricular se encontra organizada de maneira a formar professores-leitores capazes de estimular nos futuros alunos o gosto e o hábito da leitura.

No prefácio que escreveu para a obra em apreço, Fernando Pinto do Amaral reconhece que "não é fácil o contexto em que surge este volume", tendo em conta que "o ensino da literatura atravessa hoje uma certa crise, cujas raízes mergulham profundamente nas questões da sua própria legitimação, cada vez mais claudicante" (p. XI).

No entanto, vale a pena recordar as palavras de Margarida Vieira Mendes que considera que

"a literatura obriga sempre o aprendiz – seja ele professor ou aluno – à prova da leitura, à decifração, à regulação das associações intertextuais, da imaginação, da memória, a uma resposta emocional, a um juízo, a um ato verbal de outra natureza, i.é, a um gesto desautomatizado, pessoal, avesso à repetição. O estatuto peculiar das obras literárias como seres incompletos, ávidos de interpretação e exigindo uma permanente revisão das categorias que aspiram a descrevê-los, gera hábitos disciplinares de aprendizagem e de produção de saber, fabrica atitudes que, por sua vez, marcam o próprio modo do conhecimento, sacudindo fórmulas e ideias feitas" (in Biblos, vol.2, p.146).

É, pois, de extrema relevância social qualquer achega dada no sentido de promover a educação literária dos indivíduos, com particular destaque para as gerações mais jovens, no sentido de os tornar cidadãos mais completos, aptos a apreciarem o mundo na sua dupla vertente ética e estética.

A obra Leitura e Educação Literária, que em boa hora foi publicada pela editora Pactor, dá um relevante contributo nesse sentido. Congregando um conjunto de artigos que, a partir de perspetivas diversas mas complementares, abordam a problemática da presença do texto escrito na vida dos indivíduos, com particular destaque para o contributo que a escola e demais instituições formativas possam dar para a promoção da sua educação literária, esta é sem dúvida uma publicação de referência para pais, educadores, professores e demais mediadores no âmbito da ação pedagógico-cultural.

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